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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA
CENTRO DE ARTES E LETRAS
CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO EM DESENHO E PLÁSTICA
CAMINHO A DONA MARIA – A PAISAGEM DE PAISAGENS
TRABALHO DE GRADUAÇÃO II
Pâmela Taís Silveira Gularte
Santa Maria, RS, Brasil
2014
CAMINHO A DONA MARIA – A PAISAGEM DE PAISAGENS
Aluna: Pâmela Taís Silveira Gularte
Matrícula: 2901047
Atelier de origem: Serigrafia
Trabalho de Graduação II
Banca examinadora:
Altamir Moreira
Mirian Martins Finger
Reinilda de Fátima Berguenmayer Minuzzi
Santa Maria, RS, Brasil
Sumário:
Lista de imagens ..................................................................................................................................... 05
PARTIDA ................................................................................................................................................. 08
Caminho a Dona Maria ............................................................................................................................ 09
Paisagem, o que é? ................................................................................................................................. 10
Paisagem, por quê? ................................................................................................................................. 11
Paisagem e cristianismo .......................................................................................................................... 13
Contemplação e introspecção .................................................................................................................. 13
“DA JANELA EU VI” ................................................................................................................................. 16
BAGAGEM ............................................................................................................................................... 18
Lance de Olhar - Fotografia e Pintura ...................................................................................................... 19
O desenho e a serigrafia .......................................................................................................................... 21
O momento abstracionista e a ampliação do dicionário de formas orgânicas ......................................... 27
Vamos jogar com peças? .......................................................................................................................... 31
3
TRAJETO ................................................................................................................................................. 34
Cerâmica e Massinha de Modelar ............................................................................................................ 35
Do bi ao tridimensional .............................................................................................................................. 41
A maquete e a pintura espacial ................................................................................................................. 44
ENCRUZILHADA ....................................................................................................................................... 46
O que apresentar e como apresentar ao público? .................................................................................... 47
ESTAÇÃO ................................................................................................................................................. 53
Processo cerâmico .................................................................................................................................... 54
Fotografia e a nova pintura ....................................................................................................................... 56
Cúpula ....................................................................................................................................................... 60
O grande e o pequeno ............................................................................................................................... 62
CHEGADA ................................................................................................................................................. 64
Referências ................................................................................................................................................. 65
4
Lista de imagens:
Observação: Optei pela descrição das imagens de meus trabalhos na lista para que as legendas não influen-
ciassem a visualidade do trabalho. Apenas as imagens de obras de outros artistas apresentam a caixa de legen-
da abaixo das mesmas.
1- Pâmela Gularte, fotografia digital, 2009.
2- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A2, 2013.
3- Pâmela Gularte, fotografia digital, 2010.
4- Pâmela Gularte, fotografia digital, 2010.
5- Pâmela Gularte fotografia digital 2011.
6- Pâmela Gularte, óleo sobre tela, A3, 2011.
7- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A1, 2013.
8- Pâmela Gularte, lápis de cor sobre papel, A4, 2012.
9- Pâmela Gularte, aquarela sobre papel, A2, 2013.
10- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A2, 2012
11- Henri Matisse, Anfitrite, guache sobre papel recortado e colado, 85,5x70 cm, 1947, coleção particular. Ima-
gem disponível em: <http://www.wikiart.org/en/henri-matisse/cut-outs-5>. Acesso em 16/05/2014.
12- Burle Marx, Jardim, residência de Edmundo Cavanelas, Petrópolis, RJ. Imagem disponível em: <http://
naterradoipe.wordpress.com/2011/08/06/burle-marx/> Acesso em 16/06/2014.
13- Alexander Calder, sem título, folha de alumínio pintada e arame de aço, 37,1x22,8x27, 5 cm, 1939. MOMA,
Nova Iorque, Estados Unidos. Imagem disponível em: <http://www.moma.org/collection/object.php?
object_id=81965> Acesso em 16/06/2014.
5
14- Alexander Calder, Goldfish bowl, arame, 40,6x38,1x15,2cm, 1929. Calder Foundation. Nova Iorque, Estados
Unidos. Imagem disponível em: <https://artsy.net/artwork/alexander-calder-goldfish-bowl> Acesso em 16/06/2014.
15- Van Gogh, Campo de trigo com Corvos, óleo sobre tela, 50,5x103cm, 1890. Van Gogh Museum, Amsterdam,
Alemanha. Imagem disponível em: <http://www.vangoghmuseum.nl/vgm/index.jsp?page=3343&lang=en> Acesso
em 16/06/2014.
16 e 17- Pâmela Gularte, Liquens, fotografias digitais, 2013.
18- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A2, 2013.
19- Pâmela Gularte, Árvore Vênus, serigrafia sobre papel, A3, 2013.
20 a 22- Pâmela Gularte, paisagens montadas a partir de peças em papel Paraná, 2013.
23 a 26- Pâmela Gularte, paisagens montadas a partir de peças em cerâmica pintadas a frio, 2014.
27- Pâmela Gularte, paisagem montada a partir de peças em cerâmica com tratamento de barbotinas e vidrados,
2013.
28 a 32- Pâmela Gularte, paisagens em massinha de modelar, 2013.
33 a 37- Pâmela Gularte, paisagens montadas com peças cerâmicas, 2014.
38- Kath Bonson, Pennine Journey, cerâmica, esmaltes e serigrafia. Imagem disponível em: <http://
cone6pots.ning.com/photo/bonson-1-the-viaduct-2/next?context=latest> Acesso em 17/06/2014
39- Norma Grimberg. Peças em cerâmica. Imagem disponível em: <http://normagrimberg.com.br/pt#> Acesso em
17/06/2014.
40- Pâmela Gularte, Paisagem em peça única, cerâmica, 2013.
41- Carl Warner, Celery island Panorama, fotografia. Imagem disponível em: <http://www.carlwarner.com/image/
foodscapes/celery-island-panorama_32/#&panel1-32> Acesso em 17/06/2014. 6
42- Matthew Albanese, A New Life #1, Imagem disponível em: <http://www.matthewalbanese.com> Acesso em
17/06/2014.
43- Matthew Albanese, A New Life #2, Imagem disponível em: <http://www.matthewalbanese.com> Acesso em
17/06/2014.
44-- Fotografia do studio de Matthew Albanese, Diorama feita com papel de pergaminho pintado, linha de mão,
penas de avestruz tingidas, chocolate esculpido, arame, ráfia, fita adesiva, café, envasamento de musgo sintético
e algodão. Imagem disponível em: <http://www.matthewalbanese.com/a-new-life#2> Acesso em 17/06/2014.
45 - Pâmela Gularte, Fotografia de maquete ou pintura espacial.
46- Pâmela Gularte, relevo em massinha de modelar, 7X5 cm, 2013
47 e 48- Pâmela Gularte, relevos em cerâmica.
49- Pâmela Gularte, fotografia das caixas.
50 e 51 - Pâmela Gularte, fotografias do interior das caixas, massinha de modelar. Altura das peças maiores:
7cm.
52- Pâmela Gularte, paisagem em caixinha espelhada, massinha de modelar, aproximadamente 5x8 cm, 2014.
53- Pâmela Gularte, projeto para maquete, caneta sobre papel 13x9 cm, 2014
54 a 62- Pâmela Gularte, fotografias do processo cerâmico, 2014.
63 a 65- Pâmela Gularte, fotografias de detalhes maquete – pintura espacial, 2014. A maquete é formada por
aproximadamente 50 peças que ocupam uma área aproximada de 150x200 cm.
67 e 68- Pâmela Gularte, projeto para cúpula, 2014.
69 a 71- Pâmela Gularte, estudo para cúpula em massinha de modelar, área aproximada 50x50 cm. 2014
7
PARTIDA:
“Mas o que nem todo mundo percebe é que a viagem começa quando fechamos a porta da casa. O caminho
pode ser tão prazeroso quanto as aventuras que nos aguardam no ponto de chegada.” Tietta Pivato
8
Caminho à Dona Maria
Das idas e vindas a Santa Maria, cidade que me acolheu para os estudos de Artes Visuais,
e minha casa em Salto do Jacuí, onde encontrava minha mãe, Maria de Fátima,
que me acolheu em seu ventre no início desta viagem que é a vida
e em seus braços a cada chegada ou partida...
Surge um caminho em que não importava o sentido, estava indo a Dona Maria.
1.
9
Paisagem, o que é?
Um termo escorregadio, um conceito impreciso... Paisagem é tema interdisciplinar e de muitos
desdobramentos, objeto de interesse de vários campos do conhecimento. Não há, porém consenso de definição
do que é paisagem entre os que pensam e escrevem sobre o tema. “Paisagem é a porção de terra que vemos
num lance de olhar.” dizem os dicionários (FERREIRA, 2001). A porção de terra está lá, mas e se não a vejo?
Precisamos do olhar para que haja paisagem. E se lanço olhares de diferentes ângulos, vejo os mesmos
elementos, mas é a mesma paisagem? Se eu a olhar novamente e a perceber novamente, já não somos as
mesmas, nem eu a olha-la nem ela para mim.
Apesar de tê-la conhecido através da geografia e sempre ter achado que era o que era - um conjunto de
elementos num determinado espaço, natural, rural ou urbano - existindo independente de qualquer olhar, minhas
últimas leituras tentam convencer-me de que é uma invenção cultural de “quando a pintura começou a laicizar tais
elementos como árvores, rochedos, rios, a desprendê-los da cena sagrada.” (MAKOWIEKY, 2009, p. 2718). A
arte reivindica “a invenção da paisagem” (CAUQUELIN, 2007).
Vieira (2006) discorre sobre o tema da paisagem, dividindo a visão de diversos autores em “três regimes do
olhar”. Parti de suas reflexões para tecer algumas das minhas e definir, não o que é paisagem, mas as diferentes
formas pelas quais trato o que para mim são paisagem e paisagens.
A visão tridimensional é a que se preocupa com questões entre a paisagem e o espaço, e, o real e seu
falseamento. Ou seja, a paisagem é o aspecto visível do espaço e as representações deveriam ser rejeitadas em
busca da verdade, da realidade concreta. Para os que abordam de forma bidimensional ou imagética, porém, a
imagem do que se vê se torna importante. Nesta abordagem a paisagem e a arte encontram-se entrelaçadas em
uma relação de dependência. Vieira cita Kenneth Clark e seu livro “A paisagem na Arte” como exemplo onde
podemos perceber a abordagem imagética na história da arte.
10
Uma terceira visão é permeada pelas duas primeiras, pois a realidade tridimensional é percebida e transcrita
em imagem. Malcom Andrews expressa um enfoque na percepção, para ele a paisagem é o processo perceptivo
que se opera no olhar. “Não é a mão que pinta, mas o olhar que seleciona transformando “Land into
Landscape”.” (ANDREWS apud VIEIRA, 2006, p. 9)
Para mim, paisagem não é apenas um desses aspectos, é cada um deles. Coexistem em meu trabalho a
paisagem real, a percebida e a apresentada. Há uma paisagem real, concreta e estabelecida no espaço a qual se
torna fonte de minhas percepções, criando em mim, de modo totalmente particular, a paisagem percebida, a qual
tento transcrever plasticamente na paisagem apresentada em imagem.
Ela é o que é. Campos, nuvens, pedras, rio, árvores, casas.
Ela é a imagem vista através do recuo, composição enquadrada pela janela.
Ela é o que percebo na conversa da cor da textura da curva da dança do movimento.
Ela é o lugar onde me faço pequena para ver e habitar.
Ela é o que faço. Formas, cores, planos, dobras, construção visual.
Ela é a memória do entorno que abriga minhas sensações.
Paisagem, por quê?
Desde que o homem começou a fazer arte, os elementos da natureza estão presentes em seus temas. Para
fins rituais, os desenhos de animais nas cavernas, e decorativos como os motivos litorâneos nas salas de palácios
na pré-história da arte grega, por exemplo. O fato é que nos relacionamos com a natureza e esta traz os mais
diversos efeitos sobre o espírito humano. Pela a admiração, ou inquietação, ou qualquer outro dos efeitos que
essa relação causa, a paisagem torna-se tema de nossa arte. Paisagem porque nos relacionamos com ela.
11
2.
12
Crescendo em uma chácara no interior de Salto do Jacuí, o contato com a natureza me fazia amar as flores, os
campos, a água corrente e as pedras roliças de suas margens arenosas... Paisagem porque meu relacionamento
é de amor e memória.
