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CHORÃO E
            TREPADEIRA


  Eram duas plantas muito diferentes. Uma, a trepadeira.
Outra, o chorão.
   Chorão, neste caso, não é o que chora muito, mas uma
espécie de salgueiro, de ramos pendentes, com longos
cabelos penteados, a roçar a terra.
   Em contrapartida, trepadeira é a que trepa muito, muros,
árvores, casas, vedações, o que calha.
   – Tivesse eu a que me agarrar, que ia até ao céu – dizia
a trepadeira.
   – Exageras – comentava o chorão. – A meio caminho
faltava-te o ar, tremiam-te as pernas e caías. Sei de um
feijoeiro com ambições, que também se perdeu pelo
caminho. Uma desgraça!
   Esta conversa desesperava a trepadeira. E, num
rompante, exclamou:
   – Pois vamos apostar que sou capaz.
                            1
Apostaram.
   A trepadeira apoiou-se a uma parede, depois passou para
outra mais alta, subiu a um mastro, fincou-se a uma torre,
saltou para um arranha-céus e, subindo sempre, cheia de
genica, chegou onde nunca tinha chegado. Mas o céu
sempre longe.
   Estava no terraço do edifício mais alto do mundo.
   – Dê-me uma ajudinha – pediu ela a um avião que
passava, lá muito em cima.
   Mas o avião não ligou e seguiu caminho.
   – Leve-me consigo – pediu ela a um foguetão, que ia por
ali fora, como se levasse fogo no rabo. E levava...
   Mas o foguetão também não ligou.
   A trepadeira, então, desistiu. Os ramos começaram a
pender no sentido donde tinham vindo. Parecia – mal
acomparado! – parecia um chorão. E chorava e chorava
mesmo.
   – Estiveste quase a conseguir – disse-lhe o chorão, que
não gostava de vê-la triste.
   Mais consolada com estas palavras, a trepadeira
confidenciou:
   – Quando estava lá em cima, tive uma tontura e...
saudades tuas.
   Trepadeira e chorão entrelaçaram os ramos. Há plantas,
às vezes, que são como gente.


  FIM




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CHORÃO E TREPADEIRA: UMA APOSTA PARA ALCANÇAR O CÉU

  • 1. CHORÃO E TREPADEIRA Eram duas plantas muito diferentes. Uma, a trepadeira. Outra, o chorão. Chorão, neste caso, não é o que chora muito, mas uma espécie de salgueiro, de ramos pendentes, com longos cabelos penteados, a roçar a terra. Em contrapartida, trepadeira é a que trepa muito, muros, árvores, casas, vedações, o que calha. – Tivesse eu a que me agarrar, que ia até ao céu – dizia a trepadeira. – Exageras – comentava o chorão. – A meio caminho faltava-te o ar, tremiam-te as pernas e caías. Sei de um feijoeiro com ambições, que também se perdeu pelo caminho. Uma desgraça! Esta conversa desesperava a trepadeira. E, num rompante, exclamou: – Pois vamos apostar que sou capaz. 1
  • 2. Apostaram. A trepadeira apoiou-se a uma parede, depois passou para outra mais alta, subiu a um mastro, fincou-se a uma torre, saltou para um arranha-céus e, subindo sempre, cheia de genica, chegou onde nunca tinha chegado. Mas o céu sempre longe. Estava no terraço do edifício mais alto do mundo. – Dê-me uma ajudinha – pediu ela a um avião que passava, lá muito em cima. Mas o avião não ligou e seguiu caminho. – Leve-me consigo – pediu ela a um foguetão, que ia por ali fora, como se levasse fogo no rabo. E levava... Mas o foguetão também não ligou. A trepadeira, então, desistiu. Os ramos começaram a pender no sentido donde tinham vindo. Parecia – mal acomparado! – parecia um chorão. E chorava e chorava mesmo. – Estiveste quase a conseguir – disse-lhe o chorão, que não gostava de vê-la triste. Mais consolada com estas palavras, a trepadeira confidenciou: – Quando estava lá em cima, tive uma tontura e... saudades tuas. Trepadeira e chorão entrelaçaram os ramos. Há plantas, às vezes, que são como gente. FIM 2