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Ciro Marcondes Filho
A SOCIEDADE FRANKENSTEIN
São Paulo
1991
Um Frankenstein tecnológico nos ameaça.
Pelo menos é o que cremos. Vivemos já
num mundo de máquinas de transportar,
de fabricar, de pensar. Frankenstein,
nosso duplo, esse mundo-máquina que
criamos, assume pouco a pouco sua
autonomia e seu poder.
Lucien Sfez
Primeira Parte................................................................................................................................................ 5
O DESTINO DE UMA ILUSÃO...................................................................................................................5
1. A Crise do Pensamento Esclarecido................................................................................................. 5
2. O antiiluminismo.................................................................................................................................8
3. O desencanto estético..................................................................................................................... 11
Segunda Parte............................................................................................................................................. 15
O FRANKENSTEIN TECNOLÓGICO.......................................................................................................15
Traços gerais da sociedade..................................................................................................................... 17
1. Crescimento louco, multiplicação e morte....................................................................................... 17
2. Vivência imaginária.......................................................................................................................... 17
3. Ficcionalização da memória.............................................................................................................18
4. Esvaziamento do ser........................................................................................................................18
5. Substituição dos sistemas lógicos................................................................................................... 19
I - Tecnologias e meios de comunicação.................................................................................................19
1. Tecnologias...................................................................................................................................... 19
1.1. A velocidade.............................................................................................................................. 20
1.2. A transformação da cidade....................................................................................................... 22
1.3. O novo status do saber............................................................................................................. 24
2. Meios de comunicação.................................................................................................................... 24
2.1. O processo televisivo................................................................................................................ 25
2.1.1.. A visão.............................................................................................................................. 25
2.1.2. A televisão..........................................................................................................................28
2.1.3.. O tempo televisivo............................................................................................................ 29
2.1.4. A densidade televisiva....................................................................................................... 29
2.1.5. A linguagem ...................................................................................................................... 29
2.2. A Informação............................................................................................................................. 31
2.3. Rock.......................................................................................................................................... 32
3 - Teoria em ruinas............................................................................................................................. 33
3.1. Velhas teorias da comunicação................................................................................................ 33
3.2. Nova teoria da comunicação.....................................................................................................36
3.3. Os conceitos da Era Frankenstein............................................................................................ 37
3.3.1. A circularidade................................................................................................................... 37
3.3.2. Superfície........................................................................................................................... 37
3.3.3. Autonomia do objeto.......................................................................................................... 39
3.3.4. Movimento.......................................................................................................................... 41
II - História, tempo, política...................................................................................................................... 41
1. Fim da história.................................................................................................................................. 41
2. O tempo............................................................................................................................................43
3. A política...........................................................................................................................................44
4. O Estado orbital............................................................................................................................... 46
5. O "locus" do poder........................................................................................................................... 47
III. O ser enfraquecido.............................................................................................................................. 48
1. Assassinato de Deus....................................................................................................................... 49
2. Multiplicação e fracionamento infinito.............................................................................................. 50
3. A desestabilização dos sujeitos....................................................................................................... 51
4. A nova esquizofrenia........................................................................................................................53
IV. Cultura pastiche e vazia..................................................................................................................... 55
1. Cultura do cinismo e da indiferença ................................................................................................56
2. Coletividade interativa...................................................................................................................... 58
3. O corpo e a morte............................................................................................................................ 59
4. O processo econômico.................................................................................................................... 60
Terceira Parte...............................................................................................................................................64
PARA ONDE VAI O HOMEM .................................................................................................................. 64
1. Teorias e estratégias........................................................................................................................64
1.1. Corrente histórico-humanista, voluntarista............................................................................... 64
1.1.1. A esquerda hegeliana........................................................................................................ 64
1.1.2. A teoria de Juergen Habermas.......................................................................................... 66
1.2. Corrente estruturalista...............................................................................................................68
1.3. Corrente pós-moderna.............................................................................................................. 70
2.O oráculo de Freud........................................................................................................................... 73
Bibliografia.................................................................................................................................................... 77
3
Primeira Parte
O DESTINO DE UMA ILUSÃO
1. A Crise do Pensamento Esclarecido
O homem da Era Moderna era marcado pela ilusão da onipotência. Nele
foi inculcado que possuia poderes, capacidades, força de interferir no meio, na
cultura, na história. De Deus, ele arrancou os poderes absolutos e determinou
com isso o declínio da metafísica: a nova era passa a ser a do homem
dominando a máquina, usando-se da ciência, da razão, do objetivo sobre o
subjetivo, do concreto sobre o abstrato, do material sobre o imaterial. O domínio
posivito da natureza e do meio decretava que nada mais de sobrenatural
poderia interferir na ação racional humana com vistas à realização de seus
nobres fins sociais. A técnica, nas mãos do homem, de fato promoveu o
crescimento industrial, a expansão dos bens de consumo, o desenvolvimento
de todos os meios de transporte e comunicação, bem como a inovação no
campo artístico, o aumento das facilidades das próprias sociedades humanas e
em todos os âmbitos da vida cotidiana.
As esperanças excepcionais que os homens atribuiram à técnica,
entretanto, não previam que seus desdobramentos questionariam a natureza do
espírito social da própria época moderna. A técnica não só deu conta das
aspirações humanas em realizar suas intenções de expansão, exploração e
domínio, mas superou-as excepcionalmente. Técnica, instituições e objetos
deixaram claro, no século XX, que os poderes humanos têm alcance restrito:
demonstraram que o homem não pode tudo; de fato, ele pode muito pouco. Os
objetos têm autonomia, impõem-se ao homem e não se subjugam. A
onipotência tornou-se impotência.
A técnica e seus desdobramentos na sociedade, isto é, a ideologia que
se desenvolve a partir de seu uso e de sua instrumentalização tornaram
possível, em primeiro lugar, a erosão dos princípios filosóficos que haviam sido
erguidos no começo do século XVII. A ontologia, ou seja, a concepção baseada
na filosofia clássica de que no homem existiriam "estruturas estáveis" - que só
não eram claramente perceptíveis porque o homem no seu processo social
estaria encoberto por uma nuvem de alienação provocada originalmenmte pelo
processo de trabalho - assim como a metafísica, foram minadas pela própria
forma de a técnica de autoimpor-se no social. Esta liquidou a imagem de que no
homem sua aparência poderia ser negada ou contraposta a uma estrutura
íntima última, bem como consagrou a afirmativa de Nietzsche, de que Deus
estava morto. Isto é, impôs uma verdade positiva de que as coisas são como
são e qualquer recurso transcendente de explicação seria tido como misticismo.
Em outras palavras: a crença na existência de Deus, e, por derivação, na
possibilidade de uma natureza permanente e imutável no homem passaram,
depois desta expansão da técnica, a ser tidas como mera ficção.
A existência de uma ontologia do ser teve sua origem nos mecanismos
de antropomorfização da própria sociedade, no destronamento da cultura
erguida sobre a imagem de Deus.
4
Isto quer dizer que na Época Moderna havia se instaurado um inchaço
nas possibilidades do sujeito, marcante especialmente na filosofia idealista, no
liberalismo e no socialismo. O sujeito transcedental era o homem ou o
proletariado que deveria realizar a utopia histórica. Nesse sentido, a história
funcionava como continuação do pensamento religioso e sua filosofia, surgida
na Época Moderna, não passava de uma reformulação ou modernização do
pensamento e da utopia cristã. Aquilo que para o Cristianismo era a redenção,
a salvação, a possibilidade de felicidade final, o pensamento materialista do
século XIX transferiu para agentes humanos historicamente determinados. O
homem, as classes ou as revoluções deveriam realizar a tarefa histórica de
construção terrena de uma utopia social.
Estes grandes discursos legitimadores da ação política, como o foram o
marxismo e o liberalismo, funcionaram também como aval do exercício da
ciência, do direito, da moral e da arte. O desenvolvimento da técnica,
entretanto, foi tornando cada vez mais débil este tipo retaguarda filosófica,
porque justificava-se por si mesmo, prescindindo de uma sombra religiosa,
ideológica ou abstrata. Quanto mais se desenvolvia a ciência e a técnica,
menos se poderia dizer que elas deveriam se basear num estatuto externo a
elas, isto é, numa ideologia. É por isso que o desenvolvimento técnico acabou
por realizar, especialmente no após-guerra, a liquidação final das ideologias
legitimadoras ou das "metanarrativas", e por suprimir o respaldo que se
baseava numa filosofia especulativa, num agir ético-político passando a uma
legitimação em si mesmo , segundo seus próprios parâmetros.
Com isso, todos os conceitos de sustentação do pensamento iluminista
começaram a cair por terra neste final de século. Em primeiro lugar, a razão já
que estava associada a um espírito iluminista e, segundo ela, o homem poderia
através da inteligência e do uso de sua racionalidade abarcar todas as formas
do real. O real é racional, dizia Hegel, atribuindo à capacidade humana a
possibilidade de dar conta de todas as ocorrências terrenas. Havia se
desfechado aí o golpe mortal e radical contra todas as formas de misticismo,
transferidas para a margem da sociedade, para o campo desprestigiado das
crenças e ilusões. Tinha prestígio e status, ao contrário, o saber racional e a
possibilidade de o homem, através dele, executar o domínio da natureza.
As crises históricas e os caminhos desastrosos a que conduziram os
desenvolvimentos técnicos e as tecnologias, e especialmente as formas de
dominação, opressão, violência, genocídios e ameaça planetária puseram em
cheque a capacidade da administração racional da sociedade. Os sistemas
políticos fanáticos e radicais, como barbáries sem rédeas pela história,
inspiraram-se, ao contrário, na mais absoluta irracionalidade. A partir da
experiência destes, o conceito de razão não tem mais sentido.
Sobreviveram, opostamente, fatos inexplicáveis, imprevisíveis,
incontroláveis, inadministráveis, demonstrando que independente ou além de o
homem conseguir dar conta da sua realidade, os eventos, acontecimentos,
irrupções fogem absolutamente de seu controle e de sua atuação.
Semelhante destino tiveram os conceitos de verdade, ideologia, história,
progresso, evolução. O conceito de verdade subordinava-se a uma estrutura
lógica maior, que lhe garantia o critério de legitimidade. Tratava-se de um
metarrelato e uma razão superior, que justificava os meios de acordo com os
5
fins pré-determinados. Com a crise do conceito de verdade, cai por terra
também o conceito de história, já que este baseava-se na noção de linearidade
ou de determinação. Ele supunha um processo evolutivo em que uma
sociedade medieval seria substituída por uma mercantilista mais desenvolvida e
esta por uma sociedade industrial capitalista, ainda mais avançada.
A concepção de evolução ascendente do social entra em crise na
medida em que os próprios valores que embasavam essa evolução já eram
determinados pelo estágio em que se vivia. Ou seja, na noção da história,
estava contida uma idéia de finalização, de finalismo e de a história tender à
realização de algum princípio, idéia, sociedade que os homens acreditavam
fosse se realizar necessariamente. A história deveria dobrar-se a essa idéia
criada pelos homens e seguir um rumo pré-programado. Progresso e evolução
seriam os indicadores da correção ou não desse rumo. Ingenuamente achava-
se que se poderia colocá-la sobre os trilhos.
Vem abaixo também o conceito de ontologia, como mencionado, porque
se baseava numa lógica marcada por opostos, essência/aparência,
alienação/desalienação, latente/manifesto, que implicavam, a partir de uma
crítica ao místico na sociedade, uma revisão de todo o pensamento, buscando
trazer à luz aquilo que se apresentava como mistificador, encobridor ou
falseador de uma determinada realidade. A concepção de uma ontologia e a
idéia de um desmascaramento estão igualmente subordinados às
possibilidades do real ser racional, de se chegar através da conscientização
política ou do trabalho intelectual ao "fundo" das coisas.
Com a crise dos grandes discursos genéricos, desaba também a noção
de totalidade que, derivada basicamente da dialética, reduzia todos os
fenômenos a leis gerais de funcionamento e da mesma forma "explicáveis"
segundo seus princípios determinantes. A noção de totalidade introduzia um
componente simplificador em todas as relações sociais e era da mesma forma
aglutinador. Por outro lado, exercia uma força terrorista sobre o conjunto dos
demais discursos, na medida que ao integrar todos os componentes sob sua
lógica, favorecia o desenvolvimento do pensamento ortodoxo e mesmo fanático
em termos de ideologia, política e lógica social.
Desmorona-se também a noção de sujeito histórico e mesmo a de indivíduo.
Indivíduo, assim como citoyen e burgeois, fazem parte de uma lógica em que
o homem obtém destaque dentro do conjunto social e se afirma como ser
dominante. Entretanto, já desde Copérnico e Darwin que não se justifica tal
preponderância filosófica e histórica do homem. Copérnico, acabando com as
ilusões de o planeta estar no centro do sistema solar, e Darwin, reduzindo o
homem a um mamífero cujos ancestrais eram símios, obteriam ainda no início
deste século um novo complemento a partir de Freud, cuja teoria iria
demonstrar que sequer os pensamentos e a ação dos homens lhes pertenciam,
fazendo parte, ao contrário, de uma estrutura inconsciente genérica da
sociedade, da qual o homem não passava de um mero representante. A
radicalização deste ponto de vista deu-se com Lacan, que por meio do método
estruturalista iria levar às últimas consequências a determinação do
inconsciente enquanto responsável pelas ações humanas: o homem nada é,
nada faz, nada altera; ele não passa de um personagem que fala uma língua
que já encontra dada , que participa de um mundo simbolicamente estruturado
6
pelo Outro e cuja função não é nada mais do que dar conta de um destino e de
um dever já fixo e determinado.