Paisagem e cristianismo
Segundo Clark (1961) a relação homem-natureza já foi de tentativa de afastamento para os medievais. Achar
beleza e apegar-se ao ambiente terrestre era contrário ao pensamento de que o homem estaria de passagem
sobre a Terra. Clark narra o momento em que o poeta Francisco Petrarca sobe o monte Ventoux e entra em
conflito religioso sobre o olhar a natureza, seu entusiasmo com o que contempla o distingue de seus
contemporâneos e faz os historiadores o tomarem como o homem que inaugura o espírito moderno.
O cristianismo da idade média me é estranho. O medo do envolvimento com a natureza contrasta com texto
bíblico cristão que incentiva a contemplação e estudo da natureza, tal qual Petrarca, que não apenas gozava a
“profusão decorativa das flores”, mas estudava suas características. “Olhai os lírios do campo... As aves do
céus” (BÍBLIA, Mateus, 6: 26,28 e 29.) dizia Cristo, segundo suas biografias bíblicas, e baseava várias de suas
lições em atividades agrícolas como semeadura e colheita. Como cristã me sinto convidada a contemplação da
natureza e não proibida de fazê-lo.
Contemplação e introspecção
Contemplação é uma das características necessárias para a inteligência emocional. O contemplativo extrai
grandes maravilhas de pequenas coisas exercitando a sensibilidade. Sempre acreditei que quem pretende
produzir imagens deve ter uma grande fonte de olhares e efeitos capturados na mente para materializá-los em
arte. Paisagem me inspira a contemplação e na introspecção busco o que dela quero transmitir.
13
Quando os artistas realmente contemplaram, por fim os elementos naturais foram ganhando mais realismo nas
composições da história da paisagem na arte, as noções de iluminação foram ganhando força. “E na paisagem,
esse amor que tudo abarca exprime-se pela luz” ( CLARK 1961 p. 36). Segundo Kenneth Clark a luz é o que traz
unidade e verdade à pintura de paisagem, transformando-a num todo e, inevitavelmente, desdobrando efeitos
fantásticos apreendidos pelo olhar dos artistas. E continua sendo o elemento pelo qual se fundamentaram teorias
impressionistas de Monet, que ajuda Van Gogh expressar-se, esteve presente na ciência de Seurat e facetou os
sólidos de Cézanne.
Oh, paisagem, te escolhemos pra narrar nossas experiências visuais, perceptivas e emocionais ao longo de
todos os tempos e ainda não esgotamos nossos modos de tratar contigo! Os artistas viajantes retrataram suas
impressões sobre o novo mundo, os contemporâneos discursam sobre assuntos sem fim: tempo, nostalgia,
movimento, ecologia... E eu aqui estou falando de um caminho de paisagem e paisagens e de mim. Escolhemos
paisagem porque é de dentro e de fora.
14
3.
15
“DA JANELA EU VI”*
“O olhar é uma janela. Toda janela tem dois lados que se comunicam através dela. Interior e exterior. Se a
paisagem é um olhar, então ela é o encontro da interioridade de quem vê e a exterioridade do que é visto, em
meio à corporeidade sensória. A paisagem pode ser tomada como a relação entre o espaço e a imagem. É o
encontro entre elas. É a janela que comunica tais instâncias.” (VIEIRA, 2006, pág 14.)
*Nota: Trecho da Música “17 de janeiro”. Os Arrais.
4.4.
16
Desde as primeiras viagens de carro com minha família, encantava-me observar as paisagens dos pampas em
sua imensidão, a singeleza das flores e gramíneas a beira da estrada que mesmo fixas em seu lugar pareciam
passar por minha janela em grande rapidez. Ainda criança, queria levar para mim as cenas dos percursos como
recortes de mundo para, guardar e mostrar. Fotografias!
Já adulta, com o andar do ônibus assisto pelas grandes janelas as paisagens ganhando uma dinâmica
diferente, que, no que conservo de meu imaginário infantil, são como cenas de um filme, um mundo que passa na
tela de TV enquanto repouso no sofá da sala.
A cada viagem, pensando no destino a chegar minha mente inventa uma nova história... O céu nunca está
igual, a relva muda de cor, os reflexos do sol são sempre diferentes sobre as casas, e meu coração sempre sonha
um sonho diferente quando as vê.
Um mundo passou em minha janela, e dali tive o distanciamento e enquadramento necessários para percebê-
lo como percebi. Sandra Makowiecky fala da importância dessa lente comunicadora de paisagens: “Em cenas
pintadas, a janela aberta para o exterior é um achado crucial na invenção da paisagem ocidental. Uma cena, para
virar paisagem, precisa de um recuo, isto é, de uma distância do olhar.” (MAKOWIECKY p. 2718). E a janela do
ônibus multiplicou esse efeito quando milhares de composições e possibilidades passavam diante de meus olhos.
17
BAGAGEM:
Ao concentrar meu olhar nas paisagens do caminho para apreender cenas interessantes em meu trabalho
fotográfico e pictórico, descobri linhas curvas e rápidas que deram origem a composições com formas orgânicas e
um pensamento dinâmico de paisagem.
18
Lance de Olhar - Fotografia e Pintura
Fiz as fotografias que queria. A Série “Caminho à Dona Maria” que apresentei como trabalho da disciplina de
Fotografia I (figuras 1, 3 e 5). No deter do olhar para formar boas composições, na imersão da atenção aos
elementos que me ajudaram compor, na agilidade dos clicks, aguçaram-se minhas percepções.
No caminho a Dona Maria a paisagem é bem diversificada. Há montanhas, vales e campos abertos,
numerosas construções da cidade e solitárias habitações rurais, pequenos açudes e o majestoso rio Jacuí,
cenários passageiros, pois de tudo que vemos, as nuvens e o sol são os únicos a nos acompanhar.
Observo o céu com verdadeira paixão em sua amplitude como quem para diante de uma grande obra de arte
para apreciar as manchas, as pinceladas, os planos, profundidade, as cores e contrastes de um grafismo que aos
poucos vai se transformando. Sendo que os elementos celestes, embora companheiros, não são de modo algum
estáveis, trazendo surpresas a cada nova performance, possibilitando ao observador atento a criação de
personagens e outros desenhos enquanto mudam de cor, forma, e posição.
A contemplação dos efeitos da luz sobre a paisagem do caminho que me despertou para o tema da paisagem
como pintura (figura 6), pois senti que eram percepções férteis para a arte. Pintei! Nesse momento as paisagens
careciam de verdade e tentei fazê-las com o máximo de fidelidade, o que satisfaz a maior parte dos gostos e dá
sensação de dever cumprido. Mas assim como na história da arte os efeitos fantásticos da luz tiveram seu
espaço, também tomei gosto por efeitos fantásticos e tentei inseri-los em minha pintura e fotografia, interessando-
me por silhuetas de árvores, pessoas ou quaisquer objetos em contraste com a luz. Isso não durou muito tempo.
Parei de pintar o caminho ou a luz para cuidar minha Maria que adoeceu. Fazia às vezes alguns desenhos
decorativos que incluíam flores e nuvenzinhas estilizadas para passar o tempo.
19
5. 6.
20
O desenho e a serigrafia
Quando retornei à minha pesquisa, tentei retomar as silhuetas, dessa vez na serigrafia. Percebendo que eram
os efeitos de luz nas nuvens atrás das silhuetas que mais me atraiam, voltei então à paisagem em si. Retomei a
janela, mas além de recortes da realidade que passava diante dela, esse tema tornou-se transcrição de
percepções dinâmicas e fluidas. Eu podia fechar os olhos e em voo rasante fazer as curvas do relevo e sentir com
os dedos da imaginação a textura das copas das árvores. Esse passo aguçou a essência que me possibilitou
interpretar de uma nova forma as paisagens do caminho, com desenhos orgânicos e linhas livres e velozes, na
velocidade com que o olho passava na vegetação. Essa sintetização rápida das formas se deu por áreas de cor,
inspirando uma nova coloração, mais contrastante e plana, sintetizada para a linguagem serigráfica (figuras 7 a
10).
7. 8.
21
9.
22
10.
23
O relacionamento de meu trabalho com os diversos artistas que me influenciaram se deu ora de forma
consciente e buscada, ora inconsciente, que somente percebi no muito refletir tentando relembrar minha trajetória
como artista estudante. Quando começo levar a organicidade a sério enquanto forma e linha, conscientizei-me da
influência indireta que contatos com obras de Henri Matisse (1869-1954, figura 11), artista moderno francês
conhecido por seu uso da cor e sua arte de desenhar, fluida e original e Burle Marx (1909-1994, figura 12), o mais
famoso paisagista brasileiro tiveram sobre meu desenho. Falar “formas orgânicas” já me trazia suas obras à
memória.
11. 12.
Burle Marx, Jardim, residência de Edmundo Cavanelas, Petrópolis, RJ.Henri Matisse, Anfitrite, guache sobre papel
recortado e colado, 85,5x70 cm, 1947, coleção
particular.
24
A influência direta fica por conta de Alexander Calder (1898-1976), escultor e pintor estadunidense famoso por
seus móbiles (figuras 13 e 14), porque relaciono sua influência para além das formas. Assistindo um vídeo
retrospectivo gostei de ver como a mão deslizava para pintar formas curvas me encorajaram às formas orgânicas.
Os móbiles, ao se movimentarem criam vida fazendo desenhos invisíveis no ar. E aqui está algo que também
pertence ao desenho que o olho faz ao percorrer os caminhos do ônibus. O movimento! Que sempre produz
elegantes curvas (a menos que seja um movimento extremamente mecânico ou então um sólido caindo sob a lei
da gravidade). Quem se deixa levar pelo movimento, faz curva, ou faz a curva...
Com Calder aprendi deslizar e dançar enquanto desenho.
13. 14.
Alexander Calder, sem título, folha de alumínio
pintada e arame de aço, 37,1x22,8x27, 5 cm,
1939. MOMA, Nova Iorque, Estados Unidos.
Alexander Calder, Goldfish bowl, arame, 40,6x38,1x15,2cm, 1929.
Calder Foundation. Nova Iorque, Estados Unidos.
25
As referências buscadas são os pintores de paisagens que me encorajaram e inspiraram a continuar minhas
buscas de resultados plásticos significativos. De Monet (1840-1926) tentei aprender ver as cores e formas, da na-
tureza, a partir das impressões que me causavam e de Van Gogh (1853 -1890, figura 15) as cores e formas que
expressassem o que estava também dentro, ou seja, o que eu estava digerindo de tudo que havia visto, percebido
e interiorizado.
15.
Van Gogh, Campo de trigo com Corvos, óleo sobre tela, 50,5x103cm, 1890. Van Gogh Museum, Amsterdam, Alemanha.
26
O momento abstracionista e a ampliação do dicionário de formas orgânicas
Aproximo-me da abstração pelo paralelo que se faz entre arte abstrata e linguagem no início do século XX
segundo Charles Harrison. As formas se tornaram independentes como palavras, que “não tem nenhum
significado intrínseco por si mesmas, mas só em virtude de suas possíveis relações umas com as
outras” (HARRISSON, 1998, p, 29). Embora eu não esteja tratando minhas obras como arte abstrata, é inegável
que uma linguagem com seus signos existam nela. Os campos, as montanhas, as matas próximas e distantes, as
árvores solitárias e a natureza das nuvens formaram uma espécie de dicionário de formas e uma espécie de jogo
lúdico ao compor as obras.
As formas se emanciparam das paisagens do caminho e ganharam uma liberdade de significar outras coisas
que tornou-se ainda maior quando outros elementos naturais descobertos e por suas semelhanças foram
adicionadas a este vocabulário visual. Esses elementos foram os liquens que crescem no tronco das árvores com
seus formatos e ramificações tão versáteis quanto as nuvens (figuras 16 e 17). Geralmente com cores sóbrias
entre brancos e pretos e todos os cinzas, mas salpicados de esferas ou cavidades coloridas de vermelho, laranja,
marrom, verde, amarelo... Um micro universo de contrastes interessantes que muito me agregaram no momento
de pensar as paisagens.
