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ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE
   PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO




     HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO




                          NÚMERO 18
                         Setembro - 2005




Publicação financiada
pelo Programa de Auxílio-Editoração do CNPq            SEMESTRAL
 História da Educação   Pelotas   n. 18   p. 1-208   Setembro 2005
HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO

                                          ASPHE
                          Presidente: Maria Helena Câmara Bastos
                             Vice-Presidente: Maria Stephanou
                             Secretário: Claudemir de Quadros

Conselho Editorial Nacional                        Conselho Editorial Internacional
Dra. Denice Cattani (USP)                          Dr. Alain Choppin
Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP)                     (INRP, França)
Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel)       Dr. Antonio Castillo Gómez
Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM)                     (Univer. de Alcalá – Espanha)
Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ)                   Dr. Luís Miguel Carvalho
Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG)           (Univer. Técnica de Lisboa)
Dr. Lúcio Kreutz (UNISINOS)                        Dr. Rogério Fernandes
Dr. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC)              (Univer. de Lisboa)
Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS)
Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN)

Comissão Executiva
Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara
Profa. Dra. Eliane Teresinha Peres

Consultores Ad-hoc
Dra. Beatriz Fischer Daudt (Unisinos)
Dr. José Fernando Kielling (UFPel)
Dr. Gomercindo Ghiggi (UFPel)
Dando. Claudemir Quadros (Unifra)
Dra. Giana do Amaral (UFPel)

Editoração eletrônica e arte final da capa
Flávia Guidotti
flaviaguidotti@hotmail.com

Imagem da capa
Quentin Metsys, O banqueiro e a sua mulher (Museu do Louvre). In: MOURA, Vasco Graça.
Damião de Gois e o Livro de Horas Dito de D. Manuel. Arte Ibérica. 1999. p. 14.

História da Educação
Número avulso: R$ 15,00
Single Number: U$ 10,00 (postage included).

História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense de
Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 18 (Setembro
2005) - Pelotas: ASPHE - Semestral.
ISSN 1414-3518
v. 1 n. 1 Abril, 1997

1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel

                                                         CDD: 370-5
Sumário


Apresentação ................................................................................................ 5
Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar: A
História ensinada no século XVII
Annie Bruter; Tradução Maria Helena Câmara Bastos ................................ 7
Actividade e Redenção – A Criança Nova em Maria Montessori
Alberto Filipe Araújo; Alessandra Avanzini; Joaquim Machado de
Araújo ......................................................................................................... 23
Damião Francisco Alves de Moura - o Rio Grande do Sul e a Guarda
Aires Antunes Diniz ................................................................................... 47
Notas sobre o Congresso Internacional do Ensino, Bruxelas, 1880
Moysés Kuhlmann Jr. ................................................................................. 59
O currículo escolar nas leis 5692/71 e 9394/96: questões teóricas e de
história
Fernanda Pinheiro Mazzante ...................................................................... 71
Instrução Pública e Configuração do Mundo Urbano
Flávia Obino Corrêa Werle......................................................................... 83
Universidade e comunidade na perspectiva dos movimentos estudantis
dos anos 1960
Luís Antonio Groppo.................................................................................. 97
Contribuições à história das relações estado/educação escolar: o
período de 1937 à 1946
Lindamir Cardoso Vieira Oliveira ............................................................ 121
A História da Educação no Timor-Leste e os seus distintos Processos
de Alfabetização
Nilce da Silva............................................................................................ 145
Conflito e ambigüidade entre Jesuítas e Protestantes no Brasil-Colônia
através da depredação dos prédios escolares da Companhia de Jesus
Rachel Silveira Wrege .............................................................................. 159
O Método Bacadafá: leitura, escrita e língua nacional em escolas
públicas primárias da Corte imperial (1870-1880)
Alessandra Frota Martinez de Schueler .................................................... 173
Resenhas ................................................................................................... 191
Uma rica história do livro didático e do ensino de História no Brasil
Maria Helena Câmara Bastos ................................................................... 193
História e Historiografia da Educação no Brasil
Eduardo Arriada ....................................................................................... 195
Documento ............................................................................................... 197
Lei n. 1, de 1837, e o Decreto nº 15, de 1839, sobre Instrução Primária
no Rio de Janeiro ...................................................................................... 199
Orientações aos colaboradores.................................................................. 207




4
Apresentação


           A revista História da Educação, em seu nono ano de existência,
mantendo sua periodicidade e cumprindo o objetivo de socializar estudos no
campo da pesquisa historiográfica educacional, publica seu 18º número.
           Neste número, estão publicados onze artigos, sendo que três deles
são de pesquisadores internacionais: um sobre o surgimento da história
como disciplina escolar no século XVII, da professora francesa do INRP,
Annie Bruter; o outro, sobre a liberdade e a atividade da criança no
pensamento montessoriano, escrito em conjunto por três pesquisadores, dois
deles da Universidade do Minho, Alberto Filipe Araújo e Joaquim Machado
de Araújo, e a outra da Universidade de Milão, Alessandra Avanzini; por
fim, o terceiro artigo é do professor português Aires Antunes Diniz e trata
das ações pedagógicas de Damião Francisco Alves de Moura e suas
relações com o Rio Grande do Sul.
           Os outros oito artigos são de pesquisadores brasileiros e abordam
as mais diversas temáticas sob a perspectiva histórica: alfabetização,
políticas públicas e curriculares, infância, Universidade, Jesuítas e
Protestantes, entre outros. Intencionalmente a revista História da Educação
privilegia a diversidade temática, metodológica e teórica, acreditando que a
pluralidade de abordagens e temas fortalecerá o debate acadêmico em torno
da pesquisa em história da educação, que nas últimas décadas tem
experimentando um crescimento vertiginoso.
           Por fim, como sempre, com o intuito de divulgar obras de
destaque na área, a seção Resenhas publica dois trabalhos que apresentam
comentários de produções recentes da história da educação. Na seção
Documentos, cujo objetivo é disponibilizar fontes para um maior número
possível de pesquisadores, estão publicadas a Lei n. 1, de 1837, e o Decreto
nº 15, de 1839, que tratam da Instrução Primária no Rio de Janeiro.
           Um agradecimento especial aos colaboradores deste número e
nossa expectativa de uma leitura proveitosa por parte de todos aqueles que
se ocupam com o ensino e a pesquisa educacional, em especial da história
da educação.


                                                               A Comissão Editorial.




         História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 5, set. 2005
.
Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma
disciplina escolar: A História ensinada no século XVII1
                                  Annie Bruter
                       Tradução Maria Helena Câmara Bastos



Resumo

Partindo de uma breve análise das condições, nas quais se estabeleceram as visões
(divergentes) do surgimento da disciplina escolar « história », em curso hoje na historiografia
francesa, este artigo propõe-se recolocar a questão na longa duração, remontando os colégios
de humanidades do Antigo Regime, mostrando que a própria noção de «disciplina escolar» não
é pertinente para descrever seu ensino, analisando certas transformações (sócio-políticas,
técnicas, culturais...) que conduziram a constituição da história como matéria autônoma de
ensino para as elites no fim do século XVII.
Palavras-chave: História; Ensino; Século XVII.



Resumée

Partant d’une brève analyse des conditions dans lesquelles se sont mises en place les visions
(divergentes) de l’apparition de la discipline scolaire «histoire» qui ont cours aujourd’hui dans
l’historiographie française, cet article se propose de replacer la question dans la longue durée
en remontant aux collèges d’humanités de l’Ancien Régime et en montrant que la notion même
de «discipline scolaire» n’est pas pertinente pour décrire leur enseignement, puis en survolant
certaines des transformations (socio-politiques, techniques, culturelles…) qui ont abouti à la
constitution de l’histoire en matière autonome d’enseignement pour les élites à la fin du XVIIe
siècle.
Mots-clés: Histoire; enseignement; XVIIe siècle




1
  Título em francês: "Un exemple de recherche sur l’histoire d’une discipline scolaire: l’histoire
enseignee au XVIIe siècle". Especialmente escrito para ser publicado no Brasil.


          História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 7-21, set. 2005
A idéia de que os conhecimentos de qualquer ordem que nós
dispomos são o resultado de uma construção humana - não o fruto de uma
revelação ou de uma reminiscência - é atualmente amplamente admitida,
pelo menos entre os pesquisadores que produzem esses conhecimentos; a
idéia de que as disciplinas escolares pelas quais esses conhecimentos
chegam às jovens gerações são também o produto de um trabalho coletivo,
de um conjunto de atores do sistema educativo, que tem dificuldade em
conquistar o direito de cidadão na França. Freqüentemente, vistos como
cópias das ciências eruditas mais ou menos simplificadas para serem usados
pelos alunos, as disciplinas escolares não foram por muito tempo
apreendidas pelos historiadores do ensino senão de maneira teleológica, em
função das teorias científicas e das concepções pedagógicas que eram as da
sua época. É principalmente o caso dos historiadores que tiveram uma
grande influência na França no início da IIIª República - época de
importantes reformas no ensino em todos os níveis (primário, secundário e
superior), como de Gabriel Compayré2 e de Émile Durkheim3: tratava-se
bem mais de dar uma genealogia à nova pedagogia que desejavam
implantar do que restituir seu sentido original às práticas de ensino do
passado, das quais desejavam precisamente se descartar. Ora, a seus
trabalhos a história do ensino por muito tempo permaneceu tributária na
França no século XX.
           O ensino da história encontrava-se em uma posição
absolutamente especial como objeto historiográfico: por ser considerado
instrumento essencial de formação patriótica e cívica na pedagogia dessa
época, só podia voltar-se ao seu passado celebrando sua própria instauração,
rejeitando nas trevas do atraso mental as instituições de ensino que não lhe
atribuíram o lugar de destaque que devia, segundo ele, ser o seu. No âmbito
da rivalidade entre ensino laico e ensino confessional - que marcou
profundamente, como já sabemos, a vida política e científica do início da
IIIª República -, a questão histórica a ser resolvida era, portanto, saber se o
ensino da história tinha nascido nos colégios do Antigo Regime -
essencialmente controlados pela Igreja4 - ou nos estabelecimentos

2
  Gabriel Compayré, Histoire critique des doctrines de l’éducation en France depuis le XVIe
siècle, Paris, Hachette, 1879, 2 vol. in-8°.
3
  Émile Durkheim, L’Évolution pédagogique en France (avec une introduction de M.
Halbwachs), Paris, Presses universitaires de France, 1938, 2e éd. 1969, 403 p. (curso sobre
história do ensino na França proferido por Durkheim na Sorbonne em 1904-1905 e reprisado
nos anos seguintes até a guerra).
4
 É a tese defendida pelos historiadores das grandes ordens dedicadas ao ensino Oratorianos ou
Companhia de Jesus: Paul Lallemand, Histoire de l’éducation dans l’ancien Oratoire de
France, 1888, réimp. Genève, Slatkine – Megariotis Reprints, 1976, 474 p.; François de
Dainville, La Naissance de l’humanisme moderne, 1940, réimp. Genève, Slatkine Reprints,

8
originários da Revolução Francesa (escolas centrais, liceus). Semelhante
questão, sobre a qual muito se escreveu, não podia chegar a nenhuma
conclusão. Os materiais disponíveis são de fato interpretados de diversas
maneiras: se definirmos o ensino de história que se tem provando que a
história está presente, e mesmo superabundante, nos colégios do Antigo
Regime, se definirmos essa disciplina como conjunto de conteúdos, eles
demonstram ao contrário, que ela não existia se tivermos uma concepção
administrativa da disciplina escolar como entidade regida por disposições
regulamentares (um programa, exames, horários, etc.). Um outro fator de
incerteza para a interpretação da documentação: durante muito tempo,
houve a falta de atenção às especificidades dos colégios do Antigo Regime,
como se esses fossem, conforme a uma norma geral, semelhante àquela que,
pouco a pouco, se impôs nos estabelecimentos públicos do século XIX.
Enquanto em alguns colégios, justapunham-se uma estrutura propriamente
escolar; isto é, um conjunto de classes que correspondiam às normas de um
plano de estudos, e um pensionato que funciona de maneira bem mais
flexível, vindo de encontro aos desejos das famílias; completando-se, assim,
a formação dada nas classes através de ensinos especiais5. Ora, no quadro
desses ensinos, de certa forma particulares, se desenvolveu uma pedagogia
da história prenúncios da de hoje.
            Na história do ensino na França, portanto, a renovação da
problemática que aconteceu no fim do século XX – outra época de
perturbações profundas do sistema educativo francês – transformou os
termos da questão de duas maneiras diferentes. De uma lado, foi colocado o
problema do papel social desempenhado pelos estabelecimentos escolares
(seguindo o exemplo da sociologia crítica da educação, que se desenvolve
nos anos 1960), diversos estudos revelaram a coexistência, por muito tempo
ocultada, de diferentes tipos de educação em certos estabelecimentos do
Antigo Regime, em particular nos que reuniam um colégio de prestígio e
um pensionato aristocrático6 - como La Flèche e Louis-le-Grand no que diz
respeito aos estabelecimentos jesuíticos, Juilly e Vendôme para os que eram
mantidos pelos oratorianos. Por outro lado, alguns trabalhos levantaram o

1969, XX-390 p.; du même, «L’enseignement de l’histoire et de la géographie et le "Ratio
studiorum"» (1954), art. repris dans François de Dainville (Marie-Madeleine Compère éd.),
L’Éducation des jésuites, Paris, Les Éditions de Minuit, rééd. 1991, pp. 427 – 454
5
 Mark Motley, Becoming a French Aristocrat. The Education of the Court Nobility, 1580 –
1715, Princeton, Princeton University Press, 1990, X – 241 p.
6
  Duas sínteses sobre esse tema: Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée (1500 –
1850). Généalogie de l’enseignement secondaire français, Paris, Gallimard/Julliard, 1985, coll.
«Archives», 286 p.; Dominique Julia, Huguette Bertrand, Serge Bonin, Alexandra Laclau,
Atlas de la Révolution française. 2. L’enseignement, 1760 – 1815, Paris, Editions de l’Ecole
des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1987, 105 p.


                                                                                             9
problema da historicidade das próprias disciplinas. Redefinindo-as como
produções coletivas das instituições de ensino (e não mais como reflexo
simplificado de conhecimentos), André Chervel pode assim mostrar, em um
artigo pioneiro7, que a própria noção de disciplina escolar é uma noção
recente, que apareceu precisamente ao mesmo tempo em que as reformas de
ensino que foram implementadas na virada do século XIX-XX. Essa
reformulação permitiu relançar a questão da história do ensino histórico em
novos termos e perguntar não somente em que momento apareceu um
ensino de história semelhante ao de hoje, mas também em que consistiam a
história e seu ensino antes desse momento.
            Essa questão foi objeto de uma pesquisa empreendida, em
primeiro lugar, no contexto de uma tese de didática da história8, retomada
em uma jornada de estudos sobre o ensino das humanidades clássicas,
organizada por André Chervel e Marie-Madeleine Compère no Service
d’histoire de l’éducation do INRP9 -esse estudo resultou em uma obra sobre
a história ensinada no século XVII10. Embasada em materiais diversos,
compreende tanto os planos de estudos em vigor e os exemplos de "lições-
modelos" propostos aos professores na época, quanto tratados sobre a
educação e os resumos de história utilizados para fins pedagógicos
(condição atestada por testemunhos da época e a confusão seguidamente
feita entre os resumos do Antigo Regime e os "manuais" de hoje era de
natureza a deturpar a interpretação do material documental). O campo
geográfico abarcado é a França, não por desinteresse pela comparação nesse
domínio, mas porque as fontes mais facilmente acessíveis, no contexto de
uma pesquisa necessariamente limitada no tempo, são as fontes francesas.
            Sem retroceder ao aspecto historiográfico da questão, tentaremos
resumir aqui os principais resultados dessa pesquisa, centrando-nos em dois
pontos: o caráter "não-disciplinar" do ensino dos colégios do Antigo
Regime e a maneira pela qual a história era ali tratada; a evolução dos
"usos" da história no século XVII e, conseqüentemente, o aparecimento de
novas práticas de ensino dessa matéria. Em síntese, se tentará construir um

7
   André Chervel, «L’histoire des disciplines scolaires: réflexions sur un domaine de
recherche», Histoire de l’éducation n° 38, Paris, INRP, mai 1988, pp. 59 – 119; repris in André
Chervel, La Culture scolaire, Paris, Belin, 1998, pp. 9 – 56.
8
 Annie Bruter, Les Paradigmes pédagogiques. Recherches sur l’enseignement de l’histoire au
XVIIe siècle (1600 – 1680), Université Paris VII, décembre 1993, 426 p.
9
  Uma parte das comunicações apresentadas durante essa jornada foram publicadas no número
temático Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, Paris, INRP, mai 1997,
253p.
10
   Annie Bruter, L’Histoire enseignée au Grand Siècle. Naissance d’une pédagogie, Paris,
Belin, 1997, 237 p.


10
ensaio para contribuir a uma reflexão sobre o processo de longa duração –
ou seja, a constituição de um campo de saber em disciplina escolar.


A História em um ensino "não-disciplinar"

           A própria natureza do material documental legado pelas práticas
escolares do século XVII – planos de estudos, lições-modelos e obras
pedagógicas – e a impossibilidade de interpretá-lo através das categorias
regulamentares pelas quais definimos hoje a disciplina escolar (horários,
programas, etc.) orientou a pesquisa em uma primeira etapa: antes de
qualquer tentativa de apreensão do lugar da história propriamente dita, no
ensino dos colégios, é preciso esclarecer os princípios e os fins desse
ensino, que não havia nenhum motivo a priori de supor idênticos aos de
hoje.
           Se o século XVII (ao menos na primeira metade) é realmente
uma época de vigoroso crescimento escolar, que viu a expansão dos
colégios humanistas iniciada no século precedente11, a demanda educativa a
qual atendiam essas instituições se distinguia em diversos pontos das de
hoje. Retomando a si a ambição integradora, a da retórica antiga12, os
estudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma visão três
finalidades que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade
prática de domínio da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisição de
conhecimentos, uma finalidade religiosa de acesso à ciência e à virtude. São
esses três objetivos que encontramos simultaneamente presentes no
programa de estudos, inteiramente constituído de textos vindos da
Antigüidade, como nos procedimentos de ensino: tratava-se, antes de mais
nada, de levar os alunos a exprimirem-se através de inúmeros exercícios,
orais ou escritos. Esse treinamento intensivo, fundado no estudo de textos-
modelos propostos à imitação, visava assegurar o domínio das línguas
antigas (ou, em todo caso, do latim; a voga do grego no século XVI não
continuou no século seguinte) ao mesmo tempo em que assegurava o das
técnicas – retórica e filologia – que tornavam os alunos eloqüentes e
capazes de ascender ao saber: esse era, de fato, criado como corpus textual,
seja ele profano, textos antigos, ou de livros sagrados. Atendendo ao mesmo
tempo às necessidades da Igreja da Contra-reforma, que procurava formar
pregadores, e às necessidades dos príncipes para os quais se recrutava o

11
     Cf. Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée…, op. cit.
12
  Sobre essa questão, ver Marc Fumaroli, L’Âge de l’éloquence. Rhétorique et «res literaria»
de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Genève, Droz, 1980, 882 p.


                                                                                        11
aparelho administrativo, necessitando de homens aptos a manejar a
linguagem. Esse programa de estudos foi apoiado pelas autoridades da
época, laico e eclesiástico, e adotada pelos indivíduos ou grupos que
aspiravam fazer carreira, na Igreja ou no Estado.
           Constatamos que o nosso regime epistemológico é muito
estranho, busca suas raízes na Antigüidade, que sustenta tal concepção de
ensino – a qual recorria, explicitamente a dois grandes professores antigos,
Cícero e Quintiliano. Fundada sobre o primado da língua (instrumento de
poder e meio de comunicação entre Deus e os homens) e sobre o respeito da
escrita (pelo qual as palavras inaugurais, as da Revelação, foram
transmitidas desde a criação do mundo), essa epistemologia considera o
saber como um dado a ser decifrado, o acesso ao conhecimento como um
ato de leitura13. Por isso, a necessidade dessa etapa preliminar para chegar
ao conhecimento que era o estudo das línguas e dos textos antigos: o ensino
das humanidades.
           Por sua pretensão integradora – formar o vir bonus dicendi
peritus, homem de bem que sabe falar – assim como pelo lugar central que
dava aos textos, tal ensino só podia ser "não-disciplinar". A explicação dos
textos antigos, ponto de partida das aprendizagens, necessitava realmente
recorrer a conhecimentos de ordem muito diversas – gramaticais e
filológicos, mas também geográficos, históricos, etinológicos, até mesmo
botânicos, zoológicos ou mineralógicos – ao mesmo tempo que a
capacidade de ressaltar as sentenças e máximas de ordem retórica, moral ou
política que devem enriquecer o discurso do orador: tudo isso era
considerado como conhecido pelo regente único de cada classe.
Reciprocamente, as produções dos alunos chamados a reutilizar o
vocabulário, as expressões, os conhecimentos de belos pensamentos
descobertos nos autores estudados, deviam testemunhar sua amplitude a
incorporar palavras e idéias em um conjunto textual harmonioso.
           A prioridade dada à finalidade retórica do ensino não significa,
no entanto, que o ensino humanístico não se preocupa em transmitir
conhecimentos (esse objetivo está explicitamente inscrito, por exemplo, em
certas versões do mais célebre dos planos de estudo da época, o Ratio
studiorum jesuíta14): também não se pode falar ou escrever sem conteúdo.

