1. D.C. MORAES Fº, J.A. GALBIATTI & H.S. ALMEIDA FIALHO
ARTIGO ORIGINAL
Avaliação anatômica do túnel do tarso*
DÉCIO CERQUEIRA DE MORAES FILHO1, JOSÉ ANTONIO GALBIATTI2, HENRIQUE SODRÉ DE ALMEIDA FIALHO3
RESUMO its structures and the tibial nerve were evaluated. Line
“AB”, defined from the center of the medial malleolus to 1
Apresenta-se estudo anatômico do túnel do tarso em cm distal of the posterosuperior calcaneal tuberosity was
38 pés de cadáveres com avaliação do retináculo dos used as a reference point to measure the tibial nerve and
flexores, das estruturas do túnel do tarso e das relações its branches. Thin aspect in the retinaculum was found in
entre suas estruturas e o nervo tibial. Estabelecem-se a 73.68% and fatty aspect in 26.31%. With respect to the
linha “AB”, definida do centro do maléolo medial a um division of the tibial nerve in medial and lateral plantar
ponto localizado a 1cm distalmente à tuberosidade pós- nerves, it occurred in 31.57% of the feet proximal to the
tero-superior do calcâneo, utilizada como ponto de re- tarsal tunnel, in 2.63% in the entrance of the tarsal tunnel,
ferência para mensurações do nervo tibial e seus ra- and 65.78% inside the tunnel. In relation to medial calca-
mos. Encontrou-se o retináculo com aspecto delgado em neus nerve, it presented its origin in 50% of the feet prox-
73,68% e adiposo em 26,31%. A divisão do nervo tibial imal to the line “AB”, in 36.84% distal to such line, and in
em nervo plantar medial e lateral ocorreu em 31,57% 13.15% distal and proximal to such line.
dos pés proximalmente ao túnel do tarso, em 2,63% à
entrada desse e 65,78% no interior do túnel. O nervo Key words – Tarsal tunnel; anatomic study; tibial nerve
calcâneo medial apresentou origem em 50% dos pés pro-
ximalmente à linha “AB”, em 36,84% distalmente a ela
e, em 13,15%, tanto proximal como distalmente. INTRODUÇÃO
As algias no pé são muito freqüentes. O exagero da ati-
Unitermos – Túnel do tarso; estudo anatômico; nervo tibial
vidade física, a má escolha dos calçados e as diversas pa-
tologias que acometem o pé são causas possíveis.
A síndrome do túnel do tarso destaca-se por ser de causa
ABSTRACT
neurogênica. Situa-se no território de distribuição do ner-
Anatomic study of the tarsal tunnel vo tibial.
The author presents an anatomic study of the tarsal tun- O estudo anatômico minucioso dessa região poderá iden-
nel in 38 feet of corpses in which the flexor retinaculum, tificar possíveis variações da normalidade com respeito aos
the structures of the tarsal tunnel, the relationship among locais da divisão dos ramos do nervo tibial e correlacioná-
las com prováveis etiopatogenias da dor.
O conhecimento topográfico da região póstero-medial é
* Resumo de dissertação de mestrado realizada no curso de pós-graduação
da Unifesp-Escola Paulista de Medicina – Área de Ortopedia e Traumato- melhor compreendido quando se projetam linhas referen-
logia (Serviço do Prof. Dr. José Laredo Filho). ciais para determinar as dimensões do túnel do tarso e per-
1. Mestre em Ortopedia e Traumatologia pelo curso de pós-graduação da feita localização da divisão em ramos nervosos.
EPM; Docente responsável pelo Grupo de Cirurgia do Pé da Disciplina
Os locais preferenciais de compressão do nervo tibial e
de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Marília-SP.
2. Doutor; Cooordenador do Laboratório Morfo-funcional; Docente da Dis-
ramos guardam relações anatômicas com o seu trajeto e
ciplina de Ortopedia e Traumatologia da Faculdade de Medicina de Marí- com as estruturas inelásticas. Tais estruturas são: o retiná-
lia-SP e docente da Universidade de Marília. culo dos flexores (túnel do tarso proximal); assoalho ós-
3. Livre-Docente; Professor Associado; Chefe da Disciplina de Ortopedia seo; fáscia profunda do músculo abdutor do hálux (túnel
Pediátrica do Departamento de Ortopedia e Traumatologia da Universi-
dade Federal de São Paulo-Escola Paulista de Medicina.
do tarso distal); a hipertrofia do músculo abdutor do hálux
Recebido em 3/5/00. Aprovado para publicação em 24/8/00. e, eventualmente, patologias inflamatórias, tal como a bur-
Copyright RBO2000 sa adventícia subcalcânea.
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2. AVALIAÇÃO ANATÔMICA DO TÚNEL DO TARSO
Fig. 1 – Vista medial do pé e tornozelo onde notamos (1) o nervo tibial Fig. 2 – Vista medial do pé e tornozelo, demonstrando o procedimento
com sua divisão distal à linha “AB” em (2) nervo plantar medial, (3) de mensuração da divisão do nervo tibial em relação à linha “AB”.
nervo plantar lateral, (4) nervo para o m. abdutor do dedo mínimo, (5) Ponto “A” – Centro do maléolo medial. Ponto “B” – Um centímetro
nervo calcâneo medial e (6) nervo para m. abdutor do hálux. Ponto “A” abaixo da tuberosidade póstero-superior do calcâneo.
– Centro do maléolo medial. Ponto “B” – Um centímetro abaixo da
tuberosidade póstero-superior do calcâneo.
co normal (espessura e flexibilidade); adiposo, quando exis-
tia maior volume de tecido adiposo entre as duas camadas
Nas dissecações, é mais freqüente o encontro de três ra- do retináculo; espesso, quando havia aumento de espessu-
mos nervosos, a saber: um sensitivo, denominado calcâ- ra e diminuição da flexibilidade;
neo medial (pode haver mais de um ramo) e dois sensitivo- 4) particularidades dos septos que dividem os tendões e
motores, denominados plantar lateral e medial, que dão, o feixe vasculonervoso: quando presentes ou ausentes;
respectivamente, ramos para os músculos do abdutor do 5) características dos tendões dos músculos tibial pos-
dedo mínimo e abdutor do hálux. terior, flexor longo dos dedos e flexor longo do hálux;
Nosso objetivo foi realizar um estudo anatômico do tú- 6) número e forma das artérias e veias tibiais posterio-
nel do tarso, observando as estruturas nele contidas (parti- res (figura 2);
cularmente o nervo tibial), seus limites, suas variações ana- 7) região de divisão do nervo tibial em nervo plantar
tômicas e possíveis locais de compressão do nervo tibial medial e lateral tendo como referencial zero a linha “AB”,
ou de seus ramos no túnel do tarso proximal ou distal. onde definimos o ponto “A” como o centro do maléolo
medial e o ponto “B”, localizado a 1cm abaixo da tubero-
MATERIAL E MÉTODOS
sidade póstero-superior do calcâneo (figura 1);
O material constituiu-se de 38 pés oriundos de 28 cadá- 8) avaliamos o nervo calcâneo medial conforme sua re-
veres. Dos pés estudados, 34 (89,47%) eram masculinos e gião de origem, proveniência nervosa e número de ramos;
quatro (10,52%) femininos. Com relação à forma de con- 9) apreciamos o aspecto tecidual do músculo abdutor
servação, 35 pés (92,1%) foram de espécimes fixados e do hálux e considerando-o muscular ou fibroso;
conservados em solução de formalina a 10% e três (7,8%) 10) foram avaliados os possíveis locais de estreitamen-
de espécimes frescos. to para o nervo tibial e seus ramos, em toda a extensão do
As dissecações seguiram o seguinte protocolo: túnel do tarso proximal e distal;
1) identificação do cadáver; 11) a estrutura óssea do túnel do tarso foi avaliada nas
2) tipos de incisão – foram utilizados dois tipos de inci- dissecações e realizado um estudo radiográfico;
são na pele; nos primeiros 13 pés (34,21%), em forma de 12) as variações anatômicas foram divididas em vascu-
“Y” invertido, e nos 25 pés (65,78%) restantes, em forma lar, nervosas e musculares.
de “I” maiúsculo;
3) características do retináculo dos flexores – foi deno- RESULTADOS
minado por nós: delgado, adiposo e espesso. O delgado, 1) Quanto ao aspecto tecidual do retináculo dos flexo-
quando o tecido do retináculo tinha o aspecto macroscópi- res, foram: em 28 pés (73,68%), considerado delgado, em
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10 pés (26,31%), adiposo; não elegemos nenhum como es- tero-inferior; fáscia profunda ou septo do músculo abdutor
pesso (0%). do hálux. Os possíveis locais de compressão nervosa en-
2) Em todos os pés dissecados, estavam presentes os contrados foram: o retináculo dos flexores sobre o nervo
septos que dividem os tendões e o feixe vasculonervoso. tibial (peça anatômica nº 28); septo 1, que se estende na
3) Os tendões dos músculos tibial posterior, flexor lon- região do osso navicular e vai da musculatura do abdutor
go dos dedos e flexor longo do hálux estavam presentes do hálux até as bainhas dos tendões dos músculos flexor
em todas as dissecações, com aspecto e espessura conside- longo do hálux e flexor longo dos dedos sobre o nervo plan-
rados normais. tar medial ou tibial (peças anatômicas nºs 14, 16 e 18);
4) Quanto à artéria tibial posterior, esteve presente no septo 2, que se estende do músculo abdutor do hálux ao
túnel do tarso, em todos os pés dissecados e, somente na assoalho ósseo sobre o nervo plantar medial e/ou lateral
peça anatômica nº de ordem 2, encontramos duas artérias (pés nºs 18 e 26); septo 3, que se estende da origem do
(2,63%); em seis pés (15,78%) (nºs 2, 16, 19, 22, 27 e 30), músculo abdutor do hálux ao calcâneo sobre o nervo cal-
uma artéria e duas veias com características tortuosas. câneo medial (peça anatômica nº 26).
5) Em relação às veias satélites da artéria tibial poste- 11) Encontramos variações anatômicas vasculares, nos
rior, encontramos duas veias para uma artéria na maioria pés nºs 19, 31 e 36 (7,89%), o nervo para o músculo abdu-
dos pés dissecados (94,73%); apenas a peça anatômica nº tor do hálux cruzando entre a artéria tibial posterior e uma
2 (2,63%) apresentava duas artérias acompanhadas de duas de suas veias satélites. Na peça anatômica nº 31, o nervo
veias satélites cada, num total de quatro; na peça anatômi- para o músculo abdutor do dedo mínimo cruzava entre a
ca nº 27 (2,63%) encontramos três veias nessa região. Na artéria que vai para o músculo abdutor do dedo mínimo e
peça anatômica nº 12 (2,63%), as veias tibiais posteriores uma de suas veias satélites. A peça anatômica nº 29 tem o
apresentavam-se dilatadas, provavelmente, varicosas. nervo tibial transfixado por uma artéria na região do túnel
6) Como ponto de referência da divisão do nervo tibial, do tarso. Quanto às variações anatômicas dos nervos ti-
utilizamos a linha “AB” e, em 12 pés (31,57%), essa divi- bial, plantar medial, plantar lateral e calcâneo medial, en-
são foi proximal à linha “AB”, sendo que a divisão mais contramos, na peça anatômica nº 6, o nervo calcâneo me-
proximal foi a 2,4cm na peça anatômica nº 6. Em um pé dial, que tem sua origem no nervo tibial a 8cm proximal-
(2,63%) essa divisão ocorreu sobre a linha “AB”, na peça mente à linha “AB”. Na peça anatômica nº 14, o nervo ti-
anatômica nº 13. E em 25 pés (65,78%) a divisão ocorreu bial se dividiu em nervo plantar medial e nervo plantar la-
distalmente à linha “AB”, sendo a mais distal a 6,6cm, na teral a 6,6cm distalmente da linha “AB”. Na peça anatômi-
peça anatômica nº 14. A distância média da divisão do ner- ca nº 26 encontramos um ganglion do nervo tibial no inte-
vo tibial em relação à linha “AB” foi de 0,62cm distal. rior do túnel do tarso. A peça anatômica nº 30 apresentou o
7) O nervo calcâneo medial teve origem no nervo tibial nervo para o músculo abdutor do hálux originando-se do
em 35 pés (90,78%) e origem no nervo plantar lateral em nervo tibial a 10,9cm proximalmente à linha “AB”. Em re-
quatro pés (9,21%). Quanto ao número de ramos do nervo lação à variação anatômica muscular, a peça anatômica nº
calcâneo medial, observamos, em 21 pés (55,26%), um 11 teve o ventre muscular do sóleo prolongado até o osso
ramo; em 15 pés (39,47%), dois; em um pé (2,63%), três e, calcâneo.
em um pé (2,63%), quatro. Quanto à origem do nervo cal-
câneo medial em relação a linha “AB”, encontramos, em DISCUSSÃO
19 pés (50%), proximalmente à linha “AB”; em 14 pés A região medial do retropé na circunvizinhança do cal-
(36,84%), distalmente à linha “ AB ” e, em cinco pés câneo é sede de enfermidade denominada síndrome do tú-
(13,15%), tanto proximal como distalmente à linha “AB”. nel do tarso. Com freqüência, passa despercebida por ter
8) Quanto ao aspecto tecidual do músculo abdutor do quadro clínico variado. Seu diagnóstico pode ser difícil e
hálux, encontramos, em 32 pés (84,21%), aspecto muscu- de etiologia discutível. Os resultados do tratamento con-
lar e, em cinco (13,15%), aspecto fibroso. servador ou cirúrgico nem sempre são efetivos, levando,
9) Em relação à avaliação macroscópica do assoalho ós- às vezes, a problemas de difícil solução. Neste trabalho
seo no túnel do tarso, não evidenciamos alterações. realizamos uma avaliação crítica anatômica do túnel do
10) Consideramos locais de estreitamento para o nervo tarso observando seu conteúdo, particularmente, o nervo
tibial e seus ramos o retináculo dos flexores, na região ân- tibial e os possíveis locais de compressão nervosa.
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4. AVALIAÇÃO ANATÔMICA DO TÚNEL DO TARSO
Quanto à consistência do retináculo dos flexores nos das veias foi menor do que a encontrada por Srinivasan et
achados cirúrgicos de Keck(1), Lam et al.(2), Pfeiffer et al.(3) al.(8) em 25% dos 40 pés dissecados.
apresentaram o retináculo dos flexores como uma banda O estudo minucioso da circulação do nervo tibial e seus
fibrosa capaz de comprimir o nervo tibial por seu espessa- ramos foi realizado por Flanigan et al.(9), que observaram
mento. Neste estudo, o retináculo dos flexores apresentou serem esses nervos irrigados pelas artérias corresponden-
aspecto delgado em 28 pés (73,68%), nos quais o tecido tes. Em nossas dissecações, a artéria tibial posterior, em
do retináculo era normal macroscopicamente (espessura e apenas um caso, foi encontrada duplicada, no interior do
flexibilidade); em dez pés (26,31%) era do tipo adiposo. túnel do tarso, sendo uma delas de menor calibre. Além
Não se encontrou, em nenhum pé, o tipo espesso. Essa clas- dessa alteração, notou-se, em seis pés, a tortuosidade do
sificação foi feita para distinguir o retináculo dos flexores feixe arteriovenoso. Em um dos pés, um dos ramos da arté-
delgado, que é normal, do adiposo, variante do normal, e o ria tibial posterior penetrava no interior do nervo tibial se-
espesso, que é o etiopatogênico. A observação do aspecto parando-o em dois feixes, que se uniam distalmente.
do retináculo dos flexores durante o ato cirúrgico é impor- Em comparação com outros trabalhos, a divisão do ner-
tante, pois, quando fibroso, pode ser a causa da compres- vo tibial ocorreu no interior do túnel segundo Dellon et
são do nervo. al.(10) em 94%, Havel et al.(11) em 93%, Bareither et al.(12)
Os septos que separam os tendões e o feixe vasculoner- em 46,81%, Nagaoka(13) em 85% e Davis et al.(14) em 90%.
voso partem da camada profunda do retináculo dos flexo- Encontramos em 65,78%, comprovando que, na maioria, a
res até o periósteo, imbricam-se com a porção profunda do divisão do nervo tibial ocorre no interior do túnel do tarso.
ligamento deltóide, formando túneis osteofibrosos por onde Apesar de a mensuração dos limites anatômicos do túnel
passam os tendões, os vasos e os nervos; esses achados do tarso ser obtida não uniformemente, fica patente que
foram observados por Chiarugi(4), Paturet(5) e Gardner et podem ocorrer variações no local de divisão, sendo, entre-
al.(6). Em nosso material, os três septos estavam presentes tanto, a maior freqüência no interior do túnel do tarso.
e individualizados. O primeiro septo separa o tendão do Quando a divisão ocorre proximalmente, pode representar
músculo tibial posterior do tendão do músculo flexor lon- um fator predisponente à compressão nervosa devido ao
go dos dedos e o segundo isola o feixe vasculonervoso do maior número de cruzamento dos ramos e ao aumento da
tendão do músculo flexor longo dos dedos. No plano pro- secção nervosa quando separados, diferentemente da si-
fundo, o terceiro septo recobre o tendão do músculo flexor tuação de um tronco único(10).
longo do hálux sem relação com o retináculo dos flexores. O nervo calcâneo medial, segundo Srinivasan et al.(8),
Diferente do que foi descrito pelos autores acima, encon- teve origem no nervo tibial. Soibelman(16), Dellon et al.(10)
tramos dois septos que partiam da camada profunda do re- e Nagaoka(13) citaram-no como ramo, tanto do nervo tibial
tináculo dos flexores e o terceiro não se originava direta- quanto do nervo plantar lateral. Havel et al.(11) e Davis et
mente do retináculo, e sim do ligamento talocalcâneo pos- al.(14) descreveram diversas possibilidades de variação da
terior. origem do nervo calcâneo medial; o achado mais freqüen-
te foi o ramo do nervo tibial e, em segundo, a dupla ori-
Com referência aos tendões retromaleolares, Mann(7) e gem, sendo a proximal do tronco tibial e a distal do nervo
Srinivasan et al.(8) afirmaram que quaisquer patologias pa- plantar lateral. Nos casos avaliados por nós, o nervo calcâ-
renquimatosas ou extrínsecas aos tendões podem ocasio- neo medial teve origem em três situações: a mais freqüente
nar a compressão do nervo tibial ou ramos. Nenhuma alte- foi a partir do nervo tibial, em seqüência, diretamente do
ração foi encontrada nos tendões e bainhas sinoviais ou nervo plantar lateral e, em apenas um caso, uma dupla ori-
mesmo tumor nessas estruturas que ocasionariam compres- gem do nervo tibial e plantar lateral. Não foi encontrada
são do nervo. nenhuma ramificação a partir do nervo plantar medial.
As veias tortuosas, dilatadas e varizes, no interior do tú- O número de ramos do nervo calcâneo medial é extre-
nel do tarso, podem comprimir o nervo tibial e seus ramos, mamente variado, como se observa pela citação de: Soi-
causando neuropatia. Essa situação foi descrita por Keck(1) belman(16) refere-se a um ou dois ramos, Vasconcellos et
e Pfeiffer et al.(3). Nosso trabalho reflete uma amostragem al.(15), a dois ou três ramos, Havelet al.(11), a múltiplos ra-
da população adulta e foi notada a presença de alterações mos. Também foram encontradas, neste estudo, essas va-
venosas em 18,41% dos pés. A percentagem de variações riações, sendo mais freqüente a presença de um único ramo
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5. D.C. MORAES Fº, J.A. GALBIATTI & H.S. ALMEIDA FIALHO
seguido de dois ramos e, mais rara-
mente, três ou quatro ramos.
O nervo calcâneo medial pode
nascer no interior ou proximalmente
ao túnel do tarso, segundo Dellon
et al.(10) e Havel et al.(11). Davis et
al.(14) observaram a origem proxi-
mal ao túnel do tarso em 35% dos
pés, no interior do túnel do tarso em
30% e em ambos os locais em 35%.
Em nosso trabalho, houve distribui-
ção de freqüência diferente dos au-
tores mencionados, sendo 50% pro-
ximal, 36% no interior e, em am-
bos locais, em 13%. A localização
n
Ta
e identificação do nervo calcâneo
hi
os
medial é importante pela grande
ay
ss
A B
Ma
variação que existe, quanto a sua
origem, do número de ramos. Sua Fig. 3 – Corte oblíquo do retropé na região do túnel do tarso com vista do assoalho ósseo, (1)
secção acidental pode acarretar per- tendão do músculo tibial posterior (TP), (2) tendão do músculo flexor longo dos dedos (FLD), (3)
da da sensibilidade na região me- veias tibiais posteriores, (4) nervo tibial, (5) artéria tibial posterior, (6) retináculo dos flexores e (7)
tendão do músculo flexor longo do hálux (FLH). A – Fotografia localizada. B – Desenho
dial e plantar do calcanhar, local de
apoio.
Dellon et al.(10) e Havel et al.(11) consideraram que o reti- pés, espessamento da fáscia muscular na região superior.
náculo dos flexores e o túnel do tarso começam a 2cm pro- Acreditamos que a observação do volume e o aspecto da
ximalmente à linha imaginária traçada do centro do ma- massa muscular do abdutor do hálux são importantes para
léolo medial ao centro do calcâneo. Essa definição de que não poder perceber possíveis locais de estreitamento por
o início do retináculo dos flexores coincide com o início onde passam os ramos do nervo tibial.
do túnel do tarso é controversa. A parede lateral ou assoalho do túnel do tarso é formada
Não concordamos com a descrição de que o túnel do pela superfície medial do tálus, recoberta pelo ligamento
tarso se inicia na região proximal do retináculo, pois, nes- deltóide e superfície medial côncava do calcâneo, revesti-
se local, não existe assoalho ósseo. Em nossa opinião, os da, em parte, pelo músculo quadrado plantar. Concorda-
tendões dos músculos flexores, considerados por Sriniva- mos com o que foi relatado por Paturet(5) e Havel et al.(11) e
san et al. (8) como o assoalho desse túnel, na região proxi- discordamos de Srinivasan et al.(8), Havens et al.(18) e Heim-
mal, não expressam a realidade, porque essa musculatura kes et al.(19), que consideraram também como parede late-
tem acompanhado os vasos e nervos desde o terço distal da ral, na porção proximal do túnel do tarso, os tendões dos
perna, não configurando uma estrutura rígida compatível músculos tibial posterior, flexor longo dos dedos e flexor
com o assoalho ósseo. longo do hálux, pois esses tendões e suas bainhas apresen-
A hipertrofia ou o músculo acessório do abdutor do há- tam maior flexibilidade que o osso e têm por onde expan-
lux pode levar à compressão nervosa, conforme descrito dir-se, quando apresentam tenossinovite ou tumores. A
(8) (17)
por Srinivasan et al. e Sammarco et al. . Essa compres- análise anatômica e radiográfica da parede lateral, forma-
são nervosa pode ocorrer por septo fibroso na borda supe- da pelos ossos tálus e calcâneo, foi considerada normal e
rior do músculo abdutor do hálux, de acordo com Mann(7) destacamos que o inventário da cavidade do túnel do tarso
e Nagaoka(13). Na avaliação do músculo abdutor do hálux é importante para perceber tais alterações, que ficam, às
não encontramos hipertrofia ou músculos acessórios. Na vezes, sob inervação (figura 3).
borda superior do músculo abdutor do hálux, onde o nervo Sob o retináculo dos flexores, o local mais freqüente de
plantar medial e lateral penetram sob ele, notamos, em cinco compressão nervosa é a região ântero-inferior do túnel do
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6. AVALIAÇÃO ANATÔMICA DO TÚNEL DO TARSO
Fig. 6 – Vista medial do pé. Foto do septo entre o m. abdutor do hálux e
Fig. 4 – Vista o “nó de Henry” sobre o n. plantar medial (com marcador azul)
medial do retropé
com septo entre o
músculo abdutor
do hálux e
calcâneo
(septo 2) an
iT
sh
a yo
ss
Ma
Fig. 7 – Vista medial do pé. Desenho do septo entre o m. abdutor do
hálux e o “nó de Henry” sobre o n. plantar medial (septo 1)
i
Ta osh
ay
observado um septo rígido entre a fáscia profunda do mús-
n
ss
Ma
culo abdutor do hálux e o assoalho ósseo formando dois
Fig. 5 – Desenho da vista medial do retropé com septo entre o músculo túneis estreitos sobre os nervos plantar medial e lateral (fi-
abdutor do hálux e o calcâneo (septo 2) guras 4 e 5).
O nervo plantar medial pode ser comprimido no trajeto
sob a borda superior do músculo abdutor do hálux, através
tarso, quando o nervo tibial se curva ao redor do maléolo de um hiato fibroso formado pela cabeça do músculo fle-
medial, na análise de Paturet(5) e Lam et al.(2). Na peça ana- xor curto do hálux, o que foi destacado por Testut et al.(21),
tômica nº 28, foi encontrado indício de compressão do ner- Gardner et al.(6) e Mann(7). A compressão do nervo plantar
vo tibial sob o retináculo dos flexores; o nervo tibial apre- medial sob o músculo abdutor do hálux, no cruzamento
sentava um tumor cístico, que teve como resultado anato- das bainhas dos tendões dos músculos flexor longo do há-
mopatológico o diagnóstico de ganglion. lux e flexor longo dos dedos (nó de Henry), e o ligamento
Outro local de compressão dos nervos plantares medial calcâneo navicular plantar foram observados por Baxter(22)
e lateral foi a borda superior fibrosa do músculo abdutor e Kaplan(23). Em nossas dissecações das peças anatômicas
do hálux, com que concordam Bailie et al.(20). A compres- nºs 16 e 18, observamos um septo sobre o nervo plantar
são do nervo plantar medial, nesse local, foi detalhada por medial e na peça anatômica nº 14 sobre o nervo tibial, que
Nagaoka(13). Em nossas peças anatômicas nºs 18 e 26, foi ainda não se havia dividido (figuras 6 e 7).
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n
Ta
hi
y os
s sa
Ma
Fig. 9 – Vista medial do pé. Desenho do septo sobre o nervo calcâneo
medial (septo 3).
Fig. 8 – Vista
medial do pé.
Foto com
indicador azul
sendo importante esse local, onde se iniciam o túnel osteo-
do septo na fibroso e uma região de possível compressão nervosa.
origem do O retináculo dos flexores, os septos intertendinosos, os
músculo abdutor tendões, vasos, músculo abdutor do hálux e o assoalho ós-
do hálux.
seo não tiveram grandes alterações anatômicas. Dentre as
estruturas do túnel do tarso, as que tiveram mais variações
A compressão do nervo calcâneo medial no retináculo foram o nervo tibial e seus ramos; por isso, merecem um
dos flexores foi relatada por Srinivasan et al.(8). Na peça estudo mais aprofundado no acompanhamento deste plano
anatômica nº 26 encontramos sobre o nervo calcâneo me- de pesquisa. Importa conhecer bem a anatomia, para poder
dial a fáscia fibrosa e rígida do músculo abdutor do hálux realizar o diagnóstico e a descompressão correta do nervo
em sua origem no osso calcâneo (figuras 8 e 9). tibial e seus ramos, no tratamento cirúrgico da síndrome
O nervo plantar lateral pode sofrer compressão quando do túnel do tarso.
tem seu trajeto entre os músculos abdutor do hálux, qua-
drado plantar e flexor curto dos dedos, salientaram Testut REFERÊNCIAS
et al.(21), Gardner et al.(6), Srinivasan et al.(8), Vasconcellos 1. Eck C.C.: The tarsal tunnel syndrome. J Bone Joint Surg [Am] 44: 180-
et al.(26) e Flanigan et al.(9). A região entre esses músculos é 182, 1962.
muito estreita. Durante as dissecações, observamos que o 2. Lam S.J.S., Lond M.B.: A tarsal-tunnel syndrome. Lancet 2: 1354-1355,
1962.
nervo pode ser comprimido pela rígida e espessa fáscia
3. Pfeiffer W.H., Cracchiolo A. III: Clinical results after tarsal tunnel de-
profunda do músculo abdutor do hálux. compression. J Bone Joint Surg [Am] 76: 1222-1230, 1994.
O nervo para o músculo abdutor do dedo mínimo pode 4. Chiarugi G.: Istituzioni di Anatomia dell’Uomo. 3ª ed. Milano, Soc.
sofrer compressão no seu trajeto entre os músculos do ab- Editrici Libr., v. 4, p. II, 1930.
dutor do hálux, quadrado plantar e flexor longo dos dedos, 5. Paturet G.: Traité d’Anatomie Humaine. Paris, Masson, 1951.
quando muda da direção vertical para horizontal, segundo 6. Gardner E., Gray D.J., O’Rahilly R.: Anatomia. Rio de Janeiro, Guana-
bara Koogan, 1971.
Baxter et al.(24) e Del Sol et al.(25). Em nossa opinião, o
7. Mann R.A.: Tarsal tunnel syndrome. Orthop Clin North Am 5: 109-115,
nervo para o músculo abdutor do dedo mínimo segue o 1974.
mesmo trajeto que o nervo plantar lateral. O nervo para o 8. Srinivasan R., Rhodes J., Seidel M.R.: The tarsal tunnel. Mt Sinai J Med
músculo abdutor do dedo mínimo, porém, encontra-se mais 47: 17-23, 1980.
próximo da tuberosidade medial do calcâneo e, quando 9. Flanigan D.C., Cassell M., Saltzman C.L.: Vascular supply of nerves in
the tarsal tunnel. Foot Ankle Int 18: 288-292, 1997.
muda da direção vertical para a horizontal, está mais sus-
10. Dellon A.L., Mackinnon S.E.: Tibial nerve branching in the tarsal tun-
cetível à compressão. nel. Arch Neurol 41: 645-646, 1984.
Gostaríamos, entretanto, de salientar a importância da 11. Havel P.E., Ebraheim N.A., Clark S.E., Jackson W.T., Didio L.: Tibial
linha “AB”, que é de fácil definição pela digitopalpação, nerve branching in the tarsal tunnel. Foot Ankle 9: 117-119, 1988.
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