E de voo rasante passamos a mergulho nas profundezas do oceano pela relação visual que as pessoas
sempre comentavam que minhas paisagens tinham com o fundo do mar. Por que não? Relutei um pouco por não
ter experiência real com mergulhos submarinos como tinha com a contemplação de todos os outros elementos,
Certo que não era a intenção inicial, mas se a liberdade havia mesmo chegado, era hora de deixar que se
agregasse o que era tão pedido. Se o trabalho lembra o fundo do mar, o trabalho pede o fundo do mar. Ou já não
pede, é (figura 18).
De repente veio uma espécie de concha de Vênus, onde Vênus é uma árvore, as nuvens habitam um só. O
lance de vista de terra, o dinamismo do céu, os pequenos liquens, e o oculto fundo do oceano, juntos (figura 19).
27
16. 17.
28
18.
29
19.
30
Vamos jogar com peças?
Quando a linguagem das paisagens orgânicas enriqueceu-se o “jogo” ficou mais complexo, o que me levou a
pensar seriamente em transformar o trabalho em uma experiência estética, lúdica e interativa. Um quebra-cabeça,
ou vários quebra-cabeças que trocam peças entre si. As memórias infantis de quem descobre desenhos nas
nuvens também se voltam agora ao jogo.
Como na serigrafia realiza-se o processo de impressão para cada cor que compõe a imagem, a sobreposição
de áreas de cor revela formas. Pensando nesse fato, foi familiar fazer alguns projetos a partir destas
sobreposições de formas recortadas e perceber elementos, separando-os de alguma forma do todo.
O contato com a arte construtivista brasileira nas visitas ao MAM e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o
interesse em manipular os “gibis” de Raymundo Colares (1944-1986) e os “bichos” da Lygia Clark (1920-1988)
somado ao fascínio pelos móbiles de Alexander Calder, todos trabalhos que podem “mudar” de repente, frutificou
em minha mente. Foram grandes influências daquelas que se dão de forma inconsciente no processo, mas que se
reconhecem no resultado.
A ideia de fazer das formas peças trouxe a necessidade de um suporte mais firme. Fiz recortes em papel
Paraná (figuras 20 a 22) com formas semelhantes aos recortes de Matisse como projetos para peças
bidimensionais em cerâmica (Figuras 23 a 25).
Norma Grinberg, premiada ceramista brasileira, disse sobre seus módulos em cerâmica:
“Curiosamente percebi que eles poderiam ser manipulados num fascinante jogo aberto e lúdico. Meu
envolvimento foi tal que não consegui mais controlar o desejo de continuidade e desenvolvimento desse
trabalho. E, a medida que eu jogava tudo se tornava mais amplo e complexo, desafiador e
envolvente.” (GRINBERG, apud SOARES 1987, p 38)
Penso que foram esses mesmos sentimentos que me fizeram deixar por um pouco o trabalho que considerava
bem resolvido na serigrafia e me doar as peças num momento importante do curso, o trabalho de conclusão, e me
aventurar em técnicas ainda desconhecidas como a cerâmica. 31
21.20. 22.
23. 24. 25.
32
26.
33
TRAJETO:
A vontade de produzir peças trouxe-me a oportunidade de iniciar uma nova jornada no conhecimento massas,
volumes e espacialidade onde a paisagem real e sua imagem dialogam e mostram diversos caminhos diferentes.
34
Cerâmica e Massinha de Modelar
A escolha da cerâmica não foi pela afinidade com a técnica, visto que não tinha passado pelo aprendizado
quando escolhi, mas pela possibilidade de conseguir peças com um material que julguei propício à manipulação
pelo encantamento do brilho dos esmaltes. Imaginei que pudesse conseguir boas texturas também. O trabalho, a
princípio, seria basicamente plano, mas eu poderia sentir as curvas com as pontas dos dedos.
Assim mergulhei no aprendizado da técnica com grandes expectativas para meus quebra-cabeças. Nas
primeiras experiências já pude executar meu plano, a partir de propostas aconselhadas fiz placas (no formato dos
elementos das minhas paisagens) com diferentes texturas e testei a pintura, tratamentos com barbotinas e após a
queima acrescentei esmaltes nessas mesmas placas (figura 27).
Após a primeira e empolgante experiência com a modelagem cerâmica, passei a testar composições em
pequenos projetos de massinha de modelar à base de amido (figuras 28 a 32). A massinha - macia, cheirosa,
colorida e lúdica - é outro elemento do processo de meu trabalho que me leva a pensar na infância enquanto
produzo.
Há diferenças em modelar a massinha e o barro cerâmico. A principal dessas diferenças é a maleabilidade,
pois o barro quebra mais fácil, tem menos liga que a massinha. Outra diferença é a cor. As cores do barro são
limitadas e discretas, sendo necessária a esmaltação ou aplicação de engobes para conseguir maiores contrastes
e harmonias de cor mais complexas na cerâmica. A massinha tem cores fortes, variadas e misturáveis, tornando
possível a visualização instantânea da composição final.
35
27.
36
28. 29.
37
30. 31. 32.
38
33. 34.
39
35. 36. 37.
40
Do bi ao tridimensional
Explorando o material, tanto a massinha de modelar quanto o barro cerâmico, experimentei a possibilidade de
tridimensionalisar as peças de minhas paisagens (figuras 33 a 37). Senti-me como Lygia Clack transformando
suas “superfícies moduladas” em “casulos”. Que ainda eram quadros, mas logo pulariam da parede e se
tornariam os “bichos”.
No processo de tridimensionalisação, surgiram outras questões como a espacialidade. As paisagens
tridimensionais deveriam levar em conta o entorno? Eu as estava fazendo pra serem olhados de frente, ou de um
ângulo diagonal frontal.
Na busca por referencias artísticas para o trabalho tridimensional cerâmico com paisagens encontrei Kath
Bonson (figura 38.) que trabalha com paisagens de sua cidade de forma abstraída em peças únicas ou
composições de peças em cerâmica e Norma Grinberg (figura 39) que também explorou a possibilidade de
interação e ludicidade fazendo de seus trabalhos jogos abertos e interativos.
Fazer, entretanto, a relação entre as peças planas do “quebra-cabeça” e as da nova realidade, que me pediam
respostas sobre espacialidade, parecia-me um tanto controverso. As peças bidimensionais eram dependentes
umas das outras, mas as tridimensionais pareciam querer a autossuficiência. Tanto que na busca por
espacialidade fui levada a uma paisagem que não se manipula, uma placa que pode-se dobrar e conseguir
nuances de relevo semelhante a superfície da terra, evocando seus dobramentos (figura 40.).
41
.
38. 39.
38: Kath Bonson, Pennine Journey, cerâmica, esmaltes e serigrafia. 39:Norma Grimberg. Peças em cerâmica. Imagens dos retiradas dos
sites das artistas
42
.
40.
43
A maquete e a pintura espacial
Na maquete, com finalidade fotográfica, encontrei algumas respostas para minhas questões. Dois artistas que
trabalham com maquetes são Carl Warner (figura 41.) que vê paisagem em quase tudo, criando cenários com
comida, roupas amassadas, corpos nus... e Matthew Albanese (figura 42 a 44) que representa a natureza e seus
fenômenos com resultados bastante realistas. Logo percebi grande afinidade com a forma de trabalhar desses
dois artistas, pois tenho uma preocupação tridimensional com as peças e passei a pensar em seu entorno, mas
não é a maior preocupação, visto que não serão apresentadas sozinhas. As maquetes que fiz, como as que olhei,
tem ângulo certo. Tem frente e diagonais frontais. Olhar às costas não é tão interessante. É uma espécie de
retorno à pintura, uma pintura no espaço (figura 45). Com uma visão bidimensional da paisagem, ao montar
maquetes tomamos, eu, Warner e Albanese, elementos concretos e reais, constituídos no espaço, e os fazemos
imagem. Linha, cor, luz, sombra, textura, efeito, composição...
Quando a maquete, ou melhor dizendo, pintura espacial, estava estabelecida e a consciência do ângulo do
trabalho se fez presente, finalizei as variadas especulações plásticas para dar início a uma nova fase: A decisão,
a seleção e potencialização do enfoque escolhido.
44
41.
42. 43. 44.
Carl Warner, Celery island Panorama, fotografia.
42 e 43: Matthew Albanese, A New Life #1 e A New Life #2, fotografia. 44: Fotografia do studio de Matthew Albanese, Diorama feita com papel de pergami-
nho pintado, linha de mão, penas de avestruz tingidas, chocolate esculpido, arame, ráfia, fita adesiva, café, envasamento de musgo sintético e algodão.
45
45.
46
ENCRUZILHADA:
Dos vários caminhos descobertos, chega o momento de escolher um.
47
O que apresentar e como apresentar ao público?
Reuni variadas formas de expressar as paisagens do caminho:
Formas recortadas e pintadas em papel Paraná
Peças em cerâmica plana coloridas a frio
Peças em cerâmica plana com textura e tratamento de barbotinas e esmaltes
Experimento em relevo cerâmico com tratamento de barbotinas e esmaltes
Experimentos de pintura em massa de modelar
Maquetes de massinha de modelar
Maquetes em cerâmica
Paisagem em peça única de cerâmica - dobramento
Para cada uma dessas opções, testei apresentações diferentes, não as esgotei claro, mas direcionei-me a uma
escolha a partir de minhas próprias impressões de reações do pequeno público que acompanhou esse processo:
Minha família, alguns amigos próximos, alguns colegas e professores.
As peças planas em papel ou cerâmica desempenharam perfeitamente seu papel lúdico. A imaginação do
outro forma novas paisagens, as deles, não as minhas. As peças são as minhas peças, mas as funções já não
são as minhas: O que era árvore vira nuvem e mesmo que eu já esperasse uma nova construção, me surpreende.
As peças planas em cerâmica ficaram finas porém, inspirando certo receio na manipulação. Se eu continuasse
com elas, deveria pensar em um novo material ou no reforço do mesmo. O suporte era horizontal: a mesa, e a
composição final via-se de cima. (Imagens 20 a 26).
Quanto às peças planas com textura, barbotinas e esmaltes, reservei-as para mim. Fazendo minha própria
paisagem. Gostei de olhá-la de frente, de cima, e no horizonte. (Imagem 27)
48
Os relevos pintados, em cerâmica, ou pinturas de relevo, em massinha foram feitos no ímpeto de satisfazer a
curiosidade (figuras 46 a 48). Teste de materiais e possibilidades. Interessantes, mas não o suficiente para que
pulsasse vida, aquela energia que nos faz querer aprofundar a pesquisa. Traía-me ao produzir obras estáticas
porque buscava a possibilidade de manipulação. Eu não sabia bem o porquê, mas queria algo mais dinâmico.
Mesmo assim continuei com a estaticidade ao produzir maquetes fechadas em si mesmas, cada elemento com
seu lugar próprio e por fim o dobramento, a maquete em peça única... A preocupação da espacialidade se tornou
as maquetes mais interessantes que os relevos-pinturas.
As maquetes, fixas ou compostas por peças escolhidas segundo a sensibilidade do momento carregavam
consigo a questão do olhar, do ângulo. Como direcionar o olhar do público?
46. 48.47.
49
Como em todas as partes do processo criativo, eu tinha várias ideias e precisava optar por alguma delas.
Experimentei as várias possibilidades na apresentação da primeira fase deste trabalho e levei em conta minhas
impressões pessoais e as reações da banca na construção de um modo final de apresentação
Expor as peças numa mesa para serem vistas de cima não me satisfez, a menos que a mesa seja na altura do
olhar ou que haja algum mecanismo para sugerir o encaixe. O observador é levado a se colocar no ponto certo
de altura e distância para ver este encaixe acontecer. Cerâmica e serigrafia bem que poderiam estar unidas com
este fim, fazendo da imagem bidimensional um mapa para a localização espacial das peças. Mas o grande
envolvimento que ambas exigem impossibilitaria a execução de tal projeto em curto espaço de tempo. Resolvi
não fazer. Pelo menos não neste momento.