Cada vez mais a técnica ocupa um lugar próprio, autônomo, e se no
começo da Revolução Industrial ela apenas fazia com mais perfeição e rapidez
o trabalho em série, auxiliava e garantia um melhor rendimento, eficiência e
produtividade do trabalho social, no século XX, com a sofisticação e o
refinamento dos sistemas técnicos, reduz-se o espaço efetivo de intervenção
humana: a automação, a substituição das atividades vitais, a organização total
da vida nas sociedades segundo normas técnicas, instituem um novo quadro
em que o homem vai do centro à periferia.
O momento desta inversão do papel da técnica - que, segundo irá se expor
durante todo o desenvolvimento deste livro é a marca do surgimento de uma
nova era em que o homem toma consciência das ilusões passadas e tem que
reconhecer sua pequena estatura - é a época em que já não se pode falar mais
de superação crítica, evolucionismo ou progresso. Em Humano, demasiado
humano, Nietzsche dizia que dentro do conceito de modernidade está implícita
a idéia de sua permanente superação. A época atual, já instalando uma ruptura
com a modernidade, não pode assim ser caracterizada como "superação". Há
de ser vista, de fato, como um corte, em que nenhum dos conceitos anteriores
pode ser reativado. Nem o de reapropriação nem o de recuperação das origens
e dos fundamentos.
Tampouco tem sentido para esta época a aspiração de autonomia em
oposição a uma totalidade coisificada, como pressupunha o pensamento
hegeliano-marxista, ou da contraposição de necessidades forjadas e
necessidades verdadeiras. Dentro deste mesmo princípio, a chamada
"experiência estética autêntica" não tem mais espaço. Todas estas categorias
estavam marcadas pelo conceito de verdade ou de essência irredutível, que
faziam parte dos princípios iluministas.
Assim, não se podendo mais pensar em termos de história e
desmoronado as bases do humanismo, pode-se acreditar, com Heidegger, que
a crise deste humanismo ocorre no ápice da técnica. Em lugar destas duas
categorias que centravam o pensamento da Idade Média até a Idade Moderna,
instala-se uma nova ordenação lógica dando novo estatuto à técnica.
Heidegger dizia que já não é mais hora de se pensar o homem como um
personagem forte e heróico; ao contrário, trata-se de encontrar seu verdadeiro
lugar como um "sujeito emagrecido".
Mas não somente Heidegger pensou prematuramente a questão da
expansão da técnica e a crise do modelo iluminista. Outros autores,
especialmente Nietzsche e Weber, posicionaram-se de forma precursora em
relação aos desdobramentos que só hoje podemos sentir em sua profundidade.
2. O antiiluminismo
-------------------------------------------------------
Modernismo História, Superação Humanismo
Ontologia (Incl. marxista)
-------------------------------------------------------
7
Nietzsche Eterno retorno Niilismo completo
(Homem > do centro
ao X)
-------------------------------------------------------
Heidegger Fim da Metafísica Anti-humanismo;
(Pós-Metafísica) enfraquecimento do
Ser
-------------------------------------------------------
No quadro estão apresentadas duas dimensões básicas do pensamento antiiluminista.
Naquilo que para o modernismo corresponde à história ou à
possibilidade de superação e de uma ontologia, em Nietzsche encontramos, ao
contrário, um caminho circular do eterno retorno. Não existe o conceito de
avançar no sentido do progresso e da evolução. Em Heidegger, a superação da
morte de Deus dá-se com a fase do predomínio da técnica como uma espécie
de sua continuação em outro plano, ou seja, na idade pós-metafísica.
Em relação ao sujeito histórico, a que o modernismo atribuía uma
capacidade de interferência e realização, Nietzsche situa o niilismo completo e
o caminho do homem não em direção a um fim previamente determinado por
um discurso maior mas em direção ao X. Heidegger, igualmente negador desta
"inflagem" do ser, vê nisso, ao contrário das possibilidades humanistas, um
equívoco já que os homens para ele já estão excessivamente debilitados.
É de Nietzsche a afirmação de que "Deus está morto". Deus é
assassinado quando o saber já não deseja mais chegar às causas últimas, ou
seja, numa situação em que o fim dos valores supremos não é substituído por
outros valores em que o próprio conceito de valor torna-se supérfluo. Em
Crepúsculo dos deuses, propõe a consideração do mundo como fábula: a
fábula perdeu seu sentido, pois não há mais verdade que a revele como
aparência. Não há mais um Grund (fundamento) a ser falsificado ou
desmentido. O mundo verdadeiro torna-se fábula e com isso dissolve também o
mundo aparente. Daí ser tudo "errância" sem qualquer relação com uma
verdade fundamental.
Sob este conceito apresenta-se a proposição de niilismo completo, que
se refere à superfluidade dos valores últimos. É também de Nietzsche a crítica
mais veemente às concepções da metafísica, quando previu também que a
superação das idéias de Deus não traria necessariamente, como imaginava o
marxismo, o homem de volta a si mesmo: "Na recuperação das forças levadas
aos céus não há emancipação da humanidade mas crescente autonegação".
O pensamento utilitarista e a crença no progresso, que são
sistematicamente criticados por Nietzsche, vão novamente tornar os homens
escravos e, de fato, este parece que foi o resultado do desenvolvimento da
técnica na época atual em que Deus desapareceu. Na eliminação da entidade
metafísica, o homem passa a oscilar entre extremos de êxtase e decadência,
vivendo a morte de velhos significantes junto com o niilismo completo da pós-
modernidade.
8
Assumindo uma postura igualmente crítica em relação à técnica e às
expectativas de um sujeito heróico que pudesse domesticá-la, aparece com
proeminência a posição de Martin Heidegger. Sua proposta é a da destruição
da metafísica como forma de chegar às origens, ao Seinsvergessenheit; isto
quer dizer que voltando-se a ela, atingir-se-ia o fim e a realização da própria
metafísica. Para Heidegger, a técnica, caracterizada pela Ge-Stell ou imposição
universal e provocação do mundo técnico (Vattimo, p.26), e nada mais do que
ela compõe a essência oculta da metafísica ocidental. Ela seria o máximo
desdobramento desta, ou seja, numa situação em que Deus está morto, a
técnica assume para o homem a posição de uma nova divindade. Daí a
acepção heideggeriana de que a essência da técnica é algo de natureza não
técnica.
Ele prevê, para tanto, uma possibilidade de o homem desembaraçar-se
desta realidade que o nega e desta metafísica que o encobre, no conceito de
Verwindung. Diante da transposição da circularidade vertiginosa em que o
homem e o ser perderam todo o caráter metafísico por força da técnica (no
Ereignis), urge no presente momento viver de forma radical a própria crise do
humanismo, a saber, é preciso assumir esta qualidade da técnica como algo
não técnico e entregar-se a uma espécie de "cura de emagrecimento" na qual o
homem assumiria sua franqueza.
Partindo de concepções filosóficas diferentes e rejeitando tanto o
pensamento niilista quando o existencialista, ao mesmo tempo que afirmando
pressupostos antiiluministas, aparece a figura de Max Weber, como outro
grande pensador contemporâneo que radicalmente questiona o mito da
racionalidade ocidental.
O Iluminismo para Weber não passava de uma ilusão. A racionalidade,
em vez de dar conta das exigências e das aspirações humanas de bem-estar e
de progresso, levou, ao contrário, à ação racional com vista a fins
(Zweckrationalitaet); a razão desembocou numa forma de dominação e
opressão. Errado estava Marx que encarava a razão do ponto de vista positivo,
como possibilidade real de desenvolvimento das forças econômicas e sociais.
Marx acreditava categoricamente nas possibilidades do homem de, através do
agir racional, remodelar o próprio meio e construir seu futuro.
Não obstante, os pensadores marxistas deste século, especialmente os
que se mantiveram alinhados à corrente hegeliana e que foram portanto
herdeiros de Lukács, já abandonavam essa visão romântica da razão e
assimilavam o contrário, a concepção mais realista de Weber. Atrás da razão
escondia-se a lógica da dominação, da opressão, da burocracia e da
impessoalidade; não houve melhoramentos humanos com a tecnologia e a
pressão das forças produtivas não conduziu à revolução.
Resultado disso é o que Max Weber caracterizou como "processo
universal de desencanto". A razão, que ocupou o lugar do misticismo, não
ofereceu em contrapartida um bem-estar psicológico nem material ao homem.
As superstições foram liquidadas, já que faziam parte do pensamento mágico,
inimigo da postura racional do Iluminismo, e com isso perdeu-se o sentido ético
e da unidade da vida. Em substituição a elas a razão foi usada para aumentar o
controle ("netro e instrumental") do mundo.
9
Na modernidade, para Max Weber, aquilo que significava a preocupação
com os bens materiais, que num primeiro momento era visto como um "leve
manto" do qual se poderia despojar a qualquer momento, fez com que o manto
de tornasse, segundo suas palavras, uma "armadura férrea"
(Weber,1973,p.187). Igualmente os homens desta nova era, em que a
racionalidade e a relação com os bens materiais assumem um aspecto nuclear,
são caracterizados por Weber como "especialistas sem espírito, fruidores sem
coração".
Os principais intelectuais deste século que se pautaram pela
continuidade do pensamento marxista no campo da filosofia e da crítica da
cultura, ou seja, o grupo que se denominou Teoria Crítica da Sociedade, sofreu
também os revezes desta virada das perspectivas otimistas em relação à
racionalidade. Originalmente seguindo as idéias de Georg Lukács dos anos 30
e sua posição ímpar no desenvolvimento do materialismo histórico em
confrontação com a tendência materialista dialética em expansão na União
Soviética, os pensadores da Teoria Crítica assimilaram e deram continuidade
às possibilidades da crítica à reificação através da razão e da filosofia da
consciência; a auto-reflexão racional significava um instrumento criativo nas
formas de luta para se atingir a realização do Estado socialista. Não obstante,
logo sentiram os rumos desastrosos da técnica, especialmente no período em
que eles próprios sofreram sua expansão nas mãos dos Estados totalitários e
fanáticos. A autonomização da razão instrumental passou a ser vista, então,
como uma decorrência funesta do desenvolvimento da razão e as chances
otimistas de Marx foram descartadas.
A partir daí os autores ingressam numa trajetória de negatividade,
refutando qualquer espécie de revalidação mais positiva das possibilidades da
racionalidade voltada a fins, fato que Juergen Habermas critica em sua
tentativa de reapropriação da razão. Para este, haveria a possibilidade de uma
racionalidade positiva quando orientada e articulada pelo mundo vivido
(Lebenswelt).
3. O desencanto estético
A crise talvez mais marcante e transparente da chamada Era Moderna
estaria situada na sua expressão estética, na crise da modernidade estética.
No primeiro período do modernismo, a concepção de arte estava ainda
dominada pelos enciclopedistas e por uma relação exageradamente unívoca
em relação ao processo artístico. Para estes, só haveria uma possibilidade de
observação, uma forma de representação. Engrossavam essas fileiras também
filósofos como Comte, Bentham e Mill.
A partir da metade do século passado configura-se uma segunda e mais
marcante forma de se encarar a arte, ao lado da aceitação da multiplicidade de
formas de representação. É o período que coincide com a expansão da
fotografia, que monopoliza a possibilidade de reprodução exata do real por
meios técnicos. A arte rebela-se contra esta perda de espaço representativo e
parte para processos desviantes, particularistas, impressionistas de
representação.
10
É a época em que surgem os teóricos do modernismo, como Baudelaire
e Flaubert, que assinalam as marcas que distinguem este fenômeno artístico
dos outros ciclos culturais. Para Baudelaire, a arte é transitória e contingente
mas ao mesmo tempo eterna e imutável. Este segundo aspecto é também de
certa forma reafirmado por Flaubert para quem a arte extrai do mundo que
passa os traços de eternidade que ele contém (cf. Harvey, 1989, p.20).
Encontram-se aí, portanto, nos dois autores, a expressão viva do componente
ontológico da cultura, a essência última, que também na filosofia ocupava uma
posição de destaque.
Partindo disso, contrói-se a concepção modernista de arte que vai
vigorar durante esta parte do século passado (segunda metade) e boa parte
ainda deste, segundo a qual, o artista deve desempenhar um papel criativo na
definição de uma "essência da humanidade" assim como um papel heróico no
que Nietzsche chamava de "destruição criativa". Ele realizaria na prática o que
Kant havia proposto em relação o juízo estético: ponte entre a razão prática e o
conhecimento científico.
No século XX, contudo, o modernismo já começa a oscilar em posições
ambíguas. No primeiro momento, até antes da I Guerra, a posição dos artistas
era de reação às inovações técnicas e às tranformações sociais e políticas que
a ela estavam relacionadas, como a grande expansão da indústria, o
significativo aumento do maquinário e a urbanização das cidades. A isso se
somam o desenvolvimento das redes comerciais, dos transportes, das
comunicações, assim como, no plano do consumo, o grande aumento dos
produtos culturais, a popularização dos bens artísticos e a massificação da
própria arte.
Depois da Guerra, os próprios artistas assumem posições divergentes
em relação à aceitação ou não do componente técnico na transformação da
sociedade. Instala-se uma tendência que mitifica as técnicas e que vai se
atrelar de forma mais ou menos radical aos regimes totalitários dos anos 20 e
30. É o caso do futurismo de Marinetti e de Ezra Pound na Itália, mas também
de Dos Passos e Hemingway nos Estados Unidos. No âmbito da arquitetura,
estão Le Corbusier e Walter Gropius (Bauhaus), em cuja concepção as cidades
e as casas seriam "máquinas para dentro delas se viver".
De fato, apesar da não adesão ao regime fascista, os projetos e os
propósitos de Gropius foram de fato aplicados pelos engenheiros de Hitler na
construção de moradias e instalações para controle político.
Ao lado dessa tendência sobreviveram correntes que rejeitavam a
adesão aos regimes fascistas: o surrealismo, o construtivismo e o realismo
socialista.