13
   Sobre a longa duração dessa concepção de acesso ao conhecimento como lectio, ver Eugenio
Garin, trad. française L’Éducation de l’homme moderne. La pédagogie de la Renaissance,
1400 – 1600, rééd. Paris, Fayard, 1995, coll. «Pluriel», pp. 66 – 70.
14
   A versão definitiva da Ratio studiorum jesuíta, a de 1599, foi recentemente objeto de uma
reedição acompanhada duma tradução francesa: Ratio studiorum. Plan raisonné et institution
des études dans la Compagnie de Jésus, Paris, Belin, 1997, 314 p. Falemos aqui referência às
instruções mais detalhadas da primeira versão da Ratio, a de 1586, consultável em Ladislaus
Lukàcs, Monumenta paedagogica Societatis Jesu, Rome, Institutum Societatis Jesu, t. I – VII,

12
Mas esses conhecimentos, não sendo estudados por eles mesmos, não eram
objeto de uma exposição sistemática, salvo a título recreativo, no contexto
do que se chamava então o erudito (um espaço de tempo voluntariamente
deixado ao regente para repousar e fazer com que os alunos descansem da
austera disciplina da explicação de textos)15: eram dados à medida da leitura
dos textos, em função dos conteúdos a serem explicados. É assim que
conhecimentos que dizem respeito, para nós, à história – o desenrolar de
certos acontecimentos, a descrição das instituições ou dos costumes de uma
certa época – podiam ser apresentados no momento da explicação de uma
poesia ou de uma obra oratória de Cícero... Inversamente, a leitura dos
historiadores antigos, que faziam parte dos programas das classes (na classe
de humanidades, principalmente, mas também em outras classes)
oportunizavam não tanto o estudo dos acontecimentos mas o dos
procedimentos de escrita próprios ao historiador: mais que a própria história
tratava-se conforme as finalidades gerais - as do ensino das humanidades,
de aprender como escrever.
           Quanto aos conhecimentos necessários à compreensão das obras
históricas estudadas, tendo em vista o conteúdo militar-político das obras
dos historiadores antigos, consistiam principalmente em conhecimentos
geográficos que permitiam ter uma idéia do teatro das operações e seguir o
desenrolar dos combates descritos. A cronologia era considerada como um
acessório do estudo desses textos históricos - a linguagem da época
costumava unir à cronologia a geografia sob a expressão "os dois olhos da
história". A ciência cronológica era de toda maneira, na época em que foram
criadas as instituições de educação humanistas (isto é, no século XVI), um
campo de pesquisa extremamente "preciso", exigindo uma vasta cultura
filológica e científica, que não devia ser exposta em classe16. Ainda não se
dispunha, mesmo se desejassem ardentemente conhecimentos que
permitissem reconstituir a sucessão dos acontecimentos relacionados pelos
textos antigos. O único meio de datação, pouco preciso, de que dispunham
os regentes humanistas era efetivamente a filologia, na medida em que essa
procede por comparação entre os diversos estágios de uma língua (o latim,




1965 – 1992, t. V, p. 151. Ver também as instruções de P. Orlandini, Circa il modo de legger
dell’humanista (1582 – 83), ibid. t. VI, p. 520.
15
   Não conhecendo publicações especificadamente consagradas à essa questão, permito-me
indicar minha obra L’Histoire enseignée au Grand Siècle…, op. cit., pp. 61 – 71.
16
   Ver Anthony Grafton, Joseph Scaliger. A Study in the History of Classical Scholarship. II –
Historical Chronology, Oxford, Clarendon Press, 1993, 766 p.


                                                                                          13
nesse caso) no curso de sua evolução17 - o que reconduz outra vez à
necessidade de um domínio tão aprofundado quanto possível dos textos
escritos nessa língua.
           Imaginamos, portanto, a impossibilidade, em um tal contexto de
um "curso" de história que consistiria em uma apresentação seguida dos
acontecimentos – do mesmo modo que um "curso" de qualquer matéria que
fosse, na medida em que se estudasse em prioridade textos. Daí a
proposição de ver no ensino das humanidades, um ensino por definição
"não-disciplinar"; e isso não devido a uma incapacidade dos regentes da
época em criar um outro, mas em virtude dos princípios que tinham
presidido a sua organização. Foi assim que as instâncias dirigentes da
Companhia de Jesus refutaram a proposição feita por muitos de seus
membros de criar um curso de história, conforme o modelo praticado por
seus rivais protestantes; não porque elas recusassem a história em si, mas
porque romperiam com o respeito aos textos antigos, base de sua
pedagogia18.
           Também vemos que o material documentário utilizado em tal
ensino oferece amplitude à interpretação, já que seus conteúdos, na medida
em que dizem respeito quase que exclusivamente às realidades tratados
pelos textos antigos, são exclusivamente históricos: trata-se de palavras, de
fatos, de pensamentos vindos da Antigüidade. Entretanto, essas palavras,
fatos e pensamentos não chegam aos alunos de maneira ordenada pois os
textos são escolhidos em função de seu grau de dificuldade lingüística, não
obedecendo à ordem cronológica. Assim, não podemos pretender que os
alunos dos colégios do Antigo Regime saiam totalmente despojados de
conhecimentos históricos: eles tinham, ao contrário, um conhecimento da
Antigüidade bem mais profundo que os alunos e mesmo os professores
atuais de história. Mas esse saber histórico era desordenado e, sobretudo,
lacunar, porque ignorava quase tudo o que chamamos hoje de Idade Média -
sem falar da época em que viviam os alunos.
           Esse fato pode escandalizarnos? Isso não teria mais sentido senão
o de se indignar com teorias científicas que estiveram em voga antes das
nossas. A história, para os regentes dos colégios humanistas, não era um
conjunto de conhecimentos, o produto de uma pesquisa fundada sobre uma

17
   Ver Donald R. Kelley, Foundations of Modern Historical Scholarship. Language, Law and
History in the French Renaissance, New York/London, Columbia University Press, 1970,
321p.
18
   Cf. François de Dainville, «L’enseignement de l’histoire et de la géographie…», art. cit.;
para uma discussão da tese sustentada nesse artigo, ver Annie Bruter, «Entre rhétorique et
politique: l’histoire dans les collèges jésuites au XVIIe siècle» in Les Humanités classiques,
Histoire de l’éducation n° 74, op. cit., pp. 59 – 88.


14
metodologia regrada: a palavra não designava um domínio particular do
saber – todo o saber, na época, era tido como vindo do passado, portanto
como história – mas um ramo da retórica, definido por um modo específico
de escrita, o modo narrativo. Só eram, conseqüentemente, considerados
como historiadores aqueles que soubessem usar esse modo com talento, em
bom latim ou em bom grego – o que desqualificava os cronistas
medievais19. Não se tratava, então, na época de "ensinar história" segundo o
sentido atual do termo: conforme as concepções pedagógicas e científicas
da época, os alunos deviam ler os historiadores antigos, pois se procurava
na leitura elementos para ensinar a arte de escrever, graças à qual a França
disporia um dia, ao menos esperavam, de historiadores dignos desse nome
que ela ainda não tinha...


"Usos" e pedagogia da história no século XVII

           O paradoxo é que esse ensino das humanidades eclodiu no
momento em que as concepções mudaram, procedentes de uma época mais
antiga (a da cultura manuscrita da Renascença), da cristalização sob a forma
de modelo pedagógico - mas não é próprio a todo sistema educativo, por
definição encarregado de transmitir o que vem do passado, atrasar o que diz
respeito à sociedade que o envolve? Poderíamos aqui mencionar
brevemente alguns fatores dessa mudança, enumerando sucessivamente o
que, na realidade, se relaciona de maneira muito mais complexa.
           Um primeiro fator de mudança situa-se, bem entendido, no plano
político. A vitória da fidelidade monárquica sobre os vínculos de
dependência confessional, que põe fim às guerras de religião20; o triunfo do
absolutismo e a paroquialização da vida mundana e cultural do século
XVII21 focalizam, de agora em diante, o interesse sobre a história nacional,
vista através da história das dinastias reinantes e de sua corte.
Paralelamente, se manifesta uma evolução do sentimento religioso: a
importância cada vez maior acordada às práticas – portanto aos costumes –

19
  Ver Arnaldo Momigliano, «Ancient History and the Antiquarian», 1950, trad. française
«L’histoire ancienne et l’Antiquaire» dans Arnaldo Momigliano, Problèmes d’historiographie
ancienne et moderne, Paris, Gallimard, 1983, pp. 244 – 293.
20
   Myriam Yardeni, La Conscience nationale en France pendant les guerres de religion (1559
– 1598), Louvain/Paris, Nauwelaerts/Béatrice-Nauwelaerts, 1971, 392 p.
21
  Ver Roger Chartier, «Trajectoires et tensions culturelles de l’Ancien Régime» in André
Burguière et Jacques Revel (dir.), Histoire de la France. Les formes de la culture, Paris,
Éditions du Seuil, 1993, pp. 307 – 392.


                                                                                       15
como critério de ortodoxia confessional22, leva a acentuar fins
moralizadores da educação, em que o aprofundamento do esforço de
aculturação religiosa iniciado no século precedente, no âmbito da rivalidade
entre Reforma e Contra-Reforma23, induz o recurso à narração histórica
como meio de fazer interiorizar, desde a infância, as verdades e os valores
transmitidos pelo catecismo24. No plano cultural, enfim, o progresso da
produção impressa a coloca à disposição de um público cada vez mais
vasto, que se estende, a partir dali, além do círculo dos "doutos" para os
quais a leitura era uma atividade quase profissional25: o uso de uma
literatura mais mundana, mais atraente e de mais fácil acesso que a
literatura latina e grega, ao mesmo tempo que uma especialização acrescida
de gêneros.
            Ora, todos esses fatores se encontram com uma outra mutação,
dependendo ela do plano científico. O saber fundamental da época, do
nosso ponto de vista, é a elaboração de uma linha de tempo única sobre a
qual se ordenam os fatos até então dispersos, conhecidos através dos textos
antigos e medievais26. É essa aquisição da ciência "cronológica" da
Renascença, que os resumos de história - que parecem cada vez mais
numerosos durante o século, em latim27 e em francês28 - pretendem
vulgarizar. A utilização dessa linha de tempo dá aos estudos históricos um
novo modo de apreensão dos fatos (por ordem de sucessão cronológica e

22
   Michel de Certeau, «L’inversion du pensable. L’histoire religieuse du XVIIe siècle» (1969)
et «La formalité des pratiques. Du système religieux à l’éthique des Lumières (XVIIe –
XVIIIe)» (1973), artigos retomados em Michel de Certeau, L’Écriture de l’histoire, Paris,
Gallimard, 1975, pp. 131 – 152 et 153 – 212.
23
   Jean-Claude Dhôtel, Les Origines du catéchisme moderne d’après les premiers manuels
imprimés en France, Paris, Aubier, 1967, 472 p.
24
   Claude Fleury, Catéchisme historique, Paris, Vve G. Clouzier, 1683, 2 vol. in-12, t. I: Petit
Catéchisme; Fénelon, De l’Éducation des filles, 1687 (a edição consultada é a de Paris, P.
Aubouin, 1696, in-12, 272 p.).
25
   Ver Henri-Jean Martin, Livre, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle (1598 – 1701),
1969, rééd. Genève, Droz, 1999, 2 vol., 1091 p.
26
   Anthony Grafton, Joseph Scaliger…, op. cit.; D.J. Wilcox, The Measure of Time Past.
Prenewtonian Chronologies and the Rhetoric of Relative Time, Chicago/London, The
University of Chicago Press, 1987.
27
   Só mencionaremos aqui os dois mais célebres entre cuja utilização com fins pedagógicos é
atestada, que são também os mais antigos: l’Epitomae historiarum libri X do jesuíta Torsellini,
que apareceu pela primeira vez em Roma em 1598, que podemos consultar na edição de Lyon,
J. Cardon e P. Cavellat, 1620, in-12, p. lim., 640 p. e index; e o Rationarium temporum… de P.
Denis Petau, Paris, S. Cramoisy, 1633, 2 t. en 1 vol. in-12.
28
  Há desde o início a coexistência de duas séries de resumos de história, uma em latim, outra
em francês. O estudo de suas relações e a maneira em que o francês se impôs através das
edições sucessivas ainda está a ser feito.


16
não mais por contiguidade, temática ou geográfica). Fornece, pelas
referências temporais que estabelece, um instrumento de aprendizagem que
faltava até então (as datas...). Coloca, assim, mais claramente em evidência
as lacunas na exposição dos acontecimentos, incitando completá-las;
contribuiu, desse modo, para transformar a noção do tempo, dando uma
visão linear... todas coisas que, sem atacar, destroem profundamente o
respeito sempre proclamado dos historiadores da Antigüidade.
           Assim, vemos manifestar-se ao longo do século, através da
literatura de vulgarização histórica e dos projetos ou tratados sobre a
educação, aspirações a um outro tipo de relação com o passado que não seja
o do ensino humanista: uma relação mais natural, mais direta, que contorna
o obstáculo da aprendizagem das línguas antigas e exige o acesso a um
passado mais próximo e mais acessível. A tradução dos autores antigos, se
não for novidade, conhece então outra idade do ouro: os "belos infiéis"29
colocam esses autores ao alcance dos leitores (e das leitoras) que não foram
obrigados às disciplinas austeras de aprendizagens humanistas. A oferta de
obras históricas se diversifica: produções humanistas, que continuam sua
carreira florescente, compêndios de história e histórias mais ou menos
romanescas30, destinados a um público maior e menos informado.
           Paralelamente, se afirma cada vez mais explicitamente a
necessidade de conhecer a história de seu país em um movimento, aliás não
isento de contradições – as mesmas que vimos surgir no fim do século
XVII, a respeito da educação do príncipe cristão, apresentada como modelo
a ser seguido mas reservado ao poder e aos que são destinados por natureza;
isto é, por seu nascimento31. Ora, a história mantinha nesse modelo um
lugar central, como complemento indispensável das matérias "teóricas"
necessárias à formação principesca que eram a moral e a política: era a
história que estava destinada a fornecer os exemplos, ilustrando os preceitos
abstratos que constituíam essas ciências. Essa história necessária aos
príncipes englobava-se bem à história antiga, não se isolava: devia fornecer
aos futuros governantes modelos mais próximos deles do que os heróis da
Antigüidade, bem como conhecimentos positivos (militares, genealógicos,
29
   Roger Zuber, Les «Belles infidèles» et la formation du goût classique, 1968, rééd. Paris,
Albin Michel, 1995, coll. «Bibliothèque de l’Évolution de l’humanité», 521 p.
30
   Sobre a "fusão" entre história e romance na segunda metade do século XVII, ver Bernard
Magné, Crise de la littérature française sous Louis XIV: Humanisme et nationalisme, Lille,
Atelier de reproduction des thèses Lille III, 1976, 2 vol., 1026 p., multigr.
31
   Annie Bruter, «Des arcana imperii à l’éducation du citoyen: le modèle de l’éducation
historique au XVIIIe siècle», apresentado no colóquio organizado pela Société française
d’étude du dix-huitième siècle et la Société italienne d’étude du dix-huitième siècle, com
l’UMR LIRE (CNRS n° 5611 – Université Stendhal – Grenoble I), «L’Institution du Prince au
XVIIIe siècle», Grenoble, 14 – 16 octobre 1999, a ser publicado nas Atas do colóquio.


                                                                                        17
diplomáticos, econômicos, etc.) sobre os assuntos do reino, isto é, sobre o
presente ou o passado próximo. Uma nova pedagogia da história surge,
assim, conjugando a aprendizagem da cronologia com o curso dialogado no
qual o aluno escuta e discute o relato dos acontecimentos, que deverão ser
em seguida redigidos: tal é, ao menos, a pedagogia descrita pelos
preceptores dos príncipes no fim do século XVII32. Quanto aos primeiros
"manuais escolares" de história, não provêm da educação principesca33, mas
das pensões aristocráticas onde se ministravam os cursos particulares de
história pelos "chambristes"34.
           Os preceptores dos príncipes não publicam suas obras sem
fornecer uma advertência sobre a inconveniência que teria para as "pessoas
comuns" pretender o mesmo saber que os príncipes. Concede-se ao homem
comum somente um "uso moral" da história destinada a ensinar os
malefícios das paixões: o "uso político" desta é reservado aos príncipes e
aos "Grandes"35. Compreendemos, vendo a história assim colocada como
disciplina central da educação ao mesmo tempo que subtraída ao comum
dos mortais, o seu estatuto marginal, inacessível no último século do Antigo
Regime. Era objeto de um ensino, sobre o qual encontramos vestígios
através de resumos explicitamente destinados à juventude36, de exercícios



32
  Charles-Bénigne Bossuet, «De l’instruction du Dauphin, Lettre au pape Innocent XI» (1679)
dans Œuvres complètes, Bar-le-Duc, par des prêtres de l’Immaculée Conception de St-Dizier,
1863, t. XII; Claude Fleury, Traité du choix et de la méthode des études, Paris, P. Auboin, P.
Émery et C. Clousier, 1686, in-12, 365 p.; Géraud de Cordemoy, «De la nécessité de l’Histoire,
de son usage, & de la manière dont il faut mêler les autres sciences, en la faisant lire à un
Prince» dans Divers traités de métaphysique, d’histoire et de politique, Paris, Vve de J.-B.
Coignard, 1691, in-12, VI-292 p
33
   É, por exemplo, o caso, citando somente o mais célebre, de Instruction sur l’Histoire de
France & Romaine par demande & réponses, Avec une explication succincte des
Métamorphoses d’Ovide, & un Recueil de belles Sentences tirées de plusieurs bons Auteurs,
Paris, A. Pralard, 1687, in-12, em que o autor, Le Ragois, era preceptor do Duque de Maine.
34
   Faltando lugar para uma bibliografia completa, mencionaremos: Nouveaux Élémens
d’histoire et de géographie à l’usage des pensionnaires du Collège de Louis le Grand du
jésuite Buffier, 2ème éd. Paris, M. Bordelet, 1731, 2 partes em 1 vol. in-12. Os resumos do
Padre Berthault, regente à Juilly: Florus Francicus, Paris, J. Libert, 1630, in-24, 279 p.; Florus
Gallicus, Paris, J. Libert, 1632, in-24, 324 p.; Florus Gaulois ou l’abrégé des guerres de
France, t. I, Paris, J. Libert, 1634, in-8°, 298 p., são talvez oriundos dos cursos desse
pensionato que a tradição historiográfica considera como o primeiro a ter ministrado o ensino
de história, mas a prova da utilização desses resumos para fins pedagógicos não existe.
35
  Annie Bruter, «La "confiscation" de l’histoire: l’éclatement des usages de l’histoire au XVIIe
siècle» in Henri Moniot et Maciej Serwanski, L’Histoire et ses fonctions. Une pensée et des
pratiques au présent, Paris/Montréal, L’Harmattan, 2000, pp. 27 – 46.
36
     Os resumos da época precedente visavam um público bem mais definido.


18
públicos37, até mesmo de redações dos alunos38. Mas, excetuando as
instituições inovadoras que foram as pensões particulares e as escolas
militares, esse ensino não foi, em geral, integrado ao currículo escolar - a
história continuava sendo um tipo de matéria facultativa sob a
responsabilidade das famílias. Explica-se, assim, a insistência em reclamar
sua introdução nos colégios no século XVIII39, quando há provas da
existência de seu ensino na época; mas é o estatuto desse ensino que
persiste impreciso, por causa de seu caráter marginal, não-normatizado.
            Somos levados, assim, a distinguir duas coisas normalmente
confundidas no discurso sobre a educação (pelo fato de seguirem agora
juntas, a saber, pedagogia e escolarização - chamamos aqui pedagogia toda
tentativa intencional de transmissão de um saber). Se a história do ensino
histórico mostra que houve a invenção de uma pedagogia da história, com
seus procedimentos e seu material específico na segunda metade do século
XVII, mostra também que essa invenção se fez fora do âmbito propriamente
escolar: é no espaço mais flexível da educação principesca ou do pensionato
aristocrático que se elaboraram métodos e instrumentos de uma instrução
histórica autônoma, independente da leitura dos historiadores antigos,
procedendo a uma apresentação contínua dos acontecimentos - da criação
do mundo até a época contemporânea.
            O estudo das resistências à integração dessa história autônoma ao
currículo escolar, e os fatores que terminaram impondo-a junto das
humanidades clássicas, ultrapassaria muito os limites temporais desse
artigo, pois levaria ao debate sobre a educação do século XVIII e a
Revolução, sobre os liceus do século XIX. Contentar-nos-emos em assinalar
que a introdução da história no ensino dos liceus e colégios do Império e da
Restauração (mencionada nos programas desde 180240, a história é dotada
de um horário específico e de um programa embrionário em 181441, de
professores "especiais", em certos liceus, pelo menos a partir de 181842) não

37
   Ver por exemplo Pierre Jean de Berulle répondra sur l’histoire chronologique de l’Église…
Au Collège de Louis le Grand, le Vendredi 8 avril 1707, à quatre heures après midi, Arch. S.J.
Vanves, É Pa 30 – 7.
38
   O curso de Bossuet sobre Charles IX redigido para o príncipe herdeiro foi publicado por
Régine Pouzet sob o título Charles IX, récit d’histoire, Clermont-Ferrand, Adosa, 1993.
39
   Ver, por exemplo, o artigo «Collèges» da Enciclopédia, no qual D’Alembert se queixa «do
pouco caso dado ao estudo da História nos colégios», Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné
des Arts, des Sciences et des Métiers, t. III, Paris, 1753.
40
   Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie dans l’enseignement secondaire. Textes
officiels. T. 1: 1795 – 1914, Paris, INRP, 2000, textes 4, 5, 6, pp. 95 – 96.
41
     Ibid., texte 12, pp. 101 – 103.
42
     Ibid.,texte 15, pp. 109 – 110.


                                                                                          19
poderia ser feita tão rapidamente, se os professores não dispusessem de um
mínimo de material pedagógico já elaborado. Ora, uma parte pelo menos
desse material pedagógico, remonta aos preceptores dos príncipes do fim do
século XVII, como Fleury ou Le Ragois, cujas obras conhecem, ao longo do
século XIX, uma carreira que só se extinguiu com as reformas
republicanas43.


                                                  ***

            A primeira das reflexões, de ordem mais geral, pela qual
gostaríamos de encerrar esse artigo, concerne à temporalidade própria da
história das disciplinas escolares. André Chervel abordou o problema,
assinalando a longa duração dos processos de criação e de funcionamento
de uma disciplina44. No mesmo sentido - e contra uma certa tradição
historiográfica, que vê na aparição do ensino da história no século XIX uma
criação ex nihilo do poder político -, esperamos ter mostrado que a
constituição da história em matéria "ensinável" foi um fenômeno de longa
duração, cujas premissas são encontradas bem antes da época de seu
"nascimento" oficial, e que continuamos em realidade, bem além: a
emancipação da história como disciplina plenamente autônoma, ensinada
por professores especializados, só foi conseguida na virada do século XIX
para o XX45. Então, sobre a base de uma experiência pedagógica já multi-
secular, mesmo se ficou muito tempo reservada a uma minoria, o ensino da
história pode-se tornar, nessa época, o instrumento por excelência da
integração patriótica e cívica dos alunos46 - instrumento cujas incertezas,
que cercam o futuro do Estado-Nação, questionam atualmente a sua própria
finalidade.
            Essa longa duração da formação de uma disciplina escolar está
ligada à complexidade de um processo, cujos múltiplos componentes
tentou-se mostrar. Entraram, de fato, em jogo diversos fatores - cada um
43
   Ver Martin Lyons, Le Triomphe du livre. Une histoire sociologique de la lecture dans la
France du XIXe siècle, Paris, Promodis, 1987, pp. 85 – 104.
44
     « L’histoire des disciplines scolaires…», art. cit., pp. 30 – 31.
45
     Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie…, op. cit., pp. 75 – 84.
46
   De uma abundante bibliografia, destacarei aqui somente dois artigos que fizeram sucesso:
Jacques et Mona Ozouf, «Le thème du patriotisme dans les manuels primaires», 1962,
republicado em Mona Ozouf, L’École de la France, Paris, Gallimard, 1984, pp. 185 – 213;
Pierre Nora, «Lavisse, instituteur national. Le "Petit Lavisse", évangile de la République», in
Pierre Nora (éd.), Les Lieux de mémoire. I – La République, rééd. Paris, Gallimard, 1997, coll.
«Quarto», pp. 239 – 275.


