Entrevista do Portal DSS Nordeste com a professora doutora do Departamento de Medicina Social da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) Adriana Falangola, sobre ressarcimento das operadoras de saúde ao Sistema Único de Saúde (SUS).
2. Realidade: Apesar de receberem dos usuários as mensalidades, as operadoras vêm
sistematicamente recusando atendimento aos consumidores, sobrecarregando o SUS com
a prestação de serviços que se inserem dentro de suas obrigações contratuais.
(ii) O ressarcimento por utilização do SUS constituiria nova espécie de "tributo" para financiar
a saúde pública, o que seria contrário à Constituição e, até mesmo, porque a lei 9.656/98
não é formalmente capaz de instituir forma de cobrança, uma vez que não é Lei
Complementar;
Realidade: A natureza do ressarcimento não é de tributo, mas sim de indenização. “Os
planos de saúde são empresas, cujo objetivo é fazer lucro a partir da produção e venda de
uma mercadoria. A demanda dos associados ao SUS cria a necessidade de ressarcimento
do custo desse uso, dado que a formação do lucro do plano/seguro não é interrompida”
(Marques, 2015).
(iii) A cobrança do ressarcimento ao SUS fere a natureza do contrato oferecido, que é de
"seguro", e estaria impondo a cobertura total e irrestrita aos planos;
Realidade: Grande parte dos serviços que os usuários dos planos e seguros de saúde
demandam ao SUS diz respeito a procedimentos que do ponto de vista contratual deveriam
ser ofertados. Aos procedimentos não cobertos e que são realizados em unidades do SUS,
recém decisão do judiciário (setembro de 2015) obriga a Agencia Nacional de Saúde
Suplementar (ANS) a previamente à cobrança identificar se a operadora contratada tem
obrigação com a prestação do serviço que foi realizado em unidades do SUS.
(iv) O consumidor, contribuinte de tributos financiadores do SUS, estaria pagando novamente,
embutido em sua mensalidade do plano, por um serviço público de que tem direito de
utilizar sem custo adicional.
Realidade: O direito não está sendo em nenhum momento negado ao cidadão. A cobrança
devida é que está sendo feita às operadoras com base no argumento de “que não efetuar o
ressarcimento dos valores desembolsados pelo SUS àqueles que possuem planos de
3. saúde significa locupletar indevidamente as operadoras, tratandose de verdadeiro
enriquecimento ilícito, no jargão popular”, visto que recebem antecipadamente e
independente da ocorrência do sinistro.
(v) Ainda que válida a cobrança, o ressarcimento, os valores exigidos pelo SUS são maiores
do que aqueles praticados pelo plano de saúde.
Realidade: Este argumento representa casos isolados, que no momento em que são
identificados, as operadoras dos planos e seguros têm reagido por meio de argumentos
perante o judiciário, que tem cobrado da ANS adequações.
De sua parte o Estado brasileiro e as instâncias jurídicas institucionais têm argumentado que o
ressarcimento ao SUS é devido porque as operadoras de planos e seguros privados de
assistência à saúde já embutem em seu cálculo atuarial todo e qualquer atendimento devido aos
seus beneficiários, sendo que não efetuar o ressarcimento dos valores desembolsados pelo SUS
àqueles que possuem planos de saúde significa locupletar indevidamente as operadoras,
tratandose de verdadeiro enriquecimento ilícito, no jargão popular”.
Alguns juristas chegam a alegar que desnecessária seria até mesmo a criação do ressarcimento
pela Lei 9.656/98, pois consideram que “dessa indenização já cuida o Código Civil, com
propriedade e suficiência, ao estabelecer, no art. 884, que aquele que, sem justa causa, se
enriquecer à custa de outrem, será obrigado a restituir o indevidamente auferido, feita a
atualização dos valores monetários.”
Estudo do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec) indica que dos R$ 1,6 bilhão
cobrados das operadoras pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para
ressarcimento ao Sistema Único de Saúde (SUS), apenas 37% – cerca de 621 milhões – foram
pagos.. Mais de R$ 331 milhões – 19% – foram parcelados e R$ 742 milhões – 44% – não foram
nem pagos nem cobrados. Não foram quitadas pelas operadoras, 63% das dívidas.
A relação entre o SUS e as operadoras de saúde
Em 10 de agosto de 2015, a Agenda Brasil, entre os seus 28 itens, inclui a possibilidade de
cobrança de procedimentos realizados no SUS, a partir de determinada faixa de renda. Tal
proposição fere frontalmente o Direito à saúde. Mobilização da sociedade e de entidades de
defesa do SUS fez retroceder tal alternativa de aporte de recursos e economia do investimento
público em saúde. Em substituição, é incluído texto que refere ressarcimento ao SUS de
procedimentos realizados em cidadãos contratantes de planos e seguros de saúde. Até aí, nada
4. de novo, a grande e terrível novidade é que a previsão de ressarcimento é pelos associados dos
planos e seguros e não pelas operadoras!