Colocar as paisagens em caixas com abertura frontal me pareceu uma boa opção para colocar a visão do
observador no lugar certo, mas preocupou-me aprisiona-las entre paredes. Como tirá-las do espaço de
imensidão? Como restringi-las se são tão contínuas abraçando o caminho da estrada? Até onde eu poderia fazer
“recortes da realidade”? Paisagem é por acaso objeto que se põe em redoma? Se bem que caixas e redomas são
diferentes... Uma caixa pode abrigar uma imagem feita de luz desde a câmara escura, antes da fotografia. Uma
redoma abriga realidade tridimensional, a ser vista por todos os lados. A caixa, ao ditar um ângulo, servia pra
transformar essa realidade em imagem (figuras 49 a 52). Minhas maquetes tem composição imagética de fato,
então testei caixas simples e com espelhos. Os espelhos ajudaram com a sensação de continuidade e múltipla
possibilidade de ângulos de visão, o que se aproximou muito mais das sensações da janela do ônibus.
As caixas eram feitas de MDF e Eucatex ®, com ou sem espelhos. Ao montá-las percebi que as linhas de
encontro dos lados interferiam no fundo das paisagens, melhor seria fundo de forma arredondada, sem arestas.
Também fui alertada sobre a grossura das chapas das caixas pesando na percepção das obras. Havia a
possibilidade de testar materiais mais finos, mas as arestas continuariam lá.
50
49. 50.
51. 52.
51
Dediquei-me então a execução de uma maquete em cerâmica cujo projeto é um desenho construído em
planos de perspectiva invertida, pois enquanto na paisagem real os campos e vegetação próximos parecem
maiores que os elementos distantes, neste projeto foram desenhados menores (imagem 53). Na maquete, se
fossemos usar a perspectiva do desenho tradicional, não veríamos o que está mais ao fundo. As peças maiores
ficam então no último plano e as mais baixas no primeiro, mas quando o olhar se aproxima dos pequenos
campos a frente da composição, o que é pequeno fica grande em proporção ao que está mais longe, como a
perspectiva manda.
Campos e vegetações pequenos; Campos e vegetações grandes; Montanhas; Nuvens maiores; Nuvens
menores e céu. Usei esta lógica, sabendo, porém que o céu, para ser tal qual o do desenho, requeria ainda uma
solução de posicionamento e construção: Suspender as nuvens menores, ou pintá-las em fundo bidimensional.
53.
52
ESTAÇÃO:
Quando se decide o que fazer é preciso executar. Mas quem disse que precisamos parar de pensar?
53
Processo Cerâmico
A intenção inicial era fazer a “pintura” utilizando as cores das barbotinas, esmaltes e do próprio barro, fazendo
cada peça da composição na linguagem tradicional da cerâmica.
O processo cerâmico requer tempo de dedicação, de paciência, e de espera. Cada passo tem seu próprio
tempo, e esse tempo deve ser respeitado. Amassar o barro, esperar a água evaporar para que a massa tenha o
ponto adequado para a modelagem, saber quando aplicar a barbotina, aguardar a secagem da peça, colocar com
cuidado no forno para que não quebre... A queima é outra espera, o resfriamento outra, então as peças estão
prontas para receber tratamento com vidrados e novamente serem queimadas.
A maleabilidade do barro é importante na busca de diferentes resultados. Para modelar peças de paredes
finas e dobramentos sinuosos, não pode ser quebradiço. Nesta etapa tive dificuldades para conseguir o material
adequado ao acabamento que desejava, não conseguindo executar o plano inicial em sua totalidade.
56.55.54.
54
62.61.60.
59.58.57.
55
Fotografia e a nova pintura
As complicações no processo cerâmico ofereceram entrada para a pintura a frio, a ser realizada após a
queima das peças, e também para adição de elementos de outros materiais já que a mistura de técnicas é
característica contemporânea que muito aprecio desde os tempos de atelier de desenho.
E falando em contemporaneidade, não posso deixar de mencionar que a difusão da fotografia tem ajudado a
reinventar a pintura, tirando a exclusividade da tela ou outras superfícies planas colocando-a para dentro dos
computadores.
Além das pinturas com brushes em programas de edição de imagens, toda essa tecnologia abre espaço para
que artistas como Carl Warner e Matthew Albanese façam suas paisagens sobre a mesa e as fotografem, e Vik
Muniz que utiliza o lixo como tinta, o arrume no chão e fotografando, chame de pintura. Se o artista fizer os
materiais conversarem tudo é possível.
Ao fotografar meus trabalhos percebi que havia potencial de fazer, também, da fotografia, uma arte,
conseguindo imagens interessantes dos delicados trabalhos com massinha de modelar e cerâmica. Poderia, mas
não era o meu objetivo fazer do trabalho imagens apenas, como ocorre com os três artistas que citei. Algo do
movimento do ônibus na estrada estava em jogo aqui. Aceitei a maquete, aceitei a pintura, mas é algo além da
imagem que desejo mostrar, expor... Quero falar de uma paisagem de paisagens. Porque se paisagem é o que
vemos num lance de olhar, como dizem os dicionários, quando meu olho está se movimentando com o automóvel
vejo dezenas de paisagens em segundos com os mesmos elementos e diferentes composições por causa do
deslocamento.
56
63.
57
64.
58
65.
59
Cúpula
Não há uma paisagem, há paisagens infinitas. Como expressar esse conceito sem palavras? Como minha arte
pode discursar sobre isso?
(Quase?) fui às lágrimas no momento em que me coloquei realmente num ambiente totalmente feito por mim.
Este ambiente surgiu do pensamento de que somos rodeados pelas paisagens de paisagens e mesmo assim
podemos rodeá-la também. Uma obra de arte que proporcionasse essas duas sensações, e a possibilidade de
muitos de ângulos seria ótimo! E é possível. Lembrando da redoma e da propriedade de uma boa escultura ser
interessante por todos os lados, pensei em como seria esculpir uma paisagem dessas minhas tornando
vegetação e nuvens em objetos tridimensionais como já havia tentado fazer com os campos e montanhas.
A vegetação continuaria num plano terrestre com campos e montanhas, no “chão” da mesa, para ser olhada
ao redor. Eu a estava modelando (como as nuvens) em planos com dobraduras e ondulações limitadas a criar
linhas curvas e claro-escuro. Mas se eu pegasse esse plano e dobrasse formando um círculo, fechando o ciclo,
ficaria interessante por todos os lados. “Posso esculpir a vegetação!”
Se posso esculpir a vegetação, também o posso fazer com as nuvens e pendurá-las sobre a maquete. Mas
meu céu imagético tem mais que nuvens suspensas, tem aquelas que parecem nascer no chão... Os últimos
elementos que se elevam no horizonte. O que fazer delas neste contexto? Colocar minha maquete numa mesa
redonda no centro, com campos, montanhas e vegetação; e as nuvens formando um círculo ao redor com
estrutura de cúpula.
Quem já deitou na grama de uma colina para observar o todo da tela movediça que é um pôr do sol pintando
as nuvens com suas cores quentes, pode entender a afirmação que farei, bem como as lágrimas que surgiram ao
pensar na estrutura cupular como solução ao empasse de tridimensionalizar a paisagem: “O céu, naqueles pores
do sol que vi deitada no chão é a mais bela cúpula que já vi!”
60
Poder circular ao redor e ao mesmo tempo dentro de minha obra é a resposta de praticamente todas as
questões de bi e tridimensionalismo da paisagem. Ela não cabe em nenhum desses conceitos! Ela é mais do que
isso, ela é os dois. A maquete para a imagem já não me satisfaz... Não quero um único ângulo, ou mesmo um
número limitado de ângulos. Quero que sejam infinitos como ela é. Agora sim, não estou rodeando minha
paisagem apenas, também estou sendo rodeada por ela!
No Musée de l'Orangerie, uma galeria de arte impressionista e pós-impressionista localizada na Place de la
Concorde em Paris, Monet nos cerca com uma pintura panorâmica circular de suas Ninpheias. Mas aqui
chegamos a um projeto de instalação onde imagem e realidade se mesclam, se fundem e confundem.
67.66.
61
O grande e o pequeno
Numa de minhas viagens, olhando e pensando a paisagem da janela, foi que tive o insight da maquete
redonda com cúpula. Gosto do grande, gosto tanto que meu ideal de trabalho neste tema é um lugar onde caibo e
circulo. Quando se trata de representação paisagem no espaço, ou os elementos são grandes, ou o observador
se torna pequeno. De frente com minhas composições, devido a sua pequena dimensão, para que o observador
sinta a vastidão do espaço, terá que diminuir. Isso vem ao encontro de outro pensamento de Bachelard (apud
VIEIRA 2006 p. 5.), onde vastidão depende do tamanho do observador, sendo natural que os lugares da infância
pareçam na fase adulta terem diminuído de tamanho quando revisitados. A lua, tão grande, com 3.474,8 km de
diâmetro, não é maior que o polegar quando esticamos o braço a frente do rosto e fechamos um olho. Da mesma
forma, se olharmos bem de perto, a pequena colina fica maior que as enormes montanhas ao fundo. Com os
recursos suficientes desenvolverei o projeto em seu tamanho ideal, onde meu corpo físico realmente cabe com
folga, uma instalação. Por hora, convido que habitemos este mundo pequenino (figura 68 a 70), nos fazendo
menores para vê-lo grande. (A esfera da cúpula está apenas sugerida pelas nuvens ao redor da maquete. Figura
71. )
68. 69. 70.
62
71.
62
CHEGADA:
Durante cinco anos de viagens nessa jornada, um caminho de descobertas se fez.. De representação, de
realidade, de olhar, de experimento e contemplação.
Sinto-me habitada por paisagens da beira da estrada... Não as mesmas paisagens, pois a cada curva, novas
percepções traçaram linhas de aprendizado. Onde reflexo, massa, forma e luz foram passando por minha janela
e se transformando em variados estudos de técnicas e concepções.
Caminho de intensa vivência, de prática e reflexão. Um ciclo que começou com um recorte de realidade em
imagem de memória e me levou a construção de um lugar real, onde as paisagens se multiplicam conforme
passeia o olhar.
Vi, eu senti, fotografei, pintei, desenhei, planifiquei, abstrai, serigrafei, dividi, misturei, joguei com peças,
convidei... Modelando construí meus mundos, divagando me abriguei lá dentro para não perder nem um lance de
olhar.
Foi um prazer chegar! Valeu a pena partir. Adicionei à bagagem a regra de sempre viajar.
64
Referências:
ALBANESE, Matthew. Website oficial do artista. Disponível em: < http://www.matthewalbanese.com/ >. Acesso em
16/06/2014.
BÍBLIA SAGRADA. "Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª." Edição. São Paulo: Sociedade Bíblica do Bra-
sil (1993). Mateus 6: 26, 28 e 29
BONSON, Kath. Website oficial da artista. Disponível em: < http://www.bon-art.co.uk/> Acesso em 17/06/2014.
CALDER FOUNDATION. Website. Disponível em < http://www.calder.org/> Acesso em 16/06/2014.
CAUQUELIN, Anne. “A invenção da Paisagem”. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
CLARK, Kenneth, and Luísa Maria Rijo de Almeida. Paisagem na arte. 1961
FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. "Miniaurélio século XXI escolar: o minidicionário da língua portu-
guesa. rev. e ampl." Rio de Janeiro: Nova Fronteira (2001).
HARRISON, Charles Hampton et al. Primitivismo, cubismo, abstração começo do seculo xx. Editora Cosac
Naify, 1998. Pág 29.
MAKOWIEKY Drª Sandra. "Corpo-paisagem: premeditações para uma história da pintura na América Lati-
na", UDESC, 2010
MAKOWIEKY Drª Sandra. "Paulo Gaiad—Artista-Viajante” in: Anais:18º Encontro da Associação Nacional de
Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 2009 - Salvador, Bahia, pág 2718.
METZGER, Rainer e WALTHER, Ingo F. Van Gogh, Editora Taschen, Itália, 1998..
NERET, Gilles. Henri Matisse - Recortes, Editora Taschen, 1998
O MUNDO DE LIGYA CLARK, Associação Cultural. Website. Disponível em: <http://www.lygiaclark.org.br/
biografiaPT.asp Acesso em 15/06/2014.
PIVATO, TIETTA. As Aves do Caminho, Revista Birdwatcher. Disponível em: <http://www.birdwatcher.com.br/
index.php?option=com_content&view=article&id=165:as-aves-do-caminho&catid=36:observacao-de-
aves&Itemid=57> Acesso em 22/06/2010.
65
SAGNER-DÜCHING, Karin. Claude Monet - Uma Festa para os Olhos, Taschen 2006
SOARES, Pedro Maia. Depoimentos - Norma Grimberg, Cerâmica Arte da Terra, Editora Calllis, 1987.