20
com seu ritmo próprio de evolução. Os objetivos da educação, por exemplo,
mudam no decorrer do tempo: se ficaram, durante o período considerado
aqui, dominados pela finalidade retórica, pudemos vê-los enfraquecer de
uma maneira que acentuou o alcance moralizante da leitura dos
historiadores antigos para todos os alunos; ao passo que era confiscado o
"uso político" da história, decretado monopólio dos príncipes na época do
absolutismo triunfante. Mas, bem antes dessa etapa, ocorrem outras
transformações pelas quais se cortou em profundidade a relação com o
passado, isto é, com o ensino humanista: transformações técnicas,
econômicas e sociais, progresso da escrita e da imprensa, desenvolvimento
dos aparelhos administrativos, ampliação do público de leitores,
transformações científicas, metodológicas e pedagógicas levadas, no que diz
respeito à história, à elaboração de uma cronologia unificada, à renovação
do modo de leitura dos historiadores e à experimentação de novos métodos
de ensino.
           Sobre essa complexidade gostaríamos de insistir para finalizar, a
fim de lutar contra o risco de uma leitura evolucionista, vendo na pesquisa
aqui apresentada uma tentativa a mais para conferir uma "origem" ao ensino
da história atual. É, ao contrário, a inter-relação constante que pensamos
poder revelar entre expectativas e ambições culturais e sociais, concepções
e meios científicos, técnicos ou pedagógicas, que faz da história das
disciplinas escolares um campo de pesquisa tão vasto quanto apaixonante
para explorar, nessa época de mudanças de nossa sociedade que questiona
cada dia mais os sistemas educativos que herdamos do passado.


Annie Bruter é Pesquisadora do Service d’histoire de l’education – URA
CNRS 1397/Institut National de Recherche Pédagogique. Paris/França.
Maria Helena Câmara Bastos é Professora no Programa de Pós-
Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande
do Sul; Pesquisadora do CNPQ.


Recebido em: 30/03/2005
Aceito em: 28/07/2005




                                                                         21
.
Actividade e Redenção –
              A Criança Nova em Maria Montessori
                                Alberto Filipe Araújo
                                 Alessandra Avanzini
                             Joaquim Machado de Araújo



Resumo

A ideia de Criança Nova em Maria Montessori (1870-1952) resulta da confluência de duas
perspectivas, a da pedagogia que se pretende afirmar como ciência e a do humanismo cristão.
Neste artigo, os autores procuram, numa primeira parte, especificar o que vem a ser para a
pedagoga italiana a liberdade e a actividade da criança e o papel do adulto, principalmente do
educador da criança que se auto-educa e, numa segunda parte, debruçam-se sobre o fundo
religioso e humanista da obra montessoriana que consagra a criança como um ser espiritual e
de natureza divina.
Palavras-chave: actividade; activismo; criança nova; redenção.



Abstract

The idea of the New Child in Maria Montesori (1870-1952) is the result of the combination of
two perspectives: a pedagogical one, directed at affirming its own scientific status, and one
based on Christian Humanism. In this paper the authors try to specify what the Italian
pedagogue considered as freedom and activity on the part of the child and the role of the adult,
most particularly the role of the educator who also ends up educating himself. At a secondary
stage they concentrate on the religious background and the humanism of the Montesorian
working method which consecrated the child as a spiritual being who shared the divine nature.
Key-words: activity; new child; redemption.




         História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 23-45, set. 2005
Maria Montessori (1870-1952) afirma a existência de uma vida
psíquica na criança, qual "embrião espiritual" em desenvolvimento, e
defende, em A Criança, que o mais urgente dever da educação é "libertar" o
indivíduo oculto, ou seja, desvelar a criança desconhecida, "revelar" o seu
segredo, criar condições de possibilidade ao desabrochamento da
personalidade da criança, que é "um ser vivo sequestrado"1.
           Nesta perspectiva cientifizante da pedagogia Montessori, a
liberdade da criança é ainda associada à sua actividade, a que deve
corresponder a "passividade" do adulto. Procuramos, por isso, numa
primeira parte, especificar o que vem a ser para a pedagoga italiana a
liberdade e a actividade da criança e o papel do adulto, principalmente do
educador da criança que se auto-educa.
           Ao assinalar à educação a finalidade de desenvolver as
potencialidades da criança, Montessori tem o sonho de formar uma "criança
nova", isto é, o homem de amanhã que habitaria num "mundo novo", uma
sociedade de paz: "Um mundo novo para um homem novo, é a nossa
necessidade mais urgente"2. Assim, numa segunda parte, debruçamo- os
sobre este "halo de religiosidade humanista e cósmica"3 que consagra a
criança como um ser espiritual – "um embrião espiritual"4 – e de natureza
divina.


I. A actividade da criança e a "passividade" do adulto

           Ao posicionar-se pela actividade da criança, Maria Montessori
comunga do ideal da Escola Nova que critica a passividade do aluno da
Escola Tradicional e pugna por métodos activos de aprendizagem. Porém, a
expressão "actividade da criança" varia de significado segundo o autor que a
utiliza. No que se refere a Maria Montessori, procuramos explicitar o que
vem a ser a "actividade da criança", só passível de ser observada pelo adulto
se realizada em situação de liberdade e espontaneidade. Interrogamo-nos,
depois, se e em que medida esta "actividade da criança" pode ser
interpretada como defesa de um "activismo" em educação, para, de seguida,
explicitar a "passividade" que a pedagogia Montessori requer do adulto,
nomeadamente do educador.
1
    M. Montessori, A Criança, Lisboa, Portugália Editora, s/d [1936], p. 154.
2
    M. Montessori, L’éducation et la paix, Paris, Desclée de Brower, 1996 [1949], p.44.
3
 D. Hameline, Courants et contre-courants dans la pédagogie contemporaine, Issy-les-
Moulineaux, ESF, 2000, p. 52.
4
    M. Montessori, A Criança, p. 217.


24
1. Liberdade e actividade da criança

           A formação médica permite a Montessori colocar o
conhecimento da biologia ao serviço da educação das crianças5 e rejeitar
uma pedagogia que pretende provocar e favorecer o seu desenvolvimento
mostrando-lhe como deve fazer e forçando-a se necessário. Montessori
prefere deixar que a vida psíquica da criança se expanda livremente, se
interesse e manifeste as suas preferências como quer fazê-lo, alimentá-la e
estimulá-la mediante brinquedos apropriados, afastando simplesmente os
perigos, e calmamente esperar que se desenvolva segundo as suas
possibilidades.
           O seu método pressupõe um ambiente que favoreça a expressão
do potencial da criança, competindo ao educador preparar esse "ambiente
adequado ao momento vital". Mas é a criança que se auto-educa. Ela
escolhe livremente as suas ocupações e os seus movimentos, buscando na
multiplicidade das situações ambientais aquelas que são favoráveis ao seu
desenvolvimento e à organização da sua personalidade, não se interessando
de momento pelas restantes. A criança surge, assim, como centro de uma
pedagogia que concebe "o processo educativo mais como irrefreado
desenvolvimento da personalidade do que como disciplina de integração
social"6.
           O princípio da auto-educação da criança assenta, em primeiro
lugar, numa concepção que, inspirando-se em Rousseau, faz coincidir os
termos natureza e liberdade. Contudo, para Montessori esta natureza vem a
ser um impulso inato, interior, "uma energia que tende a retirar do ambiente
os elementos úteis ao seu desenvolvimento"7. É esta liberdade da criança
que permite as manifestações naturais da criança e a sua observação pelo
educador: "O método da observação é estabelecido sobre uma base
fundamental: a liberdade dos alunos nas suas manifestações espontâneas"8.
Esta liberdade deve, pois, entender-se no sentido de "não dirigida pelos



5
 M. de Paew, El Método Montessori tal como se aplica en las "Casas de los Niños", expuesto y
comentado para el magisterio y para las madres, Madrid, Espasa-Calpe, 1935, p. 25.
6
    R. Grácio, Educação e Educadores, 3. ed, Lisboa, Livros Horizonte, s/d, p. 1w5.
7
 G. Caló,. Maria Mootessori, in J. Chateau (dir.), Os Grandes Pedagogos, Trad. de Maria
Emímia Ferros Moura, Lisboa, Livros do Brasil, s/d, [1956], p. 343.
8
 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, Préface de M. P. Lapie,
Trad. de M.-R. Cromwel, Paris, Librairie Larousse, s/d [1932], p. 27.




                                                                                        25
adultos"9, porquanto a acção deste é "indirecta", isto é, através da
construção de um ambiente que permite que a criança possa ser activa10.
            É, com efeito, a liberdade que está na base da actividade: "O
método pedagógico da observação tem por base a liberdade da criança; ora
liberdade é actividade"11. O seu labor é feito de actividade, ela cresce com
exercício e movimento: a criança exercita-se e move-se fazendo
experiências e (tal como coordena os seus movimentos e vai registando as
emoções que, vindas do mundo exterior, plasmam a sua inteligência) vai
conquistando a linguagem com fadiga, com milagres de atenção e esforços
iniciais, que só lhe são possíveis a ela, e com irresistíveis tentativas se vai
apoiando sobre os pés, correndo e procurando"12.
            Liberdade e actividade concretizam-se através da escolha livre
dos materiais por parte da criança. Ela "tem grandes capacidades, uma viva
sensibilidade interior; ela está muito predisposta quer a observar quer a ser
activa"; ela "é um ser animado de paixões intensa", "ela tem uma grande
paixão para aprender". Escreve Montessori em L’éducation et la paix: "A
criança possui tendências naturais – que se podem chamar instintos, pulsões
vitais ou, então, dinâmicas interiores – que lhe permitem uma grande
faculdade de observação e uma paixão por certas coisas e não por outras.
Ela pode desenvolver uma tal energia para aquilo que lhe interessa que não
há outra explicação que uma espécie de instinto"13. A actividade da criança
caracteriza-se pela concentração, o que torna a criança quase insensível ao
mundo exterior e a faz repetir o exercício sem qualquer finalidade exterior.
Desta concentração, a criança sai como uma pessoa repousada, cheia e vida,
com aparência de quem sentiu uma imensa alegria14. Com efeito, ela não se
fatiga com o trabalho: "trabalhando, [ela] cresce, e por isso o trabalho lhe
aumenta a energia"15. É, pois, um móbil interior que explica "a [sua]
actividade concentrada num trabalho e exercitando-se sobre um objecto
exterior com movimentos das mãos guiados pela inteligência" e faz
aparecer a Criança: "iluminada pela alegria, infatigável, porque a sua
actividade é como que um metabolismo psíquico, fonte vital de


9
 L. Sanchez Sarto (bajo la dir.), Diccionario de Pedagogia, Tomo Segundo I – Z. Barcelona,
Editorial Labor, 1936, cols. 2154.
10
     M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 79.
11
     M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, p. 29.
12
     M. Montessori, A Criança, p. 272.
13
     M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 77.
14
     M. Montessori, A Criança, p. 166.
15
     Ibidem, p. 276.


26
desenvolvimento"16. A criança expressa esta necessidade interior pedindo
"Ajuda-me a fazê-lo sozinha"17.


2. Montessori e o activismo

           Vamos já expor o problema: pode-se considerar Maria
Montessori parte integrante do acuivismo?
           Para responder, convém antes de mais nada lembrar que
Montessori dificilmente se insere num qualquer filão pedagógico, dado ela
não ser pedagoga e nem se sentir como tal. De facto, Montessori é e sente-
se médica, uma cientista que resolve dedicar-se ao estudo das crianças
anormais, integrando assim a tradição dos chamados "médicos pedagogos"
– sobretudo médicos! – tal como Jean Itard e Edouard Séguin. O seu próprio
desejo de construir uma pedagogia científica define-se aliás na base de uma
negação substancial da reflexão e da tradição pedagógica. É nesta óptica
que, na apresentação do Metodo, Montessori pode afirmar de maneira
drástica que "na verdade a Pedagogia Científica ainda não foi construída
nem definida. É algo de vago de que se fala, mas que na realidade não
existe. Parece que até agora não passou da intuição de uma ciência"18.
           É precisamente porque, aos olhos dela, a pedagogia não existe,
que Montessori se propõe fazê-la existir ao construí-la como ciência, indo
beber à fonte da filosofia (para a parte teórica), da biologia (para a parte
experimental) e do trabalho de campo19 (para a parte educativa). Um certo
distanciamento, portanto, em relação à pedagogia que inclui também o
movimento das escolas activas, embora Montessori mostre um verdadeiro
interesse para com este último.20 Para Montessori, no entanto, existe o
Método, o dela, e depois – separadamente – existe a educação nova. Tal
como ela própria reparou, "a orientação da Nova Educação pela qual
Claparède se interessou, toma em consideração antes a quantidade das
disciplinas incluídas nos programas, com o objectivo de as reduzir para

16
     Ibidem, p. 196.
17
     Ibidem, p. 276.
18
   M. Montessori, Il metodo della Pedagogia Scientifica applicato all’educazione infantile
nelle Case dei Bambini, Città di Castello, Lapi, 1909, p. 5.
19
   "Eu lá estava ou ensinava directamente às crianças das oito da manhã às sete da noite sem
interrupção: esses dois anos de prática constituem o meu primeiro e verdadeiro diploma em
termos de Pedagogia" (ibidem, p. 28).
20
  Sobre as etapas deste encontro e, de maneira mais geral, para uma "biografia pedagógica"
actualizada da Montessori, ver G. Cives, Maria Montessori. Pedagogista complessa, Pisa,
ETS, 2001.


                                                                                        27
evitar o cansaço mental. Mas não aborda o problema do modo como os
alunos poderiam enriquecer a sua cultura sem ficarem cansados"21. Uma
crítica, aliás, que demonstrou ter acertado com lucidez num verdadeiro
problema de fundo do activismo: a direcção da escola nova corre o risco de
não se afastar de modo substancial da escola tradicional, pelo menos até não
ser capaz (ou pior ainda até continuar a evitar de propósito) de se pôr
verdadeiras questões a nível teórico.
            Porém, é sem dúvida um "lugar comum" integrar Montessori de
direito no activismo. É, certamente, um hábito facilitado pelo facto de o
movimento chamado "activismo" constituir na realidade um universo
extremamente variado e diversificado. Ainda por cima, em Montessori
encontramos efectivamente traços canónicos da educação nova: a
centralidade da criança, a importância do trabalho manual, as experiências,
o ambiente, a supressão da carteira e da cadeira do professor enquanto
sinais tangíveis de uma educação impositiva e de uma constrição física da
liberdade da criança. E não faltam afinidades lexicais enganadoras.
            Ainda que admitamos querer inseri-la nesta corrente, são todavia
precisos alguns acertos, a começar pelos ligados ao próprio conceito de
"activismo".
            A palavra "activo" entra continuamente no vocabulário de
Montessori para indicar, não apenas – o malentendido ocorreu muitas vezes
– a disposição para fazer, mas, sobretudo, a disposição de um intelecto que
se torna capaz de distinguir, de abstrair, de classificar22. Ser activo quer
então dizer dominar o mundo graças a um pensamento capaz de transformar
o caos aparente da multiplicidade numa ordem racional. Activismo neste
sentido não se refere ao trabalho manual, ao estímulo dos sentidos ou à
praxe, mas indica uma actividade do intelecto, uma capacidade de construir
uma ordem em relação ao mundo. Para Montessori não é portanto possível
falar de um "fazer anterior ao conhecer", mas, pelo contrário, trata-se de
uma forte centralidade do pensamento23 ao ponto de não faltarem, no que
lhe diz respeito, acusações de intelectualismo vindas dos próprios sectores
do activismo. Estas acusações acabam por não perceber que, na sua obra, o
pensamento é de facto uma dimensão dominante, mas sobretudo um
pensamento que se enraíza na realidade: o homem não pode conhecer a não

21
     M. Montessori, La mente del bambino, Milano, Garzanti, 2002, p. 9.
22
  Cfr. M. Montessori, L’autoeducazione nelle scuole elementari, Milano, Garzanti, 1973, p.
185.
23
   "A vida psíquica – a modos de exemplo do que escreve a Montessori –, tendo que ser uma
matriz, tem sempre um carácter preexistente sobre os movimentos que lhe são ligados: portanto
quando a criança quer mexer-se, já sabe o que quer fazer" (Il segreto dell’infanzia, Milano,
Garzanti, 1989, p. 111).


28
ser através dos sentidos, através do aguçamento progressivo das próprias
aptidões sensoriais. Aprender a sentir significa aprender a distinguir, ou
seja, a abstrair. Os sentidos e o intelecto constituem uma unidade, um
círculo que não se deve quebrar.
            Não é por acaso que Montessori insiste no papel fundamental que
desempenha a mão, verdadeiro "órgão psíquico", no percurso educativo24. A
mão que se apodera do mundo, a mão que toca e transforma as coisas, mas
também a mão guiada pelo cérebro. A mão, portanto, como uma ponte entre
pensamento e acção, um intermediário insuprível que visualiza o circuito
constante entre teoria e praxis graças ao qual a criança se torna capaz de
transformar a percepção sensorial numa posse ordenada, racional do
mundo25. O espírito, portanto, preexiste a qualquer movimento, mas os
sentidos são fundamentais; sem a capacidade de sentir o homem não pode
conhecer, no entanto a maneira como o homem usa os sentidos e organiza a
realidade é sempre um acto antes de mais nada teórico. Portanto, o
conhecimento em Montessori é sempre fruto de uma abstracção.
            Uma situação parecida ao que acontece com o conceito de
"activismo" ocorre com outra palavra-chave: "laboratório". Tomemos o
primeiro dos "Trinta pontos" da escola nova: podemos ler que a "escola
nova é um laboratório de pedagogia prática". Ora bem, também a Casa de
Bambini de Montessori é um laboratório, mas não no sentido de um lugar
onde se aplicam novas técnicas didácticas e psicológicas, mas, pelo
contrário, no sentido de um lugar que o cientista soube preparar de maneira
artificial e teoricamente coerente para efectuar observações cientificamente
rigorosas. Portanto, para a criança a Casa é uma escola e não um
laboratório; só para o cientista-pedagogo é que se trata de um laboratório.
            Esta "divergência" de significado permite, aliás, enfrentar uma
questão que suscitou e ainda suscita hoje perplexidades e críticas: o material
didáctico26. Ficamos sem dúvida perplexos face ao uso determinado e
constritivo que brota deste material: as crianças não podem pegar nas
construções e outros objectos e mexer neles livremente, mas têm que ser
levados pela direttrice a usar de modo correcto tal material. Uma
possibilidade de ultrapassar tal perplexidade pode ser então proporcionada
justamente pela diferente acepção montessoriana de conceitos como
"laboratório" e "activismo". Peguemos nas próprias palavras da Montessori:

24
     M. Montessori, La mente del bambino, cit., p. 152.
25
     Cfr. M. Montessori, Il segreto dell’infanzia, cit., pp. 107-115.
26
  Cfr. por exemplo J. Dewey, Democrazia e educazione, tr. it., Firenze, La Nuova Italia, 1995,
p. 105). Por outro lado, é preciso sublinhar quão extremamente incisiva se torna a crítica
deweyana na altura em que o material montessoriano é usado dentro de uma dimensão
meramente prático-operativa, dimensão, ainda hoje, atribuída por demasiada gente ao Método.


                                                                                          29
«o material didáctico não faculta […] à criança o "conteúdo" do intelecto,
mas a ordem para aquele "conteúdo"»27. O uso conforme esquemas
taxativos do material pode então justificar-se na medida em que este não
constitui uma finalidade em si, mas um instrumento para a construção de
uma ordem mental. Nesta óptica, o que se parece num primeiro tempo com
uma teoria educativa "passiva", onde a criança recebe sensações por parte
do ambiente que lhe permitem conhecer, transforma-se numa teoria onde a
criança tem como primeiro e urgente dever proporcionar uma ordem
racional ao próprio intelecto. O material, portanto, tem como objectivo
proporcionar à criança a possibilidade, através do exercício manual, de
construir as próprias estruturas mentais. Dito de outra maneira, não é o
conteúdo que interessa: ao propor aquele material específico, Montessori
apontou de facto explicitamente para as estruturas culturais que a criança
tem que construir para o próprio intelecto.
           À guisa de conclusão deste esboço sintético sobre as relações
eventuais entre Montessori e o activismo, é preciso porém reparar no peso
que tiveram as ambiguidades alimentadas pela própria Montessori acerca de
todos estes aspectos: receios, malentendidos, afinidades e divergências.
Enquanto que a Montessori que se sente cientista, interfere com dinâmicas
de muito interesse, a Montessori que se propõe actuar de maneira
"pedagógica" – mesmo quando levada por uma personalização elaborada do
próprio Método – apresenta-se na realidade num plano meramente
aplicativo28. Foi este plano aplicativo que de facto teve mais sucesso e que
sem dúvida esteve mais próximo do activismo.
           Como podemos reparar, o tema das relações entre Montessori e o
activismo revela-se uma questão aberta e complexa. Enfim, podemos
observar que existe inevitavelmente uma ligação, até porque o clima de
profunda renovação da escola e das ideias educativas foi partilhado. No
entanto, em relação a um activismo que foi sobretudo um movimento de
ruptura, de protesto contra uma escola ultrapassada e obtusa, mas que não
soube (ou não quis) interferir de um ponto de vista teórico, Montessori
mostra uma profunda vontade de reorganização teórica. O seu "activismo"
talvez tenha tido dificuldade em se concretizar numa chave rotundamente
pedagógica, mas soube impor em primeiro plano caracteres fundamentais
com o objectivo de instaurar uma discussão pedagógica cientificamente


27
     M. Montessori, Manuale di Pedagogia Scientifica, Napoli, Morano, 1921, pp. 93-94.
28
  Um aprofundamento destes aspectos esteve na base da comunicação de Alessandra Avanzini
Educazione nuova, scienze ‘esatte’ e pedagogia scientifica. Una rilettura del caso Montessori
por ocasião do XXVI congresso da International Standing Conference of the History of
Education (Genebra, 14-17 Julho 2004) New education. Genesis and Metamorphoses.


30
alicerçada como a dimensão da abstracção, do convencionalismo e da
artificialidade.


3. A "passividade" do educador

            Para além do ambiente educativo e do material, outro factor da
educação é "o carácter negativo do adulto", que se caracteriza por um estado
de "calma intelectual", que, não se limitando aos impulsos nervosos, vem a
ser "um estado […] de descarga mental que produz limpidez interior. É a
‘humildade espiritual’ que se avizinha da pureza do intelecto e dá a
preparação necessária para compreender a criança e devia constituir a
preparação essencial da mestra"29.
            O educador é o construtor da ambiência educativa e o seu papel
consiste em perceber os objectivos visados através das simulações de que a
ambiência deve ser portadora: "O adulto precisa de interpretar as
necessidades da criança, para compreender e auxiliar com cuidados
apropriados e preparar-lhe um ambiente adequado. Desta forma iniciaria
uma nova era na educação, a de ‘auxílio à vida’"30.
            O educador não é um "mestre" em sentido estrito, é mais um
director das experiências de aprendizagem31. Ele deve constantemente
dirigir o crescimento e desenvolvimento da criança, proporcionando-lhe os
materiais adequados, e deve estar sempre alerta para a iminência da
mutação brusca, buscando os "períodos sensitivos" quando ocorre um
repentino salto ou acesso do desenvolvimento numa nova direcção. "Trata-
se do professor passivo, que perante a criança suprime o obstáculo
constituído pela sua própria personalidade, que apaga a sua autoridade para
que possa desenvolver-se a actividade da criança e se mostra plenamente
satisfeito quando a vê trabalhar sozinha e progredir, sem atribuir mérito a si
próprio"32.
            Maria Montessori opõe-se, assim, ao "professor faz-tudo que
amontoa conhecimentos na cabeça dos seus alunos" e que, para poder ter
êxito na sua obra, usa "a disciplina da imobilidade e da atenção forçada dos

29
     M. Montessori, A Criança, pp. 195-196.
30
     Ibidem, p. 112.
31
   Montessori usa frequentemente nos seus trabalhos o termo direttrice (directora). Nesta
expressão pode ver-se uma concepção da educação principalmente como uma ocupação de
mulher, por cuja emancipação pugnava. Como observa Giovanni Caló, a pedagoga italiana
pretende realçar o papel de "velar e auxiliar meramente e não o de ensinar ou impor o que quer
que seja" (s/d: 347).
32
     M. Montessori, A Criança, p. 155.


                                                                                          31
alunos" e "serve-se largamente das recompensas e das punições, para
obrigar a esta atitude aqueles que são condenados a ser seus ouvintes". Com
efeito, esta disciplina estimuladora do esforço faz jus a uma concepção do
"homem social" como "o homem natural posto sob o jugo da sociedade".
Ela vem a ser "instrumento de escravidão do espírito", não assenta na "força
triunfante" da criança e, por isso, não influencia o seu "desenvolvimento
natural": "O verdadeiro castigo do homem normal está na perda da
consciência da sua própria força e da grandeza do seu ser interior"33.
            Na pedagogia montessoriana invertem-se, pois, os papéis entre o
adulto e a criança na sociedade e na escola tradicional, a ponto de ser
acusada de utópica ou pelo menos de exagerada quando pretende "o mestre
sem cátedra, sem autoridade e quase sem ensino e a criança transformada
em centro de actividade, aprendendo sozinha, escolhendo livremente as suas
ocupações e os seus movimentos"34.
            Na verdade, explicita Montessori, o papel do educador não é
"abafar a actividade das crianças". O seu papel, aparentemente passivo,
assemelha-se ao do astrónomo face aos astros que rodopiam no universo: as
coisas vão por si mesmas e, para as estudar, investigar os seus segredos ou
dirigi-las, é preciso observá-las e conhecê-las sem intervir. O educador tem
de compreender que "a desordem do primeiro momento é necessária", que
ele deve apeoas "olhar" e deixar à criança a educação de si mesma, permitir
que ela passe dos primeiros movimentos desordenados aos movimentos
ordenados espontâneos e faça uma espécie de selecção das suas próprias
tendências que antes estavam confusas na desordem inconsciente dos seus
movimentos. È assim que "a criança, consciente e livre, se revela a si
mesma"35.
            Porém, a acção do professor não deve limitar-se à observação.
Ele deve proceder também à experiência. E "a lição corresponde a uma
experiência"36 PS:40). A lição, nos primeiros tempos individual37, será
breve, simples e objectiva, sem lesar o princípio da liberdade: "Se
provocasse algum esforço, a professora não saberia mais qual é a actividade
espontânea da criança" e ela deve deixar que "a vida interior livre se

33
     M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, pp. 10-11.
34
     M. Montessori, A Criança, p. 156.
35
     M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, pp. 31-34.
36
     Ibidem, p. 40.
37
  As lições colectivas, cuja importância é secundária, nos primeiros tempos serão "muito raras,
porque as crianças, sendo livres, não são forçadas a ficar no seu lugar, tranquilas e prontas a
escutar a professora ou a ver o que ela faz" (PS:40). Na verdade, as lições colectivas "não
constituem nem o único nem o principal ensino, mas, antes, uma iniciação reservada para
argumentação e actividades especiais" (AC:197, nota)


32
expanda". Se a lição não é compreendida pela criança pela explicação do
objecto a professora, esta preocupar-se-á em "1º) não insistir repetindo a
lição; 2º) não fazer compreender à criança que ela se enganou, ou que não
entendeu, porque forçá-la-ia a compreender e alteraria o estado natural que
deve servir à professora para as suas observações psicológicas" 38.
            O primeiro papel do educador é, pois, "estimular a vida,
deixando-a totalmente livre de se desenvolver", "ajudar a alma que nasce
para a vida e que viverá das suas próprias forças"39. Montessori distingue,
assim, entre dois factores – o guia e o exercício individual –, residindo a
arte pessoal do educador na oportunidade e nas modalidades da sua
intervenção no que respeita a "guiar a educação espontânea da criança e
inculcar-lhe as noções necessárias" – "convém associar bem cedo a
linguagem às percepções"40 –, deixando à criança a sua auto-educação.
            Como afirma Montessori em O Espírito Absorvente da Criança,
o "princípio pedagógico essencial" consiste, não em ensinar, mas em ajudar
o espírito da criança no trabalho do seu desenvolvimento. Esta acção
"indirecta" do educador faz com que a educação montessoriana se apresente
como "altamente exigente"41 com os educadores que a promovem.
            Essa exigência começa por um apelo à preparação espiritual do
mestre. O papel, aparentemente passivo, do educador assemelha-se, como
vimos, ao do astrónomo face aos astros que rodopiam no universo. Assim, a
descoberta da criança requer que o mestre seja iniciado. Esta iniciação faz-
se através de uma instrução que lhe indique o estado de alma mais
conveniente para a sua missão, um auto-exame que conduza à renúncia da
tirania – a cólera e o orgulho que o faz dominar a criança –, uma preparação
interior que o faça compreender a criança. Montessori ressalva, no entanto,
que o facto de o mestre ter de expulsar do seu coração a cólera e o orgulho,
de saber humilhar-se e revestir-se de caridade como "ponto de partida" e
"meta" da educação da criança "não significa […] que deva aprovar todos
os actos da criança, nem que se abstenha de a julgar ou que nada tenha a
fazer para desenvolver a sua inteligência e os seus sentimentos: pelo
cootrário, não pode esquecer que a sua missão é educar, ser, positivamente,
o mestre da criança". O que pretende a pedagoga italiana é que, da parte do
educador, haja uma "acto de humildade" que suprima "não […] o auxílio



38
     M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, pp. 41 e 43.
39
     Ibidem, p. 43.
40
     Ibidem, p. 81.
41
     L. Sanchez Sarto (bajo la dir.), Diccionario de Pedagogia, col. 2156.


                                                                                      33
dado pela educação, mas o nosso estado interior, a nossa atitude de adulto,
que nos impede de compreender a criança" 42.
           Por outro lado, a educação montessoriana requer a transformação
da escola: "A preparação dos professores deve caminhar a par com a
transformação da escola; se nós preparámos professores observadores e
habituados à experiência, convém que na escola eles possam observar e
experimentar"43. Na transformação da escola inclui-se também o ambiente
físico: o mobiliário, utensílios, objectos de observação e meios de trabalho
devem corresponder às dimensões físicas da criança e ser adequados ao
objectivo desejado de forma que a criança possa facilmente atingi-los,
movimentar-se entre eles, utilizá-los.
           Deve, no entanto, sublinhar-se que estas exigências da educação
montessoriana visam a formação de uma "criança nova", a formação do
homem de amanhã. Acreditava Montessori que uma educação deste tipo
faria da criança o "redentor" da humanidade e faria do mundo de amanhã
um "mundo novo", uma sociedade fraterna e, por isso, de paz. Trata-se, com
efeito, de um "sonho" comum ao movimento da Educação Nova, que se
associa à crença seja na perfectibilidade indefinida do homem, seja no
progresso infindo44.


II. Criança Nova, redenção da Humanidade

           A proposta pedagógica de Montessori inscreve-se numa corrente
cientifizante da pedagogia, como pretende a sua Pedagogia Científica, mas
reflecte também, como dizemos acima, um "halo de religiosidade humanista
e cósmica" que consagra a criança como um ser espiritual – "um embrião
espiritual" – e de natureza divina. A este idealismo espiritualista de
Montessori não é indiferente a sua formação católica, pelo que ela inscreve
todo o seu pensamento educacional na corrente humanista cristã, esmalta os
seus escritos de citações bíblicas e matiza o seu vocabulário de biologista
com um vocabulário evangélico45.
42
     M. Montessori, A Criança, p. 215.
43
     M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, p. 12.
44
  J. Houssaye, Pédagogie et politique. Evolution des rapports, in J. Magalhães (Org.), Fazer e
Ensinar História da Educação (Actas do 2º Encontro de História da Educação/Sociedade
portuguesa de Ciencias da Educação/Secção de História da Educação – Braga, 8/9 Novembro
de 1996), Braga, UM/IEP/CEEP, 1996, pp. 59-62.
45
   W. Böhm, Maria Montessori, in J. Houssaye (sous la dir.), Quinze pédagogues. Leur
influende aujourd’hui, Paris, Armand Colin, 1994, pp. 155-157; E. M. Standing, Marie
Montessori. Sa vie, son œuvre, Préface de A. Berge, Paris, Desclée de Brouwer, 1995, p. 48; R.

34
Deste modo, nesta parte, realçamos a concepção montessoriana
da criança como pai e mestre da Humanidade. Esta pedagoga enfatiza a
ideia de "criança nova" como construtora de uma "nova" sociedade ou de
um "novo" mundo, já que a criança leva dentro de si as potencialidades de o
homem que virá a ser um dia. Enfatiza-se também a condição de inocência
da criança que vem a ser Messias redentor e as suas ressonâncias míticas,
porque para a pedagoga italiana a sociedade deve ser reconstruída, e a
criança possui a potencialidade que, combinada com um ambiente
estimulante, ajudará a formar um "homem novo" para um "mundo novo".


1. A criança, progenitora e mestre da humanidade

           Na criança aparece claramente a natureza humana: ela está
próxima do espírito criador, das leis da criação, e desenvolve a sua energia
potencial. Por isso, "a criança é o progenitor do homem" porquanto "todo o
poder do adulto procede da possibilidade que o ‘menino-progenitor’ teve de
realizar plenamente a missão secreta de que se achava investido"46. O seu
labor é "produzir o homem", sem dúvida "uma grande, importante e difícil
tarefa". Escreve Montessori "Se do inerte recém-nascido, mudo,
inconsciente e incapaz de se mover, se forma um adulto perfeito, com
inteligência enriquecida pelas conquistas da vida psíquica e resplandecente
pela luminosidade que o espírito lhe confere, tudo isso é obra da criança"47.
           Está, pois, na criança o futuro do Homem Novo, ela anuncia um
"futuro luminoso" e um "mundo novo", devendo a educação ser uma
"educação para a vida", porque o que está em causa é a construção, e não a
reconstrução, da mente da criança: "construção entendida como
desenvolvimento de todas as imensas potencialidades de que a criança, filha
do homem, é dotada"48.
           Assim, "o nosso primeiro mestre será a própria criança"49. O
adulto deve inspirar-se na criança, enquanto "mestre de vida", construtora e
guia da humanidade: "Devemos considerar a criança como o farol da nossa

Grácio, Educação e Educadores, p. 175; A. Avanzini, Educazione nuova, scienze ‘esatte’ e
pedagogia scientifica. Una rilettura del caso Montessori, in A. F. Araújo & J. M. de Araújo,
História, Educação e Imaginário. Actas do VII Colóquio de História, Educação e Imaginário
(Universidade do Minho, 8 de Março de 2004), Braga, UM/IEP/ CiED, 2004, p. 141.
46
     M. Montessori, A Criança, p. 271.
47
     Ibidem.
48
  M. Montessori, A Mente da Criança (Mente Absorvente), Lisboa, Portugália Editora, 1971
[1949], p. 26.
49
     M. Montessori, Formação do Homem, 3ª ed, Lisboa, Portugália Editora, s/d [1949].


                                                                                        35
vida futura. Quem queira obter algum benefício para a sociedade tem,
necessariamente, de se apoiar na criança, não só para a salvar dos desvios,
mas também para reconhecer o segredo prático da nossa própria vida. Sob
este ponto de vista, a figura da criança apresenta-se potente e misteriosa,
devendo-se meditar sobre ela porque a criança, que contém o segredo da
nossa natureza, se converte em nosso mestre"50.
           A criança não deve, pois, ser vista apenas como um ser frágil e
impotente a carecer de ser protegida e ajudada. Como desenvolvemos
acima, ela é "embrião espiritual", possui uma vida psíquica activa desde o
dia do seu nascimento, que é "guiada pelos instintos subtis que lhe
permitem construir activamente a sua personalidade humana". E é porque
ela se tornará adulta que "devemos considerá-la como a verdadeira
construtora da humanidade e reconhecê-la como nosso pai"51.
           Desde que nasce, a criança é "fonte de amor" e portadora de um
"plano de estruturação inato da sua alma", podendo alcançar o seu pleno
desenvolvimento graças aos "instintos que guiam interiormente os seres
vivo". Estes "instintos-guias" diferem dos "instintos impulsivos referentes
ás reacções imediatas do ser em face do meio e visam a conservação do
indivíduo e a conservação da espécie: eles "possuem uma ciência e uma
sabedoria que conduzem os seres ao longo da sua viagem pelo tempo
(indivíduos) e pela eternidade (espécie)" e "são particularmente
maravilhosos quando se destinam a guiar e a proteger a vida infantil inicial,
quando o ser está ainda quase inexistente e imaturo, porém encaminhado
para alcançar o seu pleno desenvolvimento"52.
           O "plano psíquico" de que a criança é portadora, sendo um plano
de desenvolvimento imanente de acordo com um programa biológico
hereditário, carece de um ambiente adequado à sua realização. Porém, o
adulto não lhe prepara esse ambiente adequado, abandona-a53 ao "ambiente
supernatural", "o ambiente civilizado onde decorre a vida dos homens",
abandona-o ao "instinto de tirania que existe no fundo de todo o coração de



50
     M. Montessori, A Criança, pp. 290-291.
51
     M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 61.
52
     M. Montessori, A Criança, pp. 279 e 280.
53
  "Ao considerar a criança, o adulto fá-lo com a mesma lógica que aplica à sua vida: vê nela
um ser diferente e inútil, que afasta da sua presença, ou, com aquilo que se chama educação,
faz um esforço por atraí-la, prematuramente, para a sua espécie de vida; e procede como
procederia uma mariposa (se tal fosse possível) que rasgasse o casulo da sua ninfa para
convidá-la a voar ou como uma rã que tirasse da água os seus girinos para os obrigar a respirar
com os pulmões e a mudar para verde a cor negra que tanto os desfeia" (M. Montessori, A
Criança, pp. 285-286).

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adulto", mas "ninguém vê, na criança que acaba de nascer, o homem doente,
a primeira imagem do Cristo puro e incompreendido"54.
           A criança que chega "traz a este Mundo novas energias" que
deveriam ser "sopro regenerador", ela "reflecte em si o Cristo moribundo,
Cristo redentor", mas o adulto, que a devia acolher e proteger, não a sabe
receber: "Não sentimos o recém-nascido: para nós, não é um homem.
Quando chega a este Mundo, não sabemos recebê-lo, embora o mundo que
criámos lhe esteja destinado para que o continue e o faça caminhar para um
progresso superior ao nosso"55. Assim, o desenvolvimento natural da
criança vê-se, paradoxalmente, travado, logo desde o início, por todos
aqueles e aquelas que deveriam precisamente auxiliá-la. Numa palavra, a
situação de "abandono" da criança faz lembrar segundo Montessori, as
palavras de João Evangelista: "Ele veio ao mundo e o mundo foi criado para
Ele; mas o Mundo não o reconheceu. Veio à sua própria casa, e os seus não
o receberam" (Jo, 1, 10-11).
           O adulto não ajuda a criança porque ignora que ela, desde que
nasce, luta pela sua existência psíquica: ele desconhece o "milagre que se
está realizando: o milagre da criação a partir do nada, efectuado
aparentemente num ser sem vida psíquica"56. Para a trilogia pais-sociedade-
escola, a criança, "pequeno operário a quem a Natureza confiou a missão de
construir a Humanidade", não passa ainda de ser extra-social, um ser que
não pertence ainda à Sociedade humana e, assim, priva-se do seu "mestre",
daquele que não só contém o "segredo da nossa natureza", como é
igualmente o "farol da nossa vida futura"57, fazendo sentir ao homem a
necessidade, não já de conquista, mas de purificação e de inocência e, por
isso, fazendo-o aspirar à simplicidade e à paz. Enfim, "é a voz divina, que
nada pode desviar, que chama em altos gritos os homens para os reter em
torno da criaoça"58.
           Ora, a criança, como "embrião espiritual" cujo objectivo é
encarnar a personalidade humana, carece para essa "encarnação" de uma
ambiência que "possa responder ás suas necessidades vitais e facilitar a sua
libertação espiritual"59, a fim de que o seu instinto de trabalho – o "desejo"
de trabalhar –, com os seus ritmos, características vitais e poderes que lhe
são próprios, a redimam e a transformem numa "criança superior": "Quando

54
     Ibidem, pp. 36, 13 e 38.
55
     Ibidem, p. 46.
56
     Ibidem, p. 74.
57
     Ibidem, p. 290.
58
     Ibidem, p. 287.
59
     M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 62.


                                                                           37
os preconceitos forem dominados pelo conhecimento aparecerá então no
mundo a ‘criança superior’, com seus poderes maravilhosos que hoje
permanecem escondidos; aparecerá então a criança que está destinada a
formar uma humanidade capaz de compreender e de controlar a presente
civilização"60.
            O resultado natural que decorre da "personalidade criadora e
superior", no domínio da educação, é a figura da Criança Nova, que surge
como uma autêntica revelação ou "descoberta psicológica que guia a
educação nova". As qualidades que essa criança apresenta, tal como
Montessori as salienta em L’Enfant Nouveau, são a disciplina, a ordem, o
silêncio, a obediência e a sensibilidade moral. Por sua vez, estas qualidades
podem e devem ser completadas, entre outras, com as de "vivacidade,
autoconfiança, coragem, solidariedade, em resumo as forças morais que são
também de ordem moral"61.
            Montessori insiste em afirmar que a esperança do homem em se
regenerar e criar uma "nova civilização" reside nas potencialidades infinitas
que provêm do espírito da criança, pois na necessidade mais urgente, para
esta pedagoga, reside na construção de um "mundo novo para um homem
novo"62. Mundo novo revelado pelo espírito da Criança Nova, dado esta,
por um lado, ter merecido graça aos olhos da Divindade e, por outro, se
encontrar próxima do "estado paradisíaco"63: "O espírito da criança é que
poderá trazer o que será talvez o progresso real do homem e – quem sabe? –
o início de um nova civilização"64. Em síntese, é a criança, encarada do
ponto de vista psíquico, a única a poder contribuir para que o homem receba
um "impulso ao [seu] melhoramento", pois é ela que constrói o homem: "Se
do recém-nascido, mudo, inconsciente e incapaz de se mover, se forma um
adulto perfeito, com inteligência enriquecida pelas conquistas da vida
psíquica e resplandecente pela luminosidade que o espírito lhe confere, tudo
isso é obra da criança"65.
            O adulto, o mestre, em contacto com a Criança Nova vê-se,
também ele, impelido a seguir uma nova orientação: a "vida nova". O poder
do adulto esbate-se, a sua actividade de controlo apaga-se para deixar o
caminho livre à criança de forma a ela afirmar livremente a sua própria


60
     M. Montessori, Formação do Homem, p. 68.
61
     M. Montessori, L’enfant nouveau, La Nouvelle Éducation, nº 96, 1931, pp. 105 e 106.
62
     M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 44.
63
     M. Montessori, L’enfant nouveau, pp. 102-110.
64
     M. Montessori, A Criança, p. 18.
65
     Ibidem, p. 271.


38
actividade e conduzir o adulto: "É a criança nova que está sozinha, nos pode
conduzir e mostrar-nos o nosso caminho"66.
            O problema da criança vem, pois, a ser um problema social que
convida o homem a conhecer-se a si próprio – nosce te ipsum – pelo
conhecimento do segredo da criança, as leis ocultas que guiam o
desenvolvimento psíquico do homem, e a normalizar a Sociedade do adulto
pelo mundo da criança. A reforma social deve associar a educação e a
organização social do homem e dela fazer sair, lenta e constantemente, "um
mundo novo do muodo velho: o mundo da criança e do adolescente. Deste
mundo, deviam sair lentamente as revelações, as directrizes naturais
necessárias à vida normal da Sociedade". E, nesta linha de ideias, "o
aperfeiçoamento da educação só pode ter uma única base: a normalização
da criança"67.
            Montessori lança, por isso, um apelo aos pais, na qualidade, não
de construtores, mas de seus "custódios supernaturais" da criança: "Os pais
são custódios supernaturais, como aqueles anjos protectores que a religião
concebeu, dependentes única e directamente do Céu, mais poderosos que
qualquer autoridade humana e unidos á criança por laços invisíveis porém
indissolúveis". A "missão dos pais" vem a ser a de "empreender e abraçar a
questão social que hoje se impõe: a luta para estabelecer no mundo os
direitos [sociais] da criança", tão importantes, no início do século XX, como
os direitos dos trabalhadores, porquanto "se o operário produz aquilo que o
homem consome e cria no mundo externo, a criança produz a própria
Humanidade e, por isso, os seus direitos são ainda mais exigentes em
reclamar transformações sociais"68.
            O futuro da Humanidade depende, pois, da criança e, por isso, se
compreende o alcance da profecia de Hellen Key quando afirmou que o
século XX seria o século da criança. Com efeito, o século anterior pode
considerar-se o século da escola, isto é, o século em que a Sociedade
procurou concretizar o ideal iluminista da educação universal através da
universalização da escola de massas, ideal ainda hoje não cumprido em
muitos países. Porém, como denuncia Montessori, mesmo este ideal
iluminista acaba por ser traído na sua concretização quando a sociedade, a
família e escola parece que se unem seja para deixar morrer as crianças por
falta de cuidados, seja para as "explorar" como mão-de-obra trabalhadora
capaz de acrescentar algum rendimento ao orçamento familiar, seja para a
"castigar" pela pretensa incapacidade e falta de interesse pelo estudo. E se,

66
     M. Montessori, L’enfant nouveau, p. 110.
67
     M. Montessori, A Criança, pp. 289-290.
68
     Ibidem, pp. 292 e 293.