O caso da PEC 451, de iniciativa do Deputado Eduardo Cunha, que propõe que todo
trabalhador tenha plano de saúde.
Inicialmente e perigosamente uma proposta que pode atender aos anseios dos trabalhadores
formais, visto que pesquisas indicam ser a aquisição de planos e seguros de saúde o segundo
maior desejo de consumo do brasileiro. Tal proposição além de encerrar direito constitucional
conquistado com a CF/88, estimula a venda de planos de saúde e empurra grande parcela da
população para um mercado de saúde, que tem por propósito o lucro e que, portanto, tem se
utilizado de todos os argumentos e artifícios para, por meio da negativa de atendimento, ampliar
seus lucros. Além de tal PEC deixar aos trabalhadores o pagamento pelo beneficio, visto que aos
empresários os incentivos e benefícios fiscais vão resguardar de despesas.
A pressão do mercado pelo consumo, gerador de competitividade e imediatista e certa “alienação
política”, aliados as fragilidades do SUS e a um congresso nacional marcadamente conservador,
gera as condições para o florescimento de propostas que desconsideram toda a luta do
Movimento de Reforma Sanitária e da objetivação do mesmo nos artigos constitucionais, a saber:
o direito à saúde garantido pelo Estado, mediante políticas econômicas e sociais
De acordo com dados informados na Revista Radis n. 156, o deputado Cunha recebeu para
campanha R$ 250 mil como doação do Bradesco Saúde S/A. No total as operadoras doaram para
deputados e senadores na última campanha R$ 5,9 milhões. Perguntase: qual o interesse das
operadoras e seguradoras em fazer doações ao legislativo? As votações e os temas majoritários
do campo da saúde respondem tal questionamento. Como exemplo a Lei 12.873/2013 que reduz
em 80% a base de cálculo de PIS e Cofins para as operadoras.
A Lei 13.098 que faz mudança em trecho da Lei 8080/90: entrada do capital estrangeiro no
SUS
Em perfeita sintonia com a PEC 451, a mudança na Lei 8080, autoriza a entrada do capital
estrangeiro na saúde, abrindo portas para os grupos estrangeiros investirem no país. O Deputado
Manuel Jr (PMDB) foi o propositor do texto. O mesmo, também recebeu dinheiro de planos, no
montante de R$ 105 mil (Revista Radis n. 156).
Os incentivos as operadoras de planos e seguros de saúde por meio de isenção fiscal, legislação
que abre a possibilidade de entrada de capital estrangeiro no país, proposição legislativa de
obrigatoriedade de planos para trabalhadores, o apoio financeiro do mercado de planos às
campanhas são medidas que fragilizam o SUS por retirar recursos financeiros e condicionar apoio
5. ao setor em detrimento de fortalecimento da política pública de saúde. Como referido na Carta de
Goiânia, no último congresso da Abrasco (Agosto, 2015) tais iniciativas corroem “os valores de
igualdade, justiça e de solidariedade das políticas e programas universais”.
Neste contexto, o ressarcimento ao SUS é importante como mecanismo para fazer com que as
operadoras cumpram com suas obrigações legais de cobertura de procedimentos para os
consumidores de seus serviços.
Os 10 maiores valores devidos e não pagos
Razão Social Operadora Valor
Cobrado
Valor Pago Valor
Parcelado
Valor Pago +
Parcelado
Valor Devido
e Não Pago
HAPVIDA ASSISTENCIA
MEDICA LTDA
39.145.630,95 0 39.145.630,95
CENTRAL NACIONAL UNIMED
COOPERATIVA CENTRAL
21.060.077,81 0 21.060.077,81
INTERMÉDICA SISTEMA DE
SAÚDE S/A
19.001.921,31 749,27 749,27 19.001.172,04
UNIMED BELO HORIZONTE
COOPERATIVA DE TRABALHO
MÉDICO
18.724.416,32 0 18.724.416,32
PRÓSAÚDE PLANOS DE
SAÚDE LTDA. EM
LIQUIDAÇÃO EXTRAJUDICIAL
18.460.434,89 0 18.460.434,89
GEAP AUTOGESTÃO EM
SAÚDE
72.763.871,96 18.011.344,5
4
37.487.910,
67
55.499.255,21 17.264.616,75
GRUPO HOSPITALAR DO RIO
DE JANEIRO LTDA
12.946.364,06 987,03 987,03 12.945.377,03
UNIMED CURITIBA
SOCIEDADE COOPERATIVA DE
MÉDICOS
12.680.648,07 0 12.680.648,07
PROSAUDE ASSISTENCIA
MEDICA S/C LTDA.
12.446.025,09 0 12.446.025,09
PREVENT SENIOR PRIVATE
OPERADORA DE SAÚDE LTDA
34.732.593,97 716.916,45 24.477.721,
89
25.194.638,34 9.537.955,63
Fonte: ANS/Dez. 2014