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Introdução

              “Diferente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor.
              Pergunta, não responde. Indaga, não ensina.” (Marilena Chauí)

              “Quem é capaz de ver o mundo é filósofo, que não é capaz, não o é.”
              ( Platão)

              “ Os homens fazem a sua própria história, mas não de maneira
              inaugural e, sim com condições herdadas do passado.” (Karl Marx)

       Como apresentar um trabalho gestado durante alguns anos e que procura se tecer
pelos caminhos da experiência, da pesquisa e da ação corporal docente? Não foi, no
entanto, esta a minha pergunta, pois, se algum dia já a fiz, hoje me pergunto sobre
caminhos que foram direcionados, espalhados e reagrupados e nas múltiplas trilhas da
história da cultura ocidental. São psicodramas que nos enredam e refletem, em nossa
corporeidade, as múltiplas cores de memórias. Memórias que são repetidas,
contraditadas e também desfiadas pelos sujeitos corporificados.


       Encontrei muitos caminhos, recolhi e selecionei alguns que têm sido vividos e
compartilhados com muitas pessoas; a algumas dessas pessoas eu faço referências
explícitas, outras poderão aqui se identificar ou ser identificadas, mas a minha memória
do esquecimento não me possibilitou cita-las nominalmente. Assim, de início, já peço
desculpas àqueles e àquelas que, por ventura, se identifiquem neste trabalho e não
vejam seu nome citado. É que muitas vezes a gente se identifica tanto com uma fala do
outro que a incorpora de forma própria. A palavra do outro passa a ser sua, passa a ser
palavra própria do outro ( Bakhtin, 1997).


       Para a realização do mesmo, foi necessário organiza-lo do ponto de vista de sua
seqüência histórica, uma vez que esta abordagem é fundamental para que a articulação
entre a realidade e a prática pedagógica evidencie as estruturas e as tendências
predominantes no interior da sala de aula.


       Daí o não uso de paráfrases e a citação, na íntegra,do pensamento e a ação, e
como o conteúdo teórico e ideológico das propostas pedagógicas analisadas.
       Há muito      tempo venho sentindo um certo incômodo com as coisas
“arrumadinhas” que me apresentam como conhecimento. A questão especifica da
descorporificação dos conhecimentos na formação docente e na escola apareceu de
modo mais nítido para mim, quando os sentimentos interagiram com alguns saberes
filosóficos e científicos, possibilitando uma compreensão de um outro tipo, mas nem
mais nem menos importante do que aquela percepção que o vivido me provocava. Os
sentidos interagiram com as produções cientificas que buscam romper com a concepção
de objetividade da história e do conhecimento, bem como a objetificação dos sujeitos e
da razão. E através de minha experiência da minha história de vida, da historia da
cultura e da educação brasileira, e na nossa história ocidental da produção do
conhecimento, algumas imagens-memórias que nem sempre vemos ou notamos, que
estão, porém, gravadas em nossa corporeidade. Memórias que foram produzidas em um
determinado tempo e lugar e que se entranharam em nossas víceras, músculos e ossos se
fazendo esquecidas, mas lembradas pela memória individual dos corpos e nas relações
inter-corporeidades. Elas compõem o multiforme vitral de nosso imaginário social e se
fazem presentes em nossas práticas corporais, mesmo quando nossas teorias as
contestam.


       São muitos os pesquisadores e pesquisadoras que vêm estudando a questão da
descorporificação do conhecimento, da corporeidade, da memória e suas marcas no
corpo próprio e na cultura. Alguns deles aparecerão neste trabalho. Cada um adota um
enfoque, uma preocupação mestra que os diferencia e os integra. Busquei produzir uma
abordagem própria, mas também enlaçada pelas várias produções compartilhadas. Sei
que, na área da educação, estas temáticas não tem sido consideradas relevantes, não sei
se por serem interpretadas como algo muito grande, ou muito pequeno. Pode ser em
virtude da fragmentação do tema ou por ele estar sempre ali, em torno, dentro e entre a
gente, algo tão familiar que a nossa atenção não se volta para ele. Pode ser também
porque ainda não nos apropriamos ou produzimos palavras, conceitos e formas para nos
expressarmos sobre o assunto.


       É possível, ainda, que seja devido à forma como a ciência moderna hegemônica
tem compreendido a produção cotidiana dos homens e das mulheres comuns,
identificando os saberes do mundo vivido como não-saberes. Este tipo de ciência
produziu imagens-memórias que ignoram os sentidos como portas e janelas para as
interpretações da vida e assumiu a imagem de uma casca-residência para os comandos
da razão.
Para nós, da Educação, não deveria ser estranho discutir o corpo, visto que são
os caminhos que compõem seu enredo e que, como nos lembra Foucault, entre outros, a
Escola, nós séculos XVIII e XIX, teve um papel central na vigília, na punição e na
produção de cuidados de si que teceram uma corporeidade com baixo teor de resistência
e alto grau de produtividade.


       Hoje, a produção da corporeidade ganhou espaço também nos meios de
comunicação de massa. Diariamente aparecem notícias e programações que evocam e
mostram imagens sobre a AIDS, a sexualidade, as drogas, o meio-ambiente, os juros, a
informática, o cinema, a televisão, os esportes, a música, a juventude, a violência... Nem
todas as notícias e programações apontam para a produção de uma sociedade total ou de
uma sociedade libertária, mas expressam as ambigüidades de uma sociedade de mistura.


       Na educação escolar, ou em casa, as questões da corporeidade reaparecem e se
transformam caleidoscopicamente a cada segundo, deixando professores, professoras,
pais, mães e as diversas pessoas que se colocam como educadores de jovens e de
crianças tontos com a multiplicidade das demandas e das conflitantes respostas que os
diferentes saberes tem produzido.


       No campo da educação as muitas perguntas que nos são feitas, ou que nos
fazemos, nem sempre têm respostas diretas, mas possibilidades, caminhos de diálogo
para além da racionalidade dominante, na qual o corpo entra nesta trama, não como um
componente acessório ou como um principal, mas como um fio imprescindível na rede
ou uma peça colorida que compõem nosso multicolorido campo dos conhecimentos
vividos e compartilhados.


        A produção deste trabalho se deu na vivência e no compartilhamento dos
múltiplos saberes dos espaços-tempos de formação corporificada da professora Aldry. A
problemática central nele abordada é a descorporificação dos saberes produzida pela
racionalidade científica dominante e alguns de seus reflexos na formação docente no
Brasil. Ela aparece de forma complementar nos três momentos em que este texto se
articula, e que serão tratados a seguir. Procuro demonstrar que a formação docente no
Brasil se produziu a
partir do enlaçamento de diferentes       imagens-memórias,   algumas produzidas pela
ciência


 moderna hegemônica, outras, pela educação dos jesuítas corporificada na Ratio
Studiorum e nas ações do clero junto ao Estado brasileiro, outras ainda geradas por
elementos produzidos pela cultura escravocrata e excludente da elite local e aquelas
ressignificadas ou criadas pela cultura industrial moderna.


          Estas imagens-memórias e estas racionalidades aparecem em fragmentos e
caminhos de nossas práticas docentes, embora não se constituam em um amálgama
unitário da racionalidade brasileira. Somos, ao mesmo tempo, herdeiros de imagens-
memórias de uma Modernidade cultural genérica, mas estamos profundamente
marcados por aquelas geradas no ventre de nossa própria história cultural. Ao selecionar
as fontes de imagens-memórias, não houve pretensão de esgotar todas as que
possivelmente tenham contribuído para o desenho da nossa modernidade, mas tratar
daquelas que, pela minha vivência e com base nos estudos preliminares ao meu trabalho
de pesquisa, mais diretamente se relacionavam com a questão central que me moveu a
produzir este texto e a compartilha-lo.


          Para me aproximar desta questão central, organizei minha exposição em três
momentos distintos e complementares, a cada um correspondendo um capítulo.


          No primeiro, eu procurei escrever alguns dos princípios teóricos que me
orientaram e os entreteci com a minha história de aluna, professora e pesquisadora da
formação docente na Universidade e como professora e pesquisadora no Curso Normal.
Procurei traçar um panorama da sociedade brasileira nas décadas de 70, 80 e 90 a partir
das minhas memórias vividas na escola e na formação docente para, compartilhando-as,
ajudar na produção de outras narrativas da nossa cultura escolar e da formação docente.


          No segundo capítulo, enfoquei as transformações que a cultura européia foi
sofrendo a partir do final da Idade Média e como as imagens-memórias de
conhecimento, de mundo, de homem e de corpo foram sendo tramadas e se
transformando nas imagens-memória que hegemonizam e, ainda hoje, estão presentes
na produção de conhecimentos na Universidade, apesar das produções cientificas,
artísticas e políticas do século XX, que contestaram ou se antagonizaram com uma
racionalidade que, apropriando-se da metáfora da máquina, produziu imagens-memória
de mundo, de corpo e de conhecimento maquínicos. A produção do saber rompeu, com
o humanismo, a razão teísta que concebia, no período medieval, o conhecimento como
revelação. Com esta ruptura, o conhecimento passou a ser identificado como uma
produção do trabalho humano, mas conhecer virou maquinar. Nem todos estavam aptos
a esta tarefa que gerou as estátuas pensantes e separou a ciência do mundo vivido.
Apenas alguns poucos passam a ser reconhecidos como conhecedores; apenas alguns
têm seus saberes autorizados e valorizados como saberes validos.


         No terceiro capítulo, procurei, na história da formação da cultura moderna e do
começo da modernidade industrial brasileira, as postura corporal que produzem o
fantástico vitral, cujas cores ainda vejo refletidas na corporeidade dos docentes que
trabalham nos curso de formação de professores. Caminho entre os estilhaços da Ratio
Studiorum dos jesuítas, do pensamento dos membros da Igreja Positivista do Brasil, da
produção dos primeiros estudos culturais sobre o povo brasileiro, de algumas pinturas
produzidas no Brasil dos séculos XVIII e XIX, dos vitrais multicores da produção da
modernidade industrial brasileira, mas também dos movimentos que se antagonizaram à
cultura dominante.


         Tomo a visão como o sentido organizador deste trabalho com pesquisa de campo
que segue anexo, não por acreditar que o olhar é o nosso sentido principal, mas porque
ele se tornou, com a produção da racionalidade Moderna dominante, o sentido mestre.
Ver-se e ver o outro foram as principais palavras dos séculos XVIII e XIX, quando arte
e ciência se articularam na organização de um olhar que identificasse cada qual no seu
lugar.


         Falo a partir do Rio de Janeiro que, até o início do século XX, era o principal
espaço de discussão e das ações sobre as questões nacionais e que produziu muitas das
imagens-memórias hegemônicas e de resistência. Conta-nos Carvalho (1999a) que
                               O Rio de Janeiro dos primeiros anos da República era a
                       maior cidade do país, com mais de 500 mil habitantes. Capital
                       política e administrativa, estava em condições de ser também,
                       pelo menos em tese, o melhor terreno para o desenvolvimento da
                       cidadania. (p.13)
Trata-se também do espaço, cuja subjetividades em fluxo, de afluxos e de
conflitos, de gente de várias culturas, de múltiplas cores de pele e de pele exposta ao
sol, mas também de produção dos primeiros olhares modernos sobre nós mesmos,
nossas brasilidades que foram sendo reduzidas a perspectiva dominante. Aqui foi a
primeira capital do Brasil. Os primeiros contatos com os saberes políticos e científicos
dominantes e de resistência. Saberes que fazem parte de uma rede de imagens-memórias
que adentram produzindo subjetividades. Contudo, nos          saberes hegemônicos da
ciência Moderna, a corporeidade foi interpretada como ruído e gerou uma imagem de
cientista como estátua pensante” que deveria ser capaz de ver o mundo apenas com
objetividade.


          O corpo - e tudo que a ele se referisse – precisava ser disciplinado e, se
possível, até mesmo esquecido. Os afetos, os desejos e os sentidos, ao serem
identificados por essa racionalidade, transformaram-se em impeditivos ao acesso da
verdade e perturbadores das possibilidades de produção do mundo idealizado por
alguns.


          Os poderes do saber que produziu imagens de conhecimento sem corpo ainda
hoje estão presentes em nosso cotidiano de formação docente na Universidade. Para a
produção de outras nacionalidades, creio que seja indispensável identificar algumas das
imagens-memórias descorporificadoras de saberes e, ao encontra-las, ver e enxergar
aquilo que também somos e, sem mágoa, sem revolta, despedirmo-nos suavemente do
passado em busca da produção de imagens- memórias nas quais a diferença não seja um
marco de isolamento, mas de possibilidade de geração de infinitos múltiplos.




   1. Trajeto e descrição de saberes



                        Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel, acredito que
                “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens,
                estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser
                cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é
                vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da
                história. É bala de chumbo para o inovador e a matéria em que se
                afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que
circula a velha cidade.(...) Odeio os indiferentes também, porque me
              provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a
              todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs
              e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não
              fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a
              minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas.
              Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão
              comigo pulsar a atividade da cidade futura, que vamos construir (...)
              (Gramsci, Antonio, La Città Futura, 1917)

       Há pouco tempo é que o corpo começou a ser estudado como suporte de signos,
como corporeidade produzida pelos múltiplos caminhos que tramam a existência
humana. McLaren (1993:22) nos diz que só recentemente o conceito de corpo como um
local de inscrições culturais está ganhando importância como tema de investigação entre
os teóricos sociais contemporâneos. O corpo não está separado da subjetividade, somos
no mundo como corporeidade. Contudo, esta corporeidade tem sido, ao longo da
história, desenhada pelas culturas que produzem técnicas. Na sociedade Moderna tais
técnicas ganham uma dimensão de intervenção nas práticas corporais não apenas de
certo grupos, como acontecia nos mosteiros na Idade Média, mas de toda a sociedade.
Metamorfoseando-se no tempo e no espaço, elas se transformam em política do corpo
com a intervenção dos estados Modernos na vida privada.


       Foi a partir de 1929, com a revista da Escola dos Anmales, que as inscrições
socioculturais no corpo ganharam espaço como temática de estudo. As décadas de
60-70 marcam a época em que o corpo ganhou nas ciências sociais e na história maior
destaque, ante os movimentos de juventude, de feminismo, de gays e lésbicas, de etnias
discriminadas etc. Porter (1992:203) nos informa que o processo desmistificador do
corpo surge como um movimento para demolir as velhas hierarquias culturais que
privilegiam a mente sobre o corpo e, por força de analogia, sancionaram sistemas
inteiros de relações de poder regulador –regulado.


       Crespo (1990) nos conta que a emergência do corpo como tema de estudo
                             processa-se no quadro de uma profunda crise de
                     civilização e de civilizações, à primeira vista, poderia entender-
                     se como um reflexo da crise do próprio Estado, porventura
                     enfraquecido na sua missão de utilizar o corpo como instrumento
                     privilegiado no controle e regularização das condutas humanas.
                     Em qualquer caso, julga-se que as novas maneiras de pensar,
                     sentir e agir o corpo são indicadores de uma mudança. (p.07)
A corporeidade tem forçado sua entrada em nossas salas de aula, seja pela
vontade política de alguns professores, seja pela realidade circundante ou pela força de
propostas governantes, muitas até criticadas por nós. Um exemplo mais recente de
proposta governamental pode ser identificado nos temas transversais presentes nos
PCNs¹(Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho
e Consumo), nos quais as questões ligadas ao corpo estão fortemente presentes, embora
nossas discussões sobre como as mesmas se enlaçam, no cotidiano dos saberes
escolares, ainda estejam bastante capengas.


        Persiste, contudo uma certa resistência de alguns, no sentido de considerar a
relevância do tema para estudos. Outros têm resistências de ordem pessoal para tratar
de questões da corporeidade, quando esta se faz presente. Pode ser pela necessidade de
educarmos, ou deseducarmos, nosso olhar, de observarmos o mundo como outros
sentidos que nos conformam, deformam e também transformam.




___________________
¹Parâmetro Curriculares Nacionais
Não somos sujeitos sem mente, não somos sujeitos sem corpo. Somos sujeitos disto e
daquilo, políticos, psíquicos, de razão e de desejos e nos concretizamos no mundo como
corporeidade imersa no vivido e no compartilhado. Maturana e Varela (1995) nos
ajudam a pensar sobre esta imersão corporificada quando afirmam que
                              Não vemos o “espaço” do mundo – vivemos nosso campo
                visual. Não vemos as “cores” do mundo – vivemos nosso espaço
                cromático. Sem dúvida,[...] habitamos o mundo. Mas, ao examinarmos
                mais de perto como chegamos a conhecer esse mundo, sempre
                descobriremos que não podemos separar nossa história de ações –
                biológicas e sociais – de como ele nos parece ser. É algo tão óbvio e
                próximo de nós que fica muito difícil percebe-lo. (66)
¹                                                                    ²
Estudar a descorporificação dos saberes foi para mim um enorme aprendizado;
foi como ir a um lugar pela primeira vez sem mapa ou indicações de percurso.
Identifique, na gravura de www.imagembank.com uma possibilidade de representação
deste percurso vivenciado e compartilhado. Foi um deslocamento por redes possíveis,
cujas opções eram muitas e que me poderiam ter levado a diferentes lugares. Havia uma
vontade de sair do lugar no qual estava, mas não sabia de antemão o caminho que
percorreria, pois sabia o que desejava desenvolver “as imagens-memórias da formação
docente”, mas estava em duvida como prosseguir, um dia fazendo pesquisa na
Biblioteca da Fassp (Faculdade de Saúde São Paulo), encontrei a “luz” que faltava para
a minha Tese, no livro de Anatomia: onde veio a idéia “Corpo e Corporeidade:
imagens-memórias vividas e compartilhadas na _____________________


¹ e ² imagem captada na internet – www.imagembank.com


formação docente”, cuja pesquisa foi de extremo apoio, na elaboração deste trabalho
podendo afirmar com segurança: “É ali o caminho a seguir”.


        Havia um desejo de ir e, com indicações aqui e ali, catando pistas e analisando
as possibilidades de tempo, de espaço, de políticas, de desejos... enfim, as minhas
possibilidades corporificadas, fui me deslocando. Poderia dizer que a metodologia
usada foi a da errância e dos encontrões permeados pelo desejo de compreender e
compreender-me um pouco mais. Contudo, não creio ter chegado para o lugar que saí.
Houve muitas conexões, quebras e linhas de fuga, mas posso afirmar que cheguei ao
término de um projeto de pesquisa de doutorado que tem possibilidades para novas
conexões. Percorri uma parte do caminho de meu aprendizado como caminhante, como
pesquisadora que ainda não pode abdicar das descrições de saberes, mas que aprendeu a
produzir percursos e a se apropriar das descrições como orientadores possíveis e não
como a verdade que reduz o mundo a si própria.


       Creio que as descrições são importantes pistas, possivelmente por serem eles
parte da racionalidade da ciência, esse espaço dos saberes que trouxe para a humanidade
possibilidades incríveis de vida, mas também de morte. Este espaço que se constrói e se
destrói a cada dia, que é metamorfose, que está em permanente estado de
desterritorialização, embora comporte em si o discurso hegemônico de sua
“absolutização” como saber do mundo.


       Nesta primeira parte do trabalho, apresento algumas descrições e percursos que
foram socialmente sendo produzidos que aparecem de forma singular nos percursos e
nas buscas da Aldry e que podem ajudar-nos a perceber as muitas imagens-memórias
descorporificadoras do saber presentes em nosso mundo vivido.


1.1 Fragmentos do pensar e fazer uma tese


       Convivemos com o novo, o velho e o transitório em estado de instabilidade e é
importante revisitarmos algumas de nossas memórias corporais para que possamos
desfrutar o mundo vivido, compartilhando-o mais intensamente com os outros. O
mundo vivido é anárquico, múltiplo e possui uma aceleração tal, que nos assusta, como
também nos assusta lidarmos com o mais complexo; no entanto, em nossa vida, é o ato
de compartilhar que possibilita novas vivências; nestas, podemos reaprender e criar
criticamente imagens de mundo, de sujeito e de saberes. O deslocamento faz parte do
mundo vivido, contudo nem sempre somos capazes de vê-lo, pois, em nossas memórias
de conhecimento, dominam imagens que tendem ao estático e nos assustamos quando
identificamos movimentos. Em geral, nossa atitude corporal é a de buscarmos, nas
descrições de saberes, as respostas, recolocando nos territórios já conhecidos aquilo que
nos desequilibrou.


       Sinto que é indispensável mexer, bisbilhotar e estilhaçar as imagens-memórias
do esquecimento, aquelas que nos fazem repetir maneiras que questionamos, pois assim
se abre uma possibilidade de tocarmos o futuro do lado de cá, contribuindo para
produzir um tempo de inclusão. Para se tocar, o futuro do lado de cá, é indispensável
também que nos apropriemos criticamente da noção de tempo, produzindo rupturas na
linha “lógica” que une passado, presente e futuro como um contínuo interminável, como
uma repetição. Assim, o tempo precisa também ganhar imagens novas, ser fragmentada.
Precisa ser recriado na nossa memória como possibilidade, e não como determinação.


       O campo de minha busca foi vasto. Ora prestei atenção em algumas técnicas
corporais, no corpo-memória hegemônico, presentes na formação docente e em nossas
repetições, ora ative-me na produção da ciência moderna e suas maneiras de fazer e as
imagens ali produzidas. Dei meia volta e, e nas pesquisa em meus antigos pertences,
identifiquei, nos psicodramas da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, pistas
para a produção da nossa modernidade e de alguns imprintings             que marcam a
corporeidade na formação docente. Essa pesquisa do meu trabalho cotidiano, que inclui
fotos, manchetes, documentos... vejo em mim, nos discursos de alunos e de colegas de
profissão, na bagagem que adquiri no Japão como dekassegue, no Paraná e São
Paulo,nas imagens que nos fazem ser como somos, mas que também nos produzem
questionadores dos fazer-saberes herdados de nossa história de opressões.
       Busquei, em vários campos do conhecimento, argumentos, metáforas e imagens
para compreender a complexa rede de produção de imagens-memórias constestadas,
mas que ainda estão fortemente presentes em nossas práticas docentes. Também
procurei, como respingos, identificar algumas propostas que buscaram instituir novas
práticas corporais na educação ou na formação docente. Propostas que transitaram pelos
espaços-tempos de construção anti-hegemônicos. Caminhos por subjetividades
divergentes cujos saberes se articulam no desejo de deslocar poderes. Astúcias que, para
além das técnicas corporais, bordeiam o estabelecido produzindo artes de fazer.