                                                                          39
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  • 1. ASSOCIAÇÃO SUL-RIO-GRANDENSE DE PESQUISADORES EM HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO NÚMERO 18 Setembro - 2005 Publicação financiada pelo Programa de Auxílio-Editoração do CNPq SEMESTRAL História da Educação Pelotas n. 18 p. 1-208 Setembro 2005
  • 2. HISTÓRIA DA EDUCAÇÃO ASPHE Presidente: Maria Helena Câmara Bastos Vice-Presidente: Maria Stephanou Secretário: Claudemir de Quadros Conselho Editorial Nacional Conselho Editorial Internacional Dra. Denice Cattani (USP) Dr. Alain Choppin Dr. Dermeval Saviani (UNICAMP) (INRP, França) Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara (UFPel) Dr. Antonio Castillo Gómez Dr. Jorge Luiz da Cunha (UFSM) (Univer. de Alcalá – Espanha) Dr. José Gonçalves Gondra (UERJ) Dr. Luís Miguel Carvalho Dr. Luciano Mendes de Faria Filho (UFMG) (Univer. Técnica de Lisboa) Dr. Lúcio Kreutz (UNISINOS) Dr. Rogério Fernandes Dr. Maria Teresa Santos Cunha (UDESC) (Univer. de Lisboa) Dra. Maria Helena Bastos (PUCRS) Dra. Marta Maria de Araújo (UFRGN) Comissão Executiva Prof. Dr. Elomar Antonio Callegaro Tambara Profa. Dra. Eliane Teresinha Peres Consultores Ad-hoc Dra. Beatriz Fischer Daudt (Unisinos) Dr. José Fernando Kielling (UFPel) Dr. Gomercindo Ghiggi (UFPel) Dando. Claudemir Quadros (Unifra) Dra. Giana do Amaral (UFPel) Editoração eletrônica e arte final da capa Flávia Guidotti flaviaguidotti@hotmail.com Imagem da capa Quentin Metsys, O banqueiro e a sua mulher (Museu do Louvre). In: MOURA, Vasco Graça. Damião de Gois e o Livro de Horas Dito de D. Manuel. Arte Ibérica. 1999. p. 14. História da Educação Número avulso: R$ 15,00 Single Number: U$ 10,00 (postage included). História da Educação / ASPHE (Associação Sul-Rio-Grandense de Pesquisadores em História da Educação) FaE/UFPel. n. 18 (Setembro 2005) - Pelotas: ASPHE - Semestral. ISSN 1414-3518 v. 1 n. 1 Abril, 1997 1. História da Educação - periódico I. ASPHE/FaE/UFPel CDD: 370-5
  • 3. Sumário Apresentação ................................................................................................ 5 Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar: A História ensinada no século XVII Annie Bruter; Tradução Maria Helena Câmara Bastos ................................ 7 Actividade e Redenção – A Criança Nova em Maria Montessori Alberto Filipe Araújo; Alessandra Avanzini; Joaquim Machado de Araújo ......................................................................................................... 23 Damião Francisco Alves de Moura - o Rio Grande do Sul e a Guarda Aires Antunes Diniz ................................................................................... 47 Notas sobre o Congresso Internacional do Ensino, Bruxelas, 1880 Moysés Kuhlmann Jr. ................................................................................. 59 O currículo escolar nas leis 5692/71 e 9394/96: questões teóricas e de história Fernanda Pinheiro Mazzante ...................................................................... 71 Instrução Pública e Configuração do Mundo Urbano Flávia Obino Corrêa Werle......................................................................... 83 Universidade e comunidade na perspectiva dos movimentos estudantis dos anos 1960 Luís Antonio Groppo.................................................................................. 97 Contribuições à história das relações estado/educação escolar: o período de 1937 à 1946 Lindamir Cardoso Vieira Oliveira ............................................................ 121 A História da Educação no Timor-Leste e os seus distintos Processos de Alfabetização Nilce da Silva............................................................................................ 145 Conflito e ambigüidade entre Jesuítas e Protestantes no Brasil-Colônia através da depredação dos prédios escolares da Companhia de Jesus Rachel Silveira Wrege .............................................................................. 159 O Método Bacadafá: leitura, escrita e língua nacional em escolas públicas primárias da Corte imperial (1870-1880) Alessandra Frota Martinez de Schueler .................................................... 173
  • 4. Resenhas ................................................................................................... 191 Uma rica história do livro didático e do ensino de História no Brasil Maria Helena Câmara Bastos ................................................................... 193 História e Historiografia da Educação no Brasil Eduardo Arriada ....................................................................................... 195 Documento ............................................................................................... 197 Lei n. 1, de 1837, e o Decreto nº 15, de 1839, sobre Instrução Primária no Rio de Janeiro ...................................................................................... 199 Orientações aos colaboradores.................................................................. 207 4
  • 5. Apresentação A revista História da Educação, em seu nono ano de existência, mantendo sua periodicidade e cumprindo o objetivo de socializar estudos no campo da pesquisa historiográfica educacional, publica seu 18º número. Neste número, estão publicados onze artigos, sendo que três deles são de pesquisadores internacionais: um sobre o surgimento da história como disciplina escolar no século XVII, da professora francesa do INRP, Annie Bruter; o outro, sobre a liberdade e a atividade da criança no pensamento montessoriano, escrito em conjunto por três pesquisadores, dois deles da Universidade do Minho, Alberto Filipe Araújo e Joaquim Machado de Araújo, e a outra da Universidade de Milão, Alessandra Avanzini; por fim, o terceiro artigo é do professor português Aires Antunes Diniz e trata das ações pedagógicas de Damião Francisco Alves de Moura e suas relações com o Rio Grande do Sul. Os outros oito artigos são de pesquisadores brasileiros e abordam as mais diversas temáticas sob a perspectiva histórica: alfabetização, políticas públicas e curriculares, infância, Universidade, Jesuítas e Protestantes, entre outros. Intencionalmente a revista História da Educação privilegia a diversidade temática, metodológica e teórica, acreditando que a pluralidade de abordagens e temas fortalecerá o debate acadêmico em torno da pesquisa em história da educação, que nas últimas décadas tem experimentando um crescimento vertiginoso. Por fim, como sempre, com o intuito de divulgar obras de destaque na área, a seção Resenhas publica dois trabalhos que apresentam comentários de produções recentes da história da educação. Na seção Documentos, cujo objetivo é disponibilizar fontes para um maior número possível de pesquisadores, estão publicadas a Lei n. 1, de 1837, e o Decreto nº 15, de 1839, que tratam da Instrução Primária no Rio de Janeiro. Um agradecimento especial aos colaboradores deste número e nossa expectativa de uma leitura proveitosa por parte de todos aqueles que se ocupam com o ensino e a pesquisa educacional, em especial da história da educação. A Comissão Editorial. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 5, set. 2005
  • 6. .
  • 7. Um exemplo de pesquisa sobre a história de uma disciplina escolar: A História ensinada no século XVII1 Annie Bruter Tradução Maria Helena Câmara Bastos Resumo Partindo de uma breve análise das condições, nas quais se estabeleceram as visões (divergentes) do surgimento da disciplina escolar « história », em curso hoje na historiografia francesa, este artigo propõe-se recolocar a questão na longa duração, remontando os colégios de humanidades do Antigo Regime, mostrando que a própria noção de «disciplina escolar» não é pertinente para descrever seu ensino, analisando certas transformações (sócio-políticas, técnicas, culturais...) que conduziram a constituição da história como matéria autônoma de ensino para as elites no fim do século XVII. Palavras-chave: História; Ensino; Século XVII. Resumée Partant d’une brève analyse des conditions dans lesquelles se sont mises en place les visions (divergentes) de l’apparition de la discipline scolaire «histoire» qui ont cours aujourd’hui dans l’historiographie française, cet article se propose de replacer la question dans la longue durée en remontant aux collèges d’humanités de l’Ancien Régime et en montrant que la notion même de «discipline scolaire» n’est pas pertinente pour décrire leur enseignement, puis en survolant certaines des transformations (socio-politiques, techniques, culturelles…) qui ont abouti à la constitution de l’histoire en matière autonome d’enseignement pour les élites à la fin du XVIIe siècle. Mots-clés: Histoire; enseignement; XVIIe siècle 1 Título em francês: "Un exemple de recherche sur l’histoire d’une discipline scolaire: l’histoire enseignee au XVIIe siècle". Especialmente escrito para ser publicado no Brasil. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 7-21, set. 2005
  • 8. A idéia de que os conhecimentos de qualquer ordem que nós dispomos são o resultado de uma construção humana - não o fruto de uma revelação ou de uma reminiscência - é atualmente amplamente admitida, pelo menos entre os pesquisadores que produzem esses conhecimentos; a idéia de que as disciplinas escolares pelas quais esses conhecimentos chegam às jovens gerações são também o produto de um trabalho coletivo, de um conjunto de atores do sistema educativo, que tem dificuldade em conquistar o direito de cidadão na França. Freqüentemente, vistos como cópias das ciências eruditas mais ou menos simplificadas para serem usados pelos alunos, as disciplinas escolares não foram por muito tempo apreendidas pelos historiadores do ensino senão de maneira teleológica, em função das teorias científicas e das concepções pedagógicas que eram as da sua época. É principalmente o caso dos historiadores que tiveram uma grande influência na França no início da IIIª República - época de importantes reformas no ensino em todos os níveis (primário, secundário e superior), como de Gabriel Compayré2 e de Émile Durkheim3: tratava-se bem mais de dar uma genealogia à nova pedagogia que desejavam implantar do que restituir seu sentido original às práticas de ensino do passado, das quais desejavam precisamente se descartar. Ora, a seus trabalhos a história do ensino por muito tempo permaneceu tributária na França no século XX. O ensino da história encontrava-se em uma posição absolutamente especial como objeto historiográfico: por ser considerado instrumento essencial de formação patriótica e cívica na pedagogia dessa época, só podia voltar-se ao seu passado celebrando sua própria instauração, rejeitando nas trevas do atraso mental as instituições de ensino que não lhe atribuíram o lugar de destaque que devia, segundo ele, ser o seu. No âmbito da rivalidade entre ensino laico e ensino confessional - que marcou profundamente, como já sabemos, a vida política e científica do início da IIIª República -, a questão histórica a ser resolvida era, portanto, saber se o ensino da história tinha nascido nos colégios do Antigo Regime - essencialmente controlados pela Igreja4 - ou nos estabelecimentos 2 Gabriel Compayré, Histoire critique des doctrines de l’éducation en France depuis le XVIe siècle, Paris, Hachette, 1879, 2 vol. in-8°. 3 Émile Durkheim, L’Évolution pédagogique en France (avec une introduction de M. Halbwachs), Paris, Presses universitaires de France, 1938, 2e éd. 1969, 403 p. (curso sobre história do ensino na França proferido por Durkheim na Sorbonne em 1904-1905 e reprisado nos anos seguintes até a guerra). 4 É a tese defendida pelos historiadores das grandes ordens dedicadas ao ensino Oratorianos ou Companhia de Jesus: Paul Lallemand, Histoire de l’éducation dans l’ancien Oratoire de France, 1888, réimp. Genève, Slatkine – Megariotis Reprints, 1976, 474 p.; François de Dainville, La Naissance de l’humanisme moderne, 1940, réimp. Genève, Slatkine Reprints, 8
  • 9. originários da Revolução Francesa (escolas centrais, liceus). Semelhante questão, sobre a qual muito se escreveu, não podia chegar a nenhuma conclusão. Os materiais disponíveis são de fato interpretados de diversas maneiras: se definirmos o ensino de história que se tem provando que a história está presente, e mesmo superabundante, nos colégios do Antigo Regime, se definirmos essa disciplina como conjunto de conteúdos, eles demonstram ao contrário, que ela não existia se tivermos uma concepção administrativa da disciplina escolar como entidade regida por disposições regulamentares (um programa, exames, horários, etc.). Um outro fator de incerteza para a interpretação da documentação: durante muito tempo, houve a falta de atenção às especificidades dos colégios do Antigo Regime, como se esses fossem, conforme a uma norma geral, semelhante àquela que, pouco a pouco, se impôs nos estabelecimentos públicos do século XIX. Enquanto em alguns colégios, justapunham-se uma estrutura propriamente escolar; isto é, um conjunto de classes que correspondiam às normas de um plano de estudos, e um pensionato que funciona de maneira bem mais flexível, vindo de encontro aos desejos das famílias; completando-se, assim, a formação dada nas classes através de ensinos especiais5. Ora, no quadro desses ensinos, de certa forma particulares, se desenvolveu uma pedagogia da história prenúncios da de hoje. Na história do ensino na França, portanto, a renovação da problemática que aconteceu no fim do século XX – outra época de perturbações profundas do sistema educativo francês – transformou os termos da questão de duas maneiras diferentes. De uma lado, foi colocado o problema do papel social desempenhado pelos estabelecimentos escolares (seguindo o exemplo da sociologia crítica da educação, que se desenvolve nos anos 1960), diversos estudos revelaram a coexistência, por muito tempo ocultada, de diferentes tipos de educação em certos estabelecimentos do Antigo Regime, em particular nos que reuniam um colégio de prestígio e um pensionato aristocrático6 - como La Flèche e Louis-le-Grand no que diz respeito aos estabelecimentos jesuíticos, Juilly e Vendôme para os que eram mantidos pelos oratorianos. Por outro lado, alguns trabalhos levantaram o 1969, XX-390 p.; du même, «L’enseignement de l’histoire et de la géographie et le "Ratio studiorum"» (1954), art. repris dans François de Dainville (Marie-Madeleine Compère éd.), L’Éducation des jésuites, Paris, Les Éditions de Minuit, rééd. 1991, pp. 427 – 454 5 Mark Motley, Becoming a French Aristocrat. The Education of the Court Nobility, 1580 – 1715, Princeton, Princeton University Press, 1990, X – 241 p. 6 Duas sínteses sobre esse tema: Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée (1500 – 1850). Généalogie de l’enseignement secondaire français, Paris, Gallimard/Julliard, 1985, coll. «Archives», 286 p.; Dominique Julia, Huguette Bertrand, Serge Bonin, Alexandra Laclau, Atlas de la Révolution française. 2. L’enseignement, 1760 – 1815, Paris, Editions de l’Ecole des Hautes Etudes en Sciences Sociales, 1987, 105 p. 9
  • 10. problema da historicidade das próprias disciplinas. Redefinindo-as como produções coletivas das instituições de ensino (e não mais como reflexo simplificado de conhecimentos), André Chervel pode assim mostrar, em um artigo pioneiro7, que a própria noção de disciplina escolar é uma noção recente, que apareceu precisamente ao mesmo tempo em que as reformas de ensino que foram implementadas na virada do século XIX-XX. Essa reformulação permitiu relançar a questão da história do ensino histórico em novos termos e perguntar não somente em que momento apareceu um ensino de história semelhante ao de hoje, mas também em que consistiam a história e seu ensino antes desse momento. Essa questão foi objeto de uma pesquisa empreendida, em primeiro lugar, no contexto de uma tese de didática da história8, retomada em uma jornada de estudos sobre o ensino das humanidades clássicas, organizada por André Chervel e Marie-Madeleine Compère no Service d’histoire de l’éducation do INRP9 -esse estudo resultou em uma obra sobre a história ensinada no século XVII10. Embasada em materiais diversos, compreende tanto os planos de estudos em vigor e os exemplos de "lições- modelos" propostos aos professores na época, quanto tratados sobre a educação e os resumos de história utilizados para fins pedagógicos (condição atestada por testemunhos da época e a confusão seguidamente feita entre os resumos do Antigo Regime e os "manuais" de hoje era de natureza a deturpar a interpretação do material documental). O campo geográfico abarcado é a França, não por desinteresse pela comparação nesse domínio, mas porque as fontes mais facilmente acessíveis, no contexto de uma pesquisa necessariamente limitada no tempo, são as fontes francesas. Sem retroceder ao aspecto historiográfico da questão, tentaremos resumir aqui os principais resultados dessa pesquisa, centrando-nos em dois pontos: o caráter "não-disciplinar" do ensino dos colégios do Antigo Regime e a maneira pela qual a história era ali tratada; a evolução dos "usos" da história no século XVII e, conseqüentemente, o aparecimento de novas práticas de ensino dessa matéria. Em síntese, se tentará construir um 7 André Chervel, «L’histoire des disciplines scolaires: réflexions sur un domaine de recherche», Histoire de l’éducation n° 38, Paris, INRP, mai 1988, pp. 59 – 119; repris in André Chervel, La Culture scolaire, Paris, Belin, 1998, pp. 9 – 56. 8 Annie Bruter, Les Paradigmes pédagogiques. Recherches sur l’enseignement de l’histoire au XVIIe siècle (1600 – 1680), Université Paris VII, décembre 1993, 426 p. 9 Uma parte das comunicações apresentadas durante essa jornada foram publicadas no número temático Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, Paris, INRP, mai 1997, 253p. 10 Annie Bruter, L’Histoire enseignée au Grand Siècle. Naissance d’une pédagogie, Paris, Belin, 1997, 237 p. 10
  • 11. ensaio para contribuir a uma reflexão sobre o processo de longa duração – ou seja, a constituição de um campo de saber em disciplina escolar. A História em um ensino "não-disciplinar" A própria natureza do material documental legado pelas práticas escolares do século XVII – planos de estudos, lições-modelos e obras pedagógicas – e a impossibilidade de interpretá-lo através das categorias regulamentares pelas quais definimos hoje a disciplina escolar (horários, programas, etc.) orientou a pesquisa em uma primeira etapa: antes de qualquer tentativa de apreensão do lugar da história propriamente dita, no ensino dos colégios, é preciso esclarecer os princípios e os fins desse ensino, que não havia nenhum motivo a priori de supor idênticos aos de hoje. Se o século XVII (ao menos na primeira metade) é realmente uma época de vigoroso crescimento escolar, que viu a expansão dos colégios humanistas iniciada no século precedente11, a demanda educativa a qual atendiam essas instituições se distinguia em diversos pontos das de hoje. Retomando a si a ambição integradora, a da retórica antiga12, os estudos humanistas pretendiam conciliar em uma mesma visão três finalidades que nos acostumamos a separar claramente: uma finalidade prática de domínio da linguagem, uma finalidade cognitiva de aquisição de conhecimentos, uma finalidade religiosa de acesso à ciência e à virtude. São esses três objetivos que encontramos simultaneamente presentes no programa de estudos, inteiramente constituído de textos vindos da Antigüidade, como nos procedimentos de ensino: tratava-se, antes de mais nada, de levar os alunos a exprimirem-se através de inúmeros exercícios, orais ou escritos. Esse treinamento intensivo, fundado no estudo de textos- modelos propostos à imitação, visava assegurar o domínio das línguas antigas (ou, em todo caso, do latim; a voga do grego no século XVI não continuou no século seguinte) ao mesmo tempo em que assegurava o das técnicas – retórica e filologia – que tornavam os alunos eloqüentes e capazes de ascender ao saber: esse era, de fato, criado como corpus textual, seja ele profano, textos antigos, ou de livros sagrados. Atendendo ao mesmo tempo às necessidades da Igreja da Contra-reforma, que procurava formar pregadores, e às necessidades dos príncipes para os quais se recrutava o 11 Cf. Marie-Madeleine Compère, Du Collège au lycée…, op. cit. 12 Sobre essa questão, ver Marc Fumaroli, L’Âge de l’éloquence. Rhétorique et «res literaria» de la Renaissance au seuil de l’époque classique, Genève, Droz, 1980, 882 p. 11
  • 12. aparelho administrativo, necessitando de homens aptos a manejar a linguagem. Esse programa de estudos foi apoiado pelas autoridades da época, laico e eclesiástico, e adotada pelos indivíduos ou grupos que aspiravam fazer carreira, na Igreja ou no Estado. Constatamos que o nosso regime epistemológico é muito estranho, busca suas raízes na Antigüidade, que sustenta tal concepção de ensino – a qual recorria, explicitamente a dois grandes professores antigos, Cícero e Quintiliano. Fundada sobre o primado da língua (instrumento de poder e meio de comunicação entre Deus e os homens) e sobre o respeito da escrita (pelo qual as palavras inaugurais, as da Revelação, foram transmitidas desde a criação do mundo), essa epistemologia considera o saber como um dado a ser decifrado, o acesso ao conhecimento como um ato de leitura13. Por isso, a necessidade dessa etapa preliminar para chegar ao conhecimento que era o estudo das línguas e dos textos antigos: o ensino das humanidades. Por sua pretensão integradora – formar o vir bonus dicendi peritus, homem de bem que sabe falar – assim como pelo lugar central que dava aos textos, tal ensino só podia ser "não-disciplinar". A explicação dos textos antigos, ponto de partida das aprendizagens, necessitava realmente recorrer a conhecimentos de ordem muito diversas – gramaticais e filológicos, mas também geográficos, históricos, etinológicos, até mesmo botânicos, zoológicos ou mineralógicos – ao mesmo tempo que a capacidade de ressaltar as sentenças e máximas de ordem retórica, moral ou política que devem enriquecer o discurso do orador: tudo isso era considerado como conhecido pelo regente único de cada classe. Reciprocamente, as produções dos alunos chamados a reutilizar o vocabulário, as expressões, os conhecimentos de belos pensamentos descobertos nos autores estudados, deviam testemunhar sua amplitude a incorporar palavras e idéias em um conjunto textual harmonioso. A prioridade dada à finalidade retórica do ensino não significa, no entanto, que o ensino humanístico não se preocupa em transmitir conhecimentos (esse objetivo está explicitamente inscrito, por exemplo, em certas versões do mais célebre dos planos de estudo da época, o Ratio studiorum jesuíta14): também não se pode falar ou escrever sem conteúdo. 13 Sobre a longa duração dessa concepção de acesso ao conhecimento como lectio, ver Eugenio Garin, trad. française L’Éducation de l’homme moderne. La pédagogie de la Renaissance, 1400 – 1600, rééd. Paris, Fayard, 1995, coll. «Pluriel», pp. 66 – 70. 14 A versão definitiva da Ratio studiorum jesuíta, a de 1599, foi recentemente objeto de uma reedição acompanhada duma tradução francesa: Ratio studiorum. Plan raisonné et institution des études dans la Compagnie de Jésus, Paris, Belin, 1997, 314 p. Falemos aqui referência às instruções mais detalhadas da primeira versão da Ratio, a de 1586, consultável em Ladislaus Lukàcs, Monumenta paedagogica Societatis Jesu, Rome, Institutum Societatis Jesu, t. I – VII, 12