VIEIRA, Daniel de Souza Leão. "Paisagem e imaginário: contribuições teóricas para uma história cultural do
olhar." Revista de História e Estudos culturais. (2006)
WAGNER, Carl. Website oficial do artista. Disponível em: <http://www.carlwarner.com/> Acesso em 17/06/2014.
66

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  • 1. UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA MARIA CENTRO DE ARTES E LETRAS CURSO DE ARTES VISUAIS – BACHARELADO EM DESENHO E PLÁSTICA CAMINHO A DONA MARIA – A PAISAGEM DE PAISAGENS TRABALHO DE GRADUAÇÃO II Pâmela Taís Silveira Gularte Santa Maria, RS, Brasil 2014
  • 2. CAMINHO A DONA MARIA – A PAISAGEM DE PAISAGENS Aluna: Pâmela Taís Silveira Gularte Matrícula: 2901047 Atelier de origem: Serigrafia Trabalho de Graduação II Banca examinadora: Altamir Moreira Mirian Martins Finger Reinilda de Fátima Berguenmayer Minuzzi Santa Maria, RS, Brasil
  • 3. Sumário: Lista de imagens ..................................................................................................................................... 05 PARTIDA ................................................................................................................................................. 08 Caminho a Dona Maria ............................................................................................................................ 09 Paisagem, o que é? ................................................................................................................................. 10 Paisagem, por quê? ................................................................................................................................. 11 Paisagem e cristianismo .......................................................................................................................... 13 Contemplação e introspecção .................................................................................................................. 13 “DA JANELA EU VI” ................................................................................................................................. 16 BAGAGEM ............................................................................................................................................... 18 Lance de Olhar - Fotografia e Pintura ...................................................................................................... 19 O desenho e a serigrafia .......................................................................................................................... 21 O momento abstracionista e a ampliação do dicionário de formas orgânicas ......................................... 27 Vamos jogar com peças? .......................................................................................................................... 31 3
  • 4. TRAJETO ................................................................................................................................................. 34 Cerâmica e Massinha de Modelar ............................................................................................................ 35 Do bi ao tridimensional .............................................................................................................................. 41 A maquete e a pintura espacial ................................................................................................................. 44 ENCRUZILHADA ....................................................................................................................................... 46 O que apresentar e como apresentar ao público? .................................................................................... 47 ESTAÇÃO ................................................................................................................................................. 53 Processo cerâmico .................................................................................................................................... 54 Fotografia e a nova pintura ....................................................................................................................... 56 Cúpula ....................................................................................................................................................... 60 O grande e o pequeno ............................................................................................................................... 62 CHEGADA ................................................................................................................................................. 64 Referências ................................................................................................................................................. 65 4
  • 5. Lista de imagens: Observação: Optei pela descrição das imagens de meus trabalhos na lista para que as legendas não influen- ciassem a visualidade do trabalho. Apenas as imagens de obras de outros artistas apresentam a caixa de legen- da abaixo das mesmas. 1- Pâmela Gularte, fotografia digital, 2009. 2- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A2, 2013. 3- Pâmela Gularte, fotografia digital, 2010. 4- Pâmela Gularte, fotografia digital, 2010. 5- Pâmela Gularte fotografia digital 2011. 6- Pâmela Gularte, óleo sobre tela, A3, 2011. 7- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A1, 2013. 8- Pâmela Gularte, lápis de cor sobre papel, A4, 2012. 9- Pâmela Gularte, aquarela sobre papel, A2, 2013. 10- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A2, 2012 11- Henri Matisse, Anfitrite, guache sobre papel recortado e colado, 85,5x70 cm, 1947, coleção particular. Ima- gem disponível em: <http://www.wikiart.org/en/henri-matisse/cut-outs-5>. Acesso em 16/05/2014. 12- Burle Marx, Jardim, residência de Edmundo Cavanelas, Petrópolis, RJ. Imagem disponível em: <http:// naterradoipe.wordpress.com/2011/08/06/burle-marx/> Acesso em 16/06/2014. 13- Alexander Calder, sem título, folha de alumínio pintada e arame de aço, 37,1x22,8x27, 5 cm, 1939. MOMA, Nova Iorque, Estados Unidos. Imagem disponível em: <http://www.moma.org/collection/object.php? object_id=81965> Acesso em 16/06/2014. 5
  • 6. 14- Alexander Calder, Goldfish bowl, arame, 40,6x38,1x15,2cm, 1929. Calder Foundation. Nova Iorque, Estados Unidos. Imagem disponível em: <https://artsy.net/artwork/alexander-calder-goldfish-bowl> Acesso em 16/06/2014. 15- Van Gogh, Campo de trigo com Corvos, óleo sobre tela, 50,5x103cm, 1890. Van Gogh Museum, Amsterdam, Alemanha. Imagem disponível em: <http://www.vangoghmuseum.nl/vgm/index.jsp?page=3343&lang=en> Acesso em 16/06/2014. 16 e 17- Pâmela Gularte, Liquens, fotografias digitais, 2013. 18- Pâmela Gularte, serigrafia sobre papel, A2, 2013. 19- Pâmela Gularte, Árvore Vênus, serigrafia sobre papel, A3, 2013. 20 a 22- Pâmela Gularte, paisagens montadas a partir de peças em papel Paraná, 2013. 23 a 26- Pâmela Gularte, paisagens montadas a partir de peças em cerâmica pintadas a frio, 2014. 27- Pâmela Gularte, paisagem montada a partir de peças em cerâmica com tratamento de barbotinas e vidrados, 2013. 28 a 32- Pâmela Gularte, paisagens em massinha de modelar, 2013. 33 a 37- Pâmela Gularte, paisagens montadas com peças cerâmicas, 2014. 38- Kath Bonson, Pennine Journey, cerâmica, esmaltes e serigrafia. Imagem disponível em: <http:// cone6pots.ning.com/photo/bonson-1-the-viaduct-2/next?context=latest> Acesso em 17/06/2014 39- Norma Grimberg. Peças em cerâmica. Imagem disponível em: <http://normagrimberg.com.br/pt#> Acesso em 17/06/2014. 40- Pâmela Gularte, Paisagem em peça única, cerâmica, 2013. 41- Carl Warner, Celery island Panorama, fotografia. Imagem disponível em: <http://www.carlwarner.com/image/ foodscapes/celery-island-panorama_32/#&panel1-32> Acesso em 17/06/2014. 6
  • 7. 42- Matthew Albanese, A New Life #1, Imagem disponível em: <http://www.matthewalbanese.com> Acesso em 17/06/2014. 43- Matthew Albanese, A New Life #2, Imagem disponível em: <http://www.matthewalbanese.com> Acesso em 17/06/2014. 44-- Fotografia do studio de Matthew Albanese, Diorama feita com papel de pergaminho pintado, linha de mão, penas de avestruz tingidas, chocolate esculpido, arame, ráfia, fita adesiva, café, envasamento de musgo sintético e algodão. Imagem disponível em: <http://www.matthewalbanese.com/a-new-life#2> Acesso em 17/06/2014. 45 - Pâmela Gularte, Fotografia de maquete ou pintura espacial. 46- Pâmela Gularte, relevo em massinha de modelar, 7X5 cm, 2013 47 e 48- Pâmela Gularte, relevos em cerâmica. 49- Pâmela Gularte, fotografia das caixas. 50 e 51 - Pâmela Gularte, fotografias do interior das caixas, massinha de modelar. Altura das peças maiores: 7cm. 52- Pâmela Gularte, paisagem em caixinha espelhada, massinha de modelar, aproximadamente 5x8 cm, 2014. 53- Pâmela Gularte, projeto para maquete, caneta sobre papel 13x9 cm, 2014 54 a 62- Pâmela Gularte, fotografias do processo cerâmico, 2014. 63 a 65- Pâmela Gularte, fotografias de detalhes maquete – pintura espacial, 2014. A maquete é formada por aproximadamente 50 peças que ocupam uma área aproximada de 150x200 cm. 67 e 68- Pâmela Gularte, projeto para cúpula, 2014. 69 a 71- Pâmela Gularte, estudo para cúpula em massinha de modelar, área aproximada 50x50 cm. 2014 7
  • 8. PARTIDA: “Mas o que nem todo mundo percebe é que a viagem começa quando fechamos a porta da casa. O caminho pode ser tão prazeroso quanto as aventuras que nos aguardam no ponto de chegada.” Tietta Pivato 8
  • 9. Caminho à Dona Maria Das idas e vindas a Santa Maria, cidade que me acolheu para os estudos de Artes Visuais, e minha casa em Salto do Jacuí, onde encontrava minha mãe, Maria de Fátima, que me acolheu em seu ventre no início desta viagem que é a vida e em seus braços a cada chegada ou partida... Surge um caminho em que não importava o sentido, estava indo a Dona Maria. 1. 9
  • 10. Paisagem, o que é? Um termo escorregadio, um conceito impreciso... Paisagem é tema interdisciplinar e de muitos desdobramentos, objeto de interesse de vários campos do conhecimento. Não há, porém consenso de definição do que é paisagem entre os que pensam e escrevem sobre o tema. “Paisagem é a porção de terra que vemos num lance de olhar.” dizem os dicionários (FERREIRA, 2001). A porção de terra está lá, mas e se não a vejo? Precisamos do olhar para que haja paisagem. E se lanço olhares de diferentes ângulos, vejo os mesmos elementos, mas é a mesma paisagem? Se eu a olhar novamente e a perceber novamente, já não somos as mesmas, nem eu a olha-la nem ela para mim. Apesar de tê-la conhecido através da geografia e sempre ter achado que era o que era - um conjunto de elementos num determinado espaço, natural, rural ou urbano - existindo independente de qualquer olhar, minhas últimas leituras tentam convencer-me de que é uma invenção cultural de “quando a pintura começou a laicizar tais elementos como árvores, rochedos, rios, a desprendê-los da cena sagrada.” (MAKOWIEKY, 2009, p. 2718). A arte reivindica “a invenção da paisagem” (CAUQUELIN, 2007). Vieira (2006) discorre sobre o tema da paisagem, dividindo a visão de diversos autores em “três regimes do olhar”. Parti de suas reflexões para tecer algumas das minhas e definir, não o que é paisagem, mas as diferentes formas pelas quais trato o que para mim são paisagem e paisagens. A visão tridimensional é a que se preocupa com questões entre a paisagem e o espaço, e, o real e seu falseamento. Ou seja, a paisagem é o aspecto visível do espaço e as representações deveriam ser rejeitadas em busca da verdade, da realidade concreta. Para os que abordam de forma bidimensional ou imagética, porém, a imagem do que se vê se torna importante. Nesta abordagem a paisagem e a arte encontram-se entrelaçadas em uma relação de dependência. Vieira cita Kenneth Clark e seu livro “A paisagem na Arte” como exemplo onde podemos perceber a abordagem imagética na história da arte. 10