Com a expansão da técnica, o acirramento da corrida armamentícia e a
dilatação da própria sociedade de consumo, a arte moderna entra em declínio.
Sua última forma é a do alto modernismo, nitidamente identificado com o
establishment, movimento este marcado pelo expressionismo abstrato, pelas
idéias positivistas, tecnocráticas e racionalistas.
O projeto da arte moderna sucumbe, portanto, com os outros
componentes do espírito das Luzes até chegar a um momento de absoluta
perda de identidade. É exatamente nesse momento que se trava o debate que
11
marcará a divisão de rumos de concepções que pautarão a discussão sobre a
pós-modernidade.
De um lado, aparece Juergen Habermas, que segue a tradição de Kant e
de Adorno em relação à arte, que ainda vê nela a possibilidade de restauração
de uma certa utopia perdida. Para ele, a arte ainda é a marca da negação
contra o poder totalizador de uma sociedade unidimensional, o "armazém de
significados que se encontram em perigo"(Jay,1988, p.207).
Para Habermas, a arte moderna encontra-se num dilema: ela pode
recuperar aquilo que está fortemente ameaçado pela devastadora cultura da
pós-modernidade mas para isso é preciso que resgate o projeto kantiano de
fusão de esferas cognitiva, político-moral e expressivo-estética.
Claro está aqui, que para o pensador alemão as coisas ainda se colocam
em termos de uma essência perdida ou mutilada pelo processo histórico, que
deve ser de alguma forma recuperada.
No debate sobre a questão, Peter Buerger, Andreas Huyssen e Jean-
François Lyotard colocam-se radicalmente contra a perspectiva habermasiana.
Para Buerger, a interpretação de Habermas é absolutamente ilusória. As três
esferas não têm nenhuma identificação entre si já que a ciência não integra a
vida cotidiana, a arte goza de autonomia própria e aspira à transcendência,
coisa que a ciência não faz. Sua crítica é de que Habermas tentaria fazer valer
uma concepção totalmente irreal de harmonia entre as três esferas que
buscariam apoiar-se mutuamente na construção do projeto estético.
Para Huyssen, Habermas é holista e está na verdade em busca de um
"telos" (fim, realização), procurando recuperar portanto a concepção de um
devir, de uma história, de um futuro utópico de natureza finalista.
Para Lyotard, da mesma maneira, Habermas, na sua proposta de
revitalização do fenômeno estético, deixa transparecer seu objetivo unificador
da história e a existência do sujeito totalizador. Para ele, Habermas busca a
ordem, a unidade, esperança, a esfera pública quando critica todos os
movimentos chamados vanguardistas e a por ele caracterizada perda do
referencial histórico da arte.
Mas para a maioria dos autores que analisam o momento atual pós-
moderno do desenvolvimento social, a arte é uma manifestação que por seu
atrelamento às concepções de mundo e ao espírito do Iluminismo e da razão
não tem mais possibilidades nem esperanças de recuperação da aura perdida.
A arte na sociedade tecnológica deixou de ser um fenômeno específico; a
experiência geral das pessoas tornou-se estetizada, isto é, os ambientes gerais
que compõem a cultura passaram eles próprios a se tornarem porta-vozes,
maneiras públicas de expressão artística. Tanto nas pessoas como designers
bodies (Kroker), como nos ambientes interiores e nos próprios edifícios da
paisagem urbana instala-se uma total estetização dos ambientes de vida. Isso
constitui o que se convencionou chamar de "fenômeno artístico integral".
A arte dissolve-se, dilui-se, pulveriza-se na cultura como um todo,
deixando de existir, portanto, como um fenômeno em si, singular.
Por outro lado, em vista também do espírito do tempo, ela já perdeu sua
característica de escandalizar: já não choca, já não atrai, já não é capaz de
12
resgatar valores, conceitos ou expressões que tornem as pessoas fixadas e
marcadas por eles. Vive-se um período do "transestético" (cf. tb. Baudrillard,
1990), com o desaparecimento de todos os padrões de julgamento artístico.
Faz-se uma arte em que nada há mais a ser visto, que só sobrevive como um
ritual em relação ao qual nada temos a fazer senão simplesmente crer.
13
Segunda Parte
O FRANKENSTEIN TECNOLÓGICO
Partindo de perspectivas diferentes, Paul Virilio e Lucien Sfez descrevem
o quadro da passagem da Modernidade à Pós-Modernidade (ou: da era do
predomínio da lógica da razão à da crise da razão) em três momentos que se
completam.
Paul Virilio
-------------------------------------------------------
Lógica pintura realidade conhecimento
formal pleno
-------------------------------------------------------
Lógica foto, atualidade conhecimento
dialética cinema aproximado
-------------------------------------------------------
Lógica vídeo virtualidade pouco
paradoxal conhecimento
-------------------------------------------------------
Lucien Sfez
-------------------------------------------------------
Representação "com" máquina bola de bilhar
-------------------------------------------------------
Expressão "em" organismo criatura
-------------------------------------------------------
Confusão "por" tautismo Frankenstein
-------------------------------------------------------
Em Virilio, a pintura era a expressão da realidade sob uma perspectiva
formalista e através dela chegava-se a um conhecimento pleno, direto,
"transparente" do real que estava sendo representado. O cinema e a fotografia,
como intervenções técnicas na forma de se reproduzir a realidade, atuavam sob
a perspectiva dialética da representatividade. O primado aqui já não já mais da
realidade, mas da atualidade. Fotografia e cinema, isto é, o fotograma, significa
uma captação atual, momentânea, instantânea que dava à representatividade
uma apreensão não programada, não maquiada. Neste caso, com o privilégio
da instantaneidade perde-se o componente da plenitude do conhecimento que
tinha a ver com uma captação duradoura e exaustiva do objeto. Por fim, no
momento atual das tecnologias sofisticadas, marcadas pela videografia e pela
14
holografia, já não se trabalha mais com a atualidade mas com um fenômeno
que transcende a possibilidade de correspondência do objeto com a imagem
real. Está-se no campo da virtualidade e aqui o conhecimento torna-se
absolutamente impreciso.
Em Sfez, na visão de mundo da representação, o homem domina a
máquina e está com ela para seus fins. Há o predomínio da razão e as
máquinas representam o homem segundo o princípio da dualidade cartesiana
(corpo/espírito, sujeito/objeto). Os meios de comunicação traduzem o mundo, a
imagem representa o emissor, vive-se num universo, em termos de
comunicação, da representação. A figura é a bola de bilhar que, uma vez
enviada, atinge seu objetivo e é novamente reenviada com a conservação da
plena integridade do movimento.
A segunda visão de mundo é a da expressão, em que os objetos são o
ambiente natural; nosso mundo é introduzido por ele e o homem está no
mundo, nele jogado, não o dominando mas a ele se adaptando. As partes se
relacionam com o todo. Os meios de comunicação igualmente estão no mundo
e o mundo está neles mas não há mais envio de mensagem . A figura desta
segunda fórmula é a criatura, e os signos são produtivos como organismos,
exprimem a natureza.
A terceira visão de mundo é a da confusão; não há sujeito e é o objeto
técnico que marca seus limites e determina suas qualidades. A tecnologia diz
tudo sobre o homem e seu devir. O homem existe pela tecnologia. Nos meios
de comunicação ocorre uma ausência de comunicação exatamente pelo próprio
excesso de informação. A comunicação torna-se uma entidade metafísica,
auto-referente; é uma repetição imperturbável do mesmo no silêncio de um
sujeito morto. A figura desta terceira categoria é Frankenstein. (Sfez, 1988,
p.12ss)
15
TRAÇOS GERAIS DA SOCIEDADE
A sociedade da racionalidade técnica, que substitui a da razão humana,
é constituída por traços gerais novos e próprios, que marcam sua
especifidade. No decorrer da exposição eles serão melhor esclarecidos através
dos exemplos e das descrições de situações.
1. Crescimento louco, multiplicação e morte
Nos novos processos que caracterizam a época atual, os atores
históricos, desinvestidos de sua onipotência, são testemunhas de que os
próprios movimentos, os próprios objetos expandem-se, desenvolvem-se,
desagregam-se indiferentes às intenções de controle racional dos homens. (A
fundamentação deste item 1 está baseada principalmente em Baudrillard: 1981,
1983, 1986, 1987a)
Com a morte da ilusão do sujeito e o fim das metanarrativas,
movimentos e objetos afirmam sua autonomia e auto-realização; instala-se a
lógica da divisão, da multiplicação serial, da duplicação, da potencialização, da
proliferação ao infinito. Sujeitos e instituições explodem anômala e
arbitrariamente e são as técnicas que "refundem" o social. Nos sistemas como
os de comunicação, informação, produção e destruição, as formações
cancerosas, a antecipação da morte no seio da significação viva, o crescimento
louco, desordenado, o girar em torno de si mesmo, a ausência de regras, a
proliferação permanente caracterizam seu movimento.
Os sistemas ultrapassam os limites de suas funções reafirmando com
isso um funcionamento cego e automático, indiferente à questão do sentido, da
finalidade e da função e tornam-se inertes, hipertélicos e mortos. É aquilo que,
apesar de morto, continua a se mover mecanicamente, realizando-se como
histerese, processo que continua por inércia mesmo quando a causa
desaparece. Os meios de comunicação são o exemplo mais claro deste
processo: forma extrema de clonagem que dispensa o original e em que as
coisas só existem para sua reprodutibilidade ilimitada. O real desaparece no
hiperreal, o sexo no pornográfico, o movimento na aceleração e na velocidade,
o corpo no obeso, a informação na obscenidade, as redes na proxenética.
Também nos homens, agora despidos das fantasias iluministas, instala-
se a lógica indiferente da multiplicação serial, sem aura; a fabricação de
idênticos, sexuados mas com sexualidade inútil. Sem a representação do
original, o ser vivo torna-se matriz artificial. Só a nostalgia o restitui como
"autêntico". O outro passa a ser ele mesmo, desaparecida a confrontação. É a
morte: o ser confunde-se consigo mesmo, desaparece o jogo com a aparência,
a individualidade, a transcendência, a representação de si mesmo. A identidade
individual fractaliza-se em múltiplos pedaços como cacos de espelho. Fim da
representação sintética, de uma "grande gama de dimensões".
2. Vivência imaginária
A vivência na sociedade da racionalidade técnica institui o privilégio do
imagético, do virtual, do circular e do autocentrado. O imagético é o privilégio da
16
imagem, da televisão e do ecrã sobre a palavra, o som e o tato. No virtual, este
sobrepõe-se ao real, as ficções tornam-se vida, a realidade externa é menos
investida de importância e significação. As simulações, os modelos ocupam o
real. É a era do "falso absoluto", os media passam a referir-se a si mesmos e a
concepção de "mediação" é substituída pela de ficcionalização.
Na circularidade, o conceito de (transmissão de) mensagens não existe;
o universo torna-se circular e orbital, um girar sideral em que os vetores rodam
acima de nós e escapam de nossa realidade. A informação não transcende,
não se reflete no infinito, tampouco toca o real. No autocentramento ocorre a
negação da espacialidade, da geografia, das dimensões. Investe-se no
enclausuramento, no encapsulamento, no autofechamento, na concentração-
condensação do espaço.
3. Ficcionalização da memória
A memória é construída e reconstruída a partir da televisão, que institui
modelos, formatos, simulacros do que antes era tido como dado histórico. A
memória torna-se fato disponível, flexível, acessível, eletronicamente
recuperável e os componentes da antiga historiografia têm seu contexto
relativizado ao extremo; os fatos são reaproveitados, reutilizados e opera-se
uma intervenção no passado, manipulando-se, agora mais livremente, fontes,
dados, procedimentos, participações, atuações numa disponibilidade absoluta
da própria história.
Ao lado da livre pilhagem do fato histórico, opera-se nos meios de
comunicação a ressurreição fictícia e maquiada de acontecimentos do passado,
o retrô, o culto dos modelos antigos, a abolição dos tempos e o uso aleatório de
símbolos históricos.
4. Esvaziamento do ser
O enfraquecimento do ser coloca-se na razão direta da elevação do
status do objeto. O momento desacredita os heróis, os líderes; as identidades
agora flutuam. As pessoas tornam-se "perdidas"; é o domínio das máscaras, da
esquizofrenia, da solidão e do desejo de suicídio. Narcisismo, necessidade de
provar a própria existência, minimalismo são os novos comportamentos. O
outro, deixando de ser nosso espelho, decreta a supressão relação de troca
social, do acesso ao imaginário.
Paralelamente, com a elevação do status do objeto, as máquinas, os
computadores, as tecnologias enredam os sujeitos; os fatos já não são
conduzidos, influenciados, produzidos ou determinados por homens ou grupos
mas acontecimentos que irrompem de forma imprevista e imprevisível. São
eclosões repentinas, de surpresa, viradas espetaculares, violência explosiva
descodificada.
Com o enfraquecimento do ser e o fim do princípio da densidade do
sujeito heróico, coloca-se em seu lugar uma ética performática; um sujeito sem
o peso de uma ontologia, de uma história, de uma ética investe no agir, no
movimentar-se, no pular, no participar, no exercitar, no correr, no experimentar
17
emoções pura e simplesmente. O investimento é no corpo, na emoção pura, na
velocidade, na euforia e no êxtase. Atrás das emoções não há nada.
Suprime-se a "seriedade do compromisso, da missão, do ideal" e
enaltece-se o jogo e a festa. Paralelamente ao investimento no agir, a negação
do maldito e a purificação de negação: assepsia, embranquecimento,
eliminação da negatividade (do pobre, do feio, do inferior).
5. Substituição dos sistemas lógicos
A destituição dos antigos grandes códigos, o fim da razão abstrata, das
metanarrativas, a queda do prestígio das instituições e das autoridades, o
descrédito dos princípios, das categorias clássicas, dos fatos fundadores ocorre
em contrapartida ao privilégio das coisas úteis, dos resultados, das
consequências, das práticas. Instala-se o princípio da fragmentação, da
descontinuidade, da pulverização.