  • 13. Mas esses conhecimentos, não sendo estudados por eles mesmos, não eram objeto de uma exposição sistemática, salvo a título recreativo, no contexto do que se chamava então o erudito (um espaço de tempo voluntariamente deixado ao regente para repousar e fazer com que os alunos descansem da austera disciplina da explicação de textos)15: eram dados à medida da leitura dos textos, em função dos conteúdos a serem explicados. É assim que conhecimentos que dizem respeito, para nós, à história – o desenrolar de certos acontecimentos, a descrição das instituições ou dos costumes de uma certa época – podiam ser apresentados no momento da explicação de uma poesia ou de uma obra oratória de Cícero... Inversamente, a leitura dos historiadores antigos, que faziam parte dos programas das classes (na classe de humanidades, principalmente, mas também em outras classes) oportunizavam não tanto o estudo dos acontecimentos mas o dos procedimentos de escrita próprios ao historiador: mais que a própria história tratava-se conforme as finalidades gerais - as do ensino das humanidades, de aprender como escrever. Quanto aos conhecimentos necessários à compreensão das obras históricas estudadas, tendo em vista o conteúdo militar-político das obras dos historiadores antigos, consistiam principalmente em conhecimentos geográficos que permitiam ter uma idéia do teatro das operações e seguir o desenrolar dos combates descritos. A cronologia era considerada como um acessório do estudo desses textos históricos - a linguagem da época costumava unir à cronologia a geografia sob a expressão "os dois olhos da história". A ciência cronológica era de toda maneira, na época em que foram criadas as instituições de educação humanistas (isto é, no século XVI), um campo de pesquisa extremamente "preciso", exigindo uma vasta cultura filológica e científica, que não devia ser exposta em classe16. Ainda não se dispunha, mesmo se desejassem ardentemente conhecimentos que permitissem reconstituir a sucessão dos acontecimentos relacionados pelos textos antigos. O único meio de datação, pouco preciso, de que dispunham os regentes humanistas era efetivamente a filologia, na medida em que essa procede por comparação entre os diversos estágios de uma língua (o latim, 1965 – 1992, t. V, p. 151. Ver também as instruções de P. Orlandini, Circa il modo de legger dell’humanista (1582 – 83), ibid. t. VI, p. 520. 15 Não conhecendo publicações especificadamente consagradas à essa questão, permito-me indicar minha obra L’Histoire enseignée au Grand Siècle…, op. cit., pp. 61 – 71. 16 Ver Anthony Grafton, Joseph Scaliger. A Study in the History of Classical Scholarship. II – Historical Chronology, Oxford, Clarendon Press, 1993, 766 p. 13
  • 14. nesse caso) no curso de sua evolução17 - o que reconduz outra vez à necessidade de um domínio tão aprofundado quanto possível dos textos escritos nessa língua. Imaginamos, portanto, a impossibilidade, em um tal contexto de um "curso" de história que consistiria em uma apresentação seguida dos acontecimentos – do mesmo modo que um "curso" de qualquer matéria que fosse, na medida em que se estudasse em prioridade textos. Daí a proposição de ver no ensino das humanidades, um ensino por definição "não-disciplinar"; e isso não devido a uma incapacidade dos regentes da época em criar um outro, mas em virtude dos princípios que tinham presidido a sua organização. Foi assim que as instâncias dirigentes da Companhia de Jesus refutaram a proposição feita por muitos de seus membros de criar um curso de história, conforme o modelo praticado por seus rivais protestantes; não porque elas recusassem a história em si, mas porque romperiam com o respeito aos textos antigos, base de sua pedagogia18. Também vemos que o material documentário utilizado em tal ensino oferece amplitude à interpretação, já que seus conteúdos, na medida em que dizem respeito quase que exclusivamente às realidades tratados pelos textos antigos, são exclusivamente históricos: trata-se de palavras, de fatos, de pensamentos vindos da Antigüidade. Entretanto, essas palavras, fatos e pensamentos não chegam aos alunos de maneira ordenada pois os textos são escolhidos em função de seu grau de dificuldade lingüística, não obedecendo à ordem cronológica. Assim, não podemos pretender que os alunos dos colégios do Antigo Regime saiam totalmente despojados de conhecimentos históricos: eles tinham, ao contrário, um conhecimento da Antigüidade bem mais profundo que os alunos e mesmo os professores atuais de história. Mas esse saber histórico era desordenado e, sobretudo, lacunar, porque ignorava quase tudo o que chamamos hoje de Idade Média - sem falar da época em que viviam os alunos. Esse fato pode escandalizarnos? Isso não teria mais sentido senão o de se indignar com teorias científicas que estiveram em voga antes das nossas. A história, para os regentes dos colégios humanistas, não era um conjunto de conhecimentos, o produto de uma pesquisa fundada sobre uma 17 Ver Donald R. Kelley, Foundations of Modern Historical Scholarship. Language, Law and History in the French Renaissance, New York/London, Columbia University Press, 1970, 321p. 18 Cf. François de Dainville, «L’enseignement de l’histoire et de la géographie…», art. cit.; para uma discussão da tese sustentada nesse artigo, ver Annie Bruter, «Entre rhétorique et politique: l’histoire dans les collèges jésuites au XVIIe siècle» in Les Humanités classiques, Histoire de l’éducation n° 74, op. cit., pp. 59 – 88. 14
  • 15. metodologia regrada: a palavra não designava um domínio particular do saber – todo o saber, na época, era tido como vindo do passado, portanto como história – mas um ramo da retórica, definido por um modo específico de escrita, o modo narrativo. Só eram, conseqüentemente, considerados como historiadores aqueles que soubessem usar esse modo com talento, em bom latim ou em bom grego – o que desqualificava os cronistas medievais19. Não se tratava, então, na época de "ensinar história" segundo o sentido atual do termo: conforme as concepções pedagógicas e científicas da época, os alunos deviam ler os historiadores antigos, pois se procurava na leitura elementos para ensinar a arte de escrever, graças à qual a França disporia um dia, ao menos esperavam, de historiadores dignos desse nome que ela ainda não tinha... "Usos" e pedagogia da história no século XVII O paradoxo é que esse ensino das humanidades eclodiu no momento em que as concepções mudaram, procedentes de uma época mais antiga (a da cultura manuscrita da Renascença), da cristalização sob a forma de modelo pedagógico - mas não é próprio a todo sistema educativo, por definição encarregado de transmitir o que vem do passado, atrasar o que diz respeito à sociedade que o envolve? Poderíamos aqui mencionar brevemente alguns fatores dessa mudança, enumerando sucessivamente o que, na realidade, se relaciona de maneira muito mais complexa. Um primeiro fator de mudança situa-se, bem entendido, no plano político. A vitória da fidelidade monárquica sobre os vínculos de dependência confessional, que põe fim às guerras de religião20; o triunfo do absolutismo e a paroquialização da vida mundana e cultural do século XVII21 focalizam, de agora em diante, o interesse sobre a história nacional, vista através da história das dinastias reinantes e de sua corte. Paralelamente, se manifesta uma evolução do sentimento religioso: a importância cada vez maior acordada às práticas – portanto aos costumes – 19 Ver Arnaldo Momigliano, «Ancient History and the Antiquarian», 1950, trad. française «L’histoire ancienne et l’Antiquaire» dans Arnaldo Momigliano, Problèmes d’historiographie ancienne et moderne, Paris, Gallimard, 1983, pp. 244 – 293. 20 Myriam Yardeni, La Conscience nationale en France pendant les guerres de religion (1559 – 1598), Louvain/Paris, Nauwelaerts/Béatrice-Nauwelaerts, 1971, 392 p. 21 Ver Roger Chartier, «Trajectoires et tensions culturelles de l’Ancien Régime» in André Burguière et Jacques Revel (dir.), Histoire de la France. Les formes de la culture, Paris, Éditions du Seuil, 1993, pp. 307 – 392. 15
  • 16. como critério de ortodoxia confessional22, leva a acentuar fins moralizadores da educação, em que o aprofundamento do esforço de aculturação religiosa iniciado no século precedente, no âmbito da rivalidade entre Reforma e Contra-Reforma23, induz o recurso à narração histórica como meio de fazer interiorizar, desde a infância, as verdades e os valores transmitidos pelo catecismo24. No plano cultural, enfim, o progresso da produção impressa a coloca à disposição de um público cada vez mais vasto, que se estende, a partir dali, além do círculo dos "doutos" para os quais a leitura era uma atividade quase profissional25: o uso de uma literatura mais mundana, mais atraente e de mais fácil acesso que a literatura latina e grega, ao mesmo tempo que uma especialização acrescida de gêneros. Ora, todos esses fatores se encontram com uma outra mutação, dependendo ela do plano científico. O saber fundamental da época, do nosso ponto de vista, é a elaboração de uma linha de tempo única sobre a qual se ordenam os fatos até então dispersos, conhecidos através dos textos antigos e medievais26. É essa aquisição da ciência "cronológica" da Renascença, que os resumos de história - que parecem cada vez mais numerosos durante o século, em latim27 e em francês28 - pretendem vulgarizar. A utilização dessa linha de tempo dá aos estudos históricos um novo modo de apreensão dos fatos (por ordem de sucessão cronológica e 22 Michel de Certeau, «L’inversion du pensable. L’histoire religieuse du XVIIe siècle» (1969) et «La formalité des pratiques. Du système religieux à l’éthique des Lumières (XVIIe – XVIIIe)» (1973), artigos retomados em Michel de Certeau, L’Écriture de l’histoire, Paris, Gallimard, 1975, pp. 131 – 152 et 153 – 212. 23 Jean-Claude Dhôtel, Les Origines du catéchisme moderne d’après les premiers manuels imprimés en France, Paris, Aubier, 1967, 472 p. 24 Claude Fleury, Catéchisme historique, Paris, Vve G. Clouzier, 1683, 2 vol. in-12, t. I: Petit Catéchisme; Fénelon, De l’Éducation des filles, 1687 (a edição consultada é a de Paris, P. Aubouin, 1696, in-12, 272 p.). 25 Ver Henri-Jean Martin, Livre, pouvoirs et société à Paris au XVIIe siècle (1598 – 1701), 1969, rééd. Genève, Droz, 1999, 2 vol., 1091 p. 26 Anthony Grafton, Joseph Scaliger…, op. cit.; D.J. Wilcox, The Measure of Time Past. Prenewtonian Chronologies and the Rhetoric of Relative Time, Chicago/London, The University of Chicago Press, 1987. 27 Só mencionaremos aqui os dois mais célebres entre cuja utilização com fins pedagógicos é atestada, que são também os mais antigos: l’Epitomae historiarum libri X do jesuíta Torsellini, que apareceu pela primeira vez em Roma em 1598, que podemos consultar na edição de Lyon, J. Cardon e P. Cavellat, 1620, in-12, p. lim., 640 p. e index; e o Rationarium temporum… de P. Denis Petau, Paris, S. Cramoisy, 1633, 2 t. en 1 vol. in-12. 28 Há desde o início a coexistência de duas séries de resumos de história, uma em latim, outra em francês. O estudo de suas relações e a maneira em que o francês se impôs através das edições sucessivas ainda está a ser feito. 16
  • 17. não mais por contiguidade, temática ou geográfica). Fornece, pelas referências temporais que estabelece, um instrumento de aprendizagem que faltava até então (as datas...). Coloca, assim, mais claramente em evidência as lacunas na exposição dos acontecimentos, incitando completá-las; contribuiu, desse modo, para transformar a noção do tempo, dando uma visão linear... todas coisas que, sem atacar, destroem profundamente o respeito sempre proclamado dos historiadores da Antigüidade. Assim, vemos manifestar-se ao longo do século, através da literatura de vulgarização histórica e dos projetos ou tratados sobre a educação, aspirações a um outro tipo de relação com o passado que não seja o do ensino humanista: uma relação mais natural, mais direta, que contorna o obstáculo da aprendizagem das línguas antigas e exige o acesso a um passado mais próximo e mais acessível. A tradução dos autores antigos, se não for novidade, conhece então outra idade do ouro: os "belos infiéis"29 colocam esses autores ao alcance dos leitores (e das leitoras) que não foram obrigados às disciplinas austeras de aprendizagens humanistas. A oferta de obras históricas se diversifica: produções humanistas, que continuam sua carreira florescente, compêndios de história e histórias mais ou menos romanescas30, destinados a um público maior e menos informado. Paralelamente, se afirma cada vez mais explicitamente a necessidade de conhecer a história de seu país em um movimento, aliás não isento de contradições – as mesmas que vimos surgir no fim do século XVII, a respeito da educação do príncipe cristão, apresentada como modelo a ser seguido mas reservado ao poder e aos que são destinados por natureza; isto é, por seu nascimento31. Ora, a história mantinha nesse modelo um lugar central, como complemento indispensável das matérias "teóricas" necessárias à formação principesca que eram a moral e a política: era a história que estava destinada a fornecer os exemplos, ilustrando os preceitos abstratos que constituíam essas ciências. Essa história necessária aos príncipes englobava-se bem à história antiga, não se isolava: devia fornecer aos futuros governantes modelos mais próximos deles do que os heróis da Antigüidade, bem como conhecimentos positivos (militares, genealógicos, 29 Roger Zuber, Les «Belles infidèles» et la formation du goût classique, 1968, rééd. Paris, Albin Michel, 1995, coll. «Bibliothèque de l’Évolution de l’humanité», 521 p. 30 Sobre a "fusão" entre história e romance na segunda metade do século XVII, ver Bernard Magné, Crise de la littérature française sous Louis XIV: Humanisme et nationalisme, Lille, Atelier de reproduction des thèses Lille III, 1976, 2 vol., 1026 p., multigr. 31 Annie Bruter, «Des arcana imperii à l’éducation du citoyen: le modèle de l’éducation historique au XVIIIe siècle», apresentado no colóquio organizado pela Société française d’étude du dix-huitième siècle et la Société italienne d’étude du dix-huitième siècle, com l’UMR LIRE (CNRS n° 5611 – Université Stendhal – Grenoble I), «L’Institution du Prince au XVIIIe siècle», Grenoble, 14 – 16 octobre 1999, a ser publicado nas Atas do colóquio. 17
  • 18. diplomáticos, econômicos, etc.) sobre os assuntos do reino, isto é, sobre o presente ou o passado próximo. Uma nova pedagogia da história surge, assim, conjugando a aprendizagem da cronologia com o curso dialogado no qual o aluno escuta e discute o relato dos acontecimentos, que deverão ser em seguida redigidos: tal é, ao menos, a pedagogia descrita pelos preceptores dos príncipes no fim do século XVII32. Quanto aos primeiros "manuais escolares" de história, não provêm da educação principesca33, mas das pensões aristocráticas onde se ministravam os cursos particulares de história pelos "chambristes"34. Os preceptores dos príncipes não publicam suas obras sem fornecer uma advertência sobre a inconveniência que teria para as "pessoas comuns" pretender o mesmo saber que os príncipes. Concede-se ao homem comum somente um "uso moral" da história destinada a ensinar os malefícios das paixões: o "uso político" desta é reservado aos príncipes e aos "Grandes"35. Compreendemos, vendo a história assim colocada como disciplina central da educação ao mesmo tempo que subtraída ao comum dos mortais, o seu estatuto marginal, inacessível no último século do Antigo Regime. Era objeto de um ensino, sobre o qual encontramos vestígios através de resumos explicitamente destinados à juventude36, de exercícios 32 Charles-Bénigne Bossuet, «De l’instruction du Dauphin, Lettre au pape Innocent XI» (1679) dans Œuvres complètes, Bar-le-Duc, par des prêtres de l’Immaculée Conception de St-Dizier, 1863, t. XII; Claude Fleury, Traité du choix et de la méthode des études, Paris, P. Auboin, P. Émery et C. Clousier, 1686, in-12, 365 p.; Géraud de Cordemoy, «De la nécessité de l’Histoire, de son usage, & de la manière dont il faut mêler les autres sciences, en la faisant lire à un Prince» dans Divers traités de métaphysique, d’histoire et de politique, Paris, Vve de J.-B. Coignard, 1691, in-12, VI-292 p 33 É, por exemplo, o caso, citando somente o mais célebre, de Instruction sur l’Histoire de France & Romaine par demande & réponses, Avec une explication succincte des Métamorphoses d’Ovide, & un Recueil de belles Sentences tirées de plusieurs bons Auteurs, Paris, A. Pralard, 1687, in-12, em que o autor, Le Ragois, era preceptor do Duque de Maine. 34 Faltando lugar para uma bibliografia completa, mencionaremos: Nouveaux Élémens d’histoire et de géographie à l’usage des pensionnaires du Collège de Louis le Grand du jésuite Buffier, 2ème éd. Paris, M. Bordelet, 1731, 2 partes em 1 vol. in-12. Os resumos do Padre Berthault, regente à Juilly: Florus Francicus, Paris, J. Libert, 1630, in-24, 279 p.; Florus Gallicus, Paris, J. Libert, 1632, in-24, 324 p.; Florus Gaulois ou l’abrégé des guerres de France, t. I, Paris, J. Libert, 1634, in-8°, 298 p., são talvez oriundos dos cursos desse pensionato que a tradição historiográfica considera como o primeiro a ter ministrado o ensino de história, mas a prova da utilização desses resumos para fins pedagógicos não existe. 35 Annie Bruter, «La "confiscation" de l’histoire: l’éclatement des usages de l’histoire au XVIIe siècle» in Henri Moniot et Maciej Serwanski, L’Histoire et ses fonctions. Une pensée et des pratiques au présent, Paris/Montréal, L’Harmattan, 2000, pp. 27 – 46. 36 Os resumos da época precedente visavam um público bem mais definido. 18
  • 19. públicos37, até mesmo de redações dos alunos38. Mas, excetuando as instituições inovadoras que foram as pensões particulares e as escolas militares, esse ensino não foi, em geral, integrado ao currículo escolar - a história continuava sendo um tipo de matéria facultativa sob a responsabilidade das famílias. Explica-se, assim, a insistência em reclamar sua introdução nos colégios no século XVIII39, quando há provas da existência de seu ensino na época; mas é o estatuto desse ensino que persiste impreciso, por causa de seu caráter marginal, não-normatizado. Somos levados, assim, a distinguir duas coisas normalmente confundidas no discurso sobre a educação (pelo fato de seguirem agora juntas, a saber, pedagogia e escolarização - chamamos aqui pedagogia toda tentativa intencional de transmissão de um saber). Se a história do ensino histórico mostra que houve a invenção de uma pedagogia da história, com seus procedimentos e seu material específico na segunda metade do século XVII, mostra também que essa invenção se fez fora do âmbito propriamente escolar: é no espaço mais flexível da educação principesca ou do pensionato aristocrático que se elaboraram métodos e instrumentos de uma instrução histórica autônoma, independente da leitura dos historiadores antigos, procedendo a uma apresentação contínua dos acontecimentos - da criação do mundo até a época contemporânea. O estudo das resistências à integração dessa história autônoma ao currículo escolar, e os fatores que terminaram impondo-a junto das humanidades clássicas, ultrapassaria muito os limites temporais desse artigo, pois levaria ao debate sobre a educação do século XVIII e a Revolução, sobre os liceus do século XIX. Contentar-nos-emos em assinalar que a introdução da história no ensino dos liceus e colégios do Império e da Restauração (mencionada nos programas desde 180240, a história é dotada de um horário específico e de um programa embrionário em 181441, de professores "especiais", em certos liceus, pelo menos a partir de 181842) não 37 Ver por exemplo Pierre Jean de Berulle répondra sur l’histoire chronologique de l’Église… Au Collège de Louis le Grand, le Vendredi 8 avril 1707, à quatre heures après midi, Arch. S.J. Vanves, É Pa 30 – 7. 38 O curso de Bossuet sobre Charles IX redigido para o príncipe herdeiro foi publicado por Régine Pouzet sob o título Charles IX, récit d’histoire, Clermont-Ferrand, Adosa, 1993. 39 Ver, por exemplo, o artigo «Collèges» da Enciclopédia, no qual D’Alembert se queixa «do pouco caso dado ao estudo da História nos colégios», Encyclopédie ou Dictionnaire raisonné des Arts, des Sciences et des Métiers, t. III, Paris, 1753. 40 Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie dans l’enseignement secondaire. Textes officiels. T. 1: 1795 – 1914, Paris, INRP, 2000, textes 4, 5, 6, pp. 95 – 96. 41 Ibid., texte 12, pp. 101 – 103. 42 Ibid.,texte 15, pp. 109 – 110. 19
  • 20. poderia ser feita tão rapidamente, se os professores não dispusessem de um mínimo de material pedagógico já elaborado. Ora, uma parte pelo menos desse material pedagógico, remonta aos preceptores dos príncipes do fim do século XVII, como Fleury ou Le Ragois, cujas obras conhecem, ao longo do século XIX, uma carreira que só se extinguiu com as reformas republicanas43. *** A primeira das reflexões, de ordem mais geral, pela qual gostaríamos de encerrar esse artigo, concerne à temporalidade própria da história das disciplinas escolares. André Chervel abordou o problema, assinalando a longa duração dos processos de criação e de funcionamento de uma disciplina44. No mesmo sentido - e contra uma certa tradição historiográfica, que vê na aparição do ensino da história no século XIX uma criação ex nihilo do poder político -, esperamos ter mostrado que a constituição da história em matéria "ensinável" foi um fenômeno de longa duração, cujas premissas são encontradas bem antes da época de seu "nascimento" oficial, e que continuamos em realidade, bem além: a emancipação da história como disciplina plenamente autônoma, ensinada por professores especializados, só foi conseguida na virada do século XIX para o XX45. Então, sobre a base de uma experiência pedagógica já multi- secular, mesmo se ficou muito tempo reservada a uma minoria, o ensino da história pode-se tornar, nessa época, o instrumento por excelência da integração patriótica e cívica dos alunos46 - instrumento cujas incertezas, que cercam o futuro do Estado-Nação, questionam atualmente a sua própria finalidade. Essa longa duração da formação de uma disciplina escolar está ligada à complexidade de um processo, cujos múltiplos componentes tentou-se mostrar. Entraram, de fato, em jogo diversos fatores - cada um 43 Ver Martin Lyons, Le Triomphe du livre. Une histoire sociologique de la lecture dans la France du XIXe siècle, Paris, Promodis, 1987, pp. 85 – 104. 44 « L’histoire des disciplines scolaires…», art. cit., pp. 30 – 31. 45 Philippe Marchand (éd.), L’Histoire et la géographie…, op. cit., pp. 75 – 84. 46 De uma abundante bibliografia, destacarei aqui somente dois artigos que fizeram sucesso: Jacques et Mona Ozouf, «Le thème du patriotisme dans les manuels primaires», 1962, republicado em Mona Ozouf, L’École de la France, Paris, Gallimard, 1984, pp. 185 – 213; Pierre Nora, «Lavisse, instituteur national. Le "Petit Lavisse", évangile de la République», in Pierre Nora (éd.), Les Lieux de mémoire. I – La République, rééd. Paris, Gallimard, 1997, coll. «Quarto», pp. 239 – 275. 20