  • 11. Uma terceira visão é permeada pelas duas primeiras, pois a realidade tridimensional é percebida e transcrita em imagem. Malcom Andrews expressa um enfoque na percepção, para ele a paisagem é o processo perceptivo que se opera no olhar. “Não é a mão que pinta, mas o olhar que seleciona transformando “Land into Landscape”.” (ANDREWS apud VIEIRA, 2006, p. 9) Para mim, paisagem não é apenas um desses aspectos, é cada um deles. Coexistem em meu trabalho a paisagem real, a percebida e a apresentada. Há uma paisagem real, concreta e estabelecida no espaço a qual se torna fonte de minhas percepções, criando em mim, de modo totalmente particular, a paisagem percebida, a qual tento transcrever plasticamente na paisagem apresentada em imagem. Ela é o que é. Campos, nuvens, pedras, rio, árvores, casas. Ela é a imagem vista através do recuo, composição enquadrada pela janela. Ela é o que percebo na conversa da cor da textura da curva da dança do movimento. Ela é o lugar onde me faço pequena para ver e habitar. Ela é o que faço. Formas, cores, planos, dobras, construção visual. Ela é a memória do entorno que abriga minhas sensações. Paisagem, por quê? Desde que o homem começou a fazer arte, os elementos da natureza estão presentes em seus temas. Para fins rituais, os desenhos de animais nas cavernas, e decorativos como os motivos litorâneos nas salas de palácios na pré-história da arte grega, por exemplo. O fato é que nos relacionamos com a natureza e esta traz os mais diversos efeitos sobre o espírito humano. Pela a admiração, ou inquietação, ou qualquer outro dos efeitos que essa relação causa, a paisagem torna-se tema de nossa arte. Paisagem porque nos relacionamos com ela. 11
  • 12. 2. 12
  • 13. Crescendo em uma chácara no interior de Salto do Jacuí, o contato com a natureza me fazia amar as flores, os campos, a água corrente e as pedras roliças de suas margens arenosas... Paisagem porque meu relacionamento é de amor e memória. Paisagem e cristianismo Segundo Clark (1961) a relação homem-natureza já foi de tentativa de afastamento para os medievais. Achar beleza e apegar-se ao ambiente terrestre era contrário ao pensamento de que o homem estaria de passagem sobre a Terra. Clark narra o momento em que o poeta Francisco Petrarca sobe o monte Ventoux e entra em conflito religioso sobre o olhar a natureza, seu entusiasmo com o que contempla o distingue de seus contemporâneos e faz os historiadores o tomarem como o homem que inaugura o espírito moderno. O cristianismo da idade média me é estranho. O medo do envolvimento com a natureza contrasta com texto bíblico cristão que incentiva a contemplação e estudo da natureza, tal qual Petrarca, que não apenas gozava a “profusão decorativa das flores”, mas estudava suas características. “Olhai os lírios do campo... As aves do céus” (BÍBLIA, Mateus, 6: 26,28 e 29.) dizia Cristo, segundo suas biografias bíblicas, e baseava várias de suas lições em atividades agrícolas como semeadura e colheita. Como cristã me sinto convidada a contemplação da natureza e não proibida de fazê-lo. Contemplação e introspecção Contemplação é uma das características necessárias para a inteligência emocional. O contemplativo extrai grandes maravilhas de pequenas coisas exercitando a sensibilidade. Sempre acreditei que quem pretende produzir imagens deve ter uma grande fonte de olhares e efeitos capturados na mente para materializá-los em arte. Paisagem me inspira a contemplação e na introspecção busco o que dela quero transmitir. 13
  • 14. Quando os artistas realmente contemplaram, por fim os elementos naturais foram ganhando mais realismo nas composições da história da paisagem na arte, as noções de iluminação foram ganhando força. “E na paisagem, esse amor que tudo abarca exprime-se pela luz” ( CLARK 1961 p. 36). Segundo Kenneth Clark a luz é o que traz unidade e verdade à pintura de paisagem, transformando-a num todo e, inevitavelmente, desdobrando efeitos fantásticos apreendidos pelo olhar dos artistas. E continua sendo o elemento pelo qual se fundamentaram teorias impressionistas de Monet, que ajuda Van Gogh expressar-se, esteve presente na ciência de Seurat e facetou os sólidos de Cézanne. Oh, paisagem, te escolhemos pra narrar nossas experiências visuais, perceptivas e emocionais ao longo de todos os tempos e ainda não esgotamos nossos modos de tratar contigo! Os artistas viajantes retrataram suas impressões sobre o novo mundo, os contemporâneos discursam sobre assuntos sem fim: tempo, nostalgia, movimento, ecologia... E eu aqui estou falando de um caminho de paisagem e paisagens e de mim. Escolhemos paisagem porque é de dentro e de fora. 14
  • 15. 3. 15
  • 16. “DA JANELA EU VI”* “O olhar é uma janela. Toda janela tem dois lados que se comunicam através dela. Interior e exterior. Se a paisagem é um olhar, então ela é o encontro da interioridade de quem vê e a exterioridade do que é visto, em meio à corporeidade sensória. A paisagem pode ser tomada como a relação entre o espaço e a imagem. É o encontro entre elas. É a janela que comunica tais instâncias.” (VIEIRA, 2006, pág 14.) *Nota: Trecho da Música “17 de janeiro”. Os Arrais. 4.4. 16
  • 17. Desde as primeiras viagens de carro com minha família, encantava-me observar as paisagens dos pampas em sua imensidão, a singeleza das flores e gramíneas a beira da estrada que mesmo fixas em seu lugar pareciam passar por minha janela em grande rapidez. Ainda criança, queria levar para mim as cenas dos percursos como recortes de mundo para, guardar e mostrar. Fotografias! Já adulta, com o andar do ônibus assisto pelas grandes janelas as paisagens ganhando uma dinâmica diferente, que, no que conservo de meu imaginário infantil, são como cenas de um filme, um mundo que passa na tela de TV enquanto repouso no sofá da sala. A cada viagem, pensando no destino a chegar minha mente inventa uma nova história... O céu nunca está igual, a relva muda de cor, os reflexos do sol são sempre diferentes sobre as casas, e meu coração sempre sonha um sonho diferente quando as vê. Um mundo passou em minha janela, e dali tive o distanciamento e enquadramento necessários para percebê- lo como percebi. Sandra Makowiecky fala da importância dessa lente comunicadora de paisagens: “Em cenas pintadas, a janela aberta para o exterior é um achado crucial na invenção da paisagem ocidental. Uma cena, para virar paisagem, precisa de um recuo, isto é, de uma distância do olhar.” (MAKOWIECKY p. 2718). E a janela do ônibus multiplicou esse efeito quando milhares de composições e possibilidades passavam diante de meus olhos. 17
  • 18. BAGAGEM: Ao concentrar meu olhar nas paisagens do caminho para apreender cenas interessantes em meu trabalho fotográfico e pictórico, descobri linhas curvas e rápidas que deram origem a composições com formas orgânicas e um pensamento dinâmico de paisagem. 18
  • 19. Lance de Olhar - Fotografia e Pintura Fiz as fotografias que queria. A Série “Caminho à Dona Maria” que apresentei como trabalho da disciplina de Fotografia I (figuras 1, 3 e 5). No deter do olhar para formar boas composições, na imersão da atenção aos elementos que me ajudaram compor, na agilidade dos clicks, aguçaram-se minhas percepções. No caminho a Dona Maria a paisagem é bem diversificada. Há montanhas, vales e campos abertos, numerosas construções da cidade e solitárias habitações rurais, pequenos açudes e o majestoso rio Jacuí, cenários passageiros, pois de tudo que vemos, as nuvens e o sol são os únicos a nos acompanhar. Observo o céu com verdadeira paixão em sua amplitude como quem para diante de uma grande obra de arte para apreciar as manchas, as pinceladas, os planos, profundidade, as cores e contrastes de um grafismo que aos poucos vai se transformando. Sendo que os elementos celestes, embora companheiros, não são de modo algum estáveis, trazendo surpresas a cada nova performance, possibilitando ao observador atento a criação de personagens e outros desenhos enquanto mudam de cor, forma, e posição. A contemplação dos efeitos da luz sobre a paisagem do caminho que me despertou para o tema da paisagem como pintura (figura 6), pois senti que eram percepções férteis para a arte. Pintei! Nesse momento as paisagens careciam de verdade e tentei fazê-las com o máximo de fidelidade, o que satisfaz a maior parte dos gostos e dá sensação de dever cumprido. Mas assim como na história da arte os efeitos fantásticos da luz tiveram seu espaço, também tomei gosto por efeitos fantásticos e tentei inseri-los em minha pintura e fotografia, interessando- me por silhuetas de árvores, pessoas ou quaisquer objetos em contraste com a luz. Isso não durou muito tempo. Parei de pintar o caminho ou a luz para cuidar minha Maria que adoeceu. Fazia às vezes alguns desenhos decorativos que incluíam flores e nuvenzinhas estilizadas para passar o tempo. 19
  • 21. O desenho e a serigrafia Quando retornei à minha pesquisa, tentei retomar as silhuetas, dessa vez na serigrafia. Percebendo que eram os efeitos de luz nas nuvens atrás das silhuetas que mais me atraiam, voltei então à paisagem em si. Retomei a janela, mas além de recortes da realidade que passava diante dela, esse tema tornou-se transcrição de percepções dinâmicas e fluidas. Eu podia fechar os olhos e em voo rasante fazer as curvas do relevo e sentir com os dedos da imaginação a textura das copas das árvores. Esse passo aguçou a essência que me possibilitou interpretar de uma nova forma as paisagens do caminho, com desenhos orgânicos e linhas livres e velozes, na velocidade com que o olho passava na vegetação. Essa sintetização rápida das formas se deu por áreas de cor, inspirando uma nova coloração, mais contrastante e plana, sintetizada para a linguagem serigráfica (figuras 7 a 10). 7. 8. 21
  • 22. 9. 22
  • 24. O relacionamento de meu trabalho com os diversos artistas que me influenciaram se deu ora de forma consciente e buscada, ora inconsciente, que somente percebi no muito refletir tentando relembrar minha trajetória como artista estudante. Quando começo levar a organicidade a sério enquanto forma e linha, conscientizei-me da influência indireta que contatos com obras de Henri Matisse (1869-1954, figura 11), artista moderno francês conhecido por seu uso da cor e sua arte de desenhar, fluida e original e Burle Marx (1909-1994, figura 12), o mais famoso paisagista brasileiro tiveram sobre meu desenho. Falar “formas orgânicas” já me trazia suas obras à memória. 11. 12. Burle Marx, Jardim, residência de Edmundo Cavanelas, Petrópolis, RJ.Henri Matisse, Anfitrite, guache sobre papel recortado e colado, 85,5x70 cm, 1947, coleção particular. 24
  • 25. A influência direta fica por conta de Alexander Calder (1898-1976), escultor e pintor estadunidense famoso por seus móbiles (figuras 13 e 14), porque relaciono sua influência para além das formas. Assistindo um vídeo retrospectivo gostei de ver como a mão deslizava para pintar formas curvas me encorajaram às formas orgânicas. Os móbiles, ao se movimentarem criam vida fazendo desenhos invisíveis no ar. E aqui está algo que também pertence ao desenho que o olho faz ao percorrer os caminhos do ônibus. O movimento! Que sempre produz elegantes curvas (a menos que seja um movimento extremamente mecânico ou então um sólido caindo sob a lei da gravidade). Quem se deixa levar pelo movimento, faz curva, ou faz a curva... Com Calder aprendi deslizar e dançar enquanto desenho. 13. 14. Alexander Calder, sem título, folha de alumínio pintada e arame de aço, 37,1x22,8x27, 5 cm, 1939. MOMA, Nova Iorque, Estados Unidos. Alexander Calder, Goldfish bowl, arame, 40,6x38,1x15,2cm, 1929. Calder Foundation. Nova Iorque, Estados Unidos. 25
  • 26. As referências buscadas são os pintores de paisagens que me encorajaram e inspiraram a continuar minhas buscas de resultados plásticos significativos. De Monet (1840-1926) tentei aprender ver as cores e formas, da na- tureza, a partir das impressões que me causavam e de Van Gogh (1853 -1890, figura 15) as cores e formas que expressassem o que estava também dentro, ou seja, o que eu estava digerindo de tudo que havia visto, percebido e interiorizado. 15. Van Gogh, Campo de trigo com Corvos, óleo sobre tela, 50,5x103cm, 1890. Van Gogh Museum, Amsterdam, Alemanha. 26
