Partilhamos o primeiro Boletim de Jurisprudência Fiscal de 2016.
Este ano apresentamos algumas novidades: reduzimos a periodicidade desta publicação (para 6 números, um a cada 2 meses) mas, em contrapartida, faremos uma análise mais crítica aos acórdãos apresentados, oferecendo ao leitor um conteúdo com maior profundidade. Acreditamos que tal representará uma mais-valia para os nossos seguidores.
O tema desta edição é o tratamento fiscal das partilhas em sede de IRS, IMT e Imposto do Selo.
Desejamos-lhe uma agradável leitura!
Links relevantes:
• Acórdão do TCAS, no processo n.º 07881/14, de 24 de Setembro de 2015: http://www.dgsi.pt/jtca.nsf/170589492546a7fb802575c3004c6d7d/fe07ffe4b90b521680257ed0003d696c?OpenDocument
• Decisão do CAAD, relativa ao processo n.º 56/2013-T, de 11 de Novembro de 2013: https://caad.org.pt/tributario/decisoes/decisao.php?s_processo=&s_data_ini=&s_data_fim=&s_resumo=partilha&s_artigos=&s_texto=&id=22
RPBA Boletim de Jurisprudência Fiscal n.º 1 de 2016 - Tratamento Fiscal das Partilhas em sede de IRS, IMT e Imposto do Selo
1. Boletim de JurisprudênciaFiscal
Ediçãon.º1/2016(Janeiro/ Fevereiro)
Natureza da partilha hereditária e
respectivo tratamento fiscal em sede
de IRS - Acórdão do TCAS, no
processo n.º 07881/14, de 24 de
Setembro de 2015
Conformesedeterminano mencionado
Acórdão, a partilha poderá limitar-se a
cessar o estado de indivisão hereditária
(contitularidade), caso em que apenas
haverá que relevar a aquisição gratuita
dos bens por via do óbito, que retroage
os seus efeitos ao momento da abertura
da sucessão (nos termos do artigo
2119.º do Código Civil), ou pode
igualmente implicar uma transmissão
onerosa.
Este último caso verificar-se-á sempre
que ao herdeiro forem atribuídos bens
cujo valor exceda a sua quota-parte
ideal, ficandoeste sujeito ao pagamento
de tornas aos demais herdeiros. Nos
termos do Acórdão em apreço, a
aquisição onerosa, nesse caso,
considerar-se-á obtida no momento da
partilha (cfr. artigos 408.º e 1317.º,
alínea a), do Código Civil).
Assim, concluiu o Tribunal, na situação
em análise, que, tendo o óbito ocorrido
em 1982, e a partilha em 2001, a
posterior alienação dos bensadquiridos
pelo herdeiro poderá beneficiar em IRS
do regime transitório das mais-valias,
consagrado no artigo 5.º, n.º 1, do
Decreto-Lei n.º 442-A/88, de 20 de
Novembro, na exacta medida em que o
mesmo se limitou a receber em partilha
o quinhão hereditário que lhe cabia.
A parte que o mesmo recebeu e que excedia o
respectivo quinhão hereditário não estará já
excluída de tributação em sede de IRS.
Apesar de a natureza da partilha e o respectivo
tratamento fiscal em sede de IRS ser uma questão
tratada pela jurisprudência (cfr. a Decisão do
CAAD, relativa ao processo n.º 56/2013-T, de 11 de
Novembro de 2013), há outras, relacionadas com a
articulação entre a tributação do rendimento da
partilha e a respectiva tributação em sede de IMT e
IS (da verba 1.1) relativamente às quais não há
respostas claras, e que pela sua pertinência
interessa igualmente abordar.
Partilha hereditária: algumas questões em aberto
1) Herança composta por bens imóveis -
Tributação em IMT e IS (verba 1.1) pelo valor
patrimonial tributário (VPT) ou valor de partilha?
– Aquisição onerosa para efeitos de IRS?
Numa herança constituída por bens imóveis o
herdeiro querecebaem actode partilha imóveis em
valor superior ao da respectiva quota-parte ideal
será tributado em sede de IMT e IS (verba 1.1) por
esse excesso.
Esse imposto recairá sobre o maior dos seguintes
valores: (i) o valor atribuído na partilha, ou (ii) o
VPT.
Considere-se, então, a hipótese de partilha entre
dois herdeiros de uma herança constituída por dois
imóveis, com os seguintes valores:
Beneficiários VPT Valor da partilha
Herdeiro 1 € 120.000 € 150.000
Herdeiro 2 € 100.000 € 150.000
2. Nesta hipótese,sendo adjudicadoum imóvel a cada
herdeiro, os valores relevantes para a incidência do
imposto deveriam corresponder aos atribuídos em
partilha, porque superiores ao VPT. Detendo cada
herdeiro uma quota-parte ideal correspondente a
50%, e sendo-lhes adjudicados imóveis no mesmo
valor (€ 150.000), poderíamos ser tentados a
concluirnãoexistir excesso e,em consequência,que
o valor da liquidação de IMT e IS (verba 1.1), no
caso em análise, corresponderia a 0.
Não obstante, a Autoridade Tributária e Aduaneira
(AT) tem considerado que há excesso sujeito a
tributação em sede de IMT e IS (verba 1.1) numa
situação como a enunciada, verificando-se que o
herdeiro 1 tem uma quota-parte ideal
correspondente a € 110.000 e acaba por receber em
partilha um bem imóvel com um VPT no valor de €
120.000.Isto significa que a liquidação promovida
pela AT não afere a desproporção tendo por base o
maior dos valores em presença (VPT ou valor da
partilha), mas a maior diferença verificada (ou na
comparação entre VPTs ou na comparação entre
valores atribuídos).