  • 21. com seu ritmo próprio de evolução. Os objetivos da educação, por exemplo, mudam no decorrer do tempo: se ficaram, durante o período considerado aqui, dominados pela finalidade retórica, pudemos vê-los enfraquecer de uma maneira que acentuou o alcance moralizante da leitura dos historiadores antigos para todos os alunos; ao passo que era confiscado o "uso político" da história, decretado monopólio dos príncipes na época do absolutismo triunfante. Mas, bem antes dessa etapa, ocorrem outras transformações pelas quais se cortou em profundidade a relação com o passado, isto é, com o ensino humanista: transformações técnicas, econômicas e sociais, progresso da escrita e da imprensa, desenvolvimento dos aparelhos administrativos, ampliação do público de leitores, transformações científicas, metodológicas e pedagógicas levadas, no que diz respeito à história, à elaboração de uma cronologia unificada, à renovação do modo de leitura dos historiadores e à experimentação de novos métodos de ensino. Sobre essa complexidade gostaríamos de insistir para finalizar, a fim de lutar contra o risco de uma leitura evolucionista, vendo na pesquisa aqui apresentada uma tentativa a mais para conferir uma "origem" ao ensino da história atual. É, ao contrário, a inter-relação constante que pensamos poder revelar entre expectativas e ambições culturais e sociais, concepções e meios científicos, técnicos ou pedagógicas, que faz da história das disciplinas escolares um campo de pesquisa tão vasto quanto apaixonante para explorar, nessa época de mudanças de nossa sociedade que questiona cada dia mais os sistemas educativos que herdamos do passado. Annie Bruter é Pesquisadora do Service d’histoire de l’education – URA CNRS 1397/Institut National de Recherche Pédagogique. Paris/França. Maria Helena Câmara Bastos é Professora no Programa de Pós- Graduação em Educação da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul; Pesquisadora do CNPQ. Recebido em: 30/03/2005 Aceito em: 28/07/2005 21
  • 22. .
  • 23. Actividade e Redenção – A Criança Nova em Maria Montessori Alberto Filipe Araújo Alessandra Avanzini Joaquim Machado de Araújo Resumo A ideia de Criança Nova em Maria Montessori (1870-1952) resulta da confluência de duas perspectivas, a da pedagogia que se pretende afirmar como ciência e a do humanismo cristão. Neste artigo, os autores procuram, numa primeira parte, especificar o que vem a ser para a pedagoga italiana a liberdade e a actividade da criança e o papel do adulto, principalmente do educador da criança que se auto-educa e, numa segunda parte, debruçam-se sobre o fundo religioso e humanista da obra montessoriana que consagra a criança como um ser espiritual e de natureza divina. Palavras-chave: actividade; activismo; criança nova; redenção. Abstract The idea of the New Child in Maria Montesori (1870-1952) is the result of the combination of two perspectives: a pedagogical one, directed at affirming its own scientific status, and one based on Christian Humanism. In this paper the authors try to specify what the Italian pedagogue considered as freedom and activity on the part of the child and the role of the adult, most particularly the role of the educator who also ends up educating himself. At a secondary stage they concentrate on the religious background and the humanism of the Montesorian working method which consecrated the child as a spiritual being who shared the divine nature. Key-words: activity; new child; redemption. História da Educação, ASPHE/FaE/UFPel, Pelotas, n. 18, p. 23-45, set. 2005
  • 24. Maria Montessori (1870-1952) afirma a existência de uma vida psíquica na criança, qual "embrião espiritual" em desenvolvimento, e defende, em A Criança, que o mais urgente dever da educação é "libertar" o indivíduo oculto, ou seja, desvelar a criança desconhecida, "revelar" o seu segredo, criar condições de possibilidade ao desabrochamento da personalidade da criança, que é "um ser vivo sequestrado"1. Nesta perspectiva cientifizante da pedagogia Montessori, a liberdade da criança é ainda associada à sua actividade, a que deve corresponder a "passividade" do adulto. Procuramos, por isso, numa primeira parte, especificar o que vem a ser para a pedagoga italiana a liberdade e a actividade da criança e o papel do adulto, principalmente do educador da criança que se auto-educa. Ao assinalar à educação a finalidade de desenvolver as potencialidades da criança, Montessori tem o sonho de formar uma "criança nova", isto é, o homem de amanhã que habitaria num "mundo novo", uma sociedade de paz: "Um mundo novo para um homem novo, é a nossa necessidade mais urgente"2. Assim, numa segunda parte, debruçamo- os sobre este "halo de religiosidade humanista e cósmica"3 que consagra a criança como um ser espiritual – "um embrião espiritual"4 – e de natureza divina. I. A actividade da criança e a "passividade" do adulto Ao posicionar-se pela actividade da criança, Maria Montessori comunga do ideal da Escola Nova que critica a passividade do aluno da Escola Tradicional e pugna por métodos activos de aprendizagem. Porém, a expressão "actividade da criança" varia de significado segundo o autor que a utiliza. No que se refere a Maria Montessori, procuramos explicitar o que vem a ser a "actividade da criança", só passível de ser observada pelo adulto se realizada em situação de liberdade e espontaneidade. Interrogamo-nos, depois, se e em que medida esta "actividade da criança" pode ser interpretada como defesa de um "activismo" em educação, para, de seguida, explicitar a "passividade" que a pedagogia Montessori requer do adulto, nomeadamente do educador. 1 M. Montessori, A Criança, Lisboa, Portugália Editora, s/d [1936], p. 154. 2 M. Montessori, L’éducation et la paix, Paris, Desclée de Brower, 1996 [1949], p.44. 3 D. Hameline, Courants et contre-courants dans la pédagogie contemporaine, Issy-les- Moulineaux, ESF, 2000, p. 52. 4 M. Montessori, A Criança, p. 217. 24
  • 25. 1. Liberdade e actividade da criança A formação médica permite a Montessori colocar o conhecimento da biologia ao serviço da educação das crianças5 e rejeitar uma pedagogia que pretende provocar e favorecer o seu desenvolvimento mostrando-lhe como deve fazer e forçando-a se necessário. Montessori prefere deixar que a vida psíquica da criança se expanda livremente, se interesse e manifeste as suas preferências como quer fazê-lo, alimentá-la e estimulá-la mediante brinquedos apropriados, afastando simplesmente os perigos, e calmamente esperar que se desenvolva segundo as suas possibilidades. O seu método pressupõe um ambiente que favoreça a expressão do potencial da criança, competindo ao educador preparar esse "ambiente adequado ao momento vital". Mas é a criança que se auto-educa. Ela escolhe livremente as suas ocupações e os seus movimentos, buscando na multiplicidade das situações ambientais aquelas que são favoráveis ao seu desenvolvimento e à organização da sua personalidade, não se interessando de momento pelas restantes. A criança surge, assim, como centro de uma pedagogia que concebe "o processo educativo mais como irrefreado desenvolvimento da personalidade do que como disciplina de integração social"6. O princípio da auto-educação da criança assenta, em primeiro lugar, numa concepção que, inspirando-se em Rousseau, faz coincidir os termos natureza e liberdade. Contudo, para Montessori esta natureza vem a ser um impulso inato, interior, "uma energia que tende a retirar do ambiente os elementos úteis ao seu desenvolvimento"7. É esta liberdade da criança que permite as manifestações naturais da criança e a sua observação pelo educador: "O método da observação é estabelecido sobre uma base fundamental: a liberdade dos alunos nas suas manifestações espontâneas"8. Esta liberdade deve, pois, entender-se no sentido de "não dirigida pelos 5 M. de Paew, El Método Montessori tal como se aplica en las "Casas de los Niños", expuesto y comentado para el magisterio y para las madres, Madrid, Espasa-Calpe, 1935, p. 25. 6 R. Grácio, Educação e Educadores, 3. ed, Lisboa, Livros Horizonte, s/d, p. 1w5. 7 G. Caló,. Maria Mootessori, in J. Chateau (dir.), Os Grandes Pedagogos, Trad. de Maria Emímia Ferros Moura, Lisboa, Livros do Brasil, s/d, [1956], p. 343. 8 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, Préface de M. P. Lapie, Trad. de M.-R. Cromwel, Paris, Librairie Larousse, s/d [1932], p. 27. 25
  • 26. adultos"9, porquanto a acção deste é "indirecta", isto é, através da construção de um ambiente que permite que a criança possa ser activa10. É, com efeito, a liberdade que está na base da actividade: "O método pedagógico da observação tem por base a liberdade da criança; ora liberdade é actividade"11. O seu labor é feito de actividade, ela cresce com exercício e movimento: a criança exercita-se e move-se fazendo experiências e (tal como coordena os seus movimentos e vai registando as emoções que, vindas do mundo exterior, plasmam a sua inteligência) vai conquistando a linguagem com fadiga, com milagres de atenção e esforços iniciais, que só lhe são possíveis a ela, e com irresistíveis tentativas se vai apoiando sobre os pés, correndo e procurando"12. Liberdade e actividade concretizam-se através da escolha livre dos materiais por parte da criança. Ela "tem grandes capacidades, uma viva sensibilidade interior; ela está muito predisposta quer a observar quer a ser activa"; ela "é um ser animado de paixões intensa", "ela tem uma grande paixão para aprender". Escreve Montessori em L’éducation et la paix: "A criança possui tendências naturais – que se podem chamar instintos, pulsões vitais ou, então, dinâmicas interiores – que lhe permitem uma grande faculdade de observação e uma paixão por certas coisas e não por outras. Ela pode desenvolver uma tal energia para aquilo que lhe interessa que não há outra explicação que uma espécie de instinto"13. A actividade da criança caracteriza-se pela concentração, o que torna a criança quase insensível ao mundo exterior e a faz repetir o exercício sem qualquer finalidade exterior. Desta concentração, a criança sai como uma pessoa repousada, cheia e vida, com aparência de quem sentiu uma imensa alegria14. Com efeito, ela não se fatiga com o trabalho: "trabalhando, [ela] cresce, e por isso o trabalho lhe aumenta a energia"15. É, pois, um móbil interior que explica "a [sua] actividade concentrada num trabalho e exercitando-se sobre um objecto exterior com movimentos das mãos guiados pela inteligência" e faz aparecer a Criança: "iluminada pela alegria, infatigável, porque a sua actividade é como que um metabolismo psíquico, fonte vital de 9 L. Sanchez Sarto (bajo la dir.), Diccionario de Pedagogia, Tomo Segundo I – Z. Barcelona, Editorial Labor, 1936, cols. 2154. 10 M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 79. 11 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, p. 29. 12 M. Montessori, A Criança, p. 272. 13 M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 77. 14 M. Montessori, A Criança, p. 166. 15 Ibidem, p. 276. 26
  • 27. desenvolvimento"16. A criança expressa esta necessidade interior pedindo "Ajuda-me a fazê-lo sozinha"17. 2. Montessori e o activismo Vamos já expor o problema: pode-se considerar Maria Montessori parte integrante do acuivismo? Para responder, convém antes de mais nada lembrar que Montessori dificilmente se insere num qualquer filão pedagógico, dado ela não ser pedagoga e nem se sentir como tal. De facto, Montessori é e sente- se médica, uma cientista que resolve dedicar-se ao estudo das crianças anormais, integrando assim a tradição dos chamados "médicos pedagogos" – sobretudo médicos! – tal como Jean Itard e Edouard Séguin. O seu próprio desejo de construir uma pedagogia científica define-se aliás na base de uma negação substancial da reflexão e da tradição pedagógica. É nesta óptica que, na apresentação do Metodo, Montessori pode afirmar de maneira drástica que "na verdade a Pedagogia Científica ainda não foi construída nem definida. É algo de vago de que se fala, mas que na realidade não existe. Parece que até agora não passou da intuição de uma ciência"18. É precisamente porque, aos olhos dela, a pedagogia não existe, que Montessori se propõe fazê-la existir ao construí-la como ciência, indo beber à fonte da filosofia (para a parte teórica), da biologia (para a parte experimental) e do trabalho de campo19 (para a parte educativa). Um certo distanciamento, portanto, em relação à pedagogia que inclui também o movimento das escolas activas, embora Montessori mostre um verdadeiro interesse para com este último.20 Para Montessori, no entanto, existe o Método, o dela, e depois – separadamente – existe a educação nova. Tal como ela própria reparou, "a orientação da Nova Educação pela qual Claparède se interessou, toma em consideração antes a quantidade das disciplinas incluídas nos programas, com o objectivo de as reduzir para 16 Ibidem, p. 196. 17 Ibidem, p. 276. 18 M. Montessori, Il metodo della Pedagogia Scientifica applicato all’educazione infantile nelle Case dei Bambini, Città di Castello, Lapi, 1909, p. 5. 19 "Eu lá estava ou ensinava directamente às crianças das oito da manhã às sete da noite sem interrupção: esses dois anos de prática constituem o meu primeiro e verdadeiro diploma em termos de Pedagogia" (ibidem, p. 28). 20 Sobre as etapas deste encontro e, de maneira mais geral, para uma "biografia pedagógica" actualizada da Montessori, ver G. Cives, Maria Montessori. Pedagogista complessa, Pisa, ETS, 2001. 27
  • 28. evitar o cansaço mental. Mas não aborda o problema do modo como os alunos poderiam enriquecer a sua cultura sem ficarem cansados"21. Uma crítica, aliás, que demonstrou ter acertado com lucidez num verdadeiro problema de fundo do activismo: a direcção da escola nova corre o risco de não se afastar de modo substancial da escola tradicional, pelo menos até não ser capaz (ou pior ainda até continuar a evitar de propósito) de se pôr verdadeiras questões a nível teórico. Porém, é sem dúvida um "lugar comum" integrar Montessori de direito no activismo. É, certamente, um hábito facilitado pelo facto de o movimento chamado "activismo" constituir na realidade um universo extremamente variado e diversificado. Ainda por cima, em Montessori encontramos efectivamente traços canónicos da educação nova: a centralidade da criança, a importância do trabalho manual, as experiências, o ambiente, a supressão da carteira e da cadeira do professor enquanto sinais tangíveis de uma educação impositiva e de uma constrição física da liberdade da criança. E não faltam afinidades lexicais enganadoras. Ainda que admitamos querer inseri-la nesta corrente, são todavia precisos alguns acertos, a começar pelos ligados ao próprio conceito de "activismo". A palavra "activo" entra continuamente no vocabulário de Montessori para indicar, não apenas – o malentendido ocorreu muitas vezes – a disposição para fazer, mas, sobretudo, a disposição de um intelecto que se torna capaz de distinguir, de abstrair, de classificar22. Ser activo quer então dizer dominar o mundo graças a um pensamento capaz de transformar o caos aparente da multiplicidade numa ordem racional. Activismo neste sentido não se refere ao trabalho manual, ao estímulo dos sentidos ou à praxe, mas indica uma actividade do intelecto, uma capacidade de construir uma ordem em relação ao mundo. Para Montessori não é portanto possível falar de um "fazer anterior ao conhecer", mas, pelo contrário, trata-se de uma forte centralidade do pensamento23 ao ponto de não faltarem, no que lhe diz respeito, acusações de intelectualismo vindas dos próprios sectores do activismo. Estas acusações acabam por não perceber que, na sua obra, o pensamento é de facto uma dimensão dominante, mas sobretudo um pensamento que se enraíza na realidade: o homem não pode conhecer a não 21 M. Montessori, La mente del bambino, Milano, Garzanti, 2002, p. 9. 22 Cfr. M. Montessori, L’autoeducazione nelle scuole elementari, Milano, Garzanti, 1973, p. 185. 23 "A vida psíquica – a modos de exemplo do que escreve a Montessori –, tendo que ser uma matriz, tem sempre um carácter preexistente sobre os movimentos que lhe são ligados: portanto quando a criança quer mexer-se, já sabe o que quer fazer" (Il segreto dell’infanzia, Milano, Garzanti, 1989, p. 111). 28
  • 29. ser através dos sentidos, através do aguçamento progressivo das próprias aptidões sensoriais. Aprender a sentir significa aprender a distinguir, ou seja, a abstrair. Os sentidos e o intelecto constituem uma unidade, um círculo que não se deve quebrar. Não é por acaso que Montessori insiste no papel fundamental que desempenha a mão, verdadeiro "órgão psíquico", no percurso educativo24. A mão que se apodera do mundo, a mão que toca e transforma as coisas, mas também a mão guiada pelo cérebro. A mão, portanto, como uma ponte entre pensamento e acção, um intermediário insuprível que visualiza o circuito constante entre teoria e praxis graças ao qual a criança se torna capaz de transformar a percepção sensorial numa posse ordenada, racional do mundo25. O espírito, portanto, preexiste a qualquer movimento, mas os sentidos são fundamentais; sem a capacidade de sentir o homem não pode conhecer, no entanto a maneira como o homem usa os sentidos e organiza a realidade é sempre um acto antes de mais nada teórico. Portanto, o conhecimento em Montessori é sempre fruto de uma abstracção. Uma situação parecida ao que acontece com o conceito de "activismo" ocorre com outra palavra-chave: "laboratório". Tomemos o primeiro dos "Trinta pontos" da escola nova: podemos ler que a "escola nova é um laboratório de pedagogia prática". Ora bem, também a Casa de Bambini de Montessori é um laboratório, mas não no sentido de um lugar onde se aplicam novas técnicas didácticas e psicológicas, mas, pelo contrário, no sentido de um lugar que o cientista soube preparar de maneira artificial e teoricamente coerente para efectuar observações cientificamente rigorosas. Portanto, para a criança a Casa é uma escola e não um laboratório; só para o cientista-pedagogo é que se trata de um laboratório. Esta "divergência" de significado permite, aliás, enfrentar uma questão que suscitou e ainda suscita hoje perplexidades e críticas: o material didáctico26. Ficamos sem dúvida perplexos face ao uso determinado e constritivo que brota deste material: as crianças não podem pegar nas construções e outros objectos e mexer neles livremente, mas têm que ser levados pela direttrice a usar de modo correcto tal material. Uma possibilidade de ultrapassar tal perplexidade pode ser então proporcionada justamente pela diferente acepção montessoriana de conceitos como "laboratório" e "activismo". Peguemos nas próprias palavras da Montessori: 24 M. Montessori, La mente del bambino, cit., p. 152. 25 Cfr. M. Montessori, Il segreto dell’infanzia, cit., pp. 107-115. 26 Cfr. por exemplo J. Dewey, Democrazia e educazione, tr. it., Firenze, La Nuova Italia, 1995, p. 105). Por outro lado, é preciso sublinhar quão extremamente incisiva se torna a crítica deweyana na altura em que o material montessoriano é usado dentro de uma dimensão meramente prático-operativa, dimensão, ainda hoje, atribuída por demasiada gente ao Método. 29
  • 30. «o material didáctico não faculta […] à criança o "conteúdo" do intelecto, mas a ordem para aquele "conteúdo"»27. O uso conforme esquemas taxativos do material pode então justificar-se na medida em que este não constitui uma finalidade em si, mas um instrumento para a construção de uma ordem mental. Nesta óptica, o que se parece num primeiro tempo com uma teoria educativa "passiva", onde a criança recebe sensações por parte do ambiente que lhe permitem conhecer, transforma-se numa teoria onde a criança tem como primeiro e urgente dever proporcionar uma ordem racional ao próprio intelecto. O material, portanto, tem como objectivo proporcionar à criança a possibilidade, através do exercício manual, de construir as próprias estruturas mentais. Dito de outra maneira, não é o conteúdo que interessa: ao propor aquele material específico, Montessori apontou de facto explicitamente para as estruturas culturais que a criança tem que construir para o próprio intelecto. À guisa de conclusão deste esboço sintético sobre as relações eventuais entre Montessori e o activismo, é preciso porém reparar no peso que tiveram as ambiguidades alimentadas pela própria Montessori acerca de todos estes aspectos: receios, malentendidos, afinidades e divergências. Enquanto que a Montessori que se sente cientista, interfere com dinâmicas de muito interesse, a Montessori que se propõe actuar de maneira "pedagógica" – mesmo quando levada por uma personalização elaborada do próprio Método – apresenta-se na realidade num plano meramente aplicativo28. Foi este plano aplicativo que de facto teve mais sucesso e que sem dúvida esteve mais próximo do activismo. Como podemos reparar, o tema das relações entre Montessori e o activismo revela-se uma questão aberta e complexa. Enfim, podemos observar que existe inevitavelmente uma ligação, até porque o clima de profunda renovação da escola e das ideias educativas foi partilhado. No entanto, em relação a um activismo que foi sobretudo um movimento de ruptura, de protesto contra uma escola ultrapassada e obtusa, mas que não soube (ou não quis) interferir de um ponto de vista teórico, Montessori mostra uma profunda vontade de reorganização teórica. O seu "activismo" talvez tenha tido dificuldade em se concretizar numa chave rotundamente pedagógica, mas soube impor em primeiro plano caracteres fundamentais com o objectivo de instaurar uma discussão pedagógica cientificamente 27 M. Montessori, Manuale di Pedagogia Scientifica, Napoli, Morano, 1921, pp. 93-94. 28 Um aprofundamento destes aspectos esteve na base da comunicação de Alessandra Avanzini Educazione nuova, scienze ‘esatte’ e pedagogia scientifica. Una rilettura del caso Montessori por ocasião do XXVI congresso da International Standing Conference of the History of Education (Genebra, 14-17 Julho 2004) New education. Genesis and Metamorphoses. 30
  • 31. alicerçada como a dimensão da abstracção, do convencionalismo e da artificialidade. 3. A "passividade" do educador Para além do ambiente educativo e do material, outro factor da educação é "o carácter negativo do adulto", que se caracteriza por um estado de "calma intelectual", que, não se limitando aos impulsos nervosos, vem a ser "um estado […] de descarga mental que produz limpidez interior. É a ‘humildade espiritual’ que se avizinha da pureza do intelecto e dá a preparação necessária para compreender a criança e devia constituir a preparação essencial da mestra"29. O educador é o construtor da ambiência educativa e o seu papel consiste em perceber os objectivos visados através das simulações de que a ambiência deve ser portadora: "O adulto precisa de interpretar as necessidades da criança, para compreender e auxiliar com cuidados apropriados e preparar-lhe um ambiente adequado. Desta forma iniciaria uma nova era na educação, a de ‘auxílio à vida’"30. O educador não é um "mestre" em sentido estrito, é mais um director das experiências de aprendizagem31. Ele deve constantemente dirigir o crescimento e desenvolvimento da criança, proporcionando-lhe os materiais adequados, e deve estar sempre alerta para a iminência da mutação brusca, buscando os "períodos sensitivos" quando ocorre um repentino salto ou acesso do desenvolvimento numa nova direcção. "Trata- se do professor passivo, que perante a criança suprime o obstáculo constituído pela sua própria personalidade, que apaga a sua autoridade para que possa desenvolver-se a actividade da criança e se mostra plenamente satisfeito quando a vê trabalhar sozinha e progredir, sem atribuir mérito a si próprio"32. Maria Montessori opõe-se, assim, ao "professor faz-tudo que amontoa conhecimentos na cabeça dos seus alunos" e que, para poder ter êxito na sua obra, usa "a disciplina da imobilidade e da atenção forçada dos 29 M. Montessori, A Criança, pp. 195-196. 30 Ibidem, p. 112. 31 Montessori usa frequentemente nos seus trabalhos o termo direttrice (directora). Nesta expressão pode ver-se uma concepção da educação principalmente como uma ocupação de mulher, por cuja emancipação pugnava. Como observa Giovanni Caló, a pedagoga italiana pretende realçar o papel de "velar e auxiliar meramente e não o de ensinar ou impor o que quer que seja" (s/d: 347). 32 M. Montessori, A Criança, p. 155. 31
  • 32. alunos" e "serve-se largamente das recompensas e das punições, para obrigar a esta atitude aqueles que são condenados a ser seus ouvintes". Com efeito, esta disciplina estimuladora do esforço faz jus a uma concepção do "homem social" como "o homem natural posto sob o jugo da sociedade". Ela vem a ser "instrumento de escravidão do espírito", não assenta na "força triunfante" da criança e, por isso, não influencia o seu "desenvolvimento natural": "O verdadeiro castigo do homem normal está na perda da consciência da sua própria força e da grandeza do seu ser interior"33. Na pedagogia montessoriana invertem-se, pois, os papéis entre o adulto e a criança na sociedade e na escola tradicional, a ponto de ser acusada de utópica ou pelo menos de exagerada quando pretende "o mestre sem cátedra, sem autoridade e quase sem ensino e a criança transformada em centro de actividade, aprendendo sozinha, escolhendo livremente as suas ocupações e os seus movimentos"34. Na verdade, explicita Montessori, o papel do educador não é "abafar a actividade das crianças". O seu papel, aparentemente passivo, assemelha-se ao do astrónomo face aos astros que rodopiam no universo: as coisas vão por si mesmas e, para as estudar, investigar os seus segredos ou dirigi-las, é preciso observá-las e conhecê-las sem intervir. O educador tem de compreender que "a desordem do primeiro momento é necessária", que ele deve apeoas "olhar" e deixar à criança a educação de si mesma, permitir que ela passe dos primeiros movimentos desordenados aos movimentos ordenados espontâneos e faça uma espécie de selecção das suas próprias tendências que antes estavam confusas na desordem inconsciente dos seus movimentos. È assim que "a criança, consciente e livre, se revela a si mesma"35. Porém, a acção do professor não deve limitar-se à observação. Ele deve proceder também à experiência. E "a lição corresponde a uma experiência"36 PS:40). A lição, nos primeiros tempos individual37, será breve, simples e objectiva, sem lesar o princípio da liberdade: "Se provocasse algum esforço, a professora não saberia mais qual é a actividade espontânea da criança" e ela deve deixar que "a vida interior livre se 33 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, pp. 10-11. 34 M. Montessori, A Criança, p. 156. 35 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, pp. 31-34. 36 Ibidem, p. 40. 37 As lições colectivas, cuja importância é secundária, nos primeiros tempos serão "muito raras, porque as crianças, sendo livres, não são forçadas a ficar no seu lugar, tranquilas e prontas a escutar a professora ou a ver o que ela faz" (PS:40). Na verdade, as lições colectivas "não constituem nem o único nem o principal ensino, mas, antes, uma iniciação reservada para argumentação e actividades especiais" (AC:197, nota) 32
  • 33. expanda". Se a lição não é compreendida pela criança pela explicação do objecto a professora, esta preocupar-se-á em "1º) não insistir repetindo a lição; 2º) não fazer compreender à criança que ela se enganou, ou que não entendeu, porque forçá-la-ia a compreender e alteraria o estado natural que deve servir à professora para as suas observações psicológicas" 38. O primeiro papel do educador é, pois, "estimular a vida, deixando-a totalmente livre de se desenvolver", "ajudar a alma que nasce para a vida e que viverá das suas próprias forças"39. Montessori distingue, assim, entre dois factores – o guia e o exercício individual –, residindo a arte pessoal do educador na oportunidade e nas modalidades da sua intervenção no que respeita a "guiar a educação espontânea da criança e inculcar-lhe as noções necessárias" – "convém associar bem cedo a linguagem às percepções"40 –, deixando à criança a sua auto-educação. Como afirma Montessori em O Espírito Absorvente da Criança, o "princípio pedagógico essencial" consiste, não em ensinar, mas em ajudar o espírito da criança no trabalho do seu desenvolvimento. Esta acção "indirecta" do educador faz com que a educação montessoriana se apresente como "altamente exigente"41 com os educadores que a promovem. Essa exigência começa por um apelo à preparação espiritual do mestre. O papel, aparentemente passivo, do educador assemelha-se, como vimos, ao do astrónomo face aos astros que rodopiam no universo. Assim, a descoberta da criança requer que o mestre seja iniciado. Esta iniciação faz- se através de uma instrução que lhe indique o estado de alma mais conveniente para a sua missão, um auto-exame que conduza à renúncia da tirania – a cólera e o orgulho que o faz dominar a criança –, uma preparação interior que o faça compreender a criança. Montessori ressalva, no entanto, que o facto de o mestre ter de expulsar do seu coração a cólera e o orgulho, de saber humilhar-se e revestir-se de caridade como "ponto de partida" e "meta" da educação da criança "não significa […] que deva aprovar todos os actos da criança, nem que se abstenha de a julgar ou que nada tenha a fazer para desenvolver a sua inteligência e os seus sentimentos: pelo cootrário, não pode esquecer que a sua missão é educar, ser, positivamente, o mestre da criança". O que pretende a pedagoga italiana é que, da parte do educador, haja uma "acto de humildade" que suprima "não […] o auxílio 38 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, pp. 41 e 43. 39 Ibidem, p. 43. 40 Ibidem, p. 81. 41 L. Sanchez Sarto (bajo la dir.), Diccionario de Pedagogia, col. 2156. 33
  • 34. dado pela educação, mas o nosso estado interior, a nossa atitude de adulto, que nos impede de compreender a criança" 42. Por outro lado, a educação montessoriana requer a transformação da escola: "A preparação dos professores deve caminhar a par com a transformação da escola; se nós preparámos professores observadores e habituados à experiência, convém que na escola eles possam observar e experimentar"43. Na transformação da escola inclui-se também o ambiente físico: o mobiliário, utensílios, objectos de observação e meios de trabalho devem corresponder às dimensões físicas da criança e ser adequados ao objectivo desejado de forma que a criança possa facilmente atingi-los, movimentar-se entre eles, utilizá-los. Deve, no entanto, sublinhar-se que estas exigências da educação montessoriana visam a formação de uma "criança nova", a formação do homem de amanhã. Acreditava Montessori que uma educação deste tipo faria da criança o "redentor" da humanidade e faria do mundo de amanhã um "mundo novo", uma sociedade fraterna e, por isso, de paz. Trata-se, com efeito, de um "sonho" comum ao movimento da Educação Nova, que se associa à crença seja na perfectibilidade indefinida do homem, seja no progresso infindo44. II. Criança Nova, redenção da Humanidade A proposta pedagógica de Montessori inscreve-se numa corrente cientifizante da pedagogia, como pretende a sua Pedagogia Científica, mas reflecte também, como dizemos acima, um "halo de religiosidade humanista e cósmica" que consagra a criança como um ser espiritual – "um embrião espiritual" – e de natureza divina. A este idealismo espiritualista de Montessori não é indiferente a sua formação católica, pelo que ela inscreve todo o seu pensamento educacional na corrente humanista cristã, esmalta os seus escritos de citações bíblicas e matiza o seu vocabulário de biologista com um vocabulário evangélico45. 42 M. Montessori, A Criança, p. 215. 43 M. Montessori, Pédagogie scientifique. 1 – La maison des enfants, p. 12. 44 J. Houssaye, Pédagogie et politique. Evolution des rapports, in J. Magalhães (Org.), Fazer e Ensinar História da Educação (Actas do 2º Encontro de História da Educação/Sociedade portuguesa de Ciencias da Educação/Secção de História da Educação – Braga, 8/9 Novembro de 1996), Braga, UM/IEP/CEEP, 1996, pp. 59-62. 45 W. Böhm, Maria Montessori, in J. Houssaye (sous la dir.), Quinze pédagogues. Leur influende aujourd’hui, Paris, Armand Colin, 1994, pp. 155-157; E. M. Standing, Marie Montessori. Sa vie, son œuvre, Préface de A. Berge, Paris, Desclée de Brouwer, 1995, p. 48; R. 34
  • 35. Deste modo, nesta parte, realçamos a concepção montessoriana da criança como pai e mestre da Humanidade. Esta pedagoga enfatiza a ideia de "criança nova" como construtora de uma "nova" sociedade ou de um "novo" mundo, já que a criança leva dentro de si as potencialidades de o homem que virá a ser um dia. Enfatiza-se também a condição de inocência da criança que vem a ser Messias redentor e as suas ressonâncias míticas, porque para a pedagoga italiana a sociedade deve ser reconstruída, e a criança possui a potencialidade que, combinada com um ambiente estimulante, ajudará a formar um "homem novo" para um "mundo novo". 1. A criança, progenitora e mestre da humanidade Na criança aparece claramente a natureza humana: ela está próxima do espírito criador, das leis da criação, e desenvolve a sua energia potencial. Por isso, "a criança é o progenitor do homem" porquanto "todo o poder do adulto procede da possibilidade que o ‘menino-progenitor’ teve de realizar plenamente a missão secreta de que se achava investido"46. O seu labor é "produzir o homem", sem dúvida "uma grande, importante e difícil tarefa". Escreve Montessori "Se do inerte recém-nascido, mudo, inconsciente e incapaz de se mover, se forma um adulto perfeito, com inteligência enriquecida pelas conquistas da vida psíquica e resplandecente pela luminosidade que o espírito lhe confere, tudo isso é obra da criança"47. Está, pois, na criança o futuro do Homem Novo, ela anuncia um "futuro luminoso" e um "mundo novo", devendo a educação ser uma "educação para a vida", porque o que está em causa é a construção, e não a reconstrução, da mente da criança: "construção entendida como desenvolvimento de todas as imensas potencialidades de que a criança, filha do homem, é dotada"48. Assim, "o nosso primeiro mestre será a própria criança"49. O adulto deve inspirar-se na criança, enquanto "mestre de vida", construtora e guia da humanidade: "Devemos considerar a criança como o farol da nossa Grácio, Educação e Educadores, p. 175; A. Avanzini, Educazione nuova, scienze ‘esatte’ e pedagogia scientifica. Una rilettura del caso Montessori, in A. F. Araújo & J. M. de Araújo, História, Educação e Imaginário. Actas do VII Colóquio de História, Educação e Imaginário (Universidade do Minho, 8 de Março de 2004), Braga, UM/IEP/ CiED, 2004, p. 141. 46 M. Montessori, A Criança, p. 271. 47 Ibidem. 48 M. Montessori, A Mente da Criança (Mente Absorvente), Lisboa, Portugália Editora, 1971 [1949], p. 26. 49 M. Montessori, Formação do Homem, 3ª ed, Lisboa, Portugália Editora, s/d [1949]. 35
  • 36. vida futura. Quem queira obter algum benefício para a sociedade tem, necessariamente, de se apoiar na criança, não só para a salvar dos desvios, mas também para reconhecer o segredo prático da nossa própria vida. Sob este ponto de vista, a figura da criança apresenta-se potente e misteriosa, devendo-se meditar sobre ela porque a criança, que contém o segredo da nossa natureza, se converte em nosso mestre"50. A criança não deve, pois, ser vista apenas como um ser frágil e impotente a carecer de ser protegida e ajudada. Como desenvolvemos acima, ela é "embrião espiritual", possui uma vida psíquica activa desde o dia do seu nascimento, que é "guiada pelos instintos subtis que lhe permitem construir activamente a sua personalidade humana". E é porque ela se tornará adulta que "devemos considerá-la como a verdadeira construtora da humanidade e reconhecê-la como nosso pai"51. Desde que nasce, a criança é "fonte de amor" e portadora de um "plano de estruturação inato da sua alma", podendo alcançar o seu pleno desenvolvimento graças aos "instintos que guiam interiormente os seres vivo". Estes "instintos-guias" diferem dos "instintos impulsivos referentes ás reacções imediatas do ser em face do meio e visam a conservação do indivíduo e a conservação da espécie: eles "possuem uma ciência e uma sabedoria que conduzem os seres ao longo da sua viagem pelo tempo (indivíduos) e pela eternidade (espécie)" e "são particularmente maravilhosos quando se destinam a guiar e a proteger a vida infantil inicial, quando o ser está ainda quase inexistente e imaturo, porém encaminhado para alcançar o seu pleno desenvolvimento"52. O "plano psíquico" de que a criança é portadora, sendo um plano de desenvolvimento imanente de acordo com um programa biológico hereditário, carece de um ambiente adequado à sua realização. Porém, o adulto não lhe prepara esse ambiente adequado, abandona-a53 ao "ambiente supernatural", "o ambiente civilizado onde decorre a vida dos homens", abandona-o ao "instinto de tirania que existe no fundo de todo o coração de 50 M. Montessori, A Criança, pp. 290-291. 51 M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 61. 52 M. Montessori, A Criança, pp. 279 e 280. 53 "Ao considerar a criança, o adulto fá-lo com a mesma lógica que aplica à sua vida: vê nela um ser diferente e inútil, que afasta da sua presença, ou, com aquilo que se chama educação, faz um esforço por atraí-la, prematuramente, para a sua espécie de vida; e procede como procederia uma mariposa (se tal fosse possível) que rasgasse o casulo da sua ninfa para convidá-la a voar ou como uma rã que tirasse da água os seus girinos para os obrigar a respirar com os pulmões e a mudar para verde a cor negra que tanto os desfeia" (M. Montessori, A Criança, pp. 285-286). 36
  • 37. adulto", mas "ninguém vê, na criança que acaba de nascer, o homem doente, a primeira imagem do Cristo puro e incompreendido"54. A criança que chega "traz a este Mundo novas energias" que deveriam ser "sopro regenerador", ela "reflecte em si o Cristo moribundo, Cristo redentor", mas o adulto, que a devia acolher e proteger, não a sabe receber: "Não sentimos o recém-nascido: para nós, não é um homem. Quando chega a este Mundo, não sabemos recebê-lo, embora o mundo que criámos lhe esteja destinado para que o continue e o faça caminhar para um progresso superior ao nosso"55. Assim, o desenvolvimento natural da criança vê-se, paradoxalmente, travado, logo desde o início, por todos aqueles e aquelas que deveriam precisamente auxiliá-la. Numa palavra, a situação de "abandono" da criança faz lembrar segundo Montessori, as palavras de João Evangelista: "Ele veio ao mundo e o mundo foi criado para Ele; mas o Mundo não o reconheceu. Veio à sua própria casa, e os seus não o receberam" (Jo, 1, 10-11). O adulto não ajuda a criança porque ignora que ela, desde que nasce, luta pela sua existência psíquica: ele desconhece o "milagre que se está realizando: o milagre da criação a partir do nada, efectuado aparentemente num ser sem vida psíquica"56. Para a trilogia pais-sociedade- escola, a criança, "pequeno operário a quem a Natureza confiou a missão de construir a Humanidade", não passa ainda de ser extra-social, um ser que não pertence ainda à Sociedade humana e, assim, priva-se do seu "mestre", daquele que não só contém o "segredo da nossa natureza", como é igualmente o "farol da nossa vida futura"57, fazendo sentir ao homem a necessidade, não já de conquista, mas de purificação e de inocência e, por isso, fazendo-o aspirar à simplicidade e à paz. Enfim, "é a voz divina, que nada pode desviar, que chama em altos gritos os homens para os reter em torno da criaoça"58. Ora, a criança, como "embrião espiritual" cujo objectivo é encarnar a personalidade humana, carece para essa "encarnação" de uma ambiência que "possa responder ás suas necessidades vitais e facilitar a sua libertação espiritual"59, a fim de que o seu instinto de trabalho – o "desejo" de trabalhar –, com os seus ritmos, características vitais e poderes que lhe são próprios, a redimam e a transformem numa "criança superior": "Quando 54 Ibidem, pp. 36, 13 e 38. 55 Ibidem, p. 46. 56 Ibidem, p. 74. 57 Ibidem, p. 290. 58 Ibidem, p. 287. 59 M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 62. 37
  • 38. os preconceitos forem dominados pelo conhecimento aparecerá então no mundo a ‘criança superior’, com seus poderes maravilhosos que hoje permanecem escondidos; aparecerá então a criança que está destinada a formar uma humanidade capaz de compreender e de controlar a presente civilização"60. O resultado natural que decorre da "personalidade criadora e superior", no domínio da educação, é a figura da Criança Nova, que surge como uma autêntica revelação ou "descoberta psicológica que guia a educação nova". As qualidades que essa criança apresenta, tal como Montessori as salienta em L’Enfant Nouveau, são a disciplina, a ordem, o silêncio, a obediência e a sensibilidade moral. Por sua vez, estas qualidades podem e devem ser completadas, entre outras, com as de "vivacidade, autoconfiança, coragem, solidariedade, em resumo as forças morais que são também de ordem moral"61. Montessori insiste em afirmar que a esperança do homem em se regenerar e criar uma "nova civilização" reside nas potencialidades infinitas que provêm do espírito da criança, pois na necessidade mais urgente, para esta pedagoga, reside na construção de um "mundo novo para um homem novo"62. Mundo novo revelado pelo espírito da Criança Nova, dado esta, por um lado, ter merecido graça aos olhos da Divindade e, por outro, se encontrar próxima do "estado paradisíaco"63: "O espírito da criança é que poderá trazer o que será talvez o progresso real do homem e – quem sabe? – o início de um nova civilização"64. Em síntese, é a criança, encarada do ponto de vista psíquico, a única a poder contribuir para que o homem receba um "impulso ao [seu] melhoramento", pois é ela que constrói o homem: "Se do recém-nascido, mudo, inconsciente e incapaz de se mover, se forma um adulto perfeito, com inteligência enriquecida pelas conquistas da vida psíquica e resplandecente pela luminosidade que o espírito lhe confere, tudo isso é obra da criança"65. O adulto, o mestre, em contacto com a Criança Nova vê-se, também ele, impelido a seguir uma nova orientação: a "vida nova". O poder do adulto esbate-se, a sua actividade de controlo apaga-se para deixar o caminho livre à criança de forma a ela afirmar livremente a sua própria 60 M. Montessori, Formação do Homem, p. 68. 61 M. Montessori, L’enfant nouveau, La Nouvelle Éducation, nº 96, 1931, pp. 105 e 106. 62 M. Montessori, L’éducation et la paix, p. 44. 63 M. Montessori, L’enfant nouveau, pp. 102-110. 64 M. Montessori, A Criança, p. 18. 65 Ibidem, p. 271. 38
  • 39. actividade e conduzir o adulto: "É a criança nova que está sozinha, nos pode conduzir e mostrar-nos o nosso caminho"66. O problema da criança vem, pois, a ser um problema social que convida o homem a conhecer-se a si próprio – nosce te ipsum – pelo conhecimento do segredo da criança, as leis ocultas que guiam o desenvolvimento psíquico do homem, e a normalizar a Sociedade do adulto pelo mundo da criança. A reforma social deve associar a educação e a organização social do homem e dela fazer sair, lenta e constantemente, "um mundo novo do muodo velho: o mundo da criança e do adolescente. Deste mundo, deviam sair lentamente as revelações, as directrizes naturais necessárias à vida normal da Sociedade". E, nesta linha de ideias, "o aperfeiçoamento da educação só pode ter uma única base: a normalização da criança"67. Montessori lança, por isso, um apelo aos pais, na qualidade, não de construtores, mas de seus "custódios supernaturais" da criança: "Os pais são custódios supernaturais, como aqueles anjos protectores que a religião concebeu, dependentes única e directamente do Céu, mais poderosos que qualquer autoridade humana e unidos á criança por laços invisíveis porém indissolúveis". A "missão dos pais" vem a ser a de "empreender e abraçar a questão social que hoje se impõe: a luta para estabelecer no mundo os direitos [sociais] da criança", tão importantes, no início do século XX, como os direitos dos trabalhadores, porquanto "se o operário produz aquilo que o homem consome e cria no mundo externo, a criança produz a própria Humanidade e, por isso, os seus direitos são ainda mais exigentes em reclamar transformações sociais"68. O futuro da Humanidade depende, pois, da criança e, por isso, se compreende o alcance da profecia de Hellen Key quando afirmou que o século XX seria o século da criança. Com efeito, o século anterior pode considerar-se o século da escola, isto é, o século em que a Sociedade procurou concretizar o ideal iluminista da educação universal através da universalização da escola de massas, ideal ainda hoje não cumprido em muitos países. Porém, como denuncia Montessori, mesmo este ideal iluminista acaba por ser traído na sua concretização quando a sociedade, a família e escola parece que se unem seja para deixar morrer as crianças por falta de cuidados, seja para as "explorar" como mão-de-obra trabalhadora capaz de acrescentar algum rendimento ao orçamento familiar, seja para a "castigar" pela pretensa incapacidade e falta de interesse pelo estudo. E se, 66 M. Montessori, L’enfant nouveau, p. 110. 67 M. Montessori, A Criança, pp. 289-290. 68 Ibidem, pp. 292 e 293. 39