Em lugar da visão do social como uma totalidade passa-se a encarar a
sociedade como equivalente àquilo que metaforicamente Wittgenstein aplicava
à linguagem, uma descontinuidade sem centro: "uma velha cidade com uma
rede de vielas e praças, casas novas e velhas e casas contruídas em diferentes
épocas, e tudo isso cercado por uma quantidade de novos subúrbios, com ruas
retas e regulares e com casas uniformes". (Investigações Filosóficas).
O universo torna-se pluralista, os gêneros e estilos misturam-se. No
campo da crítica, marcado pelo enraizamento de princípios iluministas,
prevalece o negativismo, o niilismo e o ceticismo. No campo dos atores
culturais, o relacionamento com o mundo é marcado pela ironia, ridicularização
de tudo, indiferença e cinismo.
I - TECNOLOGIAS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO
1. Tecnologias
A vida social, política e cultural das sociedades pós-industriais é
inteiramente marcada pelos efeitos das novas tecnologias de comunicação e
informação. Estamos diante de um cenário cibernético-informático que
recompõe todo o real segundo novos critérios e novas formas.
As técnicas invadem todas as áreas e não só a da difusão de
informação. Administração, direito, educação, sistemas de transporte,
comunicação, lazer, em suma, em todos os campos são penetrados pelo seu
discurso. Sua função é de agregar uma sociedade que se desintegrou. (Sfez,
1988, p.20).
O homem dentro desta complexidade marcada pela sofisticação técnica
vive pela primeira vez e com toda a intensidade a crise do humanismo apontada
por Heidegger. É o ápice da técnica, da imposição universal e provocação do
mundo técnico, a Ge-Stell que assinala o ocaso desse humanismo e o
aparecimento do que ele chamava de Ereignis, o enfraquecimento do ser, a
circularidade vertiginosa em que o homem e o ser perdem seu caráter
metafísico.
18
A técnica, criação do homem, assinala esse ponto de virada na história
humana. De dependente passa assumir cada vez mais contornos de autonomia
e de liberdade de movimentos. O enfraquecimento do homem vem na razão
direta desse fortalecimento da técnica. "As máquinas, nosso duplo, que
criamos, adquirem autonomia e poder". (Sfez, 1988, p.15)
Cada vez mais o homem constitui-se de forma maquínica como
robotização humana, semi-carne, semi-metal; cada vez mais a máquina assume
o espírito da natureza e através da inteligência artificial humaniza-se,
desenvolve formas de malícia, de trapaça, de cordialidade convivial. A
tecnologia nesta fase torna-se "way of life" e sensualidade. Como way of life é o
"segundo eu" encontrado no computador; entidades e modos de
comportamento flutuantes. Como sensualidade, o computador é um contato
quase sensual (Turkle,l984, p.173ss.). Marinetti, precursor remoto do
endeusamento da máquina, já via o ferro e a madeira como "mais apaixonantes
que a mulher".
1.1. A velocidade
Mas as máquinas não são apenas os computadores penetrando cada
vez mais amplamente em todos os ambientes da vida pública e privada. A
rapidez do envio de mensagens e comunicados encontra um paralelo no
conceito de velocidade, uma das categorias mais decisivas da nova era da
técnica.
Em alta velocidade dá-se a transmissão de informações, o domínio de
percursos geográficos, a criação de material técnico, a produção, distribuição e
consumo de bens e serviços, a rotatividade dos objetos e materiais que servem
nosso cotidiano, e até mesmo da mão-de-obra.
A alta velocidade trouxe como consequências a acentuada volaticidade e
efemeralidade das modas, produtos, da inovação técnica, dos processos do
trabalho, das idéias, ideologias e práticas pré-estabelecidas. Valoriza-se a
instantaneidade e a descartabilidade, inclusive a de valores, estilos de vida,
relacionamentos estáveis, da fixação em coisas, edifícios, lugares, povos,
formas autênticas de fazer e se ser.
Trata-se de um processo angustiante de troca em que as pessoas são
compelidas por uma pulsão incontrolável de trocar de carro, de casa, de
companheiro, de emprego, de roupas etc. É uma pulsação incessante pelo
devir sem nenhum investimento substantivo no estar: não se está em lugar
nenhum, vive-se contínuamente na expectativa do provável. É um estado de
permanente flutuação acima das coisas, dos atos e dos comportamentos. A
ênfase já desloca-se do conceito de "sentido", da materialidade, da mera
existência física; os bens, matérias tornam-se somente componentes físicos de
uma sensação, de um eterno pular de ponto em ponto. É o girar, o movimento
que se opõe à permanência. Oscila-se o tempo todo entre um estado de
expectativa angustiante e de prazer e euforia que rapidamente se desfaz.
Estimula-se, a um ritmo crescente, a busca contínua por outra coisa e no
momento de sua obtenção ela como que automaticamente se dilui, recriando
novamente a busca.
19
Desaparecendo os clássicos componentes estruturantes da realidade de
cada um (forte ligação à religião, a um princípio filosófico, a uma ideologia
política) as pessoas buscam sair da angústia do esvaziamento através de
novas formas de metafísica. Assim, o renascimento religioso, ou seja, a busca
de uma "verdade eterna" acaba funcionando como um oportuno substituto
deste estado de coisas marcado pelo flutuar acima de qualquer envolvimento
mais efetivo. É uma forma de pseudomistificação numa sociedade altamente
racionalizada.
A velocidade está no costume com o conforto, naquilo que nos faz
reduzir o senso de tocar, de sentir o contacto muscular com as matérias e
volumes em proveito, ao contrário, de uma série de afloramentos, de toques e
de deslizes furtivos. (Virilio, 1980, p.61) É Virilio que vai caracterizar também a
velocidade como uma forma de morte. "Montar um animal ou sentar-se num
veículo automotor é preparar-se para morrer no momento da partida e renascer
na chegada ... O aumento da velocidade é a curva de crescimento da angústia.
A velocidade de deslocamento não é mais do que a sofisticação da fuga".
(idem, pp.43-47)
A saída da angústia estaria naturalmente no suicídio. Mas este
subordina-se, como a própria angústia, a uma vivência trágica, logicamente
associada aos destinos da ontologia. A era das emoções e do êxtase, ao
contrário, banaliza a morte, na medida que torna-a medidade de suas próprias
forças de estímulo: só se investe, só se estimula, só se trabalha naquilo que
"inibe a morte", que faz o jogo fascinante de brincar com ela, isto é, que consiga
restituir emoções que nenhum outro modelo hoje mais alcança.
Para Virilio, a velocidade também significa o envelhecimento prematuro,
em que mais o movimento se acelera, mais rápido o tempo passa, mais o
ambiente se priva de significação. (Virilio, 1984, p.43)
A velocidade tornou os fatos da vida cotidiana absolutamente sintéticos,
reduzidos, condensados, comprimidos, de tal forma que mediante todos os
recursos que temos à disposição pelas tecnologias podemos em uma só vida
viver experiências que num passado distante exigiam muitas. Pode-se viajar
milhares de vezes pelo mundo, trocar diversas vezes de ocupação, fazer
circular um maior número de parceiros e, em última análise, condensadamente,
viver uma vida elevada a uma potência jamais imaginada no passado. Daí a
sensação de tudo ter sido vivido, de esgotamento, de ausência de prazer no
novo e de uma angústia de envelhecimento precoce. Faz-se hoje muito mais do
que qualquer pessoa das gerações passadas poderia fazer, ganha-se em
quantidade na razão inversa da apreensão exaustiva, cuidadora e
compenetrada da experiência.
Também os lugares mudam de significado na destruição geográfica das
distâncias. Quanto mais rápido o carro segue pelas estradas, menor é o tempo
que liga o ponto de chegada ao de partida, menor é o registro real do ambiente
externo. Cada vez mais o panorama que é atravessado pela autopista e através
dela pelo veículo que corre deixa de existir realmente, tornando-se apenas uma
sequência enfileirada de diagramas, que compõem um visual composto de
pouca fixação. É como um filme de rotação acelerada, do qual pouco nos é
dado captar e sentir. A paisagem desaparece com a velocidade. A atenção
20
reeduca-se no hábito da apreensão acelerada e múltipla de estímulos,
alterando radicalmente o intervalo de sensações registradas.
O declínio da indústria cinematográfica não se deveu apenas á expansão
da televisão. Esta teve também como correlato o desenvolvimento da
motorização. O automóvel substitui o cinema e as filas nos guichês tornaram-se
as filas nos pedágios (Virilio, 1980, p.73). Dentro do automóvel, cada indivíduo
encontra o seu "lar": sua vida itinerante e permanentemente em movimento tem
como correspondência tecnológica o automóvel, como o sistema que o coloca
em órbita nesta sideralização do cotidiano. A solidão do motorista é equivalente
às demais formas de solidão, das pessoas que em casa ouvem rádio ou
assistem TV apenas para que perto delas "algo fale", independente do que na
verdade esteja sendo dito. E a decrescente importância do outro como
possibilidade de contacto e comunicação encontra similar no próprio declínio do
ambiente. Além do meu carro nada mais existe, a periferia é sem registro, a
miséria "desaparece", o mundo perde significação.
No trajeto, todas as existências físicas que são atravessadas seguem,
como "horizonte negativo"(Virilio), o caminho da sua própria diluição no campo
de registro do motorista. "A utilização desenfreada do automóvel e da moto não
tem, contrariamente aos transportes em comum, nenhum destino, não é a priori
uma questão de distâncias a cumprir, o que cria fatalmente novas condições de
viagem. Não ir a parte alguma, mesmo girar em círculos num quarteirão
desértico ou numa pista periférica obstruída parece natural ao voyeur-voyageur.
Ao contrário, parar, estacionar são operações desagradáveis e mesmo o
condutor detesta ir a qualquer parte ou a alguém, visitar uma pessoa ou ir a um
espetáculo parece-lhe um esforço sobrehumano".(Virilio, 1980, p.77)
Com isso, o uso do automóvel torna-se um fenômeno em si
absolutamente hipertélico: busca mais locomoção do que a própria locomoção,
gira no vazio. A utilização da máquina torna-se um fim em si, tendência esta
que é registrada também em outros sistemas da Sociedade Frankenstein, como
o computador e a televisão.
1.2. A transformação da cidade
A lógica do desaparecimento da paisagem, da secundarização do outro,
em suma, da mudança de importância do espaço geográfico urbano ou mesmo
das grandes áreas rurais só poderia conduzir a uma alteração da importância
das cidades. As cidades esvaziam-se não no sentido da concepção medieval
de cultura e sociedade mas pelo despovoamento dos habitantes dentro do
próprio espaço urbano. Em vez da expansão extensiva, difusa e horizontal da
população nos centros de cultura, lazer, comércio e nos diferentes bairros,
assiste-se, ao contrário, à ruina urbana contrabalançada pela progressiva
eleição de pontos de alto investimento comercial-publicitário, que passam a
sugar todo o capital circulante da cidade e funcionar como pólos portadores de
significação e importância dentro do quadro dos signos do consumo. Assim são
os shoppings centers, clubes e associações semifechados, espaços turísticos
privilegiados que concorrem para a verticalização de um investimento social
provocando a reordenação do tecido urbano.
21
A cidade extensiva perde cada vez mais importância, deixando de ser o
espaço de discussão pública, a cidade como pólis pauperiza-se, torna-se
espaço das populações mais desfavorecidas e a vida de fato desloca-se para
espaços que já não são mais públicos mas propriedade de instituições
econômicas, culturais, políticas.
A própria arquitetura urbana, que era historicidade cristalizada através
dos edifícios e monumentos antigos, que se impunha de forma quase
espontânea contra o processo de varrimento do espapo urbano como território
de convivência social, experimenta um reaproveitamento tornando-se pura
estética de comunicação e publicidade: "a arquitetura está na armação, na
geometria, no espaço-tempo dos vetores e a estética da armação dissimula-se
nos efeitos especiais da máquina de comunicação".(Virilio, 1980, p.74-5) E
também a publicidade ordena a arquitetura e a realização de superobjetos:
Beaubourg, Les Halles, La Villette são literalmente monumentos ou
antimonumentos publicitários (Baudrillard, 1981, p.118).
Mudando-se sua importância como espaço de exercício de cidadania, de
poder político, da organização, as cidades tornam-se agora territórios-suporte,
gigantescos painéis de poluição publicitária, do grafite vândalo, da miséria
estética. Em Manhattan, o prazo de fixação da imagem arquitetônica foi
estabelecido para 12 anos. Mas o fenômeno não é apenas norte-americano.
Berlim foi durante mais de 40 anos uma cidade simulacro, totalmente
reconstruída apenas para servir de propaganda de uma visão de mundo que
visava bombardear o projeto socialista oriental.
Mas o despovoamento urbano ocorre também com a rapidez dos
transportes e dos sistemas de comunicação que acabaram por banir das
cidades todos os locais por onde as pessoas poderiam circular. As grandes
cidades não prevêem espaço para o pedestre, como é o caso de Brasília, e os
trens subterrâneos fazem da cidade um espaço em que pessoas transitam
invisivelmente. Na rapidez de mobilização de um ponto a outro está a marca de
uma progressiva desertificação urbana.
A rua passa a ser apenas espaço de trânsito e da velocidade, cuja
função é negar o ambiente. Quem atravessa as ruas com seus veículos em
velocidade não a sente mais como espaço social, mas apenas como trajeto. A
rua não registra o ambiente, ela nega-o e o exclui. As ruas, como a cidade,
passam a ser o espaço dos ratos onde a população desapareceu.