  • 27. O momento abstracionista e a ampliação do dicionário de formas orgânicas Aproximo-me da abstração pelo paralelo que se faz entre arte abstrata e linguagem no início do século XX segundo Charles Harrison. As formas se tornaram independentes como palavras, que “não tem nenhum significado intrínseco por si mesmas, mas só em virtude de suas possíveis relações umas com as outras” (HARRISSON, 1998, p, 29). Embora eu não esteja tratando minhas obras como arte abstrata, é inegável que uma linguagem com seus signos existam nela. Os campos, as montanhas, as matas próximas e distantes, as árvores solitárias e a natureza das nuvens formaram uma espécie de dicionário de formas e uma espécie de jogo lúdico ao compor as obras. As formas se emanciparam das paisagens do caminho e ganharam uma liberdade de significar outras coisas que tornou-se ainda maior quando outros elementos naturais descobertos e por suas semelhanças foram adicionadas a este vocabulário visual. Esses elementos foram os liquens que crescem no tronco das árvores com seus formatos e ramificações tão versáteis quanto as nuvens (figuras 16 e 17). Geralmente com cores sóbrias entre brancos e pretos e todos os cinzas, mas salpicados de esferas ou cavidades coloridas de vermelho, laranja, marrom, verde, amarelo... Um micro universo de contrastes interessantes que muito me agregaram no momento de pensar as paisagens. E de voo rasante passamos a mergulho nas profundezas do oceano pela relação visual que as pessoas sempre comentavam que minhas paisagens tinham com o fundo do mar. Por que não? Relutei um pouco por não ter experiência real com mergulhos submarinos como tinha com a contemplação de todos os outros elementos, Certo que não era a intenção inicial, mas se a liberdade havia mesmo chegado, era hora de deixar que se agregasse o que era tão pedido. Se o trabalho lembra o fundo do mar, o trabalho pede o fundo do mar. Ou já não pede, é (figura 18). De repente veio uma espécie de concha de Vênus, onde Vênus é uma árvore, as nuvens habitam um só. O lance de vista de terra, o dinamismo do céu, os pequenos liquens, e o oculto fundo do oceano, juntos (figura 19). 27
  • 31. Vamos jogar com peças? Quando a linguagem das paisagens orgânicas enriqueceu-se o “jogo” ficou mais complexo, o que me levou a pensar seriamente em transformar o trabalho em uma experiência estética, lúdica e interativa. Um quebra-cabeça, ou vários quebra-cabeças que trocam peças entre si. As memórias infantis de quem descobre desenhos nas nuvens também se voltam agora ao jogo. Como na serigrafia realiza-se o processo de impressão para cada cor que compõe a imagem, a sobreposição de áreas de cor revela formas. Pensando nesse fato, foi familiar fazer alguns projetos a partir destas sobreposições de formas recortadas e perceber elementos, separando-os de alguma forma do todo. O contato com a arte construtivista brasileira nas visitas ao MAM e a Pinacoteca do Estado de São Paulo, o interesse em manipular os “gibis” de Raymundo Colares (1944-1986) e os “bichos” da Lygia Clark (1920-1988) somado ao fascínio pelos móbiles de Alexander Calder, todos trabalhos que podem “mudar” de repente, frutificou em minha mente. Foram grandes influências daquelas que se dão de forma inconsciente no processo, mas que se reconhecem no resultado. A ideia de fazer das formas peças trouxe a necessidade de um suporte mais firme. Fiz recortes em papel Paraná (figuras 20 a 22) com formas semelhantes aos recortes de Matisse como projetos para peças bidimensionais em cerâmica (Figuras 23 a 25). Norma Grinberg, premiada ceramista brasileira, disse sobre seus módulos em cerâmica: “Curiosamente percebi que eles poderiam ser manipulados num fascinante jogo aberto e lúdico. Meu envolvimento foi tal que não consegui mais controlar o desejo de continuidade e desenvolvimento desse trabalho. E, a medida que eu jogava tudo se tornava mais amplo e complexo, desafiador e envolvente.” (GRINBERG, apud SOARES 1987, p 38) Penso que foram esses mesmos sentimentos que me fizeram deixar por um pouco o trabalho que considerava bem resolvido na serigrafia e me doar as peças num momento importante do curso, o trabalho de conclusão, e me aventurar em técnicas ainda desconhecidas como a cerâmica. 31
  • 34. TRAJETO: A vontade de produzir peças trouxe-me a oportunidade de iniciar uma nova jornada no conhecimento massas, volumes e espacialidade onde a paisagem real e sua imagem dialogam e mostram diversos caminhos diferentes. 34
  • 35. Cerâmica e Massinha de Modelar A escolha da cerâmica não foi pela afinidade com a técnica, visto que não tinha passado pelo aprendizado quando escolhi, mas pela possibilidade de conseguir peças com um material que julguei propício à manipulação pelo encantamento do brilho dos esmaltes. Imaginei que pudesse conseguir boas texturas também. O trabalho, a princípio, seria basicamente plano, mas eu poderia sentir as curvas com as pontas dos dedos. Assim mergulhei no aprendizado da técnica com grandes expectativas para meus quebra-cabeças. Nas primeiras experiências já pude executar meu plano, a partir de propostas aconselhadas fiz placas (no formato dos elementos das minhas paisagens) com diferentes texturas e testei a pintura, tratamentos com barbotinas e após a queima acrescentei esmaltes nessas mesmas placas (figura 27). Após a primeira e empolgante experiência com a modelagem cerâmica, passei a testar composições em pequenos projetos de massinha de modelar à base de amido (figuras 28 a 32). A massinha - macia, cheirosa, colorida e lúdica - é outro elemento do processo de meu trabalho que me leva a pensar na infância enquanto produzo. Há diferenças em modelar a massinha e o barro cerâmico. A principal dessas diferenças é a maleabilidade, pois o barro quebra mais fácil, tem menos liga que a massinha. Outra diferença é a cor. As cores do barro são limitadas e discretas, sendo necessária a esmaltação ou aplicação de engobes para conseguir maiores contrastes e harmonias de cor mais complexas na cerâmica. A massinha tem cores fortes, variadas e misturáveis, tornando possível a visualização instantânea da composição final. 35
  • 41. Do bi ao tridimensional Explorando o material, tanto a massinha de modelar quanto o barro cerâmico, experimentei a possibilidade de tridimensionalisar as peças de minhas paisagens (figuras 33 a 37). Senti-me como Lygia Clack transformando suas “superfícies moduladas” em “casulos”. Que ainda eram quadros, mas logo pulariam da parede e se tornariam os “bichos”. No processo de tridimensionalisação, surgiram outras questões como a espacialidade. As paisagens tridimensionais deveriam levar em conta o entorno? Eu as estava fazendo pra serem olhados de frente, ou de um ângulo diagonal frontal. Na busca por referencias artísticas para o trabalho tridimensional cerâmico com paisagens encontrei Kath Bonson (figura 38.) que trabalha com paisagens de sua cidade de forma abstraída em peças únicas ou composições de peças em cerâmica e Norma Grinberg (figura 39) que também explorou a possibilidade de interação e ludicidade fazendo de seus trabalhos jogos abertos e interativos. Fazer, entretanto, a relação entre as peças planas do “quebra-cabeça” e as da nova realidade, que me pediam respostas sobre espacialidade, parecia-me um tanto controverso. As peças bidimensionais eram dependentes umas das outras, mas as tridimensionais pareciam querer a autossuficiência. Tanto que na busca por espacialidade fui levada a uma paisagem que não se manipula, uma placa que pode-se dobrar e conseguir nuances de relevo semelhante a superfície da terra, evocando seus dobramentos (figura 40.). 41
  • 42. . 38. 39. 38: Kath Bonson, Pennine Journey, cerâmica, esmaltes e serigrafia. 39:Norma Grimberg. Peças em cerâmica. Imagens dos retiradas dos sites das artistas 42
  • 44. A maquete e a pintura espacial Na maquete, com finalidade fotográfica, encontrei algumas respostas para minhas questões. Dois artistas que trabalham com maquetes são Carl Warner (figura 41.) que vê paisagem em quase tudo, criando cenários com comida, roupas amassadas, corpos nus... e Matthew Albanese (figura 42 a 44) que representa a natureza e seus fenômenos com resultados bastante realistas. Logo percebi grande afinidade com a forma de trabalhar desses dois artistas, pois tenho uma preocupação tridimensional com as peças e passei a pensar em seu entorno, mas não é a maior preocupação, visto que não serão apresentadas sozinhas. As maquetes que fiz, como as que olhei, tem ângulo certo. Tem frente e diagonais frontais. Olhar às costas não é tão interessante. É uma espécie de retorno à pintura, uma pintura no espaço (figura 45). Com uma visão bidimensional da paisagem, ao montar maquetes tomamos, eu, Warner e Albanese, elementos concretos e reais, constituídos no espaço, e os fazemos imagem. Linha, cor, luz, sombra, textura, efeito, composição... Quando a maquete, ou melhor dizendo, pintura espacial, estava estabelecida e a consciência do ângulo do trabalho se fez presente, finalizei as variadas especulações plásticas para dar início a uma nova fase: A decisão, a seleção e potencialização do enfoque escolhido. 44
  • 45. 41. 42. 43. 44. Carl Warner, Celery island Panorama, fotografia. 42 e 43: Matthew Albanese, A New Life #1 e A New Life #2, fotografia. 44: Fotografia do studio de Matthew Albanese, Diorama feita com papel de pergami- nho pintado, linha de mão, penas de avestruz tingidas, chocolate esculpido, arame, ráfia, fita adesiva, café, envasamento de musgo sintético e algodão. 45
  • 47. ENCRUZILHADA: Dos vários caminhos descobertos, chega o momento de escolher um. 47
  • 48. O que apresentar e como apresentar ao público? Reuni variadas formas de expressar as paisagens do caminho: Formas recortadas e pintadas em papel Paraná Peças em cerâmica plana coloridas a frio Peças em cerâmica plana com textura e tratamento de barbotinas e esmaltes Experimento em relevo cerâmico com tratamento de barbotinas e esmaltes Experimentos de pintura em massa de modelar Maquetes de massinha de modelar Maquetes em cerâmica Paisagem em peça única de cerâmica - dobramento Para cada uma dessas opções, testei apresentações diferentes, não as esgotei claro, mas direcionei-me a uma escolha a partir de minhas próprias impressões de reações do pequeno público que acompanhou esse processo: Minha família, alguns amigos próximos, alguns colegas e professores. As peças planas em papel ou cerâmica desempenharam perfeitamente seu papel lúdico. A imaginação do outro forma novas paisagens, as deles, não as minhas. As peças são as minhas peças, mas as funções já não são as minhas: O que era árvore vira nuvem e mesmo que eu já esperasse uma nova construção, me surpreende. As peças planas em cerâmica ficaram finas porém, inspirando certo receio na manipulação. Se eu continuasse com elas, deveria pensar em um novo material ou no reforço do mesmo. O suporte era horizontal: a mesa, e a composição final via-se de cima. (Imagens 20 a 26). Quanto às peças planas com textura, barbotinas e esmaltes, reservei-as para mim. Fazendo minha própria paisagem. Gostei de olhá-la de frente, de cima, e no horizonte. (Imagem 27) 48
  • 49. Os relevos pintados, em cerâmica, ou pinturas de relevo, em massinha foram feitos no ímpeto de satisfazer a curiosidade (figuras 46 a 48). Teste de materiais e possibilidades. Interessantes, mas não o suficiente para que pulsasse vida, aquela energia que nos faz querer aprofundar a pesquisa. Traía-me ao produzir obras estáticas porque buscava a possibilidade de manipulação. Eu não sabia bem o porquê, mas queria algo mais dinâmico. Mesmo assim continuei com a estaticidade ao produzir maquetes fechadas em si mesmas, cada elemento com seu lugar próprio e por fim o dobramento, a maquete em peça única... A preocupação da espacialidade se tornou as maquetes mais interessantes que os relevos-pinturas. As maquetes, fixas ou compostas por peças escolhidas segundo a sensibilidade do momento carregavam consigo a questão do olhar, do ângulo. Como direcionar o olhar do público? 46. 48.47. 49
