1. GGRRAALLHHAA AAZZUULL
GRALHA AZUL - No. 51 - OUTUBRO - 2014 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR
XXV CONGRESSO NACIONAL - RECIFE - PERNAMBUCO
Sucesso! É a palavra para descrever o evento realizado de 8 a 11 de Outubro de 2014.
Sob a batuta de Luiz de Gonzaga Braga Barreto, como presidente do Congresso, foi regida a
orquestra afinadíssima da regional pernambucana. Seu presidente, José Arlindo Gomes de Sá,
descreveu magnificamente em “Ecos do XXV Congresso da SOBRAMES” no Boletim Mensal No.
131 de Novembro de 2014, da seguinte maneira: “Neste evento, os médicos escritores
consumiram o sortilégio da literatura, traduziram e expressaram o que vai pela alma sobramista,
na poesia e na prosa, envoltos numa névoa de palavras, criando a sensação de que as suas não
são apenas pequenas narrativas, mas fragmentos de algo maior que pertence à experiência de
todos nós,…”.
O número de congressistas foi expressivo: 77. Com representantes de 13 Estados.
As Assembléias Ordinária e Extraordinária foram realizadas no sábado à tarde com
presença maciça de membros. Foi eleita a nova diretoria, cujo presidente Luiz Barreto irá dirigir
a próxima gestão 2015-2016 e as comemorações dos 50 anos da SOBRAMES. Foi eleito o Estado
de Santa Catarina para a realização da próxima Jornada. Foram realizadas as alterações
estaturárias necessárias exigidas pela legislação atual.
A realização do IX Congresso da UMEAL (União Mundial de Médicos e Escritores
Lusófonos) foi concomitante. Houve a presença de representante da SOPEAM, de Portugal
Maria José Leal Bravo da Costa e de Moçambique, o presidente da AMEAM, Helder Fernando
Brígido Martins.
Foi realizada a reunião itinerante da Academia Brasileira de Médicos Escritores,
coordenada pela presidente Juçara Valverde, com apresentação de vários acadêmicos.
Também foi realizada Assembléia da UMEAL com importantes definições, como a eleição
da nova presidente, Maria José Leal Bravo da Costa, sugestões para alteração estatutária e data
do próximo evento.
Os anais do congresso foram sem dúvida uma verdadeira obra de arte, tanto pela sua
confecção, como pelo seu conteúdo, e entrará para a história da nossa entidade literária. Nesta
edição do Boletim Gralha Azul, como homenagem aos congressistas e gáudio dos leitores,
estarão presentes duas peças escolhidas como representantes de Pernambuco e Rio de
Janeiro.
Sérgio Augusto de Munhoz Pitaki
2. DÖDERLEIN - Luiz Coutinho Dias Filho
“Após conduzir o casal até a mesa, o garçom disse:
- Antes de tudo, lamento informar que uma pane no sistema está impossibilitando a
leitura de cartões.
- Posso pagar com cheque?
- Claro, vindo de um cliente tão distinto é igual a dinheiro!
O elogio soou em boa hora, era a primeira vez que saim juntos e o rapaz queria
impressionar a
linda mulher que o acompanhava; na verdade, o assédio era mútuo, notava-se em
ambos uma intenção mal dissimulada de seduzir.
Quando recebeu a conta, ele perguntou:
- Esqueci os óculos, você preenche?
- Adoro preencher cheques- falou a jovem com um sorriso maroto.
- Se visse o frisson que um simples talãozinho causa nas mulheres, o pavão recolheria
cauda humilhado...
- Se o pavão entendesse as coisas humanas, decerto constataria que lábia vale mais
do que dinheiro!- revidou ela e, ao entregar-lhe o cheque preenchi disse:
- Supus que teu sobrenome era Doderlein, mas não o vi escrito aqui...
- É apelido.
- Estranho... Onde foram busca-lo?
- Veio de um ginecologista alemão, Albert Döderlein.
- Por que coloram esse rótulo em você?
- É uma história embaraçosa. Coisa de criança...
- Deixaste-me mais curiosa!
- Prefiro mudar de assunto.
- Conta-me!
- Foi numa aula de Ciências. Querendo ressaltar a diversidade dos animais, a
professora perguntou a cada aluno que bicho gostaria de ser. A enquete foi conduzida
em ordem alfabética e eu figurava no fim da lista, pois meu nome é Zeus ( talvez porque
estivesse bêbado ou tomado por um delírio megalomaníaco, meu pai insistiu em
batizar-me com o nome do pai dos deuses). Sendo o último a responder, tive
dificuldade; tigre, leão, elefante, águia e outros animais que me vieram à mente já
tinham sido escolhidos até mesmo o pato.
- O pato?
- Na agonia em que me encontrava, o pato afigurou-se interessante, pois anda, nada e
voa.
Porém, nem mesmo ele estava disponível. Aflito ante a possibilidade de ter que
optar por um
animal mais condizente com o gosto feminino, como o coelho, ou a borboleta, lembrei
de uma conversa que havia escutado e, num arroubo incontido, declarei que queria ser
um bacilo de Dördelein. Trata-se de uma bactéria que foi descrita pelo médico que me
legou o apelido; como nem a professora nem os demais alunos a conheciam. Expliquei
com ingenuidade infantil: “ é um bichinho que mora na vagina!”
Ante a gargalhada irrefreável de sua ouvinte, ele disse desconcertado:
- Estás zombando de mim...
- Não dá para conter o riso ao imaginar uma criança falando isso na sala de aula.
Continua, estou ansiosa para conhecer o desfecho dessa história.
cont.
GRALHA AZUL - No. 51 - OUTUBRO - 2014 - SOCIEDADE BRASILEIRA DE MÉDICOS ESCRITORES - SOBRAMES - PR
3. Cont. Döderlein.
- Sem perda de tempo, a escola convocou meus pais, e eles me encostaram na parede,
exigindo que revelasse a origem de minha erudição ginecológica. Relatei que, certo
dia, enquanto brincava próximo de alguns rapazes da vizinhança, ouvi um deles dizer
que tais bacilos foram encontrados num exame de sua namorada e que ela tinha ficado
assustada achando que estava doente, mas se tranquilizou após o médico explicar que
eram habitantes normais da vagina, cuja presença assegurava maior resistência às
infecções. Depois disso, ouvi alguém exclamar: “ Eita bichinho feliz, quero ser um
bacilo de Dördelein na próxima encarnação!”
Foi a maior risadaria, e todos proclamaram querer o mesmo, com uma
empolgação que me deixou embasbacado.
- O que teus pais fizeram?
- Tomei um baita esculacho e meu bolso permaneceu vazio até ficarem realmente
convencidos de que eu não voltaria a bisbilhotrar conversa de adulto. A escola deu-se
por satisfeita; porém, um gaiato me chamou de Dörderlein e o apelido pegou.
No princípio, protestei; depois, fui me acostumando e confesso que terminei
preferindo o nome do inquilino da vagina ao do maioral Olimpio.
O curioso é que colhi bons frutos disso; passei a ser visto como profundo
conhecedor das
intimidades do corpo feminino, busquei fazer jus à fama.
- Presunçoso...
- Será presunção? Aprendi que as mulheres só se entregam verdadeiramente a quem
desvenda seus mistérios. Por isso, emprenho-me em decifrá-las e faço-o com a
paciência de um músico devotado, que não espera extrair acordes sublimes de seu
instrumento antes de afiná-lo.
- Após escutar isso, ela bebeu um último gole de vinho, dirigiu-lhe um olhar felino e
disse:
- Vamos, quero que mores em mim!”
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4. Delírio - Paulo Fatal - Rio de Janeiro
"Em criança, era um problema! Na adolescência, estava a beira da loucura.
Os pais divergiam:
- É melhor respeitar sua vontades...
- Ele precisa é de rigorosa terapia...
- Tem inveja de nós, dos irmãos...
- Dar-lhe poder é perigo...
Resolveram satisfazer o maior de seus desejos. Caso as consequências fossem
danosas, iria submeter-se a tratamento.
Delimitaram- lhe o raio de criação: um minúsculo sistema comandado por uma estrela
de quinta grandeza.
No princípio criou o céu e a terra. Em cinco dias, várias coisas, que achou boas.
No sexto dia, em grave crise, criou o homem, à sua imagem.
No sétimo adormeceu, medicado.”
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