Os equipamentos eletrônicos criam com este esvaziamento uma "nova
relação de comunicação" em que as pessoas dentro de suas casas, diantes de
sistemas eletrônicos, podem ligar-se aos centros de comércio, aos bancos, às
informações culturais bem como a outras pessoas realizando à distância aquilo
que no passado marcava a comunicação face-a-face. Neste sentido, a própria
figura do vizinho transforma-se, passando a ser, como qualquer outro, uma
figura desconhecida e estranha. É uma presença que apesar da proximidade
física distancia-se anos-luzes de nós, haja vista a volta que faz todo o sistema
de comunicação para que cheguemos a ele. Assim, como o telefonema, que
parte de nós, chega à central para depois ser reconduzido pelos cabos até o
vizinho do lado, da mesma forma toda a sistemática de comunicação supõe
necessariamente o enredamento de todos num sistema complexo para o qual a
metáfora da sideralização parece ser a mais pertinente. Cada pessoa como
22
estrela brilhante que se comunica pela luz com outras, mas que está
infinitamente distante delas.
1.3. O novo status do saber
O impacto da plena expansão da técnica e da tecnologia na sociedade
ocorre de forma intensiva no campo do saber e da ciência. Tanto quanto o
âmbito estético-expressivo, que perdeu as referências, os padrões da validade,
os critérios modernistas com o desenvolvimento técnico, da mesma forma, a
esfera cognitiva é checada em sua natureza última.
Com o fim dos grandes códigos e da razão abstrata, a ciência passa a
viver segundo critérios, regras, normas e principalmente legitimações
particulares, reduzidas e localizadas. O desenvolvimento da técnica e a
multiplicação dos sistemas eletrônicos (hardware) alteraram radicalmente a
circulação do conhecimento. O saber, diferente do século XIX, que tinha seu
espírito simbolizado pela Bildung, pelo conhecimento autônomo, independente
das imposições econômicas e políticas, voltado à administração pública e à
moral e que se colocava como instância de avaliação e de juízo acima do
social, realizador (ou possibilitador) da "epopéia da emancipação", cede espaço
ao saber puramente operatório, destituído de poder, sem troca com o social e
incorporado às atividades econômico-empresariais.
A ênfase agora recai nos meios e não mais na especulação e investe-se
na otimização das performances. A velha ciência substitui seus critérios de
avaliação e de identidade anteriores. Especialmente as ciências sociais, diante
da crise de significação e validade, passam a fabricar seus objetos, simulam-
nos ou perdem-se na busca histérica da causalidade, na procura de
responsabilidade ou na "impaciência do saber" (Lyotard), apontando para a
angústia da sobrevivência destes próprios saberes.
A trama enciclopédica deixa de ser objeto do investimento intelectual. O
ensino tende ao aprendizado técnico-prático e as universidades cada vez mais
formam competências para repassar saberes específicos e formados à la carte,
tornando os professores meros instrutores da operacionalidade técnica.
O novo saber, marcado pela expansão técnica em todos os campos,
resgata a legitimação agora somente através do consenso dos próprios
pesquisadores, a saber, pela paralogia: é aceito pela comunidade científica da
área aquilo que é simplesmente plausível. O saber maior, que orientava uma
ética, uma política, uma filosofia, é substituído pela simples crença que é o que
passa a regulá-lo. Conforme Hassan (1988, p.36), vai-se do "poder ser" ao "há
de ser verdade" e a sociedade torna-se uma sólida trama de confiança.
2. Meios de comunicação
A técnica ocupa o lugar da comunicação humana introduzindo um novo
modelo comunicacional. Trata-se agora de uma forma de comunicação numa
sociedade que não sabe mais se comunicar consigo mesma e em que a coesão
é contestada, os valores desagragam-se e os símbolos mais usados não
servem mais para unificar (Sfez, 1988, p.16).
23
É uma comunicação aplicada a uma realidade em que as pessoas já não
mais se olham, se tocam, se sentem, se falam. Mais além, ela não mais
funcionando como intermediação (ponte) entre o mundo e os lares, é, ela
própria, produção livre de conteúdos, fábrica de estórias. O fenômeno da auto-
referencialidade está nos jornais cuja notícia são eles mesmos, nas televisões
que focalizam, falam, tratam, polemizam consigo mesmas. São os media
narcisos, nos quais o único referente para a transmissão pública são suas
próprias maquinações e fabricações.
Em outro plano, as formas de comunicação implodem os conceitos de
esfera pública e esfera privada. As redes de comunicação do passado, isto é,
as que se articulavam no interior das instituições sociais, eram marcadas pela
privacidade, pelo espaço íntimo e do sagrado. O homem enquanto pai, citoyen
ou bourgeois era quem defendia a relação entre público e privado. No
momento em que a comunicação invade todas as esferas do social, ela anula,
através de sua "obscenidade"(v. adiante: 2. A Informação), a privacidade, a
intimidade e o mistério, rompendo a antiga esfera auto-suficiente e autônoma
do privado. Ela alimenta-se exatamente da vida íntima e do fato de tornar
público este universo.
2.1. O processo televisivo
2.1.1.. A visão
Entre todos os sentidos humanos, o que recebeu maior investimento
estético, o que foi mais explorado politicamente e mais seduzido do ponto de
vista econômico foi, sem dúvida alguma, a visão. A começar pela expressão
artística da pintura, que representava de forma analógica a ordenação do
mundo e das idéias do Período Renascentista, continuando até os
desdobramentos de que a visão passou a ser objeto a partir da invenção da
fotografia e, mais recentemente, na reprodução eletrônica, o olhar sempre
esteve em posição privilegiada.
O século XV foi marcado pelas representações estético-visuais do
centralismo-perspectivista, opositor do precedente policentrismo, do
deslocamento visual, do ritmo e do movimento das expressões artísticas da
Idade Média tardia. Antecipava o racionalismo e desenvolvia uma arte mais ou
menos similar ao desenvolvimento do capitalismo, à sua rigidez, ao seu cálculo.
Expressões dessa época são Da Vinci, Galileu, Maquiavel e Duerer.
Mais tarde, na Alta Renascença, ganha corpo a tendência de retorno ao
movimento, mas agora trata-se de um "movimento na rigidez", como aquilo que
se move quando colocado sobre trilhos. A época de Ticiano é que dá destaque
ao primeiro plano, como ocorre no teatro, e também é a primeira manifestação
de a imagem assumir o caráter de mercadoria e deixar de ser sagrada.
Autonomiza-se o território separado de registro e sincroniza-se com a produção
de bens em seu movimento externo. É o período em que o olho
descorporificado de Deus é substituído pelo do monarca.
O surgimento da Era Burguesa caracteriza-se pelo início da mobilidade
da perspectiva. A imagem vista de uma carruagem já não é mais a que um
24
homem parado vê numa tela ou num afresco, em que as figuras representam o
movimento. A carruagem marcará o início do desaparecimento do espaço
intermediário, do atrofiamento da distância entre centro e periferia. Agora é o
observador que caminha e a paisagem transforma-se à medida que ele a
percorre.
Da mesma forma que o trem, que se expande também nesta época, tem-
se aqui a quebra da aura da cena. Pela primeira vez, a velocidade do percurso
do observador passa a reduzir a capacidade informativa do que ele vê. A
diminuição da percepção tem a ver com a própria capacidade imaginativa.
Quanto menos se vê, menos se imagina. A forma de apreciar a paisagem
através do movimento tem a ver diretamente com o declínio do tempo de
retenção da imagem na memória.
Este desenvolvimento só será interrompido com a descoberta da
fotografia, que recupera novamente a capacidade de o homem observar uma
cena parada. A fotografia é o ponto culminante da reprodução central-
perspectivista, é a restituição da experiência intensiva com o mundo, retorno
daquilo que o trem havia liquidado, isto é, a intimidade, o espaço intermediário e
a proximidade do primeiro plano.
A fotografia de certa forma faz ressurgir a aura da paisagem destruída
pelo trem. Saindo da paisagem, a aura desloca-se para o funcionamento, para
o mecanismo de reprodução.
O processo de industrialização em seus desdobramentos com a técnica,
que cada vez mais avança sobre os espaços da vivência humana, deixa
transparente - através da imagem e da forma como ela realiza a desintegração
da unidade e o fim da perspectiva - a mudança de orientação das visões de
mundo, que levou à destituição dos monarcas e de supressão de Deus. A
técnica acaba com o "ponto central no mundo", que levará mais tarde os
homens a questionar o próprio sentido da metafísica e de sua existência
enquanto seres com estruturas estáveis, enraizadas ou culturalmente
consolidadas.
Por meio da reprodução eletrônica, a segunda natureza do homem deixa
de ser a cidade, a arte, a linguagem, para ser a própria técnica. Esta passa a
simular o processo de comunicação: comunicação de quem agora já não tem
mais nada a dizer.
O olhar do homem, que antes da sofisticação dos sistemas de
comunicação voltava-se a seu ambiente, ao outro, à natureza, centra-se agora
num objeto técnico puro, no funcionamento de sua estrutura, no olhar fascinado
a uma representação sem fundo.
A reprodução eletrônica da imagem traz consequências que têm a ver
com a debilitação e a subutilização dos sentidos. Em primeiro lugar, o próprio
olhar torna-se limitado. Pelo fato de a imagem não estar mais parada mas
ilusoriamente em movimento através dos sinais eletrônicos, a possibilidade de o
homem parar sobre cada imagem - como na fotografia - e observá-la em
detalhes, com profundidade, explorando cada espaço, cada ângulo, cada
perspectiva, esvai-se. O movimento da imagem substitui o do olhar exaustivo
da imagem. O volume de cenas que se intercalam, se trocam e se somam
toma o lugar de uma única cena cujo tempo de observação original agora
25
distribui-se em diversas cenas. O olhar da era das altas tecnologias é dispersão
e cintilação.
Com o desenvolvimento do fotograma em movimento (cinema) e no
presente, com mais intensidade, através da imagem eletrônica, cada vez mais
as imagens sobrepõem-se e constróem por si mesmas a realidade visual
imaginária do receptor; cada vez menos as palavras são utilizadas para criar
uma representação simbólica das coisas.
Consequência é o processo de dislexia, a dificuldade progressiva de
compreender o que se lê, pela dificuldade correlata de se representar. Antes, as
imagens poderiam ser substituídas por palavras, criando relações conceituais,
teóricas, intelectuais sobre as coisas que eram vistas. Hoje, as imagens
substituem-se a si mesmas, deixando qualquer possibilidade de vinculação
mais densa com um conteúdo conceitual, com uma profundidade de reflexão ou
pensamento.
A reprodução eletrônica das imagens fabrica, em oposição a um
imaginário cultural herdado ou constituído através de outros media, um
conjunto próprio de imagens, criação exclusiva, fabricação encerrada no próprio
universo do meio. Com a imagerie, criam-se as imagens sem suporte,
desenvolve-se um certo tipo de produção do imaginário através da máquina,
que já pode dispensar a participação do homem. Assim o resume Edmund
Couchot: "Uma imagem numérica é uma mensagem reduzida a números. O
computador trabalha esses números e formas, visualiza os resultados por meio
de um aparelho de vídeo ou de uma impressora. Pode-se assim reduzir uma
imagem por meio da pura elaboração de dados... Não é preciso mais basear-se
num modelo, num objeto real ... Partindo dos dados de um objeto dado, o
computador pode produzir uma quantidade quase infinita de imagens. A
imagem numérica não é mais a transposição de um modelo determinado, não é
mais a reprodução mais ou menos exata de um original, uma duplicata óptico-
química como a fotografia, é uma imagem com possibilidades infinitas".
(Couchot, 1985, p.124).
Já ultrapassamos o processo em que o simulacro devora seu modelo.
Praticamente nesta fase eletrônica o modelo já perde totalmente sua
necessidade de existência. O próprio sistema fabrica multiplicidades cada vez
mais diversas e distintas de imagens. Este momento é radical: a partir de agora
a produção de imagens deixou de ser uma característica essencialmente
humana. Os sistemas eletrônicos substituem os homens inclusive nesta
produção infinita de cenas, de objetos, de formas que outrora caracterizavam a
experiência estética ou a experimentação artística em geral. O homem já passa
a ser um componente dispensável em todo este processo. O sistema, ele
próprio, pode produzir as formas de imagens e também de arte.
Com o final da antropomorfia da forma e a criação de formas sempre
novas, temos um processo de permanente metamorfose, que já não tem mais
nada a ver com um original, como foi dito, nem com uma referência a um
sujeito, que garantiria a própria lógica da criação. As imagens é que se alteram
de forma arbitrária e livre como num caleidoscópio, com a única diferença de
que nelas aqui se instala um processo criativo original.
Da mesma forma, sistemas eletrônicos radicalizam a liquidação da
geografia, iniciada pela rapidez do movimento com o trem e depois com os
26
transportes mais rápidos, especialmente os urbanos e aéreos. Se a extensão
física territorial tornou-se um componente cada vez menos importante na era
eletrônica, a integração dos meios de comunicação torna a vivência territorial
um fenômeno absolutamente imaginário. Já não se mora em um determinado
lugar, diz Vincent Descombes, mas ocupa-se um espaço. As pessoas que
estão próximas não são os vizinhos, não há mais vizinhança localizada. Os
lugares são exceção do espaço. Isso porque, através dos sistemas de
comunicação, cada local é alcançável por qualquer outro; nenhum deles tem o
status da origem e da meta, pois institui-se uma circulação de comunicados em
todas as direções.