  • 50. Como em todas as partes do processo criativo, eu tinha várias ideias e precisava optar por alguma delas. Experimentei as várias possibilidades na apresentação da primeira fase deste trabalho e levei em conta minhas impressões pessoais e as reações da banca na construção de um modo final de apresentação Expor as peças numa mesa para serem vistas de cima não me satisfez, a menos que a mesa seja na altura do olhar ou que haja algum mecanismo para sugerir o encaixe. O observador é levado a se colocar no ponto certo de altura e distância para ver este encaixe acontecer. Cerâmica e serigrafia bem que poderiam estar unidas com este fim, fazendo da imagem bidimensional um mapa para a localização espacial das peças. Mas o grande envolvimento que ambas exigem impossibilitaria a execução de tal projeto em curto espaço de tempo. Resolvi não fazer. Pelo menos não neste momento. Colocar as paisagens em caixas com abertura frontal me pareceu uma boa opção para colocar a visão do observador no lugar certo, mas preocupou-me aprisiona-las entre paredes. Como tirá-las do espaço de imensidão? Como restringi-las se são tão contínuas abraçando o caminho da estrada? Até onde eu poderia fazer “recortes da realidade”? Paisagem é por acaso objeto que se põe em redoma? Se bem que caixas e redomas são diferentes... Uma caixa pode abrigar uma imagem feita de luz desde a câmara escura, antes da fotografia. Uma redoma abriga realidade tridimensional, a ser vista por todos os lados. A caixa, ao ditar um ângulo, servia pra transformar essa realidade em imagem (figuras 49 a 52). Minhas maquetes tem composição imagética de fato, então testei caixas simples e com espelhos. Os espelhos ajudaram com a sensação de continuidade e múltipla possibilidade de ângulos de visão, o que se aproximou muito mais das sensações da janela do ônibus. As caixas eram feitas de MDF e Eucatex ®, com ou sem espelhos. Ao montá-las percebi que as linhas de encontro dos lados interferiam no fundo das paisagens, melhor seria fundo de forma arredondada, sem arestas. Também fui alertada sobre a grossura das chapas das caixas pesando na percepção das obras. Havia a possibilidade de testar materiais mais finos, mas as arestas continuariam lá. 50
  • 52. Dediquei-me então a execução de uma maquete em cerâmica cujo projeto é um desenho construído em planos de perspectiva invertida, pois enquanto na paisagem real os campos e vegetação próximos parecem maiores que os elementos distantes, neste projeto foram desenhados menores (imagem 53). Na maquete, se fossemos usar a perspectiva do desenho tradicional, não veríamos o que está mais ao fundo. As peças maiores ficam então no último plano e as mais baixas no primeiro, mas quando o olhar se aproxima dos pequenos campos a frente da composição, o que é pequeno fica grande em proporção ao que está mais longe, como a perspectiva manda. Campos e vegetações pequenos; Campos e vegetações grandes; Montanhas; Nuvens maiores; Nuvens menores e céu. Usei esta lógica, sabendo, porém que o céu, para ser tal qual o do desenho, requeria ainda uma solução de posicionamento e construção: Suspender as nuvens menores, ou pintá-las em fundo bidimensional. 53. 52
  • 53. ESTAÇÃO: Quando se decide o que fazer é preciso executar. Mas quem disse que precisamos parar de pensar? 53
  • 54. Processo Cerâmico A intenção inicial era fazer a “pintura” utilizando as cores das barbotinas, esmaltes e do próprio barro, fazendo cada peça da composição na linguagem tradicional da cerâmica. O processo cerâmico requer tempo de dedicação, de paciência, e de espera. Cada passo tem seu próprio tempo, e esse tempo deve ser respeitado. Amassar o barro, esperar a água evaporar para que a massa tenha o ponto adequado para a modelagem, saber quando aplicar a barbotina, aguardar a secagem da peça, colocar com cuidado no forno para que não quebre... A queima é outra espera, o resfriamento outra, então as peças estão prontas para receber tratamento com vidrados e novamente serem queimadas. A maleabilidade do barro é importante na busca de diferentes resultados. Para modelar peças de paredes finas e dobramentos sinuosos, não pode ser quebradiço. Nesta etapa tive dificuldades para conseguir o material adequado ao acabamento que desejava, não conseguindo executar o plano inicial em sua totalidade. 56.55.54. 54
  • 56. Fotografia e a nova pintura As complicações no processo cerâmico ofereceram entrada para a pintura a frio, a ser realizada após a queima das peças, e também para adição de elementos de outros materiais já que a mistura de técnicas é característica contemporânea que muito aprecio desde os tempos de atelier de desenho. E falando em contemporaneidade, não posso deixar de mencionar que a difusão da fotografia tem ajudado a reinventar a pintura, tirando a exclusividade da tela ou outras superfícies planas colocando-a para dentro dos computadores. Além das pinturas com brushes em programas de edição de imagens, toda essa tecnologia abre espaço para que artistas como Carl Warner e Matthew Albanese façam suas paisagens sobre a mesa e as fotografem, e Vik Muniz que utiliza o lixo como tinta, o arrume no chão e fotografando, chame de pintura. Se o artista fizer os materiais conversarem tudo é possível. Ao fotografar meus trabalhos percebi que havia potencial de fazer, também, da fotografia, uma arte, conseguindo imagens interessantes dos delicados trabalhos com massinha de modelar e cerâmica. Poderia, mas não era o meu objetivo fazer do trabalho imagens apenas, como ocorre com os três artistas que citei. Algo do movimento do ônibus na estrada estava em jogo aqui. Aceitei a maquete, aceitei a pintura, mas é algo além da imagem que desejo mostrar, expor... Quero falar de uma paisagem de paisagens. Porque se paisagem é o que vemos num lance de olhar, como dizem os dicionários, quando meu olho está se movimentando com o automóvel vejo dezenas de paisagens em segundos com os mesmos elementos e diferentes composições por causa do deslocamento. 56
  • 60. Cúpula Não há uma paisagem, há paisagens infinitas. Como expressar esse conceito sem palavras? Como minha arte pode discursar sobre isso? (Quase?) fui às lágrimas no momento em que me coloquei realmente num ambiente totalmente feito por mim. Este ambiente surgiu do pensamento de que somos rodeados pelas paisagens de paisagens e mesmo assim podemos rodeá-la também. Uma obra de arte que proporcionasse essas duas sensações, e a possibilidade de muitos de ângulos seria ótimo! E é possível. Lembrando da redoma e da propriedade de uma boa escultura ser interessante por todos os lados, pensei em como seria esculpir uma paisagem dessas minhas tornando vegetação e nuvens em objetos tridimensionais como já havia tentado fazer com os campos e montanhas. A vegetação continuaria num plano terrestre com campos e montanhas, no “chão” da mesa, para ser olhada ao redor. Eu a estava modelando (como as nuvens) em planos com dobraduras e ondulações limitadas a criar linhas curvas e claro-escuro. Mas se eu pegasse esse plano e dobrasse formando um círculo, fechando o ciclo, ficaria interessante por todos os lados. “Posso esculpir a vegetação!” Se posso esculpir a vegetação, também o posso fazer com as nuvens e pendurá-las sobre a maquete. Mas meu céu imagético tem mais que nuvens suspensas, tem aquelas que parecem nascer no chão... Os últimos elementos que se elevam no horizonte. O que fazer delas neste contexto? Colocar minha maquete numa mesa redonda no centro, com campos, montanhas e vegetação; e as nuvens formando um círculo ao redor com estrutura de cúpula. Quem já deitou na grama de uma colina para observar o todo da tela movediça que é um pôr do sol pintando as nuvens com suas cores quentes, pode entender a afirmação que farei, bem como as lágrimas que surgiram ao pensar na estrutura cupular como solução ao empasse de tridimensionalizar a paisagem: “O céu, naqueles pores do sol que vi deitada no chão é a mais bela cúpula que já vi!” 60
  • 61. Poder circular ao redor e ao mesmo tempo dentro de minha obra é a resposta de praticamente todas as questões de bi e tridimensionalismo da paisagem. Ela não cabe em nenhum desses conceitos! Ela é mais do que isso, ela é os dois. A maquete para a imagem já não me satisfaz... Não quero um único ângulo, ou mesmo um número limitado de ângulos. Quero que sejam infinitos como ela é. Agora sim, não estou rodeando minha paisagem apenas, também estou sendo rodeada por ela! No Musée de l'Orangerie, uma galeria de arte impressionista e pós-impressionista localizada na Place de la Concorde em Paris, Monet nos cerca com uma pintura panorâmica circular de suas Ninpheias. Mas aqui chegamos a um projeto de instalação onde imagem e realidade se mesclam, se fundem e confundem. 67.66. 61
  • 62. O grande e o pequeno Numa de minhas viagens, olhando e pensando a paisagem da janela, foi que tive o insight da maquete redonda com cúpula. Gosto do grande, gosto tanto que meu ideal de trabalho neste tema é um lugar onde caibo e circulo. Quando se trata de representação paisagem no espaço, ou os elementos são grandes, ou o observador se torna pequeno. De frente com minhas composições, devido a sua pequena dimensão, para que o observador sinta a vastidão do espaço, terá que diminuir. Isso vem ao encontro de outro pensamento de Bachelard (apud VIEIRA 2006 p. 5.), onde vastidão depende do tamanho do observador, sendo natural que os lugares da infância pareçam na fase adulta terem diminuído de tamanho quando revisitados. A lua, tão grande, com 3.474,8 km de diâmetro, não é maior que o polegar quando esticamos o braço a frente do rosto e fechamos um olho. Da mesma forma, se olharmos bem de perto, a pequena colina fica maior que as enormes montanhas ao fundo. Com os recursos suficientes desenvolverei o projeto em seu tamanho ideal, onde meu corpo físico realmente cabe com folga, uma instalação. Por hora, convido que habitemos este mundo pequenino (figura 68 a 70), nos fazendo menores para vê-lo grande. (A esfera da cúpula está apenas sugerida pelas nuvens ao redor da maquete. Figura 71. ) 68. 69. 70. 62
  • 64. CHEGADA: Durante cinco anos de viagens nessa jornada, um caminho de descobertas se fez.. De representação, de realidade, de olhar, de experimento e contemplação. Sinto-me habitada por paisagens da beira da estrada... Não as mesmas paisagens, pois a cada curva, novas percepções traçaram linhas de aprendizado. Onde reflexo, massa, forma e luz foram passando por minha janela e se transformando em variados estudos de técnicas e concepções. Caminho de intensa vivência, de prática e reflexão. Um ciclo que começou com um recorte de realidade em imagem de memória e me levou a construção de um lugar real, onde as paisagens se multiplicam conforme passeia o olhar. Vi, eu senti, fotografei, pintei, desenhei, planifiquei, abstrai, serigrafei, dividi, misturei, joguei com peças, convidei... Modelando construí meus mundos, divagando me abriguei lá dentro para não perder nem um lance de olhar. Foi um prazer chegar! Valeu a pena partir. Adicionei à bagagem a regra de sempre viajar. 64
  • 65. Referências: ALBANESE, Matthew. Website oficial do artista. Disponível em: < http://www.matthewalbanese.com/ >. Acesso em 16/06/2014. BÍBLIA SAGRADA. "Tradução de João Ferreira de Almeida. 2ª." Edição. São Paulo: Sociedade Bíblica do Bra- sil (1993). Mateus 6: 26, 28 e 29 BONSON, Kath. Website oficial da artista. Disponível em: < http://www.bon-art.co.uk/> Acesso em 17/06/2014. CALDER FOUNDATION. Website. Disponível em < http://www.calder.org/> Acesso em 16/06/2014. CAUQUELIN, Anne. “A invenção da Paisagem”. São Paulo: Martins Fontes, 2007. CLARK, Kenneth, and Luísa Maria Rijo de Almeida. Paisagem na arte. 1961 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. "Miniaurélio século XXI escolar: o minidicionário da língua portu- guesa. rev. e ampl." Rio de Janeiro: Nova Fronteira (2001). HARRISON, Charles Hampton et al. Primitivismo, cubismo, abstração começo do seculo xx. Editora Cosac Naify, 1998. Pág 29. MAKOWIEKY Drª Sandra. "Corpo-paisagem: premeditações para uma história da pintura na América Lati- na", UDESC, 2010 MAKOWIEKY Drª Sandra. "Paulo Gaiad—Artista-Viajante” in: Anais:18º Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas Transversalidades nas Artes Visuais – 2009 - Salvador, Bahia, pág 2718. METZGER, Rainer e WALTHER, Ingo F. Van Gogh, Editora Taschen, Itália, 1998.. NERET, Gilles. Henri Matisse - Recortes, Editora Taschen, 1998 O MUNDO DE LIGYA CLARK, Associação Cultural. Website. Disponível em: <http://www.lygiaclark.org.br/ biografiaPT.asp Acesso em 15/06/2014. PIVATO, TIETTA. As Aves do Caminho, Revista Birdwatcher. Disponível em: <http://www.birdwatcher.com.br/ index.php?option=com_content&view=article&id=165:as-aves-do-caminho&catid=36:observacao-de- aves&Itemid=57> Acesso em 22/06/2010. 65
  • 66. SAGNER-DÜCHING, Karin. Claude Monet - Uma Festa para os Olhos, Taschen 2006 SOARES, Pedro Maia. Depoimentos - Norma Grimberg, Cerâmica Arte da Terra, Editora Calllis, 1987. VIEIRA, Daniel de Souza Leão. "Paisagem e imaginário: contribuições teóricas para uma história cultural do olhar." Revista de História e Estudos culturais. (2006) WAGNER, Carl. Website oficial do artista. Disponível em: <http://www.carlwarner.com/> Acesso em 17/06/2014. 66