Todavia, não havendo excesso que determine o
pagamento de tornas, inexiste similitude com uma
compra e venda, nos termos da análise promovida
pela jurisprudência anteriormente considerada,
pelo que é difícil configurar uma transmissão em
IRS para o herdeiro 2 e uma aquisição onerosa para
efeitos deste imposto para o herdeiro 1 (abstraindo
neste caso dos termos da liquidação para efeitos de
IMT e IS da verba 1.1). Subsiste, contudo, e pelo
menos, um custo fiscal para o herdeiro 1 (tendo em
conta a mencionada liquidação de IMT e IS da
verba 1.1),incorridoparaobtera adjudicação, e que
lhe deve ser relevado, em IRS, aquando de uma
venda futura, nocálculo de uma sua eventual mais-
valia.
2) Heranças mistas, compostas por bens móveis e
imóveis - Tributação da partilha de bens imóveis
em IMT e IS (verba 1.1.) - Aquisição onerosa para
efeitos de IRS?
Se numa partilha exclusivamente de bens imóveis
há já questões a ponderar, maiores dúvidas se
suscitam nos casos de partilhas que integram
simultaneamente bens imóveis e móveis.
Considere-se, para o efeito, o caso de uma herança
com dois herdeiros (detendo cada um uma quota-
parte ideal correspondente a 50%), composta por
um bem móvel, e dois bens imóveis, nos seguintes
termos:
Beneficiários Bens atribuídos em partilha
Valor
total
Herdeiro 1
Bem imóvel(valor atribuído:
250.000) + Bem móvel(50.000)
€ 300.000
Herdeiro 2
Bem imóvel(valor atribuído:
300.000)
€ 300.000
Nesta hipótese, e por efeito da partilha, ambos os
herdeiros recebem o mesmo valor, não havendo
lugar ao pagamento de tornas.
No entanto, e na medida em que, na perspectiva da
AT, a tributação em IMT e IS (verba 1.1) apenas
atenta à desproporção em bens imóveis
adjudicados em partilha, o certo é que o herdeiro 2
recebe imóveis em valor superior à respectiva
quota-parte ideal, correspondente a € 275.000,
havendo portanto um excesso sujeito a tributação.
Mais uma vez, a existência daquela tributação em
sede de IMT e IS (verba 1.1) não deverá determinar
uma aquisição onerosa para efeitos de IRS para o
herdeiro 2 (pelo valor que serviu de base à referida
liquidação), dado não haver lugar ao pagamentode
tornas e inexistir qualquer similitude com uma
compra e venda; apenas subsistirá um custo fiscal
para esse herdeiro 2, incorrido para obter a
adjudicação, e que lhe deve ser relevado, em IRS,
aquando de uma venda futura.
Assinale-se, todavia, que a articulação entre
tributação em IRS, por um lado, e em IMT e IS
(verba 1.1), por outro, tornar-se-á ainda mais
duvidosa no caso em que o herdeiro sujeito ao
pagamento de IMT e IS (verba 1.1)seja diferente do
herdeiro sujeito ao pagamento de tornas.
3. Considere-se para o efeito o exemplo de uma
herança com dois herdeiros (detendo cada um
uma quota-parte ideal correspondente a 50%),
constituída por dois imóveis, adjudicados em
partilha nos seguintes termos:
Beneficiários VPT Valor da partilha
Herdeiro 1 € 150.000 € 200.000
Herdeiro 2 € 100.000 € 220.000
De acordo com a liquidação promovida pela AT,
havendo uma desproporção superior na
comparação entre VPTs, tributar-se-á o herdeiro 1
sobre o excesso face à respectiva quota-parte ideal
(correspondente a € 125.000).
No entanto, os valores atribuídos em partilha
determinam o pagamento de tornas pelo herdeiro
2, pelo que à partida tal configuraria uma
aquisição onerosa para efeitos de IRS na parte em
que os bens atribuídos excedam a respectiva
quota-parte ideal (correspondente no caso a €
210.000). Neste caso, não fará qualquer sentido
que o valor de aquisição do herdeiro 2
corresponda ao valor que serviu de base à
liquidação de IMT(nostermosdo artigo 46.º,n.º1,
do Código do IRS), já que, para efeitos deste
imposto, o sujeito passivo/adquirente
correspondeu ao herdeiro 1.
Face às questões acima enunciadas, de enorme
relevância social e estatística, consideramos que a
AT deveria rapidamente clarificar, por meio de
doutrina administrativa, o tratamento fiscal das
partilhas hereditárias, o qual está actualmente
contaminado por um elevado casuísmo, muitas
vezes ao sabor doentendimentodecadaServiçode
Finanças. Dadas as dificuldades e incertezas que
rodeiam o tema é crucial que os herdeiros
procurem aconselhamento jurídico-fiscal antes de
procederem a actos de partilhas.
Para obter mais informações sobre este tema
contacte: Ana Rita Pereira / rita@rpba.pt
* * *
Embora a elaboração deste Boletim tenha sido
objecto do devido cuidado, a Ricardo da Palma
Borges & Associados (RPBA) - Sociedade de
Advogados, R.L. não se responsabiliza por
quaisquer consequências decorrentes do uso da
informação nele contida. Ela é fornecida apenas
para fins genéricos e não pode ser considerada
aconselhamento jurídico ou de outro tipo.
Recomenda-se uma assessoria jurídica qualificada
e dirigida ao caso concreto, previamente à tomada
de decisão relativamente a estes assuntos.