2.1.2. A televisão
A televisão constitui o ponto de ruptura entre o universo sociológico
marcado pelas metanarrativas, os discursos da emancipação, do homem
atuante, da possibilidade de explicar e administrar o real, por um lado, e o
mundo das técnicas e da hiperrealidade, por outro. Quando se fala de televisão,
pensa-se em algo que transcende o aparelho em si, a relação e mesmo a
materialidade dos sistemas de transmissão. A televisão é muito mais do que a
simples transmissão em cadeias locais, regionais ou nacionais de programas de
jornalismo e entretenimento para uma sociedade. Ela faz parte de um
"gigantesco e exteriorizado sistema nervoso eletrônico, amplificando
tecnologicamente todos os nossos sentidos e desenvolvendo funções
sensóreas em forma processada de imagens e sons mutantes ... Ela devolve
nossa própria angústia com signos simulados e hiperreais de vida". (Kroker,
1988, p.277).
É portanto um universo que transcende em muito as programações das
emissoras. É todo um mundo. Ela não é nem a tela nem o telespectador, mas
um "complexo espaço virtual entre ambos" (Baudrillard).
O predomínio da televisão a partir dos nos 60 significou não só que ela
passou a se destacar diante das demais formas de comunicação mas também
a dominá-las e submetê-las. Estas, a partir do predomínio da televisão, entram
em declínio e perdem a identidade. O cinema é o exemplo mais flagrante deste
processo, mas a crise também invadiu o teatro, o rádio e o jornal. Os demais
meios de comunicação tornaram-se cópias da televisão; passaram a imitar sua
linguagem, seu ritmo e sua dinâmica. A televisão impõe à sociedade uma
velocidade de leitura, uma rapidez na decodificação de imagens visuais e uma
forma de apreender o real baseada apenas neste jogo de trocas simultâneas de
cenas e da construção de uma narrativa e de uma dramaturgia muito
específicas.
Por ser todo um universo, por encerrar em si toda uma complexidade de
sistemas de prestígio, projeção e publicidade, todas as coisas que escapam do
seu campo ou que não são por ela absorvidos tornam-se necessariamente
periferia, margem de todo um sistema, produtos de segunda ordem. O que
escapa da TV, sendo periferia, não tem registro, "não tem importância".
A televisão, no entender de Kroker, não é reflexo da sociedade, nem da
forma mercadoria, tampouco reprodução de ideologia. É a sociedade que é seu
reflexo; ela é o mundo real da economia e da sociedade (Kroker, 1988, p.268).
27
Em vez de ser reflexo da forma mercadoria, a televisão é a expressão viva e
mais acabada desta. Em vez de ser reprodução de ideologias, ela é a própria
ideologia, aponta o autor canadense. Ela é, por um lado, exteriorização de
nossos sentidos, na forma como MacLuhan interpreta os meios como nossos
prolongamentos em relação ao mundo exterior, e ao mesmo tempo
interiorização, desejo simulado como disposições programadas.
2.1.3.. O tempo televisivo
A televisão joga com a categoria do tempo operando-o de forma própria
e independente dos conceitos cronológicos usuais. É um tempo artificial e
manipulado. Diferente do congelamento fotográfico da imagem, a televisão, ao
contrário, é um tempo de permanente fluidez. Nada pára, tudo circula a
velocidades vertiginosas e alucinantes, de tal forma que a sucessão de cenas
constitui um novo reordenamento da existência visual, agora segundo novos
parâmetros, a saber, tecnológicos.
Há na televisão a abolição dos diferentes tempos com a supressão da
consciência do atrofiamento do presente: "só o simultâneo é o verdadeiro
presente" (G. Anders, 1956, p.134). Trata-se do tempo da tecnologia, marcado
por um sequenciamento de cenas e de interrupções que seguem uma lógica
própria, segmentada; tempo visual que se sobrepõe a um tempo real e impõe-
se de fato como o único tempo.
2.1.4. A densidade televisiva
A televisão é o veículo por excelência da pós-modernidade. Ela não
conhece estruturas permanentes, densidades, aprofundamentos, investimentos
intensivos, enraizamentos no social, no cultural, no histórico. Nela tudo é como
que "chapado". É o primeiro medium cultural em toda a história a apresentar "a
realização artística do passado como colagem estruturada junto com
fenômenos equiimportantes e simultaneamente existentes, amplamente
divorciados da história geográfica e material" (Taylor, cf. Harvey, 1988, p.61).
É uma forma de liquidificador geral, que mistura as mais diferentes
matérias e submete-as todas a um mesmo tipo de tratamento ou
"branqueamento", tornando-as absolutamente inóquoas. É um sistema de pura
fascinação, que as pessoas acionam para funcionar durante todo o tempo e
que fica falando em geral para si mesma. Requena diz que sua fala é
incessante e vazia, são estribilhos que se repetem, falando todo o tempo, não
cessando de falar para nada dizer.
2.1.5. A linguagem
Na televisão, o que se fala está fora de qualquer contexto externo mas,
acima de tudo, a maneira como a televisão se apresenta é como monólogo e,
como mencionado, auto-referente. Nas suas "representações", o real
desaparece completamente e é sua desintegração que aparece pelo processo
eletrônico do medium.
28
A TV, no entender de Umberto Eco, perdeu sua transparência. Não
"passa" mais nada. Ela própria é que constrói o espetáculo, acabando de vez
com a separação entre a ficção e jornalismo. O jornalismo é o seu melhor
produto ficcional. A televisão não tem mais contacto com o mundo exterior e no
que ela apresenta e fala é ela própria o grande personagem.
Em Simulacros e simulações, Baudrillard aponta o exemplo do filme
"Síndrome da China" em que a televisão entra numa central nuclear e provoca
um acidente. Mas não é só aí que tais fatos acontecem. É conhecido o
fenômeno de que no Brasil as passeatas não se constituam até a chegada dos
cinegrafistas da televisão. Só quando estes põem suas máquinas a postos e
começam a filmar é que se compõem os movimentos de protesto, dissolvendo-
se logo em seguida, no momento em que as câmeras são desligadas. Da
mesma forma, em recentes quebra-quebras da cidade de São Paulo, os
manifestantes em vez de fazer reivindicações de caráter social, portavam faixas
dizendo "Queremos a imprensa".
E neste produzir constante de fatos jornalísticos, ela produz também
fatos culturais, econômicos, políticos e mesmo históricos: "nossa realidade
passou pelos media. Inclusive os acontecimentos trágicos do passado"
(Baudrillard). Para este autor, já não dá mais para verificá-los e compreendê-
los,pois depois de serem retrabalhados por intermédio da televisão, acabaram-
se todos os instrumentos de sua inteligibilidade. Assim, desapareceram as
condições de se julgar e avaliar os efeitos ou os crimes cometidos na história
passada, de vez que todas as provas, todos os dados a respeito já sofreram um
amplo processo de mutilação e de produção de modelos e de simulacros, de tal
forma que põem em dúvida qualquer demonstração ou prova a favor de
qualquer tese.
Mais ainda, dentro de seu caráter de absoluto tratamento de superfície
de todos os fatos , mesmo os componentes hoje mais radicais da cena política,
as formas de terrorismo, são ao mesmo tempo criticados e enaltecidos pelo
medium. No mesmo momento em que desenvolve a pregação moral contra
eles, a televisão demonstra, pela sua forma não verbal, através do show de
imagens, o espetacular de todo o circo sádico do terror.
Nas produções dramáticas revela-se também o caráter implosivo que
possui a televisão diante dos fatos da cultura. Para Requena, a telenovela é a
"hipertrofia cancerígena do relato"(p.122), onde ocorre o esgotamento das
eleições narrativas e um prolongamento doentio da trama original. A televisão,
em vez de reproduzir a narrativa como classicamente se conhece, através de
uma curvatura (em que de um drama originalmente instalado ocorrem seus
desdobramentos até que o fato chegue a uma certa consecução), joga com os
desdobramentos narrativos segundo a maior ou menor oscilação de seu público
telespectador. Assim, não se desenvolvendo desta forma, como curva, a
telenovela segue a forma de sinuosidades que sobem e descem durante o
desenvolvimento de meses ou até anos, produzindo-se, então, subtramas da
trama principal e provocando-se, de forma patológica, um desvio de
desenvolvimento que passa a ser associado à forma cancerígena.
Isto tem como consequência a implosão da cultura narrativa.
Construindo-se um vício de narrativas "defeituosas" estimula-se o desinteresse
29
do telespectador em relação aos desdobramentos e construção sequencial da
trama, investindo-se, ao contrário, em sua demolição.
Conforme Dieter Prokop, os modelos dramatúrgicos da televisão
trabalham com extremos de questionamento e reconstrução da ordem na
sociedade. Para estes produtos, sejam eles telenovelas, séries criminais, filmes
de aventuras ou histórias de família usa-se de esquemas simplificados e de
fácil assimilação para construir formalmente as tramas. (Prokop, 1986). Prokop
fala em esportividade, em agilidade formal, em fantasia-clichê, em signos como
componentes específicos da televisão para a montagem de seus dramas.
Ocorre que por força da influência e da dominação da televisão sobre outros
meios, também o cinema e, de certa forma, o teatro passaram a usar da mesma
maneira estes componentes formais, simplificados, para obter fácil
entendimento público e imediata resposta mercadológica.
Para exemplificar, Prokop cita Brecht: "Para melhor chegar ao mercado,
uma obra de arte, que seja expressão adequada de uma personalidade na
ideologia burguesa, precisa ser submetida a uma operação específica que a
dissocia de seus elementos. Os elementos chegam, de certa forma, isolados no
mercado" (Brecht,1931). Prokop comenta que isso não se aplica apenas às
obras de arte mas a qualquer obra que faça parte do universo televisivo.
De acordo com Brecht, as obras feitas segundo as próprias leis, "são
divididas, desmontadas em seus elementos aproveitáveis: essa desmontagem
das obras de arte pode ocorrer, em primeiro lugar, segundo as mesmas leis do
mercado que as dos carros que se tornaram inutilizáveis, com os quais já não
se pode andar e que então são desmontados em suas unidades menores
(metais, assentos de couro, lâmpadas etc.) e assim se vendem " (Brecht, 1931).
Apesar desse "processo industrial" de criação de bens culturais de
consumo para as massas, não há nenhuma garantia de que essa colcha de
retalhos, que reúne peças de "sucesso garantido", retorne com o êxito
esperado. A fórmula do sucesso público é e será sempre uma incógnita para
todos os programadores de comunicação.
2.2. A Informação
Nos media em geral, mas com maior destaque na televisão, a
informação ganha um caráter de "obscenidade". É o êxtase de tudo devassar, a
ânsia de tornar demasiado visível e transparente, de eliminar qualquer regra
restritiva de princípios.
Paul Virilio faz uma interessante comparação entre o processo de
iluminação da cidade de Paris e o desenvolvimento simultâneo do próprio
Iluminismo, que não só etimologicamente é a ela próximo, bem como revela um
novo tipo de espírito que se instalou na França a partir da Revolução Francesa
e de seu caráter, em certos aspectos, bárbaro. As Luzes significaram para ele o
terror da devassidão. A investigação policial (violação de correspondência na
revolução) pretendia "esclarecer" o espaço privado como havia-se
anteriormente iluminado o teatro, as ruas, as avenidas, o espaço público (Virilio,
1988,p.78).
30
Tratava-se da exposição de cabeças decapitadas, da invasão de
palácios e hotéis, da fixação de nomes de habitantes na porta dos imóveis, da
profanação de lugares de culto e conventos, da exumação de mortos. Nada
mais era sagrado, nada mais poderia ser inviolável. É o terror da revolução, o
vandalismo que antecede o terror instituído propriamente dito, a barbárie que se
num momento tinha a ver com a iluminação da aristocracia, por outro,
associava-se à própria ideologia do Iluminismo, a de colocar potentes holofotes
em todos so espaços que demonstravam qualquer aspecto de obscuridade,
penumbra, mesmo discreto sombreado.
A intenção de tudo explicar, prever, controlar, administrar supunha que
nada mais pudesse ficar fora de seu alcance e ninguém mais do que o próprio
jornalismo atuou para executar esta tarefa, na medida que já não encontrava
mais obstáculos numa prática que se tornou obstinada em vasculhar todos os
espaços privados na busca de uma difusão pública, num pretenso interesse da
própria sociedade.
Foi o jornalismo que deu início à demolição da esfera privada, que
embaralhou aquilo que era pertencente ao controle exclusivo dos indivíduos,
dos cidadãos e o fez domínio de um interesse discutivelmente público. Por isso,
são os meios de comunicação o "estágio obsceno da informação" (Baudrillard,
l983, p.3). Excesso de informação é eletrocução; produz curto-circuito contínuo
em que o indivíduo queima seus circuitos e perde suas defesas (idem, l988).
Ao comentarmos a reprodução eletrônica, falou-se da mudança que
representou a época dominada pelas técnicas, de que o olhar do homem ao
seu meio, à sua natureza, ao seu próximo, tornava-se agora o olhar ao objeto
técnico, um olhar passivo. O exemplo disso, apontado por Freier, estava nas
notícias: as imagens mudam e o olhar permanece. Foi nisso o que o
telejornalismo inovou: trouxe uma sucessão rápida de cenas, de imagens, de
matérias marcadas pelo princípio do êxtase e da atividade ligeira e imediata.
Introduziu o show de impactos sobre impactos que pela perseverança
desgastou a atenção dos assistentes, até os tornarem mesmo indiferentes a
essa notícia. O telejornal na era da velocidade eletrônica é cintilação da
rapidez, da cor, do impacto e as notícias funcionam aí como puros álibis,
personagens secundários da cena.
2.3. Rock
O rock é a trilha sonora da pós-modernidade. Hoje, a produção
fonográfica do rock é mais um espetáculo de ficção do que de fato de uma
produção conjunta "artística", em que concorrem diversos intérpretes. Steve
Connor acredita que todo o terreno da música de rock é pós-moderno; também
Arthur Kroker, para quem o rock significa êxtase, decadência e também o
fenômeno mais flagrante das formas atuais de esquizofrenia.
É interessante a descrição que Mark Poster faz da virtualidade que é
hoje o som do rock e seu caráter ficcional.Por um lado, a questão da gravação
do rock. Esta se dá num espaço de absoluta simulação da copresença.
Nenhuma das pessoas que fazem parte do "conjunto" de fato está presente.
Cada uma mora e grava num lugar diferente. Um técnico junta todas as partes
da mesma música e constrói a unidade em laboratório, fazendo o equilíbrio e o
31
balanceamento dos instrumentos. A partir disso, constata-se que a performance
na verdade é uma cópia que não tem original, que só existe enquanto objeto
de pura reprodução. Trata-se da mostra de algo que jamais ocorreu. A
gravação de rock é, portanto, um fenômeno de ficção.
Por outro lado, o próprio audiófilo também penetra neste mundo de
modelos e simulações de forma equivalente, através da obsessão pela
recaptura da linguagem musical. Trata-se de uma espécie da construção da
hiperfidelidade, ou seja, de tentar encontrar um som que seja mais fiel do que o
fiel; é onde o audiófilo quer discernir instrumentos, separar vozes de
instrumentos, vozes isoladas dentro de um coral, além de tentar também
controlar o próprio ambiente da cena, buscando administrar as oscilações da
eletricidade, isolar a sala, sentar-se no centro dos altofalantes e procurar aquilo
que Poster chama de "utopia auditorial", em que fundem-se na mesma cena
sujeito e objeto. O sujeito desloca-se da sua vinculação, da sua impregnação a
um certo solo, o lugar lhe escapa; ele flutua suspenso entre pontos de obje-
tividade"(Poster,1990,p.11). É a expressão mais clara de que também o som
pode ser interpretado como "som virtual".
3 - Teoria em ruinas
3.1. Velhas teorias da comunicação
Retomando o esquema de Lucien Sfez, das três visões de mundo e das
três metáforas da comunicação (representação-expressão-confusão, máquina-
organismo-Frankenstein), encontramos os modelos de análise e explicação dos
processos de comunicação da primeira metade deste século, majoritariamente
associados à bola de bilhar (meios de comunicação vistos como
representação), assim como aqueles que propuseram o quadro teórico, entre os
anos de 1950 a 1970, mais familiarizados com a metáfora da criatura.
Na visão de mundo marcada pela representação, impera a dualidade
cartesiana e a separação radical entre o homem e seu objeto. O homem
domina a máquina e está com ela para seus fins. Os primeiros estudos sobre
meios de comunicação endossam este modo de interpretar o social. São os
modelos teóricos da visão aristocrática das massas (Charcot, Le Bon, Tarde),
assim como aqueles orientados a uma perspectiva de administração,
organização, controle e sobmissão das massas através dos meios de
comunicação. A ênfase é a de reforçar a função daquele que no processo de
comunicação assume a posição do emissor.
Os primeiros estudos de comunicação dos anos 30 seguem a
perspectiva empírico-behaviourista ou empírico-funcionalista, na qual a relação
dos homens com os meios de comunicação baseava-se na fórmula reduzida do
estímulo-resposta. Para alguns pensadores, a psicologia de Pavlov servia de
fundamento para se analisar os problemas da comunicação "de massa" (por
exemplo, Serge Tchakhotine). Em outros, contudo, o receptor é passivo e
hipnotizável e a comunicação centra-se num processo de três componentes
(emissor, mensagem, receptor, ou E-M-R). A interação ocorre através do
comportamento baseado em estímulos e a psicologia experimental fornece a
base epistemológica para as análises.
32
É também o mesmo tipo de investigação que servirá de base para os
administradores aplicarem a social engeneering sobre as massas, ou seja, as
estratégias que visavam interferir no comportamento coletivo através dos meios
massivos.
As principais questões levantadas pela velha teoria da comunicação
eram a da manipulação, da persuasão, da formação de opinião, da análise dos
efeitos, da influência da comunicação e da mudança de comportamentos. O
princípio aristocrático de avaliar como se manifesta a massa, como se esta
fosse animal de laboratório, para interferir de forma pontual em alguns
aspectos e com vistas à obtenção do resultado esperado, era o fundamento e a
razão neste tipo de estudos
Nos anos 50, com o desenvolvimento da cibernética, ocorre um novo
desdobramento teórico das teorias empírico-funcionalistas de comunicação,
vistas agora como um processo mecânico, mensurável matematicamente,
separável em termos de unidades de informação e perfeitamente manipulável
como um dado da física. Os conceitos de entropia, feed-back, bit fazem parte
deste novo espírito.
Paralelamente, entretanto, ainda no campo do empíreo-funcionalismo,
desenvolvem-se novas correntes que começam a analisar o processo da
comunicação a partir de outros componentes, como os intermediários (no
mecanismo de recepção), e o próprio receptor. Para esses pensadores,
especialmente de tradição norte-americana, a chamada "mensagem" da
comunicação é uma categoria secundária nos estudos de fenômenos de massa
e de complexos de comunicação atuando sobre estas. Igualmente assumem
uma posição crítica em relação aos seus predecessores, que se centravam no
papel do emissor, afirmando que os efeitos produzem-se independente de uma
intencionalidade do emissor e devem ser analisados na forma como estas
informações são decodificadas pelo receptor. Lazarsfeld e Katz representaram
aqui uma corrente importante nos estudos de comunicação norte-americanos,
na medida que trabalharam os mecanismos políticos e sociais a partir desse
componente situado no outro extremo do processo de comunicação, a saber,
os intermediários. A teoria do two step flow of communication nomeava os
líderes de opinião como figuras que realizavam uma espécie de decodificação
da mensagem para pequenos grupos e através disso propiciavam, segundo
eles, sua melhor apreensão das mensagens.
Da mesma forma, no agenda setting (Mark Comb), acreditava-se que
no processo de comunicação figuras intermediárias do mecanismo, como
editores e programadores, funcionavam como "sistemas de re-tratamento da
mensagem e de orientação e classificação da recepção por parte das pessoas".
Mais recentemente, especialmente depois dos anos 60, talvez por força
da persistência de fenômenos inexplicados pelas primeiras teorias que
investiam na importância do emissor, assim como pelas mais recentes, que
passavam a dedicar interesse também no papel de papel de componentes
específicos do receptor, desenvolveram-se teorias que buscavam interpretar o
destinatário como o elo principal de toda a cadeia de comunicação. Para esta,
não há só a mensagem mas toda uma atmosfera em que a mensagem está
inserida, que deve ser estudada para explicar o sucesso ou não das formas de
comunicação. Para estes o receptor é, de fato, o criador de mensagens.
33
A ascensão da sociedade Frankenstein
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  • 1. Ciro Marcondes Filho A SOCIEDADE FRANKENSTEIN São Paulo 1991
  • 2. Um Frankenstein tecnológico nos ameaça. Pelo menos é o que cremos. Vivemos já num mundo de máquinas de transportar, de fabricar, de pensar. Frankenstein, nosso duplo, esse mundo-máquina que criamos, assume pouco a pouco sua autonomia e seu poder. Lucien Sfez
  • 3. Primeira Parte................................................................................................................................................ 5 O DESTINO DE UMA ILUSÃO...................................................................................................................5 1. A Crise do Pensamento Esclarecido................................................................................................. 5 2. O antiiluminismo.................................................................................................................................8 3. O desencanto estético..................................................................................................................... 11 Segunda Parte............................................................................................................................................. 15 O FRANKENSTEIN TECNOLÓGICO.......................................................................................................15 Traços gerais da sociedade..................................................................................................................... 17 1. Crescimento louco, multiplicação e morte....................................................................................... 17 2. Vivência imaginária.......................................................................................................................... 17 3. Ficcionalização da memória.............................................................................................................18 4. Esvaziamento do ser........................................................................................................................18 5. Substituição dos sistemas lógicos................................................................................................... 19 I - Tecnologias e meios de comunicação.................................................................................................19 1. Tecnologias...................................................................................................................................... 19 1.1. A velocidade.............................................................................................................................. 20 1.2. A transformação da cidade....................................................................................................... 22 1.3. O novo status do saber............................................................................................................. 24 2. Meios de comunicação.................................................................................................................... 24 2.1. O processo televisivo................................................................................................................ 25 2.1.1.. A visão.............................................................................................................................. 25 2.1.2. A televisão..........................................................................................................................28 2.1.3.. O tempo televisivo............................................................................................................ 29 2.1.4. A densidade televisiva....................................................................................................... 29 2.1.5. A linguagem ...................................................................................................................... 29 2.2. A Informação............................................................................................................................. 31 2.3. Rock.......................................................................................................................................... 32 3 - Teoria em ruinas............................................................................................................................. 33 3.1. Velhas teorias da comunicação................................................................................................ 33 3.2. Nova teoria da comunicação.....................................................................................................36 3.3. Os conceitos da Era Frankenstein............................................................................................ 37 3.3.1. A circularidade................................................................................................................... 37 3.3.2. Superfície........................................................................................................................... 37 3.3.3. Autonomia do objeto.......................................................................................................... 39 3.3.4. Movimento.......................................................................................................................... 41 II - História, tempo, política...................................................................................................................... 41 1. Fim da história.................................................................................................................................. 41 2. O tempo............................................................................................................................................43 3. A política...........................................................................................................................................44 4. O Estado orbital............................................................................................................................... 46 5. O "locus" do poder........................................................................................................................... 47 III. O ser enfraquecido.............................................................................................................................. 48 1. Assassinato de Deus....................................................................................................................... 49 2. Multiplicação e fracionamento infinito.............................................................................................. 50 3. A desestabilização dos sujeitos....................................................................................................... 51 4. A nova esquizofrenia........................................................................................................................53 IV. Cultura pastiche e vazia..................................................................................................................... 55 1. Cultura do cinismo e da indiferença ................................................................................................56 2. Coletividade interativa...................................................................................................................... 58 3. O corpo e a morte............................................................................................................................ 59 4. O processo econômico.................................................................................................................... 60 Terceira Parte...............................................................................................................................................64 PARA ONDE VAI O HOMEM .................................................................................................................. 64 1. Teorias e estratégias........................................................................................................................64 1.1. Corrente histórico-humanista, voluntarista............................................................................... 64 1.1.1. A esquerda hegeliana........................................................................................................ 64 1.1.2. A teoria de Juergen Habermas.......................................................................................... 66 1.2. Corrente estruturalista...............................................................................................................68 1.3. Corrente pós-moderna.............................................................................................................. 70 2.O oráculo de Freud........................................................................................................................... 73 Bibliografia.................................................................................................................................................... 77 3