       Não tive a pretensão e muito menos o desejo de estabelecer uma verdade
absoluta, mas apontar caminhos multiformes, possibilidades, contribuir com um campo
de discussão no qual o processo de repensar nossas imagens-memórias contribua para
que passemos a dar atenção também às sombras, revisitando-as para atiça-las e
descobrir outras formas de fazer-saberes. Identificar, em algumas táticas divergentes, as
transgressões que podem nos ajudar na produção de imagens de conhecimento que
integrem as diversidades em fluxos críticos.
O processo de escolarização e de vivência na sociedade ocidental gravaram, em
nossas memórias, mecanismos que nos têm levado a selecionar, limitando, elementos
com os quais possamos lidar para resolver determinadas questões. São os mecanismos
de inteligência corporal, da memória infinita gravada no corpo. A memória corporal, no
entanto, não abandona o resto do mundo, desconsiderando-o, esta submersa no mundo
vivido e o vive em sua complexidade. É bem possível que este fato nos impeça de agir
com a objetividade desejada pela lógica hegemônica da ciência moderna, que esta
gravada em nossos fazer-saberes docentes, mas que se enlaça com os infinitos saberes
do mundo


       Então presentes na formação docente imagens-memórias dos diferentes ramos da
extensa raiz que se arrasta, submerge, escala muros ou fica pendurada balançando ao
sabor dos ventos. Para ver esse múltiplo, é indispensável revisitar o mito da caverna de




                           ³




Platão²e nos perguntamos se o excesso de luzes não nos deixou incapazes de ver nossas
próprias sombras e o que elas podem nos dizer.


       As idéias de Platão trazem a marca da ousadia, como geralmente acontece com
aqueles que têm a disposição de lançar idéias novas. Ele foi ousado ao propor a
construção de um novo tipo de governo e sociedade, diferentes daqueles que havia em
Atenas. Como pensador atuante, escritor e educador, fundou e dirigiu um centro de
investigação, a “Academia”, que funcionou por mais de mil anos.


       Na Grécia, à medida que a convivência entre as pessoas se tornava mais
complexa, o centro dos interesses filosóficos deixava de ser o cosmo e passava a atuar
como reflexão sobre o agir humano. Com a experiência de um estado democrático, as
mentes se abriram e o homem ganhou uma nova consciência sobre seu valor e sobre o
poder da razão. _____________________
3
 maginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu
nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem se
locomover, forçados a olharem apenas para a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do sol. Acima
do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no
mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e
carregando nos ombros figuras de homens e mulheres, animais cujas sombras são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros
julgam que essas sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são vivos que se movem e falam. Um dos
prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o
muro. Sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos não estão
acostumados; pouco a pouco se habitua a luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente,
ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e somente voltará a ela se
for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz
ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que se
habituar à luz. De volta à caverna, o prisioneiro será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os
outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que jamais abandonaram a caverna.( CHAUÍ, 1994,P.195)




O destino implacável, marcado pela intervenção dos deuses, já não explicava mais os
acontecimentos. Governar, decidir, pensar eram agora tarefas do ser humano.


           Para Platão, a educação também é um processo gradativo de busca da verdade
que já se encontra em sua alma e é essa verdade que determina seu modo de viver. A
educação consiste na atividade que o homem realiza para chegar ás idéias e viver de
acordo com elas. O conhecimento não é algo externo ao sujeito, mas um esforço da
alma para conquistar a verdade. Cabe ao educador levar o aluno a interiorizar-se e sentir
a presença das idéias.


           No mundo sensível (dentro da caverna) temos somente a OPINIÃO. Este nível
representa o conhecimento sensível, aquele que temos das coisas materiais.




                                                                         Platão428-347a.C.4
A opinião e a imaginação deturpam a impressão que temos dos objetos. O nível
superior, dominado pela CIÊNCIA, começa com os conceitos matemáticos, que já
possuem um grande nível de certeza.


         Logo depois vem o conhecimento das idéias e, no topo, está o Bem, simbolizado
pelo Sol. Através da alegoria da caverna, percebemos que o papel do educador consiste
em despertar no educando a presença das idéias do Mundo Ideal em relação ao Mundo
Real, cópia e sombra daquele mundo. Cabe ao educador levar o aluno a comparar e
reconhecer a semelhança entre o objeto deste mundo com o original, a Idéia, que se
encontra no Mundo Ideal, através de um processo de se lembrar daquilo que sua alma já
contemplava antes de se encarcerar na sua prisão, que é seu corpo.


__________
4a Imagem, Platão 428 – 347ª CND, IESDE, Curitiba, 2003. 4b Sócrates tomando cicuta

A alegoria da caverna, do ponto de vista epistemológico, nos mostra que o homem que
vive acorrentado é dominado pelas paixões.Seu conhecimento é imperfeito, e as coisas
não passam de meras aparências (opinião). O filósofo, porém, é aquele que se liberta e
atinge o verdadeiro conhecimento (ciência), quando a razão passa do mundo sensível
para o mundo das idéias, os modelos arquétipos perfeitos da realidade.

                            “Na escola, por exemplo, educar é dar aula. O professor
                   imagina-se especialista em dar aula. Todavia, pode apenas estar
                   treinando os alunos, escamoteando os desafios propriamente educativos
                   e formativos. Perde de vista que seu papel correto não é o de dar aulas,
                   mas o de fazer o aluno aprender. Onde o aluno é objeto, não há
                   educação... Tomamos educação como processo de constituição histórica
                   do sujeito, através do qual se torna capaz de projeto próprio de vida e de
                   sociedade, sem sentido individual e coletivo.” (Demo, Pedro. Questões
                   para teleducação. Vozes, 1998,p.19-20)

         Assim entre luzes, escuros e sombras: questionamos a racionalidade moderna
hegemônica na clareza das críticas à razão objetificante; e, nas sobras de nossos fazer-
saberes docentes, ainda guardamos modos, práticas corporais que nos identificam mais
com o que questionamos do que com o que gostaríamos de estar produzindo; e, no
escuro de nossas práticas cotidianas, usamos astúcias, artes de fazer, para fugirmos dos
estabelecidos e criamos percursos.
4b




       Aldry escreveu em um artigo para o Jornal EntreRios( 30.06.05): Quando
Sócrates4b foi acusado de corromper a juventude por conta de suas idéias e,
questionando se de fato havia falado tais coisas para os jovens ele não hesitou e disse
que sim. Foi condenado a beber Cicuta. Os discípulos elaboraram um plano de fuga
para ele. No entanto, ele não aceitou. Disse que não abriria mão de seus princípios.
Bebeu o veneno e morreu. A grande lição: a verdadeira força vem de não mentirmos,
mesmo que sejamos prejudicados. Isto constitui-se em um valor que perpassa gerações.
A honestidade é um dos valores éticos de maior importância nas relações interpessoais e
temos a demonstração empírica que nos foi deixada por Sócrates.          Os textos dos
filósofos gregos da Antiguidade são, até hoje, objeto de estudo e fundamentam o
pensamento ocidental. Os problemas diante dos quais os filósofos gregos se colocavam,
como a origem e a razão da vida, as relações entre o público e o privado, a natureza do
homem e a justiça social, são assuntos ainda atuais e motivo de muitas controvérsias. Os
mais importantes filósofos gregos foram: Sócrates: Sua principal preocupação era o
comportamento moral dos cidadãos. Por causa das críticas que fazia ao comportamento
de alguns cidadãos. Por causa das críticas que fazia ao comportamento de alguns
cidadãos atenienses, Sócrates foi condenado à morte. Platão: Foi discípulo de Sócrates
e dedicou sua vida ao ensino de filosofia. Platão entendia que o mundo sensível, esse
que nós chamamos de realidade, é apenas um conjunto de aparências falsas, de sombras.
O mundo real seria o das idéias, o qual o homem atinge pelo conhecimento.
Aristóteles: Acreditava na pesquisa e na experimentação cientificas para se chegar ao
conhecimento e à verdade. Os sábios do Renascimento adotaram postura semelhante em
relação ao mundo das ciências.


       Em movimentos produzimos técnicas corporais que podem ser identificadas
tanto nos espaços onde as críticas discursivas, à razão objetificante, são claras, como
artes de fazer em que há apenas um certo inconformismo com as formas dominantes de
saber. Essas astúcias fazem parte do nosso trabalho docente e também de nossa
produção científica, pois, como bem nos relembra Heller(1989:18), o cotidiano faz parte
da vida de todo homem, não há como viver sem estar perpassado pelo cotidiano: em
toda sociedade há uma vida cotidiana e esta é organicamente constituída pela
organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social
sistematizada, o intercâmbio e a purificação.


       Nossa corporeidade nega, repete e recria saberes, maneiras, gestos e afetos do
presente e do passado. Assumo como corporeidade nossa maneira de estar no mundo
com nossa multiplicidade de saberes, interações, percepções, sensações e sentimentos.
Ela nos caracteriza individualmente, mas também nos identifica coletivamente, pois não
é a mente ou o corpo que teima. As subjetividades se apropriam e produzem
conhecimento na interação e no conflito, vão sendo tatuadas imagens na memória
corporal.


       Em nossos corpos estão tatuadas imagens de corpo próprio e de corpo de outros.
O corpo-imagem é produzido nas relações, nos teares, nas danças e contradanças dos
saberes-poderes do mundo. Não é unitário, se metamorfoseia nas interações sociais. A
imagem do corpo próprio se interliga às múltiplas imagens corporais presentes no
contexto cultural, entrelaçando, como nos diz Paul Schilder (1999), o modelo postural
de nosso corpo com o dos corpos alheios, pois vivenciamos as imagens corporais dos
outros. Mauss (1974) as denominam “técnicas corporais”, que são os modos de agir,
as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem
servir-se de seus corpos (p.211)


       As imagens-memórias são as tatuagens psicoculturais impressas em nossa
corporeidade. São memórias do esquecimento, da repetição. Elas nos conduzem à
repetição sem questionamentos, fazem parte dos hábitos de determinados grupos e não
nos perguntamos sobre sua gênese ou sobre sua eficácia. São como manuscritos em
pergaminhos, gravados, apagados da memória-razão, mas presentes devido a sua marca.


       Nós professores e professoras, temos imagens-memórias próprias de uma
produção cultural que nos deixou legados, algumas maneiras de nos comportarmos
como docentes que marcam pertenças. Estas imagens-memórias se expressam em
técnicas corporais que foram gravadas em nós, em nosso processo de formação e na
prática profissional. Marcel Mauss (1974) nos fala que cada sociedade tem hábitos que
lhe são próprios e que
                       esses “hábitos variam não simplesmente com os indivíduos e suas
                imitações, mas sobretudo, com as sociedades, as educações, as
                conveniências e as modas, com os prestígios. É preciso ver técnicas e a
                obra da razão prática coletiva e individual, ali onde de ordinário vêem-
se
                apenas a alma e suas faculdades de repetição (p.214).

         Em nossas técnicas corporais docentes, estão as repetições e também as nossas
maneiras ou artes de fazer, que constituem as mil práticas pelas quais usuários se
reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural
(Certeau,1994:41) e recriam, produzem táticas divergentes, astúcias, podendo formar
redes anti-disciplinares. Em nossas práticas cotidianas docentes (falar, ler, dar aulas,
corrigir trabalhos, elaborar provas...), tanto repetimos o estabelecido como refazemos o
determinado através de pequenos golpes, simulações polimorfas, achados que provocam
euforias, tanto poéticas como bélicas. Certeau(1994) afirma que os gregos designavam
métis, as astúcias e as simulações de plantas e de peixes para sobreviverem. Estas
astúcias introduzem um movimento aleatório no sistema e expressam as possibilidades
das inteligências que articulam o combate ao estabelecido com os prazeres cotidianos.
Ele nos fala, no entanto, que as estratégias escondem sob cálculos objetivos a sua
relação com o poder que os sustenta, guardado pelo lugar próprio ou pela instituição
(p.47)


         No espaço-tempo do vivido, agimos, portanto, muitas vezes através dos habitus4
e outras vezes com astúcias. Quando estamos produzindo conhecimentos científicos,
não estamos livres dos esquemas incorporados em anos de treinamentos e de
convivência, que nos fazem repetir aquilo que questionamos. Contudo, também no
espaço-tempo do vivido produzimos linhas de fuga que rompem com o estabelecido,
nos fazendo sentir estruturados para assumirmos nossas artes de fazer e deixarmos fluir
nossas subjetividades divergentes. Não se trata de fluir um verdadeiro “eu”, que se vê
revelado, mas de possibilitar a visibilidade dos vários “eus”, que se fazem presentes em
nossa subjetividade e que se vão produzindo no diálogo sociocultural.
As subjetividades a que me refiro aqui são aquelas das quais nos fala Guatarri
(1999), subjetividades transitórias, que se contrapõem à idéia de individualidade, que é
um produto da sociedade de massas. Estas, assumindo a produção do conhecimento
como corporeidade, podem criar caminhos de fuga subvertendo a lógica dominante, que
enviou o




________________
3
  Este conceito é trabalhado nas ciências humanas por Bourdieu e por Elias. Aqui, seguindo os caminhos identificados por
Malerba(2000) sobre o conceito em Elias, identifico o habitus sendo produzido a partir de indivíduos interligados e interagentes,
compondo configurações cada vez mais complexas e interligadas quanto mais diferenciadas forem as funções no interior de uma
sociedade (p.214).

4 O acoplamento estrutural é o resultado da interação de dois seres vivos ou mais, com suas histórias de transformação em um
determinado meio. Nos acoplamentos sócio-estruturais a estrutura do indivíduo se mantém, embora sejam produzidas adaptações
para a convivência. Quando não há acoplamento estrutural não há convívio possível e um dos indivíduos pode ser desestruturado,
transformando-se em outra coisa.




sujeito para o espaço do ruído, como agente perturbador e deformador da produção do
conhecimento

          Sem eliminar o sujeito ou coloca-lo como o único foco do olhar, reduzindo-o ora
o sujeito político, ora psíquico, ora biológico, ora social, ou deixando cada parte a
cargo de especialistas que dominam a arte de Amar – “Sociedade dos Poetas Mortos”
-, este trabalho busca a subjetivação do conhecimento em sua trama com o mundo
vivido e compartilhado. Busca, no sujeito corpóreo, a possibilidade de romper com a
lógica objetificante, pois identifica, na vivência compartilhada de mundo, as interações
raízes, nas quais os sujeitos podem produzir linhas de fuga e reprocessar saberes.


          A raiz é a interação das memórias sociais, das memórias dos sujeitos e das
memórias da espécie, redesenhando-as em memórias vividas, ouvidas, faladas, escritas e
compartilhadas. O toque nestas memórias possibilita a desconstrução da imagem
máquina de mundo, de indivíduo, de corpo e de saberes, pois ao serem tocadas, elas
nos fazem menos esquecidos de que foram coladas, pintadas e bordadas por homens e
mulheres corporificados, de que são produto de um tempo e de uma certa maneira de
viver e, portanto, em constante deslocáveis.
Mas isso, me dirão, cria ainda mais complicações para a existência e a docência.
Complicações, não:complexidades.


       Nesta primeira parte do estudo identifiquei alguns caminhos que representam a
descorporificação dos saberes presentes nos diferentes espaços sociais e no espaço
escolar. Aqueles caminhos integram a nossa corporeidade docente, pois compõem as
imagens-memórias que negam os desejos, criam barreiras para as interações afetivas e
identificam o corpo ora como elemento perturbador ao processo de produção e de
reprodução de conhecimentos, ora como elemento acessório. Em geral, quando o corpo
é integrado ao processo de escolarização, esta integração se dá a partir das marcas que
identificam os sujeitos por suas características físicas, inserindo-os na dinâmica da
racionalidade que reduz os sujeitos a objetos. A outra forma comum de sua presença é
como uma área de estudo, e esta costuma estar fortemente protegida com barreiras que
impossibilitam a identificação das tramas que enlaçam o uno e o múltiplo da
corporeidade.


       Morin (1995) afirma que o paradigma da simplicidade é um paradigma que põe
ordem no universo, expulsa dele a desordem e que, apesar de ver o uno e o múltiplo,
não pode ver que o Uno pode ser ao mesmo tempo Múltiplo (p.86). Assim, para
exemplificar essa simplicidade, ele torna o homem como exemplo. Este homem que é,
ao mesmo tempo um ser biológico e cultural, um ser que vive num universo de
linguagem, de imagens, de sentimentos, de consciência e de inconsciência.
                       Ora, estas duas realidades, a realidade biológica e a realidade
                cultural, o paradigma da simplificação obriga-nos a separa-los a
                reduzir a mais complexa à menos complexa. Vai portanto estudar-se o
                homem biológico no departamento de biologia, como um ser
                anatômico,fisiológico, etc., e vai estudar-se o homem nos departamentos
                das ciências humanas e sociais. Vai estudar-se o cérebro como órgão
                biológico e vai estudar-se o espírito, the mind, como função ou realidade
                psicológica esquece-se de que um não existe sem o outro, embora sejam
                tratados por termos e conceitos diferentes.(idem, ibidem)

       Sem conseguirmos identificar as imagens das tramas biossociais que percorrem
nosso processo de conhecer, nossos estudantes da formação docente e nós professores
ainda não nos emaranhamos suficientemente na trama para conhecer o sujeito que se
coloca como corporeidade no mundo e não como cabeça pensante, leitor afetivo, mão
escritora, cidadão político. O corpo é o nó onde concretizamos nossa subjetividade, é
como sujeito encarnado que produzimos e interagimos com a natureza e com as outras
subjetividade, que fazemos o mundo sociocultural.


         No corpo se produz a complexa rede que abrange desde mensagens que estão em
nossos “gens” a mensagens que vão sendo apreendidas e produzidas no tear das
múltiplas relações sociais, diferenciando-nos dos outros animais e fazendo-nos para
além de seres biológicos, seres bioculturais. Não aprendemos com a razão, não
teimamos com a emoção. Aprendemos, teimamos e criamos na corporeidade. Sem
negar a um ou a outro e sem cair na tentação cartesiana de dar ao bio ou ao sócio a
primazia da produção do conhecimento humano, busco na contribuição de Maturana e
Varela (1995) ajuda para afirmar que não há uma descontinuidade entre o social e o
humano e suas raízes biológicas(p.69). O fenômeno do conhecer é um todo integrado,
pois
                       O produzir    do mundo é o cerne     pulsante do conhecimento, e
está
                associado às raízes mais profundas de     nosso ser cognitivo, por mais
sólida
                que nos pareça nossa experiência. E, já que essas raízes se estendem até
                a própria base biológica[...], esse gerar se manifesta em todas as nossas
                ações e em todo o nosso ser. (idem, ibidem)

         Tomando como ponto de partida a eficácia operacional do ser vivo em seu
domínio de existência, que busca manter vivo não os indivíduos isoladamente, mas o
grupo, os outros identificam que a linguagem humana nunca foi inventada por um
sujeito, mas produzida pela interação, pelo desejo de compreender e fazer compreender-
se. Concluem que ela é o liame que possibilitou tanto gerar as regularidades próprias do
                         5
acoplamento estrutural       social humano – produzindo, entre outros fenômenos, as
identidades pessoais em cada um de nós -, como a constituição de uma dinâmica
recursiva do acoplamento sócio-estrutural.
                      A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que
                sempre implica uma experiência nova, só podemos chegar pelo
raciocínio
                motivado pelo encontro com o outro, pela possibilidade de olhar o outro
                como um igual, num ato que habitualmente chamamos de amor- ou, se
         não
                quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro ao nosso
         lado
                na convivência. (Maturana e Varela:1995:263)
Um igual na diferença, mas aceitando o outro ao nosso lado na convivência. A
este ato, os autores denominam de aceitação do outro como legítimo outro e tudo que
limita a aceitação do outro – seja a competição, a posse da verdade ou a certeza
ideológica – destrói ou restringe a ocorrência do fenômeno social e, portanto, também o
humano, porque destrói o processo biológico que o gera (idem, ibidem). Destrói a
espécie, a cultura humana.


          Mas o que é cultura?


Guattari e Rolnik (1999), ao tratarem da produção de subjetividades, falam sobre os
vários sentidos que a palavra “cultura” assumiu no decorrer da história. O mais antigo é
o que aparece na expressão “cultivar o espírito” e tem uma conotação de “cultura de
valor”, por corresponder a um julgamento de valor que determina quem tem Cultura, e
quem não tem: ou se pertence a meios cultos ou se pertence a meios incultos(p.17). É a
cultura civilização que, segundo Elias (1994c), vai aparecer na Europa do século XVI e
vai expressar a idéia de melhor maneira de se comportar diante de outras pessoas, de
melhor maneira de viver.


          O outro sentido refere-se à “cultura alma coletiva”, que é sinônimo de
civilização e não se refere ao par “ter – não ter”, mas a uma lógica na qual
“democraticamente” todos a têm e podem reivindicar sua identidade cultural.
                               É uma espécie de “a priori” da        cultura: fala-se em
cultura
                 cultura underground, cultura técnica etc. É uma espécie de alma um
tanto
                 vaga, difícil de captar, e que se prestou no curso da História a toda
espécie
                 de ambigüidade, pois é uma dimensão semântica que se encontra tanto
no
                 partido     hitleriano, com a      noção de     volk(povo), quanto em
numerosos
                 movimentos de emancipação que querem se reapropriar de sua cultura,
e
                 de seu fundo cultural.(Guattari e Rolnik,1999:17)

          O terceiro sentido é aquele da cultura de massa, a “cultura-mercadoria”, da qual
participam todos os bens, pessoas, referências teóricas e ideológicas relativas à
produção e ao funcionamento de objetos semióticos (livros, filmes, etc), difundidos num
mercado determinado de circulação monetária ou estatal. Difunde-se cultura
exatamente como Coca-Cola, cigarros “de quem sabe o que quer”, carros ou qualquer
coisa.(idem,ibidem).


       Guattari e Rolnik (1999) nos contam, ainda, que a “cultura-mercadoria” é mais
objetiva do que as outras, pois não busca fazer teoria, mas produzir e difundir
mercadorias, em princípio, sem levar em consideração os sistemas de valor distintivos e
sem preocupação com territórios. Não se trata de uma cultura a priori, mas de uma
cultura que se produz, se modifica constantemente (p.19).


       Os autores afirmam ainda que, com a ascensão da burguesia, a “cultura-valor “
parece ter vindo assumir a definição do que pertence e do que não pertence às elites
burguesas, que extraem a legitimidade de seu poder do fato de terem feito certo tipo de
trabalho no campo do saber, no campo das artes e assim por diante. Ao ser tomada
como uma categoria geral de valor cultural no campo das elites burguesas, esta pode ser
usada para designar diferentes níveis culturais em sistemas setoriais de valor – aquilo
que faz com que se fale, por exemplo, em cultura clássica, cultura cientifica, cultura
artística (1999:18). Esta imagem de cultura está muito presente nos fazer-saberes
docentes e não é raro encontrarmos pessoas que se referem umas às outras como
“sujeito sem cultura”.


       A “cultura alma-coletiva” foi elaborada a partir do século XIX. No início ganhou
uma conotação segregacionista e até racista, mas alguns antropólogos, tentando romper
com o seu etnocentrismo, estabelecem uma espécie de policentrismo cultural, no qual se
multiplicou o etnocentrismo e a cada alma coletiva foi atribuída uma cultura. Os povos,
etnias, grupos sociais e sociedades primitivas são informados que “fazem cultura”. São
informados, por exemplo, de que fazem música, dança, atividades de culto, de mitologia
etc. E descobrem isso sobretudo no momento em que pessoas vêm lhes tomar a
produção para expô-la em museus ou vende-la no mercado de arte ou para inseri-la nas
teorias antropológicas científicas em circulação.


       Mas as pessoas não se vêem fazendo cultura, nem dança, nem música. Seus
fazeres estão articulados uns aos outros como forma de expressão, como maneira de
produzir bens e relações sociais. No mundo vivido, não nos questionamos sobre essas
categorias da antropologia e as três visões de cultura aparecem de forma sucessiva,
imbricada e sincrônica em nossos fazer-saberes. Guattari e Rolnik (1999) falam que há
nos meios de comunicação de massa, a produção de uma cultura que se deseja e se
pretende universal. Esta produz imagens-memórias que se aderem aos sujeitos,
contribuindo para a produção e a reprodução de indivíduos com memórias máquinas de
mundo. Entretanto, não apenas os meios de comunicação fazem isto. Nós, professores,
também produzimos e reproduzimos técnicas corporais maquínicas que vão sendo
absorvidas para além do olhar, vão embaraçar-se nas corporeidades e são esquecidas.A
cultura máquina se pretende como a cultura “civilizada”; tem um desejo de
territorialização das resistências, das astúcias e trata as subjetividades divergentes como
nocivas ao sistema. Ela é uma dimensão essencial na confecção da força coletiva de
trabalho, e na confecção[...] de força de controle social( Guattari e Rolnik, 1999: 19).


       As máquinas de produção de subjetividades maquínicas tomam esses três tipos
de “cultura” como referências complementares para a reprodução dos modos de
subjetivação capitalística, que vão sendo produzidos e reproduzidos em vários lugares;
entre eles esta também a estrutura escolar, incluindo-se o ensino superior universitário.
Guattari e Ronik (1999) nos falam que, no sistema capitalístico, a produção é industrial
e se dá em escala internacional. Este sistema tem vocação universal, pois é uma
dimensão essencial na confecção da força coletiva de trabalho e na força de controle
social. A cultura capitalística nos impele à categorização dos sujeitos, à ordenação do
tempo, à medição de nossas maneiras e gestos, ao controle de nossa voz, do que é dito e
escrito. Nesta formação está presente, de forma hegemônica, uma maneira de ser em
que o desejo de possuir coisas, saberes, posições de destaque ou alguém, se apossa de
nossas ações e as comparações entretecem a produção de competições, de campos de
disputas que desconectam as possibilidades de solidariedade, de amor, como nos
falaram Maturana e Varela (1995). Assim, embora essa máquina tenda a tolerar
margens, setores minoritários, tal tolerância representa uma forma de agrupar os
diferentes em um território, para que não fiquem perdidos no mundo e as ações das
máquinas de subjetivação possam atuar minando possibilidades de singularização, de
desterritorialidades.


       As maneiras capitalísticas são incorporadas pelos diferentes sujeitos em
diferentes lugares. Nós professores, as aprendemos tanto em aulas especificas que
tratam das metodologias e das “formas de se portar como professores”, como também
em nossas vivências como estudantes durante toda a nossa escolarização. Aprendemos e
reaprendemos, ainda, em nossas práticas docentes, em conversas com amigos, em
programas de televisão e em filmes. São gestos bastante difíceis de visualizar, maneiras
específicas e formas de ser que são impressas em nossa corporeidade, produzindo uma
cultura corporal docente. Comigo, por exemplo, já aconteceu algumas vezes de ser
identificada como professora. No ônibus, voltando do trabalho, em um hotel fazenda,
na praia, convivendo com amigos e meu filho, na fila do banco... E uma dessas vezes eu
não estava sozinha e a outra professora também foi identificada. Isso não quer dizer que
haja apenas uma maneira de ser professor, mas existem traços que nos identificam e um
estudo como este pode nos ajudar a visualiza-los, sem contudo universaliza-los.


       A visualização, no entanto, não pretende uma “objetificação” dos sujeitos e de
suas formas de ser, reduzindo-os a “aquilo” e colocando-os em compartimentos sem
possibilidade de fugas. Não pretendo uma exposição mercadológica de nossas técnicas
corporais, mas a identificação de algumas imagens-memórias que têm marcado nossa
formação, que, apesar dos discursos críticos, contribuem para bloquear possibilidades
de novos fluxos de saberes e poderes divergentes, pois desejo produzir conhecimentos
que contribuam para a formação de sujeitos singulares que, em sua formação docente,
iniciem processos de identificação de fluxos da produção de conhecimentos, das
produções subjetivas, da produção interativa dos saberes e da dinâmica raiz do mundo.


       Reconheço que a cultura dominante na formação docente, pelo menos dos
espaços nos quais eu convivi, é ainda a dos saberes do corpo que expressam uma
cartografia maquinizada do conhecimento. Já produzimos falas divergentes desta forma
de   racionalidade,   entretanto,   até   agora   continuamos   reproduzindo      saberes
descorporificados. Falamos na relação teoria e prática, em práxis, mas é persistindo e
fazer fazendo que descobriremos o verdadeiro antídoto para as dificuldades de nossos
alunos – porque ele não aprende? e como ele pode aprender?. Tentarei mostrar algumas
atividades que desenvolvi com meus alunos, (seguira fotos em anexo), onde através
deles são capazes de produzir imagens de saberes corporificados.
                     “[...]enquanto categoria abstrata, instituição em si, portadora de
              uma natureza imutável da qual se diga é boa, é má, a escola não existe.
              Daí também que não seja a escola a que se encontre em crise, como
              astuta ou ingenuamente se insiste em apregoar. Fala-se da crise da
escola como se ela existisse desgarrada do contexto histórico-social,
               econômico, político da sociedade concreta onde atua; como se ela
               pudesse ser decifrada sem a inteligência de como o poder, nesta ou
               naquela sociedade, se vem constituindo, a serviço de quem e desservindo
               a quem, em favor de que e contra que”.(Paulo Freire, Genebra,1980)


       Nesta descorporificação alguns professores vão mal... alguns estão satisfeitos. “
que é isso, pessoal? Está tudo jóia” ... mas outros estão preocupados. “ não consigo
mais ensinar! O nível piora a cada ano! Pôxa,o ano passado ate que a coisa andava pra
frente. Este ano ninguém quer nada!...” Sentem-se julgados. “ Que foi que eu fiz? Por
que ninguém quer me ouvir? Vai ver que eu realmente não dou pra ser professora!...”
Questionan-se... “ Por que essa chateação toda? Essas reprovações esses fracassos... De
quem é a culpa? É nossa? Dos alunos? dos programas? “               Para alguns está
intolerável... “ é WATERLOO demais para um só Napoleão!...” acusam “ as turmas
são grandes demais! Os programas sobrecarregam todo mundo. Ninguém agüenta mais
tanta burocracia.
Os que tentam mudar, esbarram em obstáculos de todo tipo (oposição de alguns
colegas, de certos diretores, coordenadores, pais...) tenho documentado dois fatos que
segue anexo de um coordenador do CEFAM(Centro de Especialização e Formação de
Aperfeiçoamento do Magistério) de Penápolis - São Paulo. O senhor “BORGES”,
boicotou os pais para não assinarem o termo de responsabilidade do livro que montei de
uma coletânea de poemas, versos, sonetos das classes literárias do 1°, 2° e 3° ano do
Cefam.E para completar o ano: 2 alunos (Rosangela da Silva Martins e o Paulo
Henquique Apº Pereira) do Cefam foram selecionados para participarem da “ 25ª
Maratona Cívica Cultural” da Maçonaria. Como professora de Português dos dois
fui prestigiar... pois, ao ser anunciado que a Rosangela havia vencido a maratona eu
chorei de alegria, mas o digníssimo “Borges” veio        me recriminou e ofendeu-me
asperamente por estar chorando, pois com isto estaria querendo me “APARECER”...,
pois proferiu este discurso na presença do Paulo e da Rosangela que ficaram
horrorizados pelo ocorrido’. (Aldry, set. 1999). E o outro episódio e da Diretora
Márcia Borges Farias de Barbosa – São Paulo. Como eu lecionava para o curso do
CND ( Curso Normal Descentralizado do IESDE). E o diretor Dr. José Fulaneti de
Nadai requereu os estágios para seus alunos do curso de Pedagogia da Faculdade de
Penápolis, FUNEPE (Fundação Educacional de Penápolis) em minha sala de aula.
Sendo que lecionava em uma da sala da escola “EMEF Gabriel José Martins”, cedido
pela Prefeitura de Barbosa, a caríssima diretora deu o retorno ao diretor, negando a
existência do Curso de Magistério na Escola, onde foi ela quem subscritou a Ata da
Reunião Extraordinária do Conselho Municipal de Educação de Barbosa, pois a mesma
era a secretária, (segue documentos anexo).


       Temos em nós, no entanto, gravadas imagens de saberes que, apesar de não nos
impedirem de vive-los, em geral, nos impedem de compartilha-los. Acreditamos, de
forma dominante, que o pensar se dá na cabeça, prendemos os saberes na razão
maquínica e deixamos de fora o mundo dos afetos, dos sentidos, das intuições e dos
desejos. Esquecemos dos diferentes ritmos da respiração, da pausa do olhar
contemplativo, dos choros dos bebês, do suor escorrendo da atribulada e quente jornada.
Ritmos... ritmos de pausa, de corrida, de gozo, de risos, de recitar. De dançar rock,
músicas de ninar e lambalada... De forma aparentemente contraditória, estão gravadas,
em nossos corpos, imagens de saber prisioneiras da razão objetificante, mas também
dos múltiplos saberes presentes no mundo, embora a racionalidade dominante acabe
sendo identificada como a única válida e produtora de verdades


       Neste trabalho interpreto conhecimentos e saberes como conceitos aproximados
e aptos, por fazer as diferenciações dos campos culturais de saberes agregando palavras
como científicos, religiosos, cotidianos ou de corporeidade. Saber e conhecer se
aproximam deixando visíveis seus laços.


       Ao falar desaberes docentes, estou falando de nossos conhecimentos didático-
pedagógicos, onde vou mostrar um pouco de meu trabalho realizado com os meus
alunos com os psicodramas e estímulos para as inteligências múltiplas, pois desenvolvo
estes estímulos, desde quando iniciei minha carreira profissional em 1984, (segue anexo
fotos) tramados pelas ciências, daqueles produzidos na vivência de nosso trabalho
docente, dos impressos pelas diferentes práticas socioculturais das quais participamos,
daqueles saberes que são entrançados em nossas memórias pelas gerações passadas, das
imagens-memórias presentes nos múltiplos espaços sociais. Saberes que se combinam,
se conectam, se quebram ou caminham para dar continuidade a nossas ações sem que
paremos para identificar qual vale mais ou qual vale menos. Catando experiências que
me ajudem a romper com a lógica que hierarquiza o mundo, que está sempre em busca
de um conhecimento superior aos demais, não identifico, em nossos fazer-saberes
docentes, aquele que mais se destaca, pois eles aparecem enleados, e como nos afirma
Linhares (2000):
                      Não vejo como          possamos restringir      os saberes docentes
àqueles
               internos às escolas ou às instituições de ensino sem sufocar estes
saberes; a
               mesma asfixia penalizaria        docentes se os       considerássemos como
aqueles
               específicos dos professores. No avesso destas procuras, que fecham
na
               escola e nos professores os saberes docentes, talvez pudéssemos indagar
se
               nestes não      estariam     incorporados tanto os saberes dos que já
foram à
               escola, como daqueles outros que nunca estiveram nela. Tanto os
saberes
               populares, domésticos, familiares, religiosos e políticos, como           os
eruditos,
               científicos, filosóficos, artísticos, tecnológicos...(p.36-7)

       E será possível mudar a cultura-imagem hierarquizada de conhecimento gravada
em nós? Será que encontraremos mais diretores, coordenadores e professores que
queiram prejudicar e puxar nosso tapete... ??


       Creio que sim, pois, como parte da cultura, esta pode ser desconstruída, e estou
procurando, no prazer de compartilhar com alguns as minhas preocupações e análises,
pois esses casos são os que tenho documentados e outros não tenho documentos,
somente fatos... sendo que, juntar algumas experiências que podem gerar diferenciadas
entrançaduras. Porém, durante este árduo percurso, fiz uma coisa bastante arriscada para
aqueles que se desejam em diálogo com o campo crítico: abandonei a                 práxis –
“rotina”.


       Como existência?
       Não, como categoria, por enquanto.
       Estou saturada dela e do vazio no qual a colocamos, pois há algum tempo é
comum ouvirmos e lermos sobre a “práxis” na formação docente. Creio que o que a
maioria de nós, professores, buscamos é a ruptura com a imagem dicotômica que
produziu     pares   de   análise   como     teoria/prática,   sujeito/objeto,   alma/corpo,
sentimento/razão e que nos tem conduzido à produção de processos escolares que não
levam em conta os enredamentos. Aliais, fazemos de conta que deixamos fora da escola
o restante dos saberes do mundo, especialmente aqueles que se referem ao corpo, aos
desejos, ao lúdico. A força da imagem-memória de saber arborescente se reproduz para
além da disciplinarização do currículo; ela se expande para o controle e
disciplinarização dos corpos de docentes e de discentes e se metamorfoseia em um
controle intra e intersubjetivo. Temos, por exemplo, ainda fortemente presente nos
cursos de formação docente o grupo de disciplinas denominadas “teóricas”, mais
voltadas para a formação e/ou ensino de conteúdos, e um outro de disciplinas que se
voltariam mais para a “prática”, como uma forma de aplicação ou repetição dos
conteúdos apreendidos no momento anterior, definidos pelos livros didáticos ou pela
“natural” seqüenciação do ensino.


       Há, também, uma repetida dificuldade entre os estudantes na formação docente
em articular a leitura de textos com o cotidiano escolar e/ou social. Nos cursos dominam
as ementas que pouco se enlaçam com as discussões que emergem na sala de aula,
quando deixamos os estudantes falar. O que sentem, o que pensam, o que acontece no
cotidiano escolar e no cotidiano de sua formação pouco interferem no fazer-saberes da
formação docente.
       Lembro-me de uma situação marcante em um encontro que fiz em São Paulo
com vários professores que trabalham com formação docente, com a presença ilustre do
Prof° Celso Antunes. Discutíamos sobre o trabalho dele e houve em certo momento que
ele citou o nome de Paulo Freire e uma professora indagou com arrogância:
                     Como podemos captar o pensamento de Paulo Freire e ensina-
lo
              nas escolas de formação docente?


       Isto foi extremamente representativo da territorialidade da nossa imagem de
saber. Discutíamos as dificuldades que temos para articular teoria e prática, pois a
maioria dos professores ainda diz aos estudantes como deve ser feito ou afirma que não
há receita de bolo. Dominam, nas aulas dos cursos de formação de professores, as ações
nas quais citamos, analisamos e concluímos sobre as falas dos autores sem entretece-las
com o mundo vivido, especialmente com o mundo vivido de nossos estudantes. Para
que isso ocorra, é preciso que eles falem sobre esse mundo e o percebam como um
potencial espaço de saber. Não podemos ensinar, nem apreender saberes corporificados
sem as contra-palavras vividas. Como formadores de professores, não basta dizer ao
outro o que um terceiro disse, nem lhe dar acesso a múltiplos textos. Os sujeitos
conhecem entrançando corporeidades, vivendo a experiência da desterritorialidade e
ressignificando no diálogo, no compartilhamento com as múltiplas vozes sabedoras. O
conhecimento não se dá como uma descoberta individual, mas como um conjunto de
terminais e acessórios interconectatos por linhas de comunicação. Experiências vividas
são ligadas, desagregadas e reinventadas por todos os que participam da polimorfa
reinvenção do mundo. Contudo, como nossos        estudantes podem incorporar     uma
imagem de conhecimento entrelaçando os nossos saberes e as dos livros como as
“palavras verdade”, e repetimos as hierarquias presentes no paradigma arborescente em
nossas práticas corporais?


       Estou buscando desconstruir a imagem de saber presa ao cérebro, á razão e aos
saberes autorizados para nos sentirmos potentes a produzir percursos que nos
possibilitem a geração de imagens-memórias de conhecimentos corporificados. Resolvi
dialogar com o que tem sido considerado “demônios” na produção dos conhecimentos
científicos: a subjetividade, as imagens e o corpo. Trata-se, todavia, de um trabalho
cientifico, sendo indispensável manter a dúvida e a vontade de saber, que é também de
poder, pois, como Celso Antunes afirma: O saber gera poder e o poder, por sua vez,
gera mecanismos de saber para construí-lo, legitimá-lo e garantir sua manutenção(3º
encontro do IESDE/ SP 17.6.03). Desejo construir uma outra forma de poder, mas,
quem sabe, ao entrar no discurso acadêmico, não acabe por reforçar justamente o que
gostaria de estar ajudando a desconstruir? Assim, ficam Deus e o diabo no corpo. A
corporeidade, a existência compartilhada participando da produção desses saberes que
pouco poder individual garantem ao sabedor, mas que abrem a possibilidade, de uma
porta, de saberes com poderes compartilhados.
5


3º encontro do Iesde, Profº Celso Antunes, Carmem, Celso, Ivany, Elisa, eu e as mais duas professoras.

          Assim, para esta professora Aldry, a forma inclusiva de minha subjetividade no
texto é, para além de uma provocação ao desejo do leitor para que leia, critique e
interaja com meu trabalho, um questionamento à imagem hegemônica e impessoal da
produção de conhecimentos científicos. É preciso não só questionar as formas como os
conhecimentos são produzidos mas também como são apresentados às pessoas, pois
conteúdo e forma não se desconectam e a impessoalidade do “nós” tende mais a uma
falsa modéstia, ou ocultação de quem fala, do que a uma concepção de que os
conhecimentos sejam fruto e flor das relações sociais sistematizadas, em um
determinado momento, por alguns sujeitos. Uma sistematização que é singular, mas na
qual estão presentes as múltiplas vozes que nos constituem seres sociais, vozes que
estruturam nossa corporeidade.


          Para os que desejam pureza, este não será um trabalho agradável de ler, pois
propositalmente busquei a multi-referencialidade como um caminho que me possibilitou
a construção de determinados conceitos para poder interagir, olhar, ver e interpretar as
experiências, lutas e conquistas presentes na história da modernidade e na modernidade
brasileira. Diferentemente de uma “sopa epistemológica”, aqui eu me apropriei dos
conceitos dos autores e os mesclei ao meu campo de estudo. Eu me permito releituras e
recontextualizações, pois para ser coerente precisa desterritorializar-me, aventurar-me
no desejo da insegurança.


          Foi este desejo, ligado a uma vontade política de saber, que me conduziu no
estudo, no qual nem sempre aparece um claro recorte do “objeto” ou da disciplina
orientadora das análises. Até mesmo porque, ao tratar da corporeidade e dos saberes
corporificados, a idéia de “recorte”, “objeto” e “disciplina” me parece bastante
descontextualizada. O máximo que minha incapacidade me permitiu foi apresentar
alguns limites territoriais fluidos de uma possibilidade de produção de conhecimento
cientifico que nos ajude na busca de caminhos para romper com os centrismos, que são
excludentes: etnocentrismo, egocentrismo, gnosiocentrismo... convoco a busca de
caminhos para as pluralidades includentes e libertárias.




1.2 -   Memórias da escola


        Gosto de trabalhar meus textos a partir das minhas vivências. Sinto-me
corporificada. Assim, catei entre as minhas memórias, alguns acontecimentos que me
foram ajudando a interagir o já visto. Começo contando a história de minha professora
do magistério em 1982, que fez do seu trabalho não só o ensinar conteúdos de didáticas,
mas também contribuir para que as futuras professoras tenham uma imagem decente.
Ordenava-lhes que se sentassem direito, pois algumas ficavam com as pernas abertas e
até cruzadas com as coxas à mostra. E havia somente um aluno em nossa sala de aula
repleta de meninas, o meu querido amigo Tânios Carlos Abdalla que hoje é vendedor,
não seguiu a carreira de magistério e fez a faculdade em Campo Mourão (Facilcam-
Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão), no curso de Administração. A
professora Lazarina Bassi, tomava atitudes semelhantes à que vários de nós já tomamos,
ela buscava ordem para sua sala e se aborrecia muito com a falta de modos de nos
alunas, com a falta de uma imagem que dignificasse a profissão, e, assim, procurava, no
seu trabalho cotidiano, dar seu exemplo de professora dedicada, ética, digna, honesta,
vestia camisa de fiel professora, com o intuito de suas alunas seguirem sua profissão
por amor, por dedicação, solidariedade, humanismo e deixou uma coleção de livros que
tenho até hoje para pesquisa...{Introdução à Didática Geral, Dinâmica da Escola ,
Imídeo G. Nerici, Editora Científica, Rio de Janeiro, s/d – volumes I,II e III}e tentou
tirar o “diabo” dos corpos de suas alunas, e suas frases marcantes que se perdura até
hoje em minha corporalidade:
                      “lembre-se dos três R: respeito por si, respeito pelo próximo,
               responsabilidade por suas ações”, “Feliz aquele que transfere o que
               sabe e aprende o que ensina! –Cora Coralina”, “Reparta o seu
               conhecimento, é uma forma de alcançar a imortalidade – Laila Lana”, “
Um caminho de mil quilômetros começa com o primeiro passo – Lao
              See”, “Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe
              será favorável – Senica”, “você não pode mudar o passado... mas pode
              mudar o amanhã com os seus atos de hoje – Lazarina Bassi-1982/1983”.

       Ela ao contrário do que muitas vezes acreditamos que aconteça na escola, se
enlaçava com seu fazer docente para além do que a razão objetificante propõe.
Buscando interferir na aparência corporal de suas alunas , e ela usava aquelas calcinhas
de espuma para aumentar o bumbum. Era um charme, poucas pessoas tinham tamanha
coragem como ela naquela época, hoje já é normal e existe até o silicone. Essa
professora se sabe era um sujeito formador de cultura, mas da cultura dominante, pois,
preocupada com     a imagem de respeitabilidade dos professores na sociedade, ela
tomava como referência os padrões de comportamento considerado dignos em nossa
sociedade.


       Uma outra história que aconteceu no CEFAM, onde eu lecionava, neste espaço
escolar também me veio à mente. A situação se desenrola em torno das imagens
comemorativas do Dia Internacional da Mulher afixadas em cartazes e que foram
analisadas pela Secretária Môna, no bom sentido;


                     “Olha, será que estas mulheres têm a cara de todas as mulheres
              que convivem aqui na escola? Não. Realmente não tinham. Não estavam
              ali representadas as funcionárias de apoio, as alunas, nem as
              professoras em sua globalidade. O que víamos eram algumas
              “modelos”, estereótipos de mulher que saem nas revistas de modas.
              Eram algumas das fantasias de mulheres que são vendidas pela mídia.
              Efetivamente, a realidade da maioria das mulheres que trabalham e
              estudam no “CEFAM” é diferente daquelas “modelos” das fotos. Elas
              eram todas brancas, jovens, altas, vestidas com roupas de “griffe” e
              magras.” (Aldry,1999)


       É comum vermos nas paredes das escolas, esses cartazes e não conseguimos
encontrar figuras e imagens que nos represente na integra, com imagens de corpo
recortadas de revistas sem nos questionarmos com estas serão ou não incorporadas às
subjetividades em formação das estudantes. Em geral, objetivando a construção de
painéis agradáveis ao olhar, não percebemos que contribuímos com as máquinas de
subjetivação capitalísticas; ou será mesmo este o objetivo?
Vivi tais fatos sendo professora-pesquisadora, quando lecionava no Cefam e
cursava o mestrado no IBILCE - Unesp – Em São Jose do Rio Preto - São Paulo, na
qual se dava a formação de professores(magistério), em 1999, e gosto de revisitar essas
memórias não apenas para convidar o leitor e a leitora a puxar pelo caminho de algumas
vivências profissionais nas quais o corpo esteve em foco como também agulhar o
determinismo histórico. Somos professores e professores produzidos nos teares de
saberes, poderes e resistências. Sujeitos transitórios, enlaçados por desejos e razões para
mudar, por vontades e racionalizações sobre nossas limitações individuais e sociais que
nos fazem ou ir para onde não desejávamos. Estamos caleidoscopicamente mutantes,
fluidos em nossas subjetividades transitórias , aflitos pela perda das certezas, mas
desejosos de estarmos assim.


       Compartilhamos,      com    alguns,   as   memórias       das   possibilidades   de
transformações, com outros, as memórias das repetições que contestamos e, muitas
vezes, no silêncio de nossas práticas corporais, vivenciamos as aflições das dúvidas:
Como tudo começou? Como me transformei no que sou? Como nossa sociedade se
produziu dessa forma? Como mudar?


       Há sempre a tentação de se buscar a “origem”, mas, como nos alertam Foucault
(1990), Benjamim (1985) e também Bourdieu (1996), há um sério equivoco em
acreditar na possibilidade de se detectar linearmente o momento ou o ponto onde
dizemos que ali está o começo. Vivemos em interações ecológicas. Nestas não só o
organizado conduz a vida. Estão também fortemente presentes os acasos, as fraturas, as
experiências e fatos reais que tanto nos possibilitam as fugas como nos recapturar.
Nossas produções interagem, provocando nossas percepções do mundo, nossas práticas
corporais, levando-nos constantemente a ter de fazer opções, nas condições sócio-
históricas nas quais somos produzidos e nos produzimos sujeitos . Todavia, nossas
opções também vão gerando, degenerando e regenerando nossa sociedade.


       Os conhecimentos tramados pela corporeidade não têm um primeiro, um início
necessário. Não começa, nem mesmo com o nascimento do sujeito, pois se dá no enlace
de gerações, das várias culturas que coabitam o mundo. Dá-se na trama das raízes que
se afundam ou afluem da terra e na conquista de obstáculos, podem ser recombinados
com outros tantas conquistas de nossa existência em amplo aspecto. Imagens guardadas
na memória do esquecimento que, apesar de já não simbolizarem a mesma coisa, ainda
se fazem presentes.


       Muitas vezes procurei pelas razões que me conduziram para este estudo. Parece-
me importante saber meus motivos. Contudo, é certo que nem sempre somos capazes de
primeiro pensar o que faremos e apenas depois de uma construção consciente
iniciarmos um caminho. Assim, caminhei e entrei em um labirinto, e no meu caminhar
produziu algumas conexões, oposições e interações entre “corporeidade, saberes,
imagens-memórias e formação docente”. Transitoriamente produzi conhecimentos e me
produzi uma subjetividade corporificadamente mais fluida e capaz de lidar com as
bricolagens de nossa cultura. Nesta busca por compreender o mundo no qual estamos
inseridos, também me conheci melhor e contínuo a conhecer-me no mundo e o mundo
de mim.


       Revelo-me, no que já sei de mim, aos leitores para ir possibilitando uma
compreensão do texto em suas linhas, entrelinhas, infralinhas e supralinhas. Procuro
compreender-me na complexidade do espaço de formação docente sem cair na tentação
de antagonismos perpétuos ou em composições de relações eternamente pacíficas, em
que aceitar o outro como legítimo outro não é acreditar que tudo está certo, mas que as
“opiniões” devem fazer parte do debate, opinião na concepção platônica, que não
significa um não-saber, uma forma pejorativa de se referir a uma formulação que não
está no campo da filosofia ou da ciência.


      -Admitismos a existência da opinião?
      -Como não?
      -E coincide ela com o saber, ou trata-se de uma faculdade diferente?[...]
      -Indubitavelmente o saber é uma faculdade, e a mais poderosa de todas elas.
      -E a opinião é também uma faculdade?
      -Certamente; pois a opinião não é senão aquilo graças ao qual podemos opinar.
      [...]
      -E a opinião, dizemos nós, é a faculdade de opinar?
      -Sim.
      -E sabemos o que opinamos? Em outras palavras , é o âmbito da opinião o
mesmo que o do saber?
      -Nunca – respondeu. –[...]
      -Talvez aches – disse eu – que a opinião não é algo mais obscuro que o
conhecimento, porém mais luminoso que a ignorância?
      -E em grande medida – respondeu.
      -Logo, está situada entre ambos[...] [Platão, (19--):125-7)
A opinião é um dos saberes que fazem parte do mundo vivido e compartilhado
de todos nós. Ela é, portanto, fundamental, pois nela estão contidas as memórias do que
já foi esquecido, de tão profundamente impresso em nossa corporeidade. Nela estão as
experiências e os fatos reais do que nos constituíram e nos constituem como brasileiros,
como professores (ou futuros professores) brasileiros, que atuamos(ou atuaremos) em
escolas brasileiras, junto a tantos brasileiros e brasileiras.


        Não procuro aqui tecer nenhuma história de rebeldia ou de bravuras. Faço-me
um exercício de deslocamento de minha corporeidade no múltiplo cultural e na
transitoriedade    das   subjetividades     desterritorializadas,   algumas   vezes,   ultra-
territorializadas em outros momentos, e passageiras da raiz produtora da vida. Desejo
possibilitar aos leitores e leitoras      a visualização da teimosia como uma arte do
cotidiano na busca de romper com os determinismos e de fazer viva a corporeidade,
pois na produção de outras imagens-memórias de conhecimento é indispensável nos
apropriarmos daqueles saberes tramados também por músculos, veias e artérias. Fluindo
pela pele e deslizando suavemente de volta para nossas vísceras, conhecimentos que
circulam pelo corpo e não apenas da cabeça: memórias de saberes daqui e de lá, de
muitos espaços-tempos, da unidade e da multiplicidade da qual somos formados.


        E porque é importante um trabalho sobre a descorporificação dos saberes e as
imagens-memórias vividas e compartilhadas na formação docente?


        Creio que há entre nós um enorme incômodo no que se refere, em geral, a
embaraçar-se ou não nos diversos               questionamentos de nossos estudantes ,
especialmente sobre a incompletude dos cursos de formação docente e as desconexões
dos saberes tratados em aula com o mundo por eles vividos. Muitos de nós, professores,
partilhamos com os estudantes, deste e de outros incômodos. Contudo, nem sempre
conseguimos identificar que aí estão presentes pistas, que tanto podem nos levar
continuamente à busca de uma ilha paradisíaca , onde possamos sonhar com o paraíso,
de uma forma “certa”, como podem nos ajudar a compreender que se faz necessário á
transmutação de algumas de nossas imagens-memórias. Revisitar algumas com pode
ser um caminho.
Quando buscamos a corporificação dos saberes, podemos iniciar rupturas com os
processos que constituíram nossas imagens de saber da cabeça e de procura
individualizada por poderes. É indispensável que nos tornemos potencialmente capazes
de compreender que o espaço ensino-aprendizagem é gerado pela interação dos
conhecimentos dos estudantes e dos professores, e que, portanto, toda a maneira como o
indivíduo se vê se conduz em suas relações como os outros depende da estrutura da
associação ou associações a respeito das quais ele aprende a dizer “nós” (Elias,
1994a:39).


       Vou passar o resultado de um questionário das práticas pedagógicas “ O que
pensa o aluno? ”, feito no Colégio Bagozzi em Curitiba com 424 alunos de 8 a 9 anos
em novembro de 2003.


1) Os professores trabalham?
       a) 254 mais ou menos
       b) 40 insatisfatoriamente
       c) 130 muito bem
2) Quando o aluno iria à escola?
       a) 56 sempre
       b) 170 nunca
       c) 198 tivesse vontade
3) O que os professores gostam mais?
       a) 39 conversar
       b) 20 ouvir
       c) 365 falar
4) O que é mais interessante para o aluno?
       a) 65 ir à escola
       b) 169 brincar
       c) 190 assistir TV
5) Para o aluno o que é mais importante aprender?
       a) 275 informações
       b) 69 pensar e refletir
       c) 89 ler, contar e escrever
6) O que deveria desaparecer na escola?
      a) 194 as notas
      b) 54 os livros de literatura
      c) 176 as tarefas


      Pelo o resultado da pesquisa, podemos perceber que as coisas mudam... a escola
já não é mais aquela. De fato, pouco a pouco, as coisas se movem tomando outro
corporeidade, evoluem dia após dia, se transformam e nossas crianças se tornam
criticas e reflexiva, não existe uma coisa fixa, parada, imutável. A escola de hoje, esta
cheias de inovações, impulsionados por tensões, conflitos, esperanças e tentativas
alternativas. Em função das pressões dos grupos sociais, das inovações cientificas ou
das próprias necessidades da economia, a escola muda, adaptando-se sempre aos novos
tempos.




                                                                    6


                 Sim, as coisas mudam...
____________

       6 e 7 a escola já não é mais aquela de 10,20,50 anos atrás. Ela não é estática nem intocável.(cuidado escola!1980)




                                                                                                                7



Nesta música de Gilberto Gil, ela fala sobre um assunto cada vez mais presente na vida
de todos nós: a INTERNET.
                                  PELA INTERNET
                                  Criar meu web site
                               Fazer minha home-page
                                Com quantos gigabytes
                                  Se faz uma jangada
                                 Um barco que veleje

                                    Que veleje nesse informar
                              Que aproveite a vazante da informaré
                              Que leve um oriki do meu velho orixá
                          Ao porto de um disquete de um micro em Taipe

                          Um barco que veleje nesse informar
                          Que aproveite a vazante da informaré
               Que leve meu e-mail até Calcutá
                                 Depois de um hot-link
                  Num site de Helsinque
                                     Para abastecer

                                        Eu quero entrar na rede
                                         Promover um debate
                                           Juntar via internet
                                    Um grupo de tietes de Connecticut

                                          De connecticut acessar
                                      O chefe da Macmilícia de Milão
Um hacker mafioso acaba de soltar
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                              Eu quero entrar na rede pra contactar
                              Os lares do Nepal, os bares do Gabão
                        Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular
                     Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar




                                                                8




          Como você pode ver, é comum na informática usarmos termos estrangeiros.
Nessa música, podemos encontrar alguns, mas há muitos outros que precisam ser
compreendidos por nós, se não quisermos ficar de fora do CYBERSPACE.


          Depois que a internet entrou em nossa vid@, e o @, o emoticons, site,
conversação, hotmail, msn... habitando todo o planeta e morando em todo o lugar que
estivermos, facilitou a vida de todo mundo. Se você não quiser ficar de fora da era da
revolução cibernética... é bom ir se apressando, pois ninguém conseguirá evitar as
transformações que estão ocorrendo no “Cyberspace” e que estão mudando
definitivamente o jeito de lidarmos com as coisas mais simples do cotidiano. Se você
não lida com a internet, como foi que você conseguiu viver até hoje sem ela?
          Já imaginou como seria viver nos próximos anos em ela? Se você achar tais
questões estranhas neste momento, tente imaginar a vida sem água encanada e sem luz
elétrica. Em seguida, pense em como seria a vida hoje sem o telefone, o jornal o rádio
ou a televisão! Essa análise mostra a nossa relação do corpo com a corporeidade com
contínuos movimentos que experimenta, que improvisa , que caminha, que obedeça,
que combine
_________
8 um computador microsolft windows XP professional

com experiências anteriores para se chegar á perfeição. Essas são as corporeidades que
fazem parte de nossa existência, mas devemos saber navegar na Internet pois, a primeira
vez, é um encantamento. A sensação de apertar um botão em casa e entrar
imediatamente num computador do outro lado do mundo, é realmente muito atraente.
Mas atenção: Quando você for navegar na rede, tome cuidado para não se afogar com
tanto lixo e informações sem importância. A grande questão é: como aprender a fazer a
de vida triagem? Isto é, separar aquilo que é importante daquilo que é trivial, o essencial
do superficial, o significativo do ilustrativo? e o professor deve usar essa tecnologia em
sala de aula de maneira que os seus alunos aprendam a “filtrar” informações, diante de
tantos fascínios, e tantas possibilidades que ela oferece.


       Com certeza a maior corporeidade é a comunicação, que tem alterado fortemente
o nosso estilo de vida. A maneira como pensamos, trabalhamos e vivemos, estão sendo
alterados com uma velocidade nunca vista. Estamos presenciando o nascimento de uma
nova cultura corporal que está transformando o planeta. Essa Cibercultura tem
propiciado a abertura de um novo espaço de comunicação. Um trecho tirado de Ismar de
Oliveira Soares, Educomunicação: um campo de mediações. Comunicação & Cultura.
                                     Educação, Cidadania e Consumo – Francisco
               Gutiérrez, ao buscar respostas à pergunta”para que educar na era da
               informação?”, propõe que a escola contemporânea se volte mais para a
               sensibilidade humana que para uma racionalidade abstrata e distante. E
               para que este sentimento aflore com maior naturalidade e a
               comunicação se faça, o autor propõe que a escola eduque para a
               incerteza, para usufruir a vida, para a significação, para a convivência
               e, finalmente, para apropriação da história e da cultura.
               (v.19,p.12-24,set/dez.2000)

Para quem quer mais... E é nesse clima de sonhos e dúvidas que vamos chegando no
meio dessa nossa caminhada corporal. E se você chegou até aqui animado para seguir
em frente, olhando o mundo de outra forma, e com muitas idéias “fervilhando em seu
cérebro”... é um maravilhoso sinal! E como diz o poeta desconhecido:
                              Não há caminho mais correto
                                 e mais belo para seguir
                                      do que aquele
                           em que nosso coração sente alegria.
                                   Só assim temos força
                               para enfrentar suas curvas,
                                 ultrapassar suas pedras
                               e ainda continuar sorrindo...
Num caminho trilhado
                                  com amor e devoção
                            não sentimos medo nem dúvida:
                                       somente a certeza
                                 de que mais um trecho
                                       das nossas vidas,
                                        foi percorrido



1.3 – Saberes que pertence a minha corporeidade


                                      Tentar compreender uma vida como uma série
               única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo
               que não a associação a um “sujeito” cuja constância certamente não é
               senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar
               explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura
               da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes
               estações. ( Bourdieu, 1996:189-90)

       Minha vivência encarnada foi se constituindo em problema de estudo e eu não
posso furtar-me de resgatar alguns fatos de vida que vão também compor a estrutura da
formação docente no Brasil. Fui sendo educada para compreender o conhecimento
como algo que deveria ser arrumado na cabeça, pois meu pai era Rosacruz e minha mãe
Seicho-no-ie, ambos católicos, sou batizada e crismada e eu cheguei até dar aulas de
catequese, mas em virtude de também seguir a filosofia da Seicho-no-ie e freqüentar os
encontros de Jovens , a digníssima Dona Carmem Bassi privou-me de ministrar as
aulas, pois poderia dar má influência as crianças, sendo assim ministrei somente aquele
ano e abandonei a catequese, somente finalizei a turma. Sendo uma pessoa persistente,
cheia de ideais e objetivos, não tendo pressa, aceitando as críticas e eliminando os
erros, procurando ouvir mais, e separar o joio do trigo, não chorando quando sou
magoada, não se entristecendo por qualquer razão, não perdendo o controle em qualquer
situação e não se deixando levar por qualquer situação negativa, seja ela qual for...
minha vida foi se corporificando ...


       Nasci em Peabiru, no Paraná, uma cidade do noroeste paranaense que é
conhecida mais por ter sido o caminho dos índios e dos bandeirantes, pois facilitava o
transporte pelas estradas Peabiruense e a terra é boa para a agricultura. As primeiras
movimentações     no   território   peabiruense,   uma   trilha   transcontinental,   com
aproximadamente três mil quilômetros, que atravessava a América do Sul, desde o
Oceano Pacífico até o Atlântico, cortando o Peru, a Bolívia, o Paraguai e o Brasil,
fazendo um de seus cursos na margem oeste do Rio Mourão, passando pelo atual
Município de Peabiru, daí a razão do nome. A denominação foi dada pelo seu fundador,
o Dr Sady Silva, chefe da 5ª Inspetoria de Terras, vindo da sede em Guarapuava a fim
de ampliar a colonização do Estado do Paraná, por meio da distribuição de terras aos
pioneiros. Este empreendimento fazia parte dos projetos do interventor Manoel Ribas,
pelo Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná.


       Após longos e estudos para a implantação de um povoado, Sady Silva localizou
em pleno sertão uma área ideal para a fundação e um novo patrimônio, denominando-o
de “Peabiru”, cujos significados na língua tupi-guarani apresentam divergências: há
estudiosos que afirmam que os índios guaranis chamavam o estreito caminho
de”Peabeyú”, cujo significado é “Pé” – caminho; “Abe” – Antigo; “Yú” – Ida e Volta,
portanto, “Caminho de Ida e Volta”. Poderia ser traduzido ainda, segundo historiadores,
como “Caminho Batido”, Caminho Pisado” ou “Caminho Amassado”. Outra versão
coerente seria a de “Peapiru”, Caminho ao Peru”, uma vez os povos antigos chamavam
aquele país de “Piru”. Entretanto, os significados tradicionalmente aceitos são “Pe” –
Caminho, “Abiru” – Gramado Amassado, tendo em vista as características físicas da
trilha, ou “Caminho Rumo ao Sertão”, se levado em conta a crença indígena de que a
vereda os conduzia ao que eles chamavam de “Terra-Sem-Males”.


       Muitos dos indígenas, diversas personalidades percorrem o Peabiru, tais como o
aventureiro português Aleixo Garcia, já por volta de 1516; Alvar Nunes Cabeza de
Vaca – primeiro europeu a escrever sobre o Peabiru – em 1541; o Capitão-Mor Afonso
Botelho de San Payo e Souza, em expedição organizada em 1769; e há uma curiosa
lenda de que o próprio São Tomé – o discípulo incrédulo de Jesus Cristo – também
percorrera a trilha para evangelizar os índios, por eles chamado de Pai Sumé.


       O desenvolvimento do povoado de Peabiru só aconteceu de fato no início do
século XX, quando grande número de colonizadores, em sua maioria provenientes das
terras do Sul do Brasil, chegaram trazendo suas famílias e construindo suas casas,
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A descorporificação dos saberes na formação docente

  • 1. Introdução “Diferente dos sofistas, Sócrates não se apresenta como professor. Pergunta, não responde. Indaga, não ensina.” (Marilena Chauí) “Quem é capaz de ver o mundo é filósofo, que não é capaz, não o é.” ( Platão) “ Os homens fazem a sua própria história, mas não de maneira inaugural e, sim com condições herdadas do passado.” (Karl Marx) Como apresentar um trabalho gestado durante alguns anos e que procura se tecer pelos caminhos da experiência, da pesquisa e da ação corporal docente? Não foi, no entanto, esta a minha pergunta, pois, se algum dia já a fiz, hoje me pergunto sobre caminhos que foram direcionados, espalhados e reagrupados e nas múltiplas trilhas da história da cultura ocidental. São psicodramas que nos enredam e refletem, em nossa corporeidade, as múltiplas cores de memórias. Memórias que são repetidas, contraditadas e também desfiadas pelos sujeitos corporificados. Encontrei muitos caminhos, recolhi e selecionei alguns que têm sido vividos e compartilhados com muitas pessoas; a algumas dessas pessoas eu faço referências explícitas, outras poderão aqui se identificar ou ser identificadas, mas a minha memória do esquecimento não me possibilitou cita-las nominalmente. Assim, de início, já peço desculpas àqueles e àquelas que, por ventura, se identifiquem neste trabalho e não vejam seu nome citado. É que muitas vezes a gente se identifica tanto com uma fala do outro que a incorpora de forma própria. A palavra do outro passa a ser sua, passa a ser palavra própria do outro ( Bakhtin, 1997). Para a realização do mesmo, foi necessário organiza-lo do ponto de vista de sua seqüência histórica, uma vez que esta abordagem é fundamental para que a articulação entre a realidade e a prática pedagógica evidencie as estruturas e as tendências predominantes no interior da sala de aula. Daí o não uso de paráfrases e a citação, na íntegra,do pensamento e a ação, e como o conteúdo teórico e ideológico das propostas pedagógicas analisadas. Há muito tempo venho sentindo um certo incômodo com as coisas “arrumadinhas” que me apresentam como conhecimento. A questão especifica da
  • 2. descorporificação dos conhecimentos na formação docente e na escola apareceu de modo mais nítido para mim, quando os sentimentos interagiram com alguns saberes filosóficos e científicos, possibilitando uma compreensão de um outro tipo, mas nem mais nem menos importante do que aquela percepção que o vivido me provocava. Os sentidos interagiram com as produções cientificas que buscam romper com a concepção de objetividade da história e do conhecimento, bem como a objetificação dos sujeitos e da razão. E através de minha experiência da minha história de vida, da historia da cultura e da educação brasileira, e na nossa história ocidental da produção do conhecimento, algumas imagens-memórias que nem sempre vemos ou notamos, que estão, porém, gravadas em nossa corporeidade. Memórias que foram produzidas em um determinado tempo e lugar e que se entranharam em nossas víceras, músculos e ossos se fazendo esquecidas, mas lembradas pela memória individual dos corpos e nas relações inter-corporeidades. Elas compõem o multiforme vitral de nosso imaginário social e se fazem presentes em nossas práticas corporais, mesmo quando nossas teorias as contestam. São muitos os pesquisadores e pesquisadoras que vêm estudando a questão da descorporificação do conhecimento, da corporeidade, da memória e suas marcas no corpo próprio e na cultura. Alguns deles aparecerão neste trabalho. Cada um adota um enfoque, uma preocupação mestra que os diferencia e os integra. Busquei produzir uma abordagem própria, mas também enlaçada pelas várias produções compartilhadas. Sei que, na área da educação, estas temáticas não tem sido consideradas relevantes, não sei se por serem interpretadas como algo muito grande, ou muito pequeno. Pode ser em virtude da fragmentação do tema ou por ele estar sempre ali, em torno, dentro e entre a gente, algo tão familiar que a nossa atenção não se volta para ele. Pode ser também porque ainda não nos apropriamos ou produzimos palavras, conceitos e formas para nos expressarmos sobre o assunto. É possível, ainda, que seja devido à forma como a ciência moderna hegemônica tem compreendido a produção cotidiana dos homens e das mulheres comuns, identificando os saberes do mundo vivido como não-saberes. Este tipo de ciência produziu imagens-memórias que ignoram os sentidos como portas e janelas para as interpretações da vida e assumiu a imagem de uma casca-residência para os comandos da razão.
  • 3. Para nós, da Educação, não deveria ser estranho discutir o corpo, visto que são os caminhos que compõem seu enredo e que, como nos lembra Foucault, entre outros, a Escola, nós séculos XVIII e XIX, teve um papel central na vigília, na punição e na produção de cuidados de si que teceram uma corporeidade com baixo teor de resistência e alto grau de produtividade. Hoje, a produção da corporeidade ganhou espaço também nos meios de comunicação de massa. Diariamente aparecem notícias e programações que evocam e mostram imagens sobre a AIDS, a sexualidade, as drogas, o meio-ambiente, os juros, a informática, o cinema, a televisão, os esportes, a música, a juventude, a violência... Nem todas as notícias e programações apontam para a produção de uma sociedade total ou de uma sociedade libertária, mas expressam as ambigüidades de uma sociedade de mistura. Na educação escolar, ou em casa, as questões da corporeidade reaparecem e se transformam caleidoscopicamente a cada segundo, deixando professores, professoras, pais, mães e as diversas pessoas que se colocam como educadores de jovens e de crianças tontos com a multiplicidade das demandas e das conflitantes respostas que os diferentes saberes tem produzido. No campo da educação as muitas perguntas que nos são feitas, ou que nos fazemos, nem sempre têm respostas diretas, mas possibilidades, caminhos de diálogo para além da racionalidade dominante, na qual o corpo entra nesta trama, não como um componente acessório ou como um principal, mas como um fio imprescindível na rede ou uma peça colorida que compõem nosso multicolorido campo dos conhecimentos vividos e compartilhados. A produção deste trabalho se deu na vivência e no compartilhamento dos múltiplos saberes dos espaços-tempos de formação corporificada da professora Aldry. A problemática central nele abordada é a descorporificação dos saberes produzida pela racionalidade científica dominante e alguns de seus reflexos na formação docente no Brasil. Ela aparece de forma complementar nos três momentos em que este texto se articula, e que serão tratados a seguir. Procuro demonstrar que a formação docente no Brasil se produziu a
  • 4. partir do enlaçamento de diferentes imagens-memórias, algumas produzidas pela ciência moderna hegemônica, outras, pela educação dos jesuítas corporificada na Ratio Studiorum e nas ações do clero junto ao Estado brasileiro, outras ainda geradas por elementos produzidos pela cultura escravocrata e excludente da elite local e aquelas ressignificadas ou criadas pela cultura industrial moderna. Estas imagens-memórias e estas racionalidades aparecem em fragmentos e caminhos de nossas práticas docentes, embora não se constituam em um amálgama unitário da racionalidade brasileira. Somos, ao mesmo tempo, herdeiros de imagens- memórias de uma Modernidade cultural genérica, mas estamos profundamente marcados por aquelas geradas no ventre de nossa própria história cultural. Ao selecionar as fontes de imagens-memórias, não houve pretensão de esgotar todas as que possivelmente tenham contribuído para o desenho da nossa modernidade, mas tratar daquelas que, pela minha vivência e com base nos estudos preliminares ao meu trabalho de pesquisa, mais diretamente se relacionavam com a questão central que me moveu a produzir este texto e a compartilha-lo. Para me aproximar desta questão central, organizei minha exposição em três momentos distintos e complementares, a cada um correspondendo um capítulo. No primeiro, eu procurei escrever alguns dos princípios teóricos que me orientaram e os entreteci com a minha história de aluna, professora e pesquisadora da formação docente na Universidade e como professora e pesquisadora no Curso Normal. Procurei traçar um panorama da sociedade brasileira nas décadas de 70, 80 e 90 a partir das minhas memórias vividas na escola e na formação docente para, compartilhando-as, ajudar na produção de outras narrativas da nossa cultura escolar e da formação docente. No segundo capítulo, enfoquei as transformações que a cultura européia foi sofrendo a partir do final da Idade Média e como as imagens-memórias de conhecimento, de mundo, de homem e de corpo foram sendo tramadas e se transformando nas imagens-memória que hegemonizam e, ainda hoje, estão presentes na produção de conhecimentos na Universidade, apesar das produções cientificas,
  • 5. artísticas e políticas do século XX, que contestaram ou se antagonizaram com uma racionalidade que, apropriando-se da metáfora da máquina, produziu imagens-memória de mundo, de corpo e de conhecimento maquínicos. A produção do saber rompeu, com o humanismo, a razão teísta que concebia, no período medieval, o conhecimento como revelação. Com esta ruptura, o conhecimento passou a ser identificado como uma produção do trabalho humano, mas conhecer virou maquinar. Nem todos estavam aptos a esta tarefa que gerou as estátuas pensantes e separou a ciência do mundo vivido. Apenas alguns poucos passam a ser reconhecidos como conhecedores; apenas alguns têm seus saberes autorizados e valorizados como saberes validos. No terceiro capítulo, procurei, na história da formação da cultura moderna e do começo da modernidade industrial brasileira, as postura corporal que produzem o fantástico vitral, cujas cores ainda vejo refletidas na corporeidade dos docentes que trabalham nos curso de formação de professores. Caminho entre os estilhaços da Ratio Studiorum dos jesuítas, do pensamento dos membros da Igreja Positivista do Brasil, da produção dos primeiros estudos culturais sobre o povo brasileiro, de algumas pinturas produzidas no Brasil dos séculos XVIII e XIX, dos vitrais multicores da produção da modernidade industrial brasileira, mas também dos movimentos que se antagonizaram à cultura dominante. Tomo a visão como o sentido organizador deste trabalho com pesquisa de campo que segue anexo, não por acreditar que o olhar é o nosso sentido principal, mas porque ele se tornou, com a produção da racionalidade Moderna dominante, o sentido mestre. Ver-se e ver o outro foram as principais palavras dos séculos XVIII e XIX, quando arte e ciência se articularam na organização de um olhar que identificasse cada qual no seu lugar. Falo a partir do Rio de Janeiro que, até o início do século XX, era o principal espaço de discussão e das ações sobre as questões nacionais e que produziu muitas das imagens-memórias hegemônicas e de resistência. Conta-nos Carvalho (1999a) que O Rio de Janeiro dos primeiros anos da República era a maior cidade do país, com mais de 500 mil habitantes. Capital política e administrativa, estava em condições de ser também, pelo menos em tese, o melhor terreno para o desenvolvimento da cidadania. (p.13)
  • 6. Trata-se também do espaço, cuja subjetividades em fluxo, de afluxos e de conflitos, de gente de várias culturas, de múltiplas cores de pele e de pele exposta ao sol, mas também de produção dos primeiros olhares modernos sobre nós mesmos, nossas brasilidades que foram sendo reduzidas a perspectiva dominante. Aqui foi a primeira capital do Brasil. Os primeiros contatos com os saberes políticos e científicos dominantes e de resistência. Saberes que fazem parte de uma rede de imagens-memórias que adentram produzindo subjetividades. Contudo, nos saberes hegemônicos da ciência Moderna, a corporeidade foi interpretada como ruído e gerou uma imagem de cientista como estátua pensante” que deveria ser capaz de ver o mundo apenas com objetividade. O corpo - e tudo que a ele se referisse – precisava ser disciplinado e, se possível, até mesmo esquecido. Os afetos, os desejos e os sentidos, ao serem identificados por essa racionalidade, transformaram-se em impeditivos ao acesso da verdade e perturbadores das possibilidades de produção do mundo idealizado por alguns. Os poderes do saber que produziu imagens de conhecimento sem corpo ainda hoje estão presentes em nosso cotidiano de formação docente na Universidade. Para a produção de outras nacionalidades, creio que seja indispensável identificar algumas das imagens-memórias descorporificadoras de saberes e, ao encontra-las, ver e enxergar aquilo que também somos e, sem mágoa, sem revolta, despedirmo-nos suavemente do passado em busca da produção de imagens- memórias nas quais a diferença não seja um marco de isolamento, mas de possibilidade de geração de infinitos múltiplos. 1. Trajeto e descrição de saberes Odeio os indiferentes. Como Friederich Hebbel, acredito que “viver significa tomar partido”. Não podem existir os apenas homens, estranhos à cidade. Quem verdadeiramente vive não pode deixar de ser cidadão e partidário. Indiferença é abulia, parasitismo, covardia, não é vida. Por isso odeio os indiferentes. A indiferença é o peso morto da história. É bala de chumbo para o inovador e a matéria em que se afogam freqüentemente os entusiasmos mais esplendorosos, o fosso que
  • 7. circula a velha cidade.(...) Odeio os indiferentes também, porque me provocam tédio as suas lamúrias de eternos inocentes. Peço contas a todos eles pela maneira como cumpriram a tarefa que a vida lhes impôs e impõe quotidianamente, do que fizeram e sobretudo do que não fizeram. E sinto que posso ser inexorável, que não devo desperdiçar a minha compaixão, que não posso repartir com eles as minhas lágrimas. Sou militante, estou vivo, sinto nas consciências viris dos que estão comigo pulsar a atividade da cidade futura, que vamos construir (...) (Gramsci, Antonio, La Città Futura, 1917) Há pouco tempo é que o corpo começou a ser estudado como suporte de signos, como corporeidade produzida pelos múltiplos caminhos que tramam a existência humana. McLaren (1993:22) nos diz que só recentemente o conceito de corpo como um local de inscrições culturais está ganhando importância como tema de investigação entre os teóricos sociais contemporâneos. O corpo não está separado da subjetividade, somos no mundo como corporeidade. Contudo, esta corporeidade tem sido, ao longo da história, desenhada pelas culturas que produzem técnicas. Na sociedade Moderna tais técnicas ganham uma dimensão de intervenção nas práticas corporais não apenas de certo grupos, como acontecia nos mosteiros na Idade Média, mas de toda a sociedade. Metamorfoseando-se no tempo e no espaço, elas se transformam em política do corpo com a intervenção dos estados Modernos na vida privada. Foi a partir de 1929, com a revista da Escola dos Anmales, que as inscrições socioculturais no corpo ganharam espaço como temática de estudo. As décadas de 60-70 marcam a época em que o corpo ganhou nas ciências sociais e na história maior destaque, ante os movimentos de juventude, de feminismo, de gays e lésbicas, de etnias discriminadas etc. Porter (1992:203) nos informa que o processo desmistificador do corpo surge como um movimento para demolir as velhas hierarquias culturais que privilegiam a mente sobre o corpo e, por força de analogia, sancionaram sistemas inteiros de relações de poder regulador –regulado. Crespo (1990) nos conta que a emergência do corpo como tema de estudo processa-se no quadro de uma profunda crise de civilização e de civilizações, à primeira vista, poderia entender- se como um reflexo da crise do próprio Estado, porventura enfraquecido na sua missão de utilizar o corpo como instrumento privilegiado no controle e regularização das condutas humanas. Em qualquer caso, julga-se que as novas maneiras de pensar, sentir e agir o corpo são indicadores de uma mudança. (p.07)
  • 8. A corporeidade tem forçado sua entrada em nossas salas de aula, seja pela vontade política de alguns professores, seja pela realidade circundante ou pela força de propostas governantes, muitas até criticadas por nós. Um exemplo mais recente de proposta governamental pode ser identificado nos temas transversais presentes nos PCNs¹(Ética, Meio Ambiente, Pluralidade Cultural, Saúde, Orientação Sexual, Trabalho e Consumo), nos quais as questões ligadas ao corpo estão fortemente presentes, embora nossas discussões sobre como as mesmas se enlaçam, no cotidiano dos saberes escolares, ainda estejam bastante capengas. Persiste, contudo uma certa resistência de alguns, no sentido de considerar a relevância do tema para estudos. Outros têm resistências de ordem pessoal para tratar de questões da corporeidade, quando esta se faz presente. Pode ser pela necessidade de educarmos, ou deseducarmos, nosso olhar, de observarmos o mundo como outros sentidos que nos conformam, deformam e também transformam. ___________________ ¹Parâmetro Curriculares Nacionais Não somos sujeitos sem mente, não somos sujeitos sem corpo. Somos sujeitos disto e daquilo, políticos, psíquicos, de razão e de desejos e nos concretizamos no mundo como corporeidade imersa no vivido e no compartilhado. Maturana e Varela (1995) nos ajudam a pensar sobre esta imersão corporificada quando afirmam que Não vemos o “espaço” do mundo – vivemos nosso campo visual. Não vemos as “cores” do mundo – vivemos nosso espaço cromático. Sem dúvida,[...] habitamos o mundo. Mas, ao examinarmos mais de perto como chegamos a conhecer esse mundo, sempre descobriremos que não podemos separar nossa história de ações – biológicas e sociais – de como ele nos parece ser. É algo tão óbvio e próximo de nós que fica muito difícil percebe-lo. (66) ¹ ²
  • 9. Estudar a descorporificação dos saberes foi para mim um enorme aprendizado; foi como ir a um lugar pela primeira vez sem mapa ou indicações de percurso. Identifique, na gravura de www.imagembank.com uma possibilidade de representação deste percurso vivenciado e compartilhado. Foi um deslocamento por redes possíveis, cujas opções eram muitas e que me poderiam ter levado a diferentes lugares. Havia uma vontade de sair do lugar no qual estava, mas não sabia de antemão o caminho que percorreria, pois sabia o que desejava desenvolver “as imagens-memórias da formação docente”, mas estava em duvida como prosseguir, um dia fazendo pesquisa na Biblioteca da Fassp (Faculdade de Saúde São Paulo), encontrei a “luz” que faltava para a minha Tese, no livro de Anatomia: onde veio a idéia “Corpo e Corporeidade: imagens-memórias vividas e compartilhadas na _____________________ ¹ e ² imagem captada na internet – www.imagembank.com formação docente”, cuja pesquisa foi de extremo apoio, na elaboração deste trabalho podendo afirmar com segurança: “É ali o caminho a seguir”. Havia um desejo de ir e, com indicações aqui e ali, catando pistas e analisando as possibilidades de tempo, de espaço, de políticas, de desejos... enfim, as minhas possibilidades corporificadas, fui me deslocando. Poderia dizer que a metodologia usada foi a da errância e dos encontrões permeados pelo desejo de compreender e compreender-me um pouco mais. Contudo, não creio ter chegado para o lugar que saí. Houve muitas conexões, quebras e linhas de fuga, mas posso afirmar que cheguei ao término de um projeto de pesquisa de doutorado que tem possibilidades para novas conexões. Percorri uma parte do caminho de meu aprendizado como caminhante, como pesquisadora que ainda não pode abdicar das descrições de saberes, mas que aprendeu a
  • 10. produzir percursos e a se apropriar das descrições como orientadores possíveis e não como a verdade que reduz o mundo a si própria. Creio que as descrições são importantes pistas, possivelmente por serem eles parte da racionalidade da ciência, esse espaço dos saberes que trouxe para a humanidade possibilidades incríveis de vida, mas também de morte. Este espaço que se constrói e se destrói a cada dia, que é metamorfose, que está em permanente estado de desterritorialização, embora comporte em si o discurso hegemônico de sua “absolutização” como saber do mundo. Nesta primeira parte do trabalho, apresento algumas descrições e percursos que foram socialmente sendo produzidos que aparecem de forma singular nos percursos e nas buscas da Aldry e que podem ajudar-nos a perceber as muitas imagens-memórias descorporificadoras do saber presentes em nosso mundo vivido. 1.1 Fragmentos do pensar e fazer uma tese Convivemos com o novo, o velho e o transitório em estado de instabilidade e é importante revisitarmos algumas de nossas memórias corporais para que possamos desfrutar o mundo vivido, compartilhando-o mais intensamente com os outros. O mundo vivido é anárquico, múltiplo e possui uma aceleração tal, que nos assusta, como também nos assusta lidarmos com o mais complexo; no entanto, em nossa vida, é o ato de compartilhar que possibilita novas vivências; nestas, podemos reaprender e criar criticamente imagens de mundo, de sujeito e de saberes. O deslocamento faz parte do mundo vivido, contudo nem sempre somos capazes de vê-lo, pois, em nossas memórias de conhecimento, dominam imagens que tendem ao estático e nos assustamos quando identificamos movimentos. Em geral, nossa atitude corporal é a de buscarmos, nas descrições de saberes, as respostas, recolocando nos territórios já conhecidos aquilo que nos desequilibrou. Sinto que é indispensável mexer, bisbilhotar e estilhaçar as imagens-memórias do esquecimento, aquelas que nos fazem repetir maneiras que questionamos, pois assim se abre uma possibilidade de tocarmos o futuro do lado de cá, contribuindo para produzir um tempo de inclusão. Para se tocar, o futuro do lado de cá, é indispensável
  • 11. também que nos apropriemos criticamente da noção de tempo, produzindo rupturas na linha “lógica” que une passado, presente e futuro como um contínuo interminável, como uma repetição. Assim, o tempo precisa também ganhar imagens novas, ser fragmentada. Precisa ser recriado na nossa memória como possibilidade, e não como determinação. O campo de minha busca foi vasto. Ora prestei atenção em algumas técnicas corporais, no corpo-memória hegemônico, presentes na formação docente e em nossas repetições, ora ative-me na produção da ciência moderna e suas maneiras de fazer e as imagens ali produzidas. Dei meia volta e, e nas pesquisa em meus antigos pertences, identifiquei, nos psicodramas da vinda da Família Real Portuguesa para o Brasil, pistas para a produção da nossa modernidade e de alguns imprintings que marcam a corporeidade na formação docente. Essa pesquisa do meu trabalho cotidiano, que inclui fotos, manchetes, documentos... vejo em mim, nos discursos de alunos e de colegas de profissão, na bagagem que adquiri no Japão como dekassegue, no Paraná e São Paulo,nas imagens que nos fazem ser como somos, mas que também nos produzem questionadores dos fazer-saberes herdados de nossa história de opressões. Busquei, em vários campos do conhecimento, argumentos, metáforas e imagens para compreender a complexa rede de produção de imagens-memórias constestadas, mas que ainda estão fortemente presentes em nossas práticas docentes. Também procurei, como respingos, identificar algumas propostas que buscaram instituir novas práticas corporais na educação ou na formação docente. Propostas que transitaram pelos espaços-tempos de construção anti-hegemônicos. Caminhos por subjetividades divergentes cujos saberes se articulam no desejo de deslocar poderes. Astúcias que, para além das técnicas corporais, bordeiam o estabelecido produzindo artes de fazer. Não tive a pretensão e muito menos o desejo de estabelecer uma verdade absoluta, mas apontar caminhos multiformes, possibilidades, contribuir com um campo de discussão no qual o processo de repensar nossas imagens-memórias contribua para que passemos a dar atenção também às sombras, revisitando-as para atiça-las e descobrir outras formas de fazer-saberes. Identificar, em algumas táticas divergentes, as transgressões que podem nos ajudar na produção de imagens de conhecimento que integrem as diversidades em fluxos críticos.
  • 12. O processo de escolarização e de vivência na sociedade ocidental gravaram, em nossas memórias, mecanismos que nos têm levado a selecionar, limitando, elementos com os quais possamos lidar para resolver determinadas questões. São os mecanismos de inteligência corporal, da memória infinita gravada no corpo. A memória corporal, no entanto, não abandona o resto do mundo, desconsiderando-o, esta submersa no mundo vivido e o vive em sua complexidade. É bem possível que este fato nos impeça de agir com a objetividade desejada pela lógica hegemônica da ciência moderna, que esta gravada em nossos fazer-saberes docentes, mas que se enlaça com os infinitos saberes do mundo Então presentes na formação docente imagens-memórias dos diferentes ramos da extensa raiz que se arrasta, submerge, escala muros ou fica pendurada balançando ao sabor dos ventos. Para ver esse múltiplo, é indispensável revisitar o mito da caverna de ³ Platão²e nos perguntamos se o excesso de luzes não nos deixou incapazes de ver nossas próprias sombras e o que elas podem nos dizer. As idéias de Platão trazem a marca da ousadia, como geralmente acontece com aqueles que têm a disposição de lançar idéias novas. Ele foi ousado ao propor a construção de um novo tipo de governo e sociedade, diferentes daqueles que havia em Atenas. Como pensador atuante, escritor e educador, fundou e dirigiu um centro de investigação, a “Academia”, que funcionou por mais de mil anos. Na Grécia, à medida que a convivência entre as pessoas se tornava mais complexa, o centro dos interesses filosóficos deixava de ser o cosmo e passava a atuar como reflexão sobre o agir humano. Com a experiência de um estado democrático, as
  • 13. mentes se abriram e o homem ganhou uma nova consciência sobre seu valor e sobre o poder da razão. _____________________ 3 maginemos uma caverna separada do mundo externo por um alto muro, cuja entrada permite a passagem da luz exterior. Desde seu nascimento, geração após geração, seres humanos ali vivem acorrentados, sem poder mover a cabeça para a entrada, nem se locomover, forçados a olharem apenas para a parede do fundo, e sem nunca terem visto o mundo exterior nem a luz do sol. Acima do muro, uma réstia de luz exterior ilumina o espaço habitado pelos prisioneiros, fazendo com que as coisas que se passam no mundo exterior sejam projetadas como sombras nas paredes do fundo da caverna. Por trás do muro, pessoas passam conversando e carregando nos ombros figuras de homens e mulheres, animais cujas sombras são projetadas na parede da caverna. Os prisioneiros julgam que essas sombras são as próprias coisas externas, e que os artefatos projetados são vivos que se movem e falam. Um dos prisioneiros, tomado pela curiosidade, decide fugir da caverna. Fabrica um instrumento com o qual quebra os grilhões e escala o muro. Sai da caverna. No primeiro instante, fica totalmente cego pela luminosidade do sol, com a qual seus olhos não estão acostumados; pouco a pouco se habitua a luz e começa a ver o mundo. Encanta-se, deslumbra-se, tem a felicidade de, finalmente, ver as próprias coisas, descobrindo que, em sua prisão, vira apenas sombras. Deseja ficar longe da caverna e somente voltará a ela se for obrigado, para contar o que viu e libertar os demais. Assim como a subida foi penosa, porque o caminho era íngreme e a luz ofuscante, também o retorno será penoso, pois será preciso habituar-se novamente às trevas, o que é muito mais difícil do que se habituar à luz. De volta à caverna, o prisioneiro será desajeitado, não saberá mover-se nem falar de modo compreensível para os outros, não será acreditado por eles e correrá o risco de ser morto pelos que jamais abandonaram a caverna.( CHAUÍ, 1994,P.195) O destino implacável, marcado pela intervenção dos deuses, já não explicava mais os acontecimentos. Governar, decidir, pensar eram agora tarefas do ser humano. Para Platão, a educação também é um processo gradativo de busca da verdade que já se encontra em sua alma e é essa verdade que determina seu modo de viver. A educação consiste na atividade que o homem realiza para chegar ás idéias e viver de acordo com elas. O conhecimento não é algo externo ao sujeito, mas um esforço da alma para conquistar a verdade. Cabe ao educador levar o aluno a interiorizar-se e sentir a presença das idéias. No mundo sensível (dentro da caverna) temos somente a OPINIÃO. Este nível representa o conhecimento sensível, aquele que temos das coisas materiais. Platão428-347a.C.4
  • 14. A opinião e a imaginação deturpam a impressão que temos dos objetos. O nível superior, dominado pela CIÊNCIA, começa com os conceitos matemáticos, que já possuem um grande nível de certeza. Logo depois vem o conhecimento das idéias e, no topo, está o Bem, simbolizado pelo Sol. Através da alegoria da caverna, percebemos que o papel do educador consiste em despertar no educando a presença das idéias do Mundo Ideal em relação ao Mundo Real, cópia e sombra daquele mundo. Cabe ao educador levar o aluno a comparar e reconhecer a semelhança entre o objeto deste mundo com o original, a Idéia, que se encontra no Mundo Ideal, através de um processo de se lembrar daquilo que sua alma já contemplava antes de se encarcerar na sua prisão, que é seu corpo. __________ 4a Imagem, Platão 428 – 347ª CND, IESDE, Curitiba, 2003. 4b Sócrates tomando cicuta A alegoria da caverna, do ponto de vista epistemológico, nos mostra que o homem que vive acorrentado é dominado pelas paixões.Seu conhecimento é imperfeito, e as coisas não passam de meras aparências (opinião). O filósofo, porém, é aquele que se liberta e atinge o verdadeiro conhecimento (ciência), quando a razão passa do mundo sensível para o mundo das idéias, os modelos arquétipos perfeitos da realidade. “Na escola, por exemplo, educar é dar aula. O professor imagina-se especialista em dar aula. Todavia, pode apenas estar treinando os alunos, escamoteando os desafios propriamente educativos e formativos. Perde de vista que seu papel correto não é o de dar aulas, mas o de fazer o aluno aprender. Onde o aluno é objeto, não há educação... Tomamos educação como processo de constituição histórica do sujeito, através do qual se torna capaz de projeto próprio de vida e de sociedade, sem sentido individual e coletivo.” (Demo, Pedro. Questões para teleducação. Vozes, 1998,p.19-20) Assim entre luzes, escuros e sombras: questionamos a racionalidade moderna hegemônica na clareza das críticas à razão objetificante; e, nas sobras de nossos fazer- saberes docentes, ainda guardamos modos, práticas corporais que nos identificam mais com o que questionamos do que com o que gostaríamos de estar produzindo; e, no escuro de nossas práticas cotidianas, usamos astúcias, artes de fazer, para fugirmos dos estabelecidos e criamos percursos.
  • 15. 4b Aldry escreveu em um artigo para o Jornal EntreRios( 30.06.05): Quando Sócrates4b foi acusado de corromper a juventude por conta de suas idéias e, questionando se de fato havia falado tais coisas para os jovens ele não hesitou e disse que sim. Foi condenado a beber Cicuta. Os discípulos elaboraram um plano de fuga para ele. No entanto, ele não aceitou. Disse que não abriria mão de seus princípios. Bebeu o veneno e morreu. A grande lição: a verdadeira força vem de não mentirmos, mesmo que sejamos prejudicados. Isto constitui-se em um valor que perpassa gerações. A honestidade é um dos valores éticos de maior importância nas relações interpessoais e temos a demonstração empírica que nos foi deixada por Sócrates. Os textos dos filósofos gregos da Antiguidade são, até hoje, objeto de estudo e fundamentam o pensamento ocidental. Os problemas diante dos quais os filósofos gregos se colocavam, como a origem e a razão da vida, as relações entre o público e o privado, a natureza do homem e a justiça social, são assuntos ainda atuais e motivo de muitas controvérsias. Os mais importantes filósofos gregos foram: Sócrates: Sua principal preocupação era o comportamento moral dos cidadãos. Por causa das críticas que fazia ao comportamento de alguns cidadãos. Por causa das críticas que fazia ao comportamento de alguns cidadãos atenienses, Sócrates foi condenado à morte. Platão: Foi discípulo de Sócrates e dedicou sua vida ao ensino de filosofia. Platão entendia que o mundo sensível, esse que nós chamamos de realidade, é apenas um conjunto de aparências falsas, de sombras. O mundo real seria o das idéias, o qual o homem atinge pelo conhecimento. Aristóteles: Acreditava na pesquisa e na experimentação cientificas para se chegar ao conhecimento e à verdade. Os sábios do Renascimento adotaram postura semelhante em relação ao mundo das ciências. Em movimentos produzimos técnicas corporais que podem ser identificadas tanto nos espaços onde as críticas discursivas, à razão objetificante, são claras, como
  • 16. artes de fazer em que há apenas um certo inconformismo com as formas dominantes de saber. Essas astúcias fazem parte do nosso trabalho docente e também de nossa produção científica, pois, como bem nos relembra Heller(1989:18), o cotidiano faz parte da vida de todo homem, não há como viver sem estar perpassado pelo cotidiano: em toda sociedade há uma vida cotidiana e esta é organicamente constituída pela organização do trabalho e da vida privada, os lazeres e o descanso, a atividade social sistematizada, o intercâmbio e a purificação. Nossa corporeidade nega, repete e recria saberes, maneiras, gestos e afetos do presente e do passado. Assumo como corporeidade nossa maneira de estar no mundo com nossa multiplicidade de saberes, interações, percepções, sensações e sentimentos. Ela nos caracteriza individualmente, mas também nos identifica coletivamente, pois não é a mente ou o corpo que teima. As subjetividades se apropriam e produzem conhecimento na interação e no conflito, vão sendo tatuadas imagens na memória corporal. Em nossos corpos estão tatuadas imagens de corpo próprio e de corpo de outros. O corpo-imagem é produzido nas relações, nos teares, nas danças e contradanças dos saberes-poderes do mundo. Não é unitário, se metamorfoseia nas interações sociais. A imagem do corpo próprio se interliga às múltiplas imagens corporais presentes no contexto cultural, entrelaçando, como nos diz Paul Schilder (1999), o modelo postural de nosso corpo com o dos corpos alheios, pois vivenciamos as imagens corporais dos outros. Mauss (1974) as denominam “técnicas corporais”, que são os modos de agir, as maneiras como os homens, sociedade por sociedade e de maneira tradicional, sabem servir-se de seus corpos (p.211) As imagens-memórias são as tatuagens psicoculturais impressas em nossa corporeidade. São memórias do esquecimento, da repetição. Elas nos conduzem à repetição sem questionamentos, fazem parte dos hábitos de determinados grupos e não nos perguntamos sobre sua gênese ou sobre sua eficácia. São como manuscritos em pergaminhos, gravados, apagados da memória-razão, mas presentes devido a sua marca. Nós professores e professoras, temos imagens-memórias próprias de uma produção cultural que nos deixou legados, algumas maneiras de nos comportarmos
  • 17. como docentes que marcam pertenças. Estas imagens-memórias se expressam em técnicas corporais que foram gravadas em nós, em nosso processo de formação e na prática profissional. Marcel Mauss (1974) nos fala que cada sociedade tem hábitos que lhe são próprios e que esses “hábitos variam não simplesmente com os indivíduos e suas imitações, mas sobretudo, com as sociedades, as educações, as conveniências e as modas, com os prestígios. É preciso ver técnicas e a obra da razão prática coletiva e individual, ali onde de ordinário vêem- se apenas a alma e suas faculdades de repetição (p.214). Em nossas técnicas corporais docentes, estão as repetições e também as nossas maneiras ou artes de fazer, que constituem as mil práticas pelas quais usuários se reapropriam do espaço organizado pelas técnicas da produção sociocultural (Certeau,1994:41) e recriam, produzem táticas divergentes, astúcias, podendo formar redes anti-disciplinares. Em nossas práticas cotidianas docentes (falar, ler, dar aulas, corrigir trabalhos, elaborar provas...), tanto repetimos o estabelecido como refazemos o determinado através de pequenos golpes, simulações polimorfas, achados que provocam euforias, tanto poéticas como bélicas. Certeau(1994) afirma que os gregos designavam métis, as astúcias e as simulações de plantas e de peixes para sobreviverem. Estas astúcias introduzem um movimento aleatório no sistema e expressam as possibilidades das inteligências que articulam o combate ao estabelecido com os prazeres cotidianos. Ele nos fala, no entanto, que as estratégias escondem sob cálculos objetivos a sua relação com o poder que os sustenta, guardado pelo lugar próprio ou pela instituição (p.47) No espaço-tempo do vivido, agimos, portanto, muitas vezes através dos habitus4 e outras vezes com astúcias. Quando estamos produzindo conhecimentos científicos, não estamos livres dos esquemas incorporados em anos de treinamentos e de convivência, que nos fazem repetir aquilo que questionamos. Contudo, também no espaço-tempo do vivido produzimos linhas de fuga que rompem com o estabelecido, nos fazendo sentir estruturados para assumirmos nossas artes de fazer e deixarmos fluir nossas subjetividades divergentes. Não se trata de fluir um verdadeiro “eu”, que se vê revelado, mas de possibilitar a visibilidade dos vários “eus”, que se fazem presentes em nossa subjetividade e que se vão produzindo no diálogo sociocultural.
  • 18. As subjetividades a que me refiro aqui são aquelas das quais nos fala Guatarri (1999), subjetividades transitórias, que se contrapõem à idéia de individualidade, que é um produto da sociedade de massas. Estas, assumindo a produção do conhecimento como corporeidade, podem criar caminhos de fuga subvertendo a lógica dominante, que enviou o ________________ 3 Este conceito é trabalhado nas ciências humanas por Bourdieu e por Elias. Aqui, seguindo os caminhos identificados por Malerba(2000) sobre o conceito em Elias, identifico o habitus sendo produzido a partir de indivíduos interligados e interagentes, compondo configurações cada vez mais complexas e interligadas quanto mais diferenciadas forem as funções no interior de uma sociedade (p.214). 4 O acoplamento estrutural é o resultado da interação de dois seres vivos ou mais, com suas histórias de transformação em um determinado meio. Nos acoplamentos sócio-estruturais a estrutura do indivíduo se mantém, embora sejam produzidas adaptações para a convivência. Quando não há acoplamento estrutural não há convívio possível e um dos indivíduos pode ser desestruturado, transformando-se em outra coisa. sujeito para o espaço do ruído, como agente perturbador e deformador da produção do conhecimento Sem eliminar o sujeito ou coloca-lo como o único foco do olhar, reduzindo-o ora o sujeito político, ora psíquico, ora biológico, ora social, ou deixando cada parte a cargo de especialistas que dominam a arte de Amar – “Sociedade dos Poetas Mortos” -, este trabalho busca a subjetivação do conhecimento em sua trama com o mundo vivido e compartilhado. Busca, no sujeito corpóreo, a possibilidade de romper com a lógica objetificante, pois identifica, na vivência compartilhada de mundo, as interações raízes, nas quais os sujeitos podem produzir linhas de fuga e reprocessar saberes. A raiz é a interação das memórias sociais, das memórias dos sujeitos e das memórias da espécie, redesenhando-as em memórias vividas, ouvidas, faladas, escritas e compartilhadas. O toque nestas memórias possibilita a desconstrução da imagem máquina de mundo, de indivíduo, de corpo e de saberes, pois ao serem tocadas, elas nos fazem menos esquecidos de que foram coladas, pintadas e bordadas por homens e mulheres corporificados, de que são produto de um tempo e de uma certa maneira de viver e, portanto, em constante deslocáveis.
  • 19. Mas isso, me dirão, cria ainda mais complicações para a existência e a docência. Complicações, não:complexidades. Nesta primeira parte do estudo identifiquei alguns caminhos que representam a descorporificação dos saberes presentes nos diferentes espaços sociais e no espaço escolar. Aqueles caminhos integram a nossa corporeidade docente, pois compõem as imagens-memórias que negam os desejos, criam barreiras para as interações afetivas e identificam o corpo ora como elemento perturbador ao processo de produção e de reprodução de conhecimentos, ora como elemento acessório. Em geral, quando o corpo é integrado ao processo de escolarização, esta integração se dá a partir das marcas que identificam os sujeitos por suas características físicas, inserindo-os na dinâmica da racionalidade que reduz os sujeitos a objetos. A outra forma comum de sua presença é como uma área de estudo, e esta costuma estar fortemente protegida com barreiras que impossibilitam a identificação das tramas que enlaçam o uno e o múltiplo da corporeidade. Morin (1995) afirma que o paradigma da simplicidade é um paradigma que põe ordem no universo, expulsa dele a desordem e que, apesar de ver o uno e o múltiplo, não pode ver que o Uno pode ser ao mesmo tempo Múltiplo (p.86). Assim, para exemplificar essa simplicidade, ele torna o homem como exemplo. Este homem que é, ao mesmo tempo um ser biológico e cultural, um ser que vive num universo de linguagem, de imagens, de sentimentos, de consciência e de inconsciência. Ora, estas duas realidades, a realidade biológica e a realidade cultural, o paradigma da simplificação obriga-nos a separa-los a reduzir a mais complexa à menos complexa. Vai portanto estudar-se o homem biológico no departamento de biologia, como um ser anatômico,fisiológico, etc., e vai estudar-se o homem nos departamentos das ciências humanas e sociais. Vai estudar-se o cérebro como órgão biológico e vai estudar-se o espírito, the mind, como função ou realidade psicológica esquece-se de que um não existe sem o outro, embora sejam tratados por termos e conceitos diferentes.(idem, ibidem) Sem conseguirmos identificar as imagens das tramas biossociais que percorrem nosso processo de conhecer, nossos estudantes da formação docente e nós professores ainda não nos emaranhamos suficientemente na trama para conhecer o sujeito que se coloca como corporeidade no mundo e não como cabeça pensante, leitor afetivo, mão escritora, cidadão político. O corpo é o nó onde concretizamos nossa subjetividade, é
  • 20. como sujeito encarnado que produzimos e interagimos com a natureza e com as outras subjetividade, que fazemos o mundo sociocultural. No corpo se produz a complexa rede que abrange desde mensagens que estão em nossos “gens” a mensagens que vão sendo apreendidas e produzidas no tear das múltiplas relações sociais, diferenciando-nos dos outros animais e fazendo-nos para além de seres biológicos, seres bioculturais. Não aprendemos com a razão, não teimamos com a emoção. Aprendemos, teimamos e criamos na corporeidade. Sem negar a um ou a outro e sem cair na tentação cartesiana de dar ao bio ou ao sócio a primazia da produção do conhecimento humano, busco na contribuição de Maturana e Varela (1995) ajuda para afirmar que não há uma descontinuidade entre o social e o humano e suas raízes biológicas(p.69). O fenômeno do conhecer é um todo integrado, pois O produzir do mundo é o cerne pulsante do conhecimento, e está associado às raízes mais profundas de nosso ser cognitivo, por mais sólida que nos pareça nossa experiência. E, já que essas raízes se estendem até a própria base biológica[...], esse gerar se manifesta em todas as nossas ações e em todo o nosso ser. (idem, ibidem) Tomando como ponto de partida a eficácia operacional do ser vivo em seu domínio de existência, que busca manter vivo não os indivíduos isoladamente, mas o grupo, os outros identificam que a linguagem humana nunca foi inventada por um sujeito, mas produzida pela interação, pelo desejo de compreender e fazer compreender- se. Concluem que ela é o liame que possibilitou tanto gerar as regularidades próprias do 5 acoplamento estrutural social humano – produzindo, entre outros fenômenos, as identidades pessoais em cada um de nós -, como a constituição de uma dinâmica recursiva do acoplamento sócio-estrutural. A esse ato de ampliar nosso domínio cognitivo reflexivo, que sempre implica uma experiência nova, só podemos chegar pelo raciocínio motivado pelo encontro com o outro, pela possibilidade de olhar o outro como um igual, num ato que habitualmente chamamos de amor- ou, se não quisermos usar uma palavra tão forte, a aceitação do outro ao nosso lado na convivência. (Maturana e Varela:1995:263)
  • 21. Um igual na diferença, mas aceitando o outro ao nosso lado na convivência. A este ato, os autores denominam de aceitação do outro como legítimo outro e tudo que limita a aceitação do outro – seja a competição, a posse da verdade ou a certeza ideológica – destrói ou restringe a ocorrência do fenômeno social e, portanto, também o humano, porque destrói o processo biológico que o gera (idem, ibidem). Destrói a espécie, a cultura humana. Mas o que é cultura? Guattari e Rolnik (1999), ao tratarem da produção de subjetividades, falam sobre os vários sentidos que a palavra “cultura” assumiu no decorrer da história. O mais antigo é o que aparece na expressão “cultivar o espírito” e tem uma conotação de “cultura de valor”, por corresponder a um julgamento de valor que determina quem tem Cultura, e quem não tem: ou se pertence a meios cultos ou se pertence a meios incultos(p.17). É a cultura civilização que, segundo Elias (1994c), vai aparecer na Europa do século XVI e vai expressar a idéia de melhor maneira de se comportar diante de outras pessoas, de melhor maneira de viver. O outro sentido refere-se à “cultura alma coletiva”, que é sinônimo de civilização e não se refere ao par “ter – não ter”, mas a uma lógica na qual “democraticamente” todos a têm e podem reivindicar sua identidade cultural. É uma espécie de “a priori” da cultura: fala-se em cultura cultura underground, cultura técnica etc. É uma espécie de alma um tanto vaga, difícil de captar, e que se prestou no curso da História a toda espécie de ambigüidade, pois é uma dimensão semântica que se encontra tanto no partido hitleriano, com a noção de volk(povo), quanto em numerosos movimentos de emancipação que querem se reapropriar de sua cultura, e de seu fundo cultural.(Guattari e Rolnik,1999:17) O terceiro sentido é aquele da cultura de massa, a “cultura-mercadoria”, da qual participam todos os bens, pessoas, referências teóricas e ideológicas relativas à produção e ao funcionamento de objetos semióticos (livros, filmes, etc), difundidos num
  • 22. mercado determinado de circulação monetária ou estatal. Difunde-se cultura exatamente como Coca-Cola, cigarros “de quem sabe o que quer”, carros ou qualquer coisa.(idem,ibidem). Guattari e Rolnik (1999) nos contam, ainda, que a “cultura-mercadoria” é mais objetiva do que as outras, pois não busca fazer teoria, mas produzir e difundir mercadorias, em princípio, sem levar em consideração os sistemas de valor distintivos e sem preocupação com territórios. Não se trata de uma cultura a priori, mas de uma cultura que se produz, se modifica constantemente (p.19). Os autores afirmam ainda que, com a ascensão da burguesia, a “cultura-valor “ parece ter vindo assumir a definição do que pertence e do que não pertence às elites burguesas, que extraem a legitimidade de seu poder do fato de terem feito certo tipo de trabalho no campo do saber, no campo das artes e assim por diante. Ao ser tomada como uma categoria geral de valor cultural no campo das elites burguesas, esta pode ser usada para designar diferentes níveis culturais em sistemas setoriais de valor – aquilo que faz com que se fale, por exemplo, em cultura clássica, cultura cientifica, cultura artística (1999:18). Esta imagem de cultura está muito presente nos fazer-saberes docentes e não é raro encontrarmos pessoas que se referem umas às outras como “sujeito sem cultura”. A “cultura alma-coletiva” foi elaborada a partir do século XIX. No início ganhou uma conotação segregacionista e até racista, mas alguns antropólogos, tentando romper com o seu etnocentrismo, estabelecem uma espécie de policentrismo cultural, no qual se multiplicou o etnocentrismo e a cada alma coletiva foi atribuída uma cultura. Os povos, etnias, grupos sociais e sociedades primitivas são informados que “fazem cultura”. São informados, por exemplo, de que fazem música, dança, atividades de culto, de mitologia etc. E descobrem isso sobretudo no momento em que pessoas vêm lhes tomar a produção para expô-la em museus ou vende-la no mercado de arte ou para inseri-la nas teorias antropológicas científicas em circulação. Mas as pessoas não se vêem fazendo cultura, nem dança, nem música. Seus fazeres estão articulados uns aos outros como forma de expressão, como maneira de produzir bens e relações sociais. No mundo vivido, não nos questionamos sobre essas
  • 23. categorias da antropologia e as três visões de cultura aparecem de forma sucessiva, imbricada e sincrônica em nossos fazer-saberes. Guattari e Rolnik (1999) falam que há nos meios de comunicação de massa, a produção de uma cultura que se deseja e se pretende universal. Esta produz imagens-memórias que se aderem aos sujeitos, contribuindo para a produção e a reprodução de indivíduos com memórias máquinas de mundo. Entretanto, não apenas os meios de comunicação fazem isto. Nós, professores, também produzimos e reproduzimos técnicas corporais maquínicas que vão sendo absorvidas para além do olhar, vão embaraçar-se nas corporeidades e são esquecidas.A cultura máquina se pretende como a cultura “civilizada”; tem um desejo de territorialização das resistências, das astúcias e trata as subjetividades divergentes como nocivas ao sistema. Ela é uma dimensão essencial na confecção da força coletiva de trabalho, e na confecção[...] de força de controle social( Guattari e Rolnik, 1999: 19). As máquinas de produção de subjetividades maquínicas tomam esses três tipos de “cultura” como referências complementares para a reprodução dos modos de subjetivação capitalística, que vão sendo produzidos e reproduzidos em vários lugares; entre eles esta também a estrutura escolar, incluindo-se o ensino superior universitário. Guattari e Ronik (1999) nos falam que, no sistema capitalístico, a produção é industrial e se dá em escala internacional. Este sistema tem vocação universal, pois é uma dimensão essencial na confecção da força coletiva de trabalho e na força de controle social. A cultura capitalística nos impele à categorização dos sujeitos, à ordenação do tempo, à medição de nossas maneiras e gestos, ao controle de nossa voz, do que é dito e escrito. Nesta formação está presente, de forma hegemônica, uma maneira de ser em que o desejo de possuir coisas, saberes, posições de destaque ou alguém, se apossa de nossas ações e as comparações entretecem a produção de competições, de campos de disputas que desconectam as possibilidades de solidariedade, de amor, como nos falaram Maturana e Varela (1995). Assim, embora essa máquina tenda a tolerar margens, setores minoritários, tal tolerância representa uma forma de agrupar os diferentes em um território, para que não fiquem perdidos no mundo e as ações das máquinas de subjetivação possam atuar minando possibilidades de singularização, de desterritorialidades. As maneiras capitalísticas são incorporadas pelos diferentes sujeitos em diferentes lugares. Nós professores, as aprendemos tanto em aulas especificas que
  • 24. tratam das metodologias e das “formas de se portar como professores”, como também em nossas vivências como estudantes durante toda a nossa escolarização. Aprendemos e reaprendemos, ainda, em nossas práticas docentes, em conversas com amigos, em programas de televisão e em filmes. São gestos bastante difíceis de visualizar, maneiras específicas e formas de ser que são impressas em nossa corporeidade, produzindo uma cultura corporal docente. Comigo, por exemplo, já aconteceu algumas vezes de ser identificada como professora. No ônibus, voltando do trabalho, em um hotel fazenda, na praia, convivendo com amigos e meu filho, na fila do banco... E uma dessas vezes eu não estava sozinha e a outra professora também foi identificada. Isso não quer dizer que haja apenas uma maneira de ser professor, mas existem traços que nos identificam e um estudo como este pode nos ajudar a visualiza-los, sem contudo universaliza-los. A visualização, no entanto, não pretende uma “objetificação” dos sujeitos e de suas formas de ser, reduzindo-os a “aquilo” e colocando-os em compartimentos sem possibilidade de fugas. Não pretendo uma exposição mercadológica de nossas técnicas corporais, mas a identificação de algumas imagens-memórias que têm marcado nossa formação, que, apesar dos discursos críticos, contribuem para bloquear possibilidades de novos fluxos de saberes e poderes divergentes, pois desejo produzir conhecimentos que contribuam para a formação de sujeitos singulares que, em sua formação docente, iniciem processos de identificação de fluxos da produção de conhecimentos, das produções subjetivas, da produção interativa dos saberes e da dinâmica raiz do mundo. Reconheço que a cultura dominante na formação docente, pelo menos dos espaços nos quais eu convivi, é ainda a dos saberes do corpo que expressam uma cartografia maquinizada do conhecimento. Já produzimos falas divergentes desta forma de racionalidade, entretanto, até agora continuamos reproduzindo saberes descorporificados. Falamos na relação teoria e prática, em práxis, mas é persistindo e fazer fazendo que descobriremos o verdadeiro antídoto para as dificuldades de nossos alunos – porque ele não aprende? e como ele pode aprender?. Tentarei mostrar algumas atividades que desenvolvi com meus alunos, (seguira fotos em anexo), onde através deles são capazes de produzir imagens de saberes corporificados. “[...]enquanto categoria abstrata, instituição em si, portadora de uma natureza imutável da qual se diga é boa, é má, a escola não existe. Daí também que não seja a escola a que se encontre em crise, como astuta ou ingenuamente se insiste em apregoar. Fala-se da crise da
  • 25. escola como se ela existisse desgarrada do contexto histórico-social, econômico, político da sociedade concreta onde atua; como se ela pudesse ser decifrada sem a inteligência de como o poder, nesta ou naquela sociedade, se vem constituindo, a serviço de quem e desservindo a quem, em favor de que e contra que”.(Paulo Freire, Genebra,1980) Nesta descorporificação alguns professores vão mal... alguns estão satisfeitos. “ que é isso, pessoal? Está tudo jóia” ... mas outros estão preocupados. “ não consigo mais ensinar! O nível piora a cada ano! Pôxa,o ano passado ate que a coisa andava pra frente. Este ano ninguém quer nada!...” Sentem-se julgados. “ Que foi que eu fiz? Por que ninguém quer me ouvir? Vai ver que eu realmente não dou pra ser professora!...” Questionan-se... “ Por que essa chateação toda? Essas reprovações esses fracassos... De quem é a culpa? É nossa? Dos alunos? dos programas? “ Para alguns está intolerável... “ é WATERLOO demais para um só Napoleão!...” acusam “ as turmas são grandes demais! Os programas sobrecarregam todo mundo. Ninguém agüenta mais tanta burocracia. Os que tentam mudar, esbarram em obstáculos de todo tipo (oposição de alguns colegas, de certos diretores, coordenadores, pais...) tenho documentado dois fatos que segue anexo de um coordenador do CEFAM(Centro de Especialização e Formação de Aperfeiçoamento do Magistério) de Penápolis - São Paulo. O senhor “BORGES”, boicotou os pais para não assinarem o termo de responsabilidade do livro que montei de uma coletânea de poemas, versos, sonetos das classes literárias do 1°, 2° e 3° ano do Cefam.E para completar o ano: 2 alunos (Rosangela da Silva Martins e o Paulo Henquique Apº Pereira) do Cefam foram selecionados para participarem da “ 25ª Maratona Cívica Cultural” da Maçonaria. Como professora de Português dos dois fui prestigiar... pois, ao ser anunciado que a Rosangela havia vencido a maratona eu chorei de alegria, mas o digníssimo “Borges” veio me recriminou e ofendeu-me asperamente por estar chorando, pois com isto estaria querendo me “APARECER”..., pois proferiu este discurso na presença do Paulo e da Rosangela que ficaram horrorizados pelo ocorrido’. (Aldry, set. 1999). E o outro episódio e da Diretora Márcia Borges Farias de Barbosa – São Paulo. Como eu lecionava para o curso do CND ( Curso Normal Descentralizado do IESDE). E o diretor Dr. José Fulaneti de Nadai requereu os estágios para seus alunos do curso de Pedagogia da Faculdade de Penápolis, FUNEPE (Fundação Educacional de Penápolis) em minha sala de aula. Sendo que lecionava em uma da sala da escola “EMEF Gabriel José Martins”, cedido
  • 26. pela Prefeitura de Barbosa, a caríssima diretora deu o retorno ao diretor, negando a existência do Curso de Magistério na Escola, onde foi ela quem subscritou a Ata da Reunião Extraordinária do Conselho Municipal de Educação de Barbosa, pois a mesma era a secretária, (segue documentos anexo). Temos em nós, no entanto, gravadas imagens de saberes que, apesar de não nos impedirem de vive-los, em geral, nos impedem de compartilha-los. Acreditamos, de forma dominante, que o pensar se dá na cabeça, prendemos os saberes na razão maquínica e deixamos de fora o mundo dos afetos, dos sentidos, das intuições e dos desejos. Esquecemos dos diferentes ritmos da respiração, da pausa do olhar contemplativo, dos choros dos bebês, do suor escorrendo da atribulada e quente jornada. Ritmos... ritmos de pausa, de corrida, de gozo, de risos, de recitar. De dançar rock, músicas de ninar e lambalada... De forma aparentemente contraditória, estão gravadas, em nossos corpos, imagens de saber prisioneiras da razão objetificante, mas também dos múltiplos saberes presentes no mundo, embora a racionalidade dominante acabe sendo identificada como a única válida e produtora de verdades Neste trabalho interpreto conhecimentos e saberes como conceitos aproximados e aptos, por fazer as diferenciações dos campos culturais de saberes agregando palavras como científicos, religiosos, cotidianos ou de corporeidade. Saber e conhecer se aproximam deixando visíveis seus laços. Ao falar desaberes docentes, estou falando de nossos conhecimentos didático- pedagógicos, onde vou mostrar um pouco de meu trabalho realizado com os meus alunos com os psicodramas e estímulos para as inteligências múltiplas, pois desenvolvo estes estímulos, desde quando iniciei minha carreira profissional em 1984, (segue anexo fotos) tramados pelas ciências, daqueles produzidos na vivência de nosso trabalho docente, dos impressos pelas diferentes práticas socioculturais das quais participamos, daqueles saberes que são entrançados em nossas memórias pelas gerações passadas, das imagens-memórias presentes nos múltiplos espaços sociais. Saberes que se combinam, se conectam, se quebram ou caminham para dar continuidade a nossas ações sem que paremos para identificar qual vale mais ou qual vale menos. Catando experiências que me ajudem a romper com a lógica que hierarquiza o mundo, que está sempre em busca de um conhecimento superior aos demais, não identifico, em nossos fazer-saberes
  • 27. docentes, aquele que mais se destaca, pois eles aparecem enleados, e como nos afirma Linhares (2000): Não vejo como possamos restringir os saberes docentes àqueles internos às escolas ou às instituições de ensino sem sufocar estes saberes; a mesma asfixia penalizaria docentes se os considerássemos como aqueles específicos dos professores. No avesso destas procuras, que fecham na escola e nos professores os saberes docentes, talvez pudéssemos indagar se nestes não estariam incorporados tanto os saberes dos que já foram à escola, como daqueles outros que nunca estiveram nela. Tanto os saberes populares, domésticos, familiares, religiosos e políticos, como os eruditos, científicos, filosóficos, artísticos, tecnológicos...(p.36-7) E será possível mudar a cultura-imagem hierarquizada de conhecimento gravada em nós? Será que encontraremos mais diretores, coordenadores e professores que queiram prejudicar e puxar nosso tapete... ?? Creio que sim, pois, como parte da cultura, esta pode ser desconstruída, e estou procurando, no prazer de compartilhar com alguns as minhas preocupações e análises, pois esses casos são os que tenho documentados e outros não tenho documentos, somente fatos... sendo que, juntar algumas experiências que podem gerar diferenciadas entrançaduras. Porém, durante este árduo percurso, fiz uma coisa bastante arriscada para aqueles que se desejam em diálogo com o campo crítico: abandonei a práxis – “rotina”. Como existência? Não, como categoria, por enquanto. Estou saturada dela e do vazio no qual a colocamos, pois há algum tempo é comum ouvirmos e lermos sobre a “práxis” na formação docente. Creio que o que a maioria de nós, professores, buscamos é a ruptura com a imagem dicotômica que produziu pares de análise como teoria/prática, sujeito/objeto, alma/corpo, sentimento/razão e que nos tem conduzido à produção de processos escolares que não levam em conta os enredamentos. Aliais, fazemos de conta que deixamos fora da escola
  • 28. o restante dos saberes do mundo, especialmente aqueles que se referem ao corpo, aos desejos, ao lúdico. A força da imagem-memória de saber arborescente se reproduz para além da disciplinarização do currículo; ela se expande para o controle e disciplinarização dos corpos de docentes e de discentes e se metamorfoseia em um controle intra e intersubjetivo. Temos, por exemplo, ainda fortemente presente nos cursos de formação docente o grupo de disciplinas denominadas “teóricas”, mais voltadas para a formação e/ou ensino de conteúdos, e um outro de disciplinas que se voltariam mais para a “prática”, como uma forma de aplicação ou repetição dos conteúdos apreendidos no momento anterior, definidos pelos livros didáticos ou pela “natural” seqüenciação do ensino. Há, também, uma repetida dificuldade entre os estudantes na formação docente em articular a leitura de textos com o cotidiano escolar e/ou social. Nos cursos dominam as ementas que pouco se enlaçam com as discussões que emergem na sala de aula, quando deixamos os estudantes falar. O que sentem, o que pensam, o que acontece no cotidiano escolar e no cotidiano de sua formação pouco interferem no fazer-saberes da formação docente. Lembro-me de uma situação marcante em um encontro que fiz em São Paulo com vários professores que trabalham com formação docente, com a presença ilustre do Prof° Celso Antunes. Discutíamos sobre o trabalho dele e houve em certo momento que ele citou o nome de Paulo Freire e uma professora indagou com arrogância: Como podemos captar o pensamento de Paulo Freire e ensina- lo nas escolas de formação docente? Isto foi extremamente representativo da territorialidade da nossa imagem de saber. Discutíamos as dificuldades que temos para articular teoria e prática, pois a maioria dos professores ainda diz aos estudantes como deve ser feito ou afirma que não há receita de bolo. Dominam, nas aulas dos cursos de formação de professores, as ações nas quais citamos, analisamos e concluímos sobre as falas dos autores sem entretece-las com o mundo vivido, especialmente com o mundo vivido de nossos estudantes. Para que isso ocorra, é preciso que eles falem sobre esse mundo e o percebam como um potencial espaço de saber. Não podemos ensinar, nem apreender saberes corporificados sem as contra-palavras vividas. Como formadores de professores, não basta dizer ao
  • 29. outro o que um terceiro disse, nem lhe dar acesso a múltiplos textos. Os sujeitos conhecem entrançando corporeidades, vivendo a experiência da desterritorialidade e ressignificando no diálogo, no compartilhamento com as múltiplas vozes sabedoras. O conhecimento não se dá como uma descoberta individual, mas como um conjunto de terminais e acessórios interconectatos por linhas de comunicação. Experiências vividas são ligadas, desagregadas e reinventadas por todos os que participam da polimorfa reinvenção do mundo. Contudo, como nossos estudantes podem incorporar uma imagem de conhecimento entrelaçando os nossos saberes e as dos livros como as “palavras verdade”, e repetimos as hierarquias presentes no paradigma arborescente em nossas práticas corporais? Estou buscando desconstruir a imagem de saber presa ao cérebro, á razão e aos saberes autorizados para nos sentirmos potentes a produzir percursos que nos possibilitem a geração de imagens-memórias de conhecimentos corporificados. Resolvi dialogar com o que tem sido considerado “demônios” na produção dos conhecimentos científicos: a subjetividade, as imagens e o corpo. Trata-se, todavia, de um trabalho cientifico, sendo indispensável manter a dúvida e a vontade de saber, que é também de poder, pois, como Celso Antunes afirma: O saber gera poder e o poder, por sua vez, gera mecanismos de saber para construí-lo, legitimá-lo e garantir sua manutenção(3º encontro do IESDE/ SP 17.6.03). Desejo construir uma outra forma de poder, mas, quem sabe, ao entrar no discurso acadêmico, não acabe por reforçar justamente o que gostaria de estar ajudando a desconstruir? Assim, ficam Deus e o diabo no corpo. A corporeidade, a existência compartilhada participando da produção desses saberes que pouco poder individual garantem ao sabedor, mas que abrem a possibilidade, de uma porta, de saberes com poderes compartilhados.
  • 30. 5 3º encontro do Iesde, Profº Celso Antunes, Carmem, Celso, Ivany, Elisa, eu e as mais duas professoras. Assim, para esta professora Aldry, a forma inclusiva de minha subjetividade no texto é, para além de uma provocação ao desejo do leitor para que leia, critique e interaja com meu trabalho, um questionamento à imagem hegemônica e impessoal da produção de conhecimentos científicos. É preciso não só questionar as formas como os conhecimentos são produzidos mas também como são apresentados às pessoas, pois conteúdo e forma não se desconectam e a impessoalidade do “nós” tende mais a uma falsa modéstia, ou ocultação de quem fala, do que a uma concepção de que os conhecimentos sejam fruto e flor das relações sociais sistematizadas, em um determinado momento, por alguns sujeitos. Uma sistematização que é singular, mas na qual estão presentes as múltiplas vozes que nos constituem seres sociais, vozes que estruturam nossa corporeidade. Para os que desejam pureza, este não será um trabalho agradável de ler, pois propositalmente busquei a multi-referencialidade como um caminho que me possibilitou a construção de determinados conceitos para poder interagir, olhar, ver e interpretar as experiências, lutas e conquistas presentes na história da modernidade e na modernidade brasileira. Diferentemente de uma “sopa epistemológica”, aqui eu me apropriei dos conceitos dos autores e os mesclei ao meu campo de estudo. Eu me permito releituras e recontextualizações, pois para ser coerente precisa desterritorializar-me, aventurar-me no desejo da insegurança. Foi este desejo, ligado a uma vontade política de saber, que me conduziu no estudo, no qual nem sempre aparece um claro recorte do “objeto” ou da disciplina
  • 31. orientadora das análises. Até mesmo porque, ao tratar da corporeidade e dos saberes corporificados, a idéia de “recorte”, “objeto” e “disciplina” me parece bastante descontextualizada. O máximo que minha incapacidade me permitiu foi apresentar alguns limites territoriais fluidos de uma possibilidade de produção de conhecimento cientifico que nos ajude na busca de caminhos para romper com os centrismos, que são excludentes: etnocentrismo, egocentrismo, gnosiocentrismo... convoco a busca de caminhos para as pluralidades includentes e libertárias. 1.2 - Memórias da escola Gosto de trabalhar meus textos a partir das minhas vivências. Sinto-me corporificada. Assim, catei entre as minhas memórias, alguns acontecimentos que me foram ajudando a interagir o já visto. Começo contando a história de minha professora do magistério em 1982, que fez do seu trabalho não só o ensinar conteúdos de didáticas, mas também contribuir para que as futuras professoras tenham uma imagem decente. Ordenava-lhes que se sentassem direito, pois algumas ficavam com as pernas abertas e até cruzadas com as coxas à mostra. E havia somente um aluno em nossa sala de aula repleta de meninas, o meu querido amigo Tânios Carlos Abdalla que hoje é vendedor, não seguiu a carreira de magistério e fez a faculdade em Campo Mourão (Facilcam- Faculdade de Ciências e Letras de Campo Mourão), no curso de Administração. A professora Lazarina Bassi, tomava atitudes semelhantes à que vários de nós já tomamos, ela buscava ordem para sua sala e se aborrecia muito com a falta de modos de nos alunas, com a falta de uma imagem que dignificasse a profissão, e, assim, procurava, no seu trabalho cotidiano, dar seu exemplo de professora dedicada, ética, digna, honesta, vestia camisa de fiel professora, com o intuito de suas alunas seguirem sua profissão por amor, por dedicação, solidariedade, humanismo e deixou uma coleção de livros que tenho até hoje para pesquisa...{Introdução à Didática Geral, Dinâmica da Escola , Imídeo G. Nerici, Editora Científica, Rio de Janeiro, s/d – volumes I,II e III}e tentou tirar o “diabo” dos corpos de suas alunas, e suas frases marcantes que se perdura até hoje em minha corporalidade: “lembre-se dos três R: respeito por si, respeito pelo próximo, responsabilidade por suas ações”, “Feliz aquele que transfere o que sabe e aprende o que ensina! –Cora Coralina”, “Reparta o seu conhecimento, é uma forma de alcançar a imortalidade – Laila Lana”, “
  • 32. Um caminho de mil quilômetros começa com o primeiro passo – Lao See”, “Se o homem não sabe a que porto se dirige, nenhum vento lhe será favorável – Senica”, “você não pode mudar o passado... mas pode mudar o amanhã com os seus atos de hoje – Lazarina Bassi-1982/1983”. Ela ao contrário do que muitas vezes acreditamos que aconteça na escola, se enlaçava com seu fazer docente para além do que a razão objetificante propõe. Buscando interferir na aparência corporal de suas alunas , e ela usava aquelas calcinhas de espuma para aumentar o bumbum. Era um charme, poucas pessoas tinham tamanha coragem como ela naquela época, hoje já é normal e existe até o silicone. Essa professora se sabe era um sujeito formador de cultura, mas da cultura dominante, pois, preocupada com a imagem de respeitabilidade dos professores na sociedade, ela tomava como referência os padrões de comportamento considerado dignos em nossa sociedade. Uma outra história que aconteceu no CEFAM, onde eu lecionava, neste espaço escolar também me veio à mente. A situação se desenrola em torno das imagens comemorativas do Dia Internacional da Mulher afixadas em cartazes e que foram analisadas pela Secretária Môna, no bom sentido; “Olha, será que estas mulheres têm a cara de todas as mulheres que convivem aqui na escola? Não. Realmente não tinham. Não estavam ali representadas as funcionárias de apoio, as alunas, nem as professoras em sua globalidade. O que víamos eram algumas “modelos”, estereótipos de mulher que saem nas revistas de modas. Eram algumas das fantasias de mulheres que são vendidas pela mídia. Efetivamente, a realidade da maioria das mulheres que trabalham e estudam no “CEFAM” é diferente daquelas “modelos” das fotos. Elas eram todas brancas, jovens, altas, vestidas com roupas de “griffe” e magras.” (Aldry,1999) É comum vermos nas paredes das escolas, esses cartazes e não conseguimos encontrar figuras e imagens que nos represente na integra, com imagens de corpo recortadas de revistas sem nos questionarmos com estas serão ou não incorporadas às subjetividades em formação das estudantes. Em geral, objetivando a construção de painéis agradáveis ao olhar, não percebemos que contribuímos com as máquinas de subjetivação capitalísticas; ou será mesmo este o objetivo?
  • 33. Vivi tais fatos sendo professora-pesquisadora, quando lecionava no Cefam e cursava o mestrado no IBILCE - Unesp – Em São Jose do Rio Preto - São Paulo, na qual se dava a formação de professores(magistério), em 1999, e gosto de revisitar essas memórias não apenas para convidar o leitor e a leitora a puxar pelo caminho de algumas vivências profissionais nas quais o corpo esteve em foco como também agulhar o determinismo histórico. Somos professores e professores produzidos nos teares de saberes, poderes e resistências. Sujeitos transitórios, enlaçados por desejos e razões para mudar, por vontades e racionalizações sobre nossas limitações individuais e sociais que nos fazem ou ir para onde não desejávamos. Estamos caleidoscopicamente mutantes, fluidos em nossas subjetividades transitórias , aflitos pela perda das certezas, mas desejosos de estarmos assim. Compartilhamos, com alguns, as memórias das possibilidades de transformações, com outros, as memórias das repetições que contestamos e, muitas vezes, no silêncio de nossas práticas corporais, vivenciamos as aflições das dúvidas: Como tudo começou? Como me transformei no que sou? Como nossa sociedade se produziu dessa forma? Como mudar? Há sempre a tentação de se buscar a “origem”, mas, como nos alertam Foucault (1990), Benjamim (1985) e também Bourdieu (1996), há um sério equivoco em acreditar na possibilidade de se detectar linearmente o momento ou o ponto onde dizemos que ali está o começo. Vivemos em interações ecológicas. Nestas não só o organizado conduz a vida. Estão também fortemente presentes os acasos, as fraturas, as experiências e fatos reais que tanto nos possibilitam as fugas como nos recapturar. Nossas produções interagem, provocando nossas percepções do mundo, nossas práticas corporais, levando-nos constantemente a ter de fazer opções, nas condições sócio- históricas nas quais somos produzidos e nos produzimos sujeitos . Todavia, nossas opções também vão gerando, degenerando e regenerando nossa sociedade. Os conhecimentos tramados pela corporeidade não têm um primeiro, um início necessário. Não começa, nem mesmo com o nascimento do sujeito, pois se dá no enlace de gerações, das várias culturas que coabitam o mundo. Dá-se na trama das raízes que se afundam ou afluem da terra e na conquista de obstáculos, podem ser recombinados com outros tantas conquistas de nossa existência em amplo aspecto. Imagens guardadas
  • 34. na memória do esquecimento que, apesar de já não simbolizarem a mesma coisa, ainda se fazem presentes. Muitas vezes procurei pelas razões que me conduziram para este estudo. Parece- me importante saber meus motivos. Contudo, é certo que nem sempre somos capazes de primeiro pensar o que faremos e apenas depois de uma construção consciente iniciarmos um caminho. Assim, caminhei e entrei em um labirinto, e no meu caminhar produziu algumas conexões, oposições e interações entre “corporeidade, saberes, imagens-memórias e formação docente”. Transitoriamente produzi conhecimentos e me produzi uma subjetividade corporificadamente mais fluida e capaz de lidar com as bricolagens de nossa cultura. Nesta busca por compreender o mundo no qual estamos inseridos, também me conheci melhor e contínuo a conhecer-me no mundo e o mundo de mim. Revelo-me, no que já sei de mim, aos leitores para ir possibilitando uma compreensão do texto em suas linhas, entrelinhas, infralinhas e supralinhas. Procuro compreender-me na complexidade do espaço de formação docente sem cair na tentação de antagonismos perpétuos ou em composições de relações eternamente pacíficas, em que aceitar o outro como legítimo outro não é acreditar que tudo está certo, mas que as “opiniões” devem fazer parte do debate, opinião na concepção platônica, que não significa um não-saber, uma forma pejorativa de se referir a uma formulação que não está no campo da filosofia ou da ciência. -Admitismos a existência da opinião? -Como não? -E coincide ela com o saber, ou trata-se de uma faculdade diferente?[...] -Indubitavelmente o saber é uma faculdade, e a mais poderosa de todas elas. -E a opinião é também uma faculdade? -Certamente; pois a opinião não é senão aquilo graças ao qual podemos opinar. [...] -E a opinião, dizemos nós, é a faculdade de opinar? -Sim. -E sabemos o que opinamos? Em outras palavras , é o âmbito da opinião o mesmo que o do saber? -Nunca – respondeu. –[...] -Talvez aches – disse eu – que a opinião não é algo mais obscuro que o conhecimento, porém mais luminoso que a ignorância? -E em grande medida – respondeu. -Logo, está situada entre ambos[...] [Platão, (19--):125-7)
  • 35. A opinião é um dos saberes que fazem parte do mundo vivido e compartilhado de todos nós. Ela é, portanto, fundamental, pois nela estão contidas as memórias do que já foi esquecido, de tão profundamente impresso em nossa corporeidade. Nela estão as experiências e os fatos reais do que nos constituíram e nos constituem como brasileiros, como professores (ou futuros professores) brasileiros, que atuamos(ou atuaremos) em escolas brasileiras, junto a tantos brasileiros e brasileiras. Não procuro aqui tecer nenhuma história de rebeldia ou de bravuras. Faço-me um exercício de deslocamento de minha corporeidade no múltiplo cultural e na transitoriedade das subjetividades desterritorializadas, algumas vezes, ultra- territorializadas em outros momentos, e passageiras da raiz produtora da vida. Desejo possibilitar aos leitores e leitoras a visualização da teimosia como uma arte do cotidiano na busca de romper com os determinismos e de fazer viva a corporeidade, pois na produção de outras imagens-memórias de conhecimento é indispensável nos apropriarmos daqueles saberes tramados também por músculos, veias e artérias. Fluindo pela pele e deslizando suavemente de volta para nossas vísceras, conhecimentos que circulam pelo corpo e não apenas da cabeça: memórias de saberes daqui e de lá, de muitos espaços-tempos, da unidade e da multiplicidade da qual somos formados. E porque é importante um trabalho sobre a descorporificação dos saberes e as imagens-memórias vividas e compartilhadas na formação docente? Creio que há entre nós um enorme incômodo no que se refere, em geral, a embaraçar-se ou não nos diversos questionamentos de nossos estudantes , especialmente sobre a incompletude dos cursos de formação docente e as desconexões dos saberes tratados em aula com o mundo por eles vividos. Muitos de nós, professores, partilhamos com os estudantes, deste e de outros incômodos. Contudo, nem sempre conseguimos identificar que aí estão presentes pistas, que tanto podem nos levar continuamente à busca de uma ilha paradisíaca , onde possamos sonhar com o paraíso, de uma forma “certa”, como podem nos ajudar a compreender que se faz necessário á transmutação de algumas de nossas imagens-memórias. Revisitar algumas com pode ser um caminho.
  • 36. Quando buscamos a corporificação dos saberes, podemos iniciar rupturas com os processos que constituíram nossas imagens de saber da cabeça e de procura individualizada por poderes. É indispensável que nos tornemos potencialmente capazes de compreender que o espaço ensino-aprendizagem é gerado pela interação dos conhecimentos dos estudantes e dos professores, e que, portanto, toda a maneira como o indivíduo se vê se conduz em suas relações como os outros depende da estrutura da associação ou associações a respeito das quais ele aprende a dizer “nós” (Elias, 1994a:39). Vou passar o resultado de um questionário das práticas pedagógicas “ O que pensa o aluno? ”, feito no Colégio Bagozzi em Curitiba com 424 alunos de 8 a 9 anos em novembro de 2003. 1) Os professores trabalham? a) 254 mais ou menos b) 40 insatisfatoriamente c) 130 muito bem 2) Quando o aluno iria à escola? a) 56 sempre b) 170 nunca c) 198 tivesse vontade 3) O que os professores gostam mais? a) 39 conversar b) 20 ouvir c) 365 falar 4) O que é mais interessante para o aluno? a) 65 ir à escola b) 169 brincar c) 190 assistir TV 5) Para o aluno o que é mais importante aprender? a) 275 informações b) 69 pensar e refletir c) 89 ler, contar e escrever
  • 37. 6) O que deveria desaparecer na escola? a) 194 as notas b) 54 os livros de literatura c) 176 as tarefas Pelo o resultado da pesquisa, podemos perceber que as coisas mudam... a escola já não é mais aquela. De fato, pouco a pouco, as coisas se movem tomando outro corporeidade, evoluem dia após dia, se transformam e nossas crianças se tornam criticas e reflexiva, não existe uma coisa fixa, parada, imutável. A escola de hoje, esta cheias de inovações, impulsionados por tensões, conflitos, esperanças e tentativas alternativas. Em função das pressões dos grupos sociais, das inovações cientificas ou das próprias necessidades da economia, a escola muda, adaptando-se sempre aos novos tempos. 6 Sim, as coisas mudam...
  • 38. ____________ 6 e 7 a escola já não é mais aquela de 10,20,50 anos atrás. Ela não é estática nem intocável.(cuidado escola!1980) 7 Nesta música de Gilberto Gil, ela fala sobre um assunto cada vez mais presente na vida de todos nós: a INTERNET. PELA INTERNET Criar meu web site Fazer minha home-page Com quantos gigabytes Se faz uma jangada Um barco que veleje Que veleje nesse informar Que aproveite a vazante da informaré Que leve um oriki do meu velho orixá Ao porto de um disquete de um micro em Taipe Um barco que veleje nesse informar Que aproveite a vazante da informaré Que leve meu e-mail até Calcutá Depois de um hot-link Num site de Helsinque Para abastecer Eu quero entrar na rede Promover um debate Juntar via internet Um grupo de tietes de Connecticut De connecticut acessar O chefe da Macmilícia de Milão
  • 39. Um hacker mafioso acaba de soltar Um vírus pra atacar programas no Japão Eu quero entrar na rede pra contactar Os lares do Nepal, os bares do Gabão Que o chefe da polícia carioca avisa pelo celular Que lá na praça Onze tem um videopôquer para se jogar 8 Como você pode ver, é comum na informática usarmos termos estrangeiros. Nessa música, podemos encontrar alguns, mas há muitos outros que precisam ser compreendidos por nós, se não quisermos ficar de fora do CYBERSPACE. Depois que a internet entrou em nossa vid@, e o @, o emoticons, site, conversação, hotmail, msn... habitando todo o planeta e morando em todo o lugar que estivermos, facilitou a vida de todo mundo. Se você não quiser ficar de fora da era da revolução cibernética... é bom ir se apressando, pois ninguém conseguirá evitar as transformações que estão ocorrendo no “Cyberspace” e que estão mudando definitivamente o jeito de lidarmos com as coisas mais simples do cotidiano. Se você não lida com a internet, como foi que você conseguiu viver até hoje sem ela? Já imaginou como seria viver nos próximos anos em ela? Se você achar tais questões estranhas neste momento, tente imaginar a vida sem água encanada e sem luz elétrica. Em seguida, pense em como seria a vida hoje sem o telefone, o jornal o rádio ou a televisão! Essa análise mostra a nossa relação do corpo com a corporeidade com contínuos movimentos que experimenta, que improvisa , que caminha, que obedeça, que combine _________ 8 um computador microsolft windows XP professional com experiências anteriores para se chegar á perfeição. Essas são as corporeidades que fazem parte de nossa existência, mas devemos saber navegar na Internet pois, a primeira
  • 40. vez, é um encantamento. A sensação de apertar um botão em casa e entrar imediatamente num computador do outro lado do mundo, é realmente muito atraente. Mas atenção: Quando você for navegar na rede, tome cuidado para não se afogar com tanto lixo e informações sem importância. A grande questão é: como aprender a fazer a de vida triagem? Isto é, separar aquilo que é importante daquilo que é trivial, o essencial do superficial, o significativo do ilustrativo? e o professor deve usar essa tecnologia em sala de aula de maneira que os seus alunos aprendam a “filtrar” informações, diante de tantos fascínios, e tantas possibilidades que ela oferece. Com certeza a maior corporeidade é a comunicação, que tem alterado fortemente o nosso estilo de vida. A maneira como pensamos, trabalhamos e vivemos, estão sendo alterados com uma velocidade nunca vista. Estamos presenciando o nascimento de uma nova cultura corporal que está transformando o planeta. Essa Cibercultura tem propiciado a abertura de um novo espaço de comunicação. Um trecho tirado de Ismar de Oliveira Soares, Educomunicação: um campo de mediações. Comunicação & Cultura. Educação, Cidadania e Consumo – Francisco Gutiérrez, ao buscar respostas à pergunta”para que educar na era da informação?”, propõe que a escola contemporânea se volte mais para a sensibilidade humana que para uma racionalidade abstrata e distante. E para que este sentimento aflore com maior naturalidade e a comunicação se faça, o autor propõe que a escola eduque para a incerteza, para usufruir a vida, para a significação, para a convivência e, finalmente, para apropriação da história e da cultura. (v.19,p.12-24,set/dez.2000) Para quem quer mais... E é nesse clima de sonhos e dúvidas que vamos chegando no meio dessa nossa caminhada corporal. E se você chegou até aqui animado para seguir em frente, olhando o mundo de outra forma, e com muitas idéias “fervilhando em seu cérebro”... é um maravilhoso sinal! E como diz o poeta desconhecido: Não há caminho mais correto e mais belo para seguir do que aquele em que nosso coração sente alegria. Só assim temos força para enfrentar suas curvas, ultrapassar suas pedras e ainda continuar sorrindo...
  • 41. Num caminho trilhado com amor e devoção não sentimos medo nem dúvida: somente a certeza de que mais um trecho das nossas vidas, foi percorrido 1.3 – Saberes que pertence a minha corporeidade Tentar compreender uma vida como uma série única e por si suficiente de acontecimentos sucessivos, sem outro vínculo que não a associação a um “sujeito” cuja constância certamente não é senão aquela de um nome próprio, é quase tão absurdo quanto tentar explicar a razão de um trajeto no metrô sem levar em conta a estrutura da rede, isto é, a matriz das relações objetivas entre as diferentes estações. ( Bourdieu, 1996:189-90) Minha vivência encarnada foi se constituindo em problema de estudo e eu não posso furtar-me de resgatar alguns fatos de vida que vão também compor a estrutura da formação docente no Brasil. Fui sendo educada para compreender o conhecimento como algo que deveria ser arrumado na cabeça, pois meu pai era Rosacruz e minha mãe Seicho-no-ie, ambos católicos, sou batizada e crismada e eu cheguei até dar aulas de catequese, mas em virtude de também seguir a filosofia da Seicho-no-ie e freqüentar os encontros de Jovens , a digníssima Dona Carmem Bassi privou-me de ministrar as aulas, pois poderia dar má influência as crianças, sendo assim ministrei somente aquele ano e abandonei a catequese, somente finalizei a turma. Sendo uma pessoa persistente, cheia de ideais e objetivos, não tendo pressa, aceitando as críticas e eliminando os erros, procurando ouvir mais, e separar o joio do trigo, não chorando quando sou magoada, não se entristecendo por qualquer razão, não perdendo o controle em qualquer situação e não se deixando levar por qualquer situação negativa, seja ela qual for... minha vida foi se corporificando ... Nasci em Peabiru, no Paraná, uma cidade do noroeste paranaense que é conhecida mais por ter sido o caminho dos índios e dos bandeirantes, pois facilitava o transporte pelas estradas Peabiruense e a terra é boa para a agricultura. As primeiras
  • 42. movimentações no território peabiruense, uma trilha transcontinental, com aproximadamente três mil quilômetros, que atravessava a América do Sul, desde o Oceano Pacífico até o Atlântico, cortando o Peru, a Bolívia, o Paraguai e o Brasil, fazendo um de seus cursos na margem oeste do Rio Mourão, passando pelo atual Município de Peabiru, daí a razão do nome. A denominação foi dada pelo seu fundador, o Dr Sady Silva, chefe da 5ª Inspetoria de Terras, vindo da sede em Guarapuava a fim de ampliar a colonização do Estado do Paraná, por meio da distribuição de terras aos pioneiros. Este empreendimento fazia parte dos projetos do interventor Manoel Ribas, pelo Departamento de Geografia, Terras e Colonização do Estado do Paraná. Após longos e estudos para a implantação de um povoado, Sady Silva localizou em pleno sertão uma área ideal para a fundação e um novo patrimônio, denominando-o de “Peabiru”, cujos significados na língua tupi-guarani apresentam divergências: há estudiosos que afirmam que os índios guaranis chamavam o estreito caminho de”Peabeyú”, cujo significado é “Pé” – caminho; “Abe” – Antigo; “Yú” – Ida e Volta, portanto, “Caminho de Ida e Volta”. Poderia ser traduzido ainda, segundo historiadores, como “Caminho Batido”, Caminho Pisado” ou “Caminho Amassado”. Outra versão coerente seria a de “Peapiru”, Caminho ao Peru”, uma vez os povos antigos chamavam aquele país de “Piru”. Entretanto, os significados tradicionalmente aceitos são “Pe” – Caminho, “Abiru” – Gramado Amassado, tendo em vista as características físicas da trilha, ou “Caminho Rumo ao Sertão”, se levado em conta a crença indígena de que a vereda os conduzia ao que eles chamavam de “Terra-Sem-Males”. Muitos dos indígenas, diversas personalidades percorrem o Peabiru, tais como o aventureiro português Aleixo Garcia, já por volta de 1516; Alvar Nunes Cabeza de Vaca – primeiro europeu a escrever sobre o Peabiru – em 1541; o Capitão-Mor Afonso Botelho de San Payo e Souza, em expedição organizada em 1769; e há uma curiosa lenda de que o próprio São Tomé – o discípulo incrédulo de Jesus Cristo – também percorrera a trilha para evangelizar os índios, por eles chamado de Pai Sumé. O desenvolvimento do povoado de Peabiru só aconteceu de fato no início do século XX, quando grande número de colonizadores, em sua maioria provenientes das terras do Sul do Brasil, chegaram trazendo suas famílias e construindo suas casas,