Frederico - Jornal - "A Tribuna(Santos) 26 de dezembro 2010
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Domingo 26
dezembro de 2010
O cordão umbilical enrolado
ao redor do pescoço impôs
diferentes desafios a Frederico.
Com quase três décadas de
estrada, trabalhando na ESPN
Brasil, o jovem mostra
que não há limitações para
quem corre atrás dos sonhos
RAIMUNDO ROSA
VIVIANE PEREIRA pelo menos até o segundo
DA REDAÇÃO ano, para conhecer melhor a
A fala apresenta algumas li- profissão. “Eu achava que
mitações, como os gestos. quem trabalhava na TV era
Em compensação, o pensa- quem aparecia”.
mento é ágil e o raciocínio A descoberta de que havia
tão ligeiro, que o corpo nem espaço para atuar também fo-
sempre acompanha. Ah... O ra dos microfones renovou
corpo, esse traidor que limi- suas esperanças. Estava deci-
ta a alma que abriga. dido: iria trabalhar em TV.
Há quem aceite as limita-
ções que a vida impõe e pare. SEM LIMITES
Frederico Marcondes deCarva- Começou a realizar seu so-
lho, 29 anos, não se deixa aba- nho já na faculdade, fazen-
lar pelos obstáculos - quase do estágio na TV Santa Cecí-
nunca. As limitações já o inco- lia. Sua veia radialista tam-
modaram mais. Mas aprendeu bém se manifestou, com en-
a conviver consigo mesmo. trevistas para rádio, inclusi-
Superou muitas adversida- ve com personalidades, co-
des desde os primeiros mo- mo o ex-presidente portu-
mentos de vida, quando o cor- guês Mário Soares, o ex-pre-
dão umbilical o enforcou. Pa- sidente Fernando Henri-
rece ironia, diz o santista, fi- que Cardoso e o cantor e
lho de um neurologista e uma compositor Chico Buarque.
enfermeira. O Trabalho de Conclusão
A falta de oxigênio causou de Curso foi um programa
deficiência apenas em seu físi- de rádio de uma hora, todo
co - por isso fica chateado quan- narrado por ele.
do acham que ele tem também Acreditando que oportuni-
problema mental, por causa da dade não se espera, se pro-
dificuldade na dicção e na coor- move, começou ainda como
denação motora fina. estudante a preparar a sua.
Começou a se tratar cedo, o Quando soube que o diretor
que foi um diferencial em sua de jornalismo da ESPN, Jo-
melhora. Por isso, nem recla- sé Trajano, estava em San-
ma das infindáveis horas de tos para a cobertura dos Jo-
fisioterapia, terapia ocupacio- gos do Interior, resolveu fa-
nal e fonoaudiologia. zer contato. “Como eu sabia
Uma das preocupações do Na ESPN Brasil desde 2007, Frederico é produtor do Pontapé Inicial e já foi ao ar em reportagens, como nos Jogos Parapan-Americanos que o pessoal da Jovem Pan
pai, a dificuldade do filho para ficava no Mendes Plaza Ho-
escrever, foi resolvida com a tel, imaginei que eles pode-
profecia do médico: “Não se riam estar lá também”.
preocupe com a escrita do A pontaria foi certeira e
Fred, que ele vai ser da era da Frederico logo ficou amigo
informática”. de toda a equipe. Visitava a
A previsão não poderia ser A vida como ela é emissora sempre que ia a
mais acertada: Frederico foi al- São Paulo e mantinha conta-
fabetizado usando máquina de “Seria cômico se não fosse trágico”. Assim “Eu perdi um primo com câncer to com Trajano para falar
escrever. “Nos primeiros dias de tudo - até do Santos
na escola, cheguei mais cedo Frederico comenta alguns momentos de cérebro de forma terrível. Futebol Clube, seu time.
para a professora ver como eu difíceis que já vivenciou. Entre descobrir e ele falecer “Eu sabia o horário que a
escrevia”. foram três meses. Ele ainda secretária dele não estava e
Enquanto as primeiras le- ele mesmo atendia”. Assim,
tras surgiam ao som do tec tec “Já aconteceu de eu telefonar para falar um estava internado na UTI, em revela uma das fórmulas do
ritmado, os amigos invejavam: assunto sério, a pessoa atendeu e ficou coma, quando eu fui visitar com seu sucesso: sagacidade as-
queriam também uma máqui- perguntando: ‘Quem é você? Está bêbado?’” minha mãe. Fiz uma oração, sociada à persistência.
na no lugar de cadernos e lápis. No último ano de faculdade
“Matemática eu fazia na mão,
falei com ele. Enquanto minha passou 15 dias na redação da
mas usava lápis de carpinteiro, “Meu pai fez uma mala direta e eu mãe ficou no quarto para ajeitar ESPN, só olhando. Quando ia
que tem a ponta mais grossa e precisava entregar as correspondências. meu primo, eu saí do quarto. se formar, ainda em setem-
não quebra tão fácil”. bro, recebeu o convite da che-
Cheguei em um prédio que não tinha Um segurança veio falar fe de redação: “No dia 16 de
SEM MOLEZA indicações dos números das salas. Eu fui comigo. ‘Precisa de ajuda?’. Eu janeiro você começa com a
“Vagabundo, na minha casa,
perguntar ao porteiro e para me responder disse que queria achar a saída. gente”.
não”. A mãe foi taxativa com o Ele conta que desceu a ser-
jovem de 17 anos que decidiu ele falava devagar, soletrando as letras, Ele me olhou e perguntou: ‘Você ra sorrindo de orelha a orelha.
parar de estudar quando come- indicando o número da sala com a mão e está de alta?’. Fiquei com medo “Quando cheguei na faculda-
çou o primeiro colegial. que ele chamasse a enfermeira. de, eu não me cabia dentro”.
Frederico não aguentava gritando. “Eu não sou surdo”, avisei. Ele Frederico é produtor do
mais a escola. Apesar de ter voltou a falar normal’” Eu só queria sair” programa Pontapé Inicial da
facilidade, especialmente ESPN Brasil, que une esporte
com História, Português e e cultura, áreas pelas quais é
Geografia, nunca gostou mui- apaixonado.
to de estudar. Foi aprender a te estava logo cedo na clínica Fez um curso preparatório do rádio, passou a gostar do No primeiro ano na emisso-
gostar depois.
Mas naquele momento, no
do pai, onde trabalhou por
oito anos. Começou como
Agradecendo para reforçar algumas maté-
rias e estudar três anos em sete
esporte. E era tão apaixonado
que os locutores às vezes colo-
ra, logo após a cobertura do
Panamericano, Trajano lhe
auge da adolescência, enfren- office-boy, foi fazendo ou- meses. Na prova, realizada em cavam o microfone para o fez um convite irrecusável:
tava todas as dificuldades tí- tros serviços e chegou a mon- “Nunca fui tratado São Paulo, passou em quase jovem dar umas palavras. Ele cobrir os Jogos Parapan-
picas da idade - e um pouco tar toda a rede de computado- tudo: só precisou voltar para delirava. “Eles me colocavam Americanos. Além da produ-
mais. “Eu surtei. Me assustei res do local e treinar o pes- como coitadinho; finalizar Física. no ar”, recorda animado. ção, toda noite o jovem repór-
com aquele infinito de maté- soal. “Trabalhava das 8 às 18 pelo contrário. Na Animado, decidiu arriscar e Queria trabalhar em rádio, ter entrava em cena fazendo
rias”. Havia ainda outro moti- horas. Chegava em casa e ia prestar vestibular no final do em TV, sentir a notícia vibrar um comentário.
vo, que Frederico revela, dei- direto para o computador”, escola, em casa, os ano - mesmo sem cursinho. com a palavra falada. No pri- “Eu fui ao ar”, comemora.
xando transparecer o resquí- fala, revelando a paixão de amigos nunca me Passou. meiro ano de faculdade perce- Depois, apresentou ou-
cio da tristeza que viveu nes- quem não sai de perto do Jornalismo era a escolha na- beu novamente que as limita- tras reportagens. Ele faz
sa fase. “Adolescente é bicho notebook, confirmando a
negaram nada e tural para o rapaz que adorava ções físicas poderiam impedir musculação e aula de canto.
ruim. Naquela época pegou profecia médica feita na ten- sempre me exigiram notícias, lia jornal desde peque- seus sonhos. Realiza grandes produções
mais eu ser diferente. Alguns ra infância. tudo. E eu só posso no e no domingo ia à banca “Eu tenho problema na fala. na TV, terminou uma pós-
tiravam sarro do meu jeito especialmente para comprar a Não vou conseguir trabalhar graduação em Jornalismo
de falar. Estava virando um SEM DÚVIDAS agradecer por isso” edição do dia. em rádio ou TV”. Cultural, planeja dar aulas e
pesadelo ir para a escola. Eu O impulso para seguir adiante Apesar da afinidade com as Esse pensamento o atormen- tem projeto de um progra-
perdia até o sono”. viria novamente de um ultima- letras impressas, o coração de tava, o perseguia. Tanto que ma que mostra vencedores
Se a condição para não pre- to da mãe. “Ela bateu no meu Frederico batia mais forte pensou em desistir. Os pais, como ele.
cisar mais ir à escola era ombro e disse: ‘Ano que vem te ou volta a estudar’. Eu suspi- quando via os repórteres de sempreseu porto seguro e gran- Limitações?Frederico deci-
trabalhar, Frederico não per- você faz 21 anos. Ou vai procu- rei fundo e avisei que iria en- rádio no campo de futebol des incentivadores, não deixa- diu que em sua vida, elas não
deria tempo e no dia seguin- rar um emprego que te susten- trar no supletivo”. narrando a partida. Por causa ram e sugeriram que ele ficasse existem.