  • 4. Primeira Parte O DESTINO DE UMA ILUSÃO 1. A Crise do Pensamento Esclarecido O homem da Era Moderna era marcado pela ilusão da onipotência. Nele foi inculcado que possuia poderes, capacidades, força de interferir no meio, na cultura, na história. De Deus, ele arrancou os poderes absolutos e determinou com isso o declínio da metafísica: a nova era passa a ser a do homem dominando a máquina, usando-se da ciência, da razão, do objetivo sobre o subjetivo, do concreto sobre o abstrato, do material sobre o imaterial. O domínio posivito da natureza e do meio decretava que nada mais de sobrenatural poderia interferir na ação racional humana com vistas à realização de seus nobres fins sociais. A técnica, nas mãos do homem, de fato promoveu o crescimento industrial, a expansão dos bens de consumo, o desenvolvimento de todos os meios de transporte e comunicação, bem como a inovação no campo artístico, o aumento das facilidades das próprias sociedades humanas e em todos os âmbitos da vida cotidiana. As esperanças excepcionais que os homens atribuiram à técnica, entretanto, não previam que seus desdobramentos questionariam a natureza do espírito social da própria época moderna. A técnica não só deu conta das aspirações humanas em realizar suas intenções de expansão, exploração e domínio, mas superou-as excepcionalmente. Técnica, instituições e objetos deixaram claro, no século XX, que os poderes humanos têm alcance restrito: demonstraram que o homem não pode tudo; de fato, ele pode muito pouco. Os objetos têm autonomia, impõem-se ao homem e não se subjugam. A onipotência tornou-se impotência. A técnica e seus desdobramentos na sociedade, isto é, a ideologia que se desenvolve a partir de seu uso e de sua instrumentalização tornaram possível, em primeiro lugar, a erosão dos princípios filosóficos que haviam sido erguidos no começo do século XVII. A ontologia, ou seja, a concepção baseada na filosofia clássica de que no homem existiriam "estruturas estáveis" - que só não eram claramente perceptíveis porque o homem no seu processo social estaria encoberto por uma nuvem de alienação provocada originalmenmte pelo processo de trabalho - assim como a metafísica, foram minadas pela própria forma de a técnica de autoimpor-se no social. Esta liquidou a imagem de que no homem sua aparência poderia ser negada ou contraposta a uma estrutura íntima última, bem como consagrou a afirmativa de Nietzsche, de que Deus estava morto. Isto é, impôs uma verdade positiva de que as coisas são como são e qualquer recurso transcendente de explicação seria tido como misticismo. Em outras palavras: a crença na existência de Deus, e, por derivação, na possibilidade de uma natureza permanente e imutável no homem passaram, depois desta expansão da técnica, a ser tidas como mera ficção. A existência de uma ontologia do ser teve sua origem nos mecanismos de antropomorfização da própria sociedade, no destronamento da cultura erguida sobre a imagem de Deus. 4
  • 5. Isto quer dizer que na Época Moderna havia se instaurado um inchaço nas possibilidades do sujeito, marcante especialmente na filosofia idealista, no liberalismo e no socialismo. O sujeito transcedental era o homem ou o proletariado que deveria realizar a utopia histórica. Nesse sentido, a história funcionava como continuação do pensamento religioso e sua filosofia, surgida na Época Moderna, não passava de uma reformulação ou modernização do pensamento e da utopia cristã. Aquilo que para o Cristianismo era a redenção, a salvação, a possibilidade de felicidade final, o pensamento materialista do século XIX transferiu para agentes humanos historicamente determinados. O homem, as classes ou as revoluções deveriam realizar a tarefa histórica de construção terrena de uma utopia social. Estes grandes discursos legitimadores da ação política, como o foram o marxismo e o liberalismo, funcionaram também como aval do exercício da ciência, do direito, da moral e da arte. O desenvolvimento da técnica, entretanto, foi tornando cada vez mais débil este tipo retaguarda filosófica, porque justificava-se por si mesmo, prescindindo de uma sombra religiosa, ideológica ou abstrata. Quanto mais se desenvolvia a ciência e a técnica, menos se poderia dizer que elas deveriam se basear num estatuto externo a elas, isto é, numa ideologia. É por isso que o desenvolvimento técnico acabou por realizar, especialmente no após-guerra, a liquidação final das ideologias legitimadoras ou das "metanarrativas", e por suprimir o respaldo que se baseava numa filosofia especulativa, num agir ético-político passando a uma legitimação em si mesmo , segundo seus próprios parâmetros. Com isso, todos os conceitos de sustentação do pensamento iluminista começaram a cair por terra neste final de século. Em primeiro lugar, a razão já que estava associada a um espírito iluminista e, segundo ela, o homem poderia através da inteligência e do uso de sua racionalidade abarcar todas as formas do real. O real é racional, dizia Hegel, atribuindo à capacidade humana a possibilidade de dar conta de todas as ocorrências terrenas. Havia se desfechado aí o golpe mortal e radical contra todas as formas de misticismo, transferidas para a margem da sociedade, para o campo desprestigiado das crenças e ilusões. Tinha prestígio e status, ao contrário, o saber racional e a possibilidade de o homem, através dele, executar o domínio da natureza. As crises históricas e os caminhos desastrosos a que conduziram os desenvolvimentos técnicos e as tecnologias, e especialmente as formas de dominação, opressão, violência, genocídios e ameaça planetária puseram em cheque a capacidade da administração racional da sociedade. Os sistemas políticos fanáticos e radicais, como barbáries sem rédeas pela história, inspiraram-se, ao contrário, na mais absoluta irracionalidade. A partir da experiência destes, o conceito de razão não tem mais sentido. Sobreviveram, opostamente, fatos inexplicáveis, imprevisíveis, incontroláveis, inadministráveis, demonstrando que independente ou além de o homem conseguir dar conta da sua realidade, os eventos, acontecimentos, irrupções fogem absolutamente de seu controle e de sua atuação. Semelhante destino tiveram os conceitos de verdade, ideologia, história, progresso, evolução. O conceito de verdade subordinava-se a uma estrutura lógica maior, que lhe garantia o critério de legitimidade. Tratava-se de um metarrelato e uma razão superior, que justificava os meios de acordo com os 5
  • 6. fins pré-determinados. Com a crise do conceito de verdade, cai por terra também o conceito de história, já que este baseava-se na noção de linearidade ou de determinação. Ele supunha um processo evolutivo em que uma sociedade medieval seria substituída por uma mercantilista mais desenvolvida e esta por uma sociedade industrial capitalista, ainda mais avançada. A concepção de evolução ascendente do social entra em crise na medida em que os próprios valores que embasavam essa evolução já eram determinados pelo estágio em que se vivia. Ou seja, na noção da história, estava contida uma idéia de finalização, de finalismo e de a história tender à realização de algum princípio, idéia, sociedade que os homens acreditavam fosse se realizar necessariamente. A história deveria dobrar-se a essa idéia criada pelos homens e seguir um rumo pré-programado. Progresso e evolução seriam os indicadores da correção ou não desse rumo. Ingenuamente achava- se que se poderia colocá-la sobre os trilhos. Vem abaixo também o conceito de ontologia, como mencionado, porque se baseava numa lógica marcada por opostos, essência/aparência, alienação/desalienação, latente/manifesto, que implicavam, a partir de uma crítica ao místico na sociedade, uma revisão de todo o pensamento, buscando trazer à luz aquilo que se apresentava como mistificador, encobridor ou falseador de uma determinada realidade. A concepção de uma ontologia e a idéia de um desmascaramento estão igualmente subordinados às possibilidades do real ser racional, de se chegar através da conscientização política ou do trabalho intelectual ao "fundo" das coisas. Com a crise dos grandes discursos genéricos, desaba também a noção de totalidade que, derivada basicamente da dialética, reduzia todos os fenômenos a leis gerais de funcionamento e da mesma forma "explicáveis" segundo seus princípios determinantes. A noção de totalidade introduzia um componente simplificador em todas as relações sociais e era da mesma forma aglutinador. Por outro lado, exercia uma força terrorista sobre o conjunto dos demais discursos, na medida que ao integrar todos os componentes sob sua lógica, favorecia o desenvolvimento do pensamento ortodoxo e mesmo fanático em termos de ideologia, política e lógica social. Desmorona-se também a noção de sujeito histórico e mesmo a de indivíduo. Indivíduo, assim como citoyen e burgeois, fazem parte de uma lógica em que o homem obtém destaque dentro do conjunto social e se afirma como ser dominante. Entretanto, já desde Copérnico e Darwin que não se justifica tal preponderância filosófica e histórica do homem. Copérnico, acabando com as ilusões de o planeta estar no centro do sistema solar, e Darwin, reduzindo o homem a um mamífero cujos ancestrais eram símios, obteriam ainda no início deste século um novo complemento a partir de Freud, cuja teoria iria demonstrar que sequer os pensamentos e a ação dos homens lhes pertenciam, fazendo parte, ao contrário, de uma estrutura inconsciente genérica da sociedade, da qual o homem não passava de um mero representante. A radicalização deste ponto de vista deu-se com Lacan, que por meio do método estruturalista iria levar às últimas consequências a determinação do inconsciente enquanto responsável pelas ações humanas: o homem nada é, nada faz, nada altera; ele não passa de um personagem que fala uma língua que já encontra dada , que participa de um mundo simbolicamente estruturado 6
  • 7. pelo Outro e cuja função não é nada mais do que dar conta de um destino e de um dever já fixo e determinado. Cada vez mais a técnica ocupa um lugar próprio, autônomo, e se no começo da Revolução Industrial ela apenas fazia com mais perfeição e rapidez o trabalho em série, auxiliava e garantia um melhor rendimento, eficiência e produtividade do trabalho social, no século XX, com a sofisticação e o refinamento dos sistemas técnicos, reduz-se o espaço efetivo de intervenção humana: a automação, a substituição das atividades vitais, a organização total da vida nas sociedades segundo normas técnicas, instituem um novo quadro em que o homem vai do centro à periferia. O momento desta inversão do papel da técnica - que, segundo irá se expor durante todo o desenvolvimento deste livro é a marca do surgimento de uma nova era em que o homem toma consciência das ilusões passadas e tem que reconhecer sua pequena estatura - é a época em que já não se pode falar mais de superação crítica, evolucionismo ou progresso. Em Humano, demasiado humano, Nietzsche dizia que dentro do conceito de modernidade está implícita a idéia de sua permanente superação. A época atual, já instalando uma ruptura com a modernidade, não pode assim ser caracterizada como "superação". Há de ser vista, de fato, como um corte, em que nenhum dos conceitos anteriores pode ser reativado. Nem o de reapropriação nem o de recuperação das origens e dos fundamentos. Tampouco tem sentido para esta época a aspiração de autonomia em oposição a uma totalidade coisificada, como pressupunha o pensamento hegeliano-marxista, ou da contraposição de necessidades forjadas e necessidades verdadeiras. Dentro deste mesmo princípio, a chamada "experiência estética autêntica" não tem mais espaço. Todas estas categorias estavam marcadas pelo conceito de verdade ou de essência irredutível, que faziam parte dos princípios iluministas. Assim, não se podendo mais pensar em termos de história e desmoronado as bases do humanismo, pode-se acreditar, com Heidegger, que a crise deste humanismo ocorre no ápice da técnica. Em lugar destas duas categorias que centravam o pensamento da Idade Média até a Idade Moderna, instala-se uma nova ordenação lógica dando novo estatuto à técnica. Heidegger dizia que já não é mais hora de se pensar o homem como um personagem forte e heróico; ao contrário, trata-se de encontrar seu verdadeiro lugar como um "sujeito emagrecido". Mas não somente Heidegger pensou prematuramente a questão da expansão da técnica e a crise do modelo iluminista. Outros autores, especialmente Nietzsche e Weber, posicionaram-se de forma precursora em relação aos desdobramentos que só hoje podemos sentir em sua profundidade. 2. O antiiluminismo ------------------------------------------------------- Modernismo História, Superação Humanismo Ontologia (Incl. marxista) ------------------------------------------------------- 7
  • 8. Nietzsche Eterno retorno Niilismo completo (Homem > do centro ao X) ------------------------------------------------------- Heidegger Fim da Metafísica Anti-humanismo; (Pós-Metafísica) enfraquecimento do Ser ------------------------------------------------------- No quadro estão apresentadas duas dimensões básicas do pensamento antiiluminista. Naquilo que para o modernismo corresponde à história ou à possibilidade de superação e de uma ontologia, em Nietzsche encontramos, ao contrário, um caminho circular do eterno retorno. Não existe o conceito de avançar no sentido do progresso e da evolução. Em Heidegger, a superação da morte de Deus dá-se com a fase do predomínio da técnica como uma espécie de sua continuação em outro plano, ou seja, na idade pós-metafísica. Em relação ao sujeito histórico, a que o modernismo atribuía uma capacidade de interferência e realização, Nietzsche situa o niilismo completo e o caminho do homem não em direção a um fim previamente determinado por um discurso maior mas em direção ao X. Heidegger, igualmente negador desta "inflagem" do ser, vê nisso, ao contrário das possibilidades humanistas, um equívoco já que os homens para ele já estão excessivamente debilitados. É de Nietzsche a afirmação de que "Deus está morto". Deus é assassinado quando o saber já não deseja mais chegar às causas últimas, ou seja, numa situação em que o fim dos valores supremos não é substituído por outros valores em que o próprio conceito de valor torna-se supérfluo. Em Crepúsculo dos deuses, propõe a consideração do mundo como fábula: a fábula perdeu seu sentido, pois não há mais verdade que a revele como aparência. Não há mais um Grund (fundamento) a ser falsificado ou desmentido. O mundo verdadeiro torna-se fábula e com isso dissolve também o mundo aparente. Daí ser tudo "errância" sem qualquer relação com uma verdade fundamental. Sob este conceito apresenta-se a proposição de niilismo completo, que se refere à superfluidade dos valores últimos. É também de Nietzsche a crítica mais veemente às concepções da metafísica, quando previu também que a superação das idéias de Deus não traria necessariamente, como imaginava o marxismo, o homem de volta a si mesmo: "Na recuperação das forças levadas aos céus não há emancipação da humanidade mas crescente autonegação". O pensamento utilitarista e a crença no progresso, que são sistematicamente criticados por Nietzsche, vão novamente tornar os homens escravos e, de fato, este parece que foi o resultado do desenvolvimento da técnica na época atual em que Deus desapareceu. Na eliminação da entidade metafísica, o homem passa a oscilar entre extremos de êxtase e decadência, vivendo a morte de velhos significantes junto com o niilismo completo da pós- modernidade. 8
  • 9. Assumindo uma postura igualmente crítica em relação à técnica e às expectativas de um sujeito heróico que pudesse domesticá-la, aparece com proeminência a posição de Martin Heidegger. Sua proposta é a da destruição da metafísica como forma de chegar às origens, ao Seinsvergessenheit; isto quer dizer que voltando-se a ela, atingir-se-ia o fim e a realização da própria metafísica. Para Heidegger, a técnica, caracterizada pela Ge-Stell ou imposição universal e provocação do mundo técnico (Vattimo, p.26), e nada mais do que ela compõe a essência oculta da metafísica ocidental. Ela seria o máximo desdobramento desta, ou seja, numa situação em que Deus está morto, a técnica assume para o homem a posição de uma nova divindade. Daí a acepção heideggeriana de que a essência da técnica é algo de natureza não técnica. Ele prevê, para tanto, uma possibilidade de o homem desembaraçar-se desta realidade que o nega e desta metafísica que o encobre, no conceito de Verwindung. Diante da transposição da circularidade vertiginosa em que o homem e o ser perderam todo o caráter metafísico por força da técnica (no Ereignis), urge no presente momento viver de forma radical a própria crise do humanismo, a saber, é preciso assumir esta qualidade da técnica como algo não técnico e entregar-se a uma espécie de "cura de emagrecimento" na qual o homem assumiria sua franqueza. Partindo de concepções filosóficas diferentes e rejeitando tanto o pensamento niilista quando o existencialista, ao mesmo tempo que afirmando pressupostos antiiluministas, aparece a figura de Max Weber, como outro grande pensador contemporâneo que radicalmente questiona o mito da racionalidade ocidental. O Iluminismo para Weber não passava de uma ilusão. A racionalidade, em vez de dar conta das exigências e das aspirações humanas de bem-estar e de progresso, levou, ao contrário, à ação racional com vista a fins (Zweckrationalitaet); a razão desembocou numa forma de dominação e opressão. Errado estava Marx que encarava a razão do ponto de vista positivo, como possibilidade real de desenvolvimento das forças econômicas e sociais. Marx acreditava categoricamente nas possibilidades do homem de, através do agir racional, remodelar o próprio meio e construir seu futuro. Não obstante, os pensadores marxistas deste século, especialmente os que se mantiveram alinhados à corrente hegeliana e que foram portanto herdeiros de Lukács, já abandonavam essa visão romântica da razão e assimilavam o contrário, a concepção mais realista de Weber. Atrás da razão escondia-se a lógica da dominação, da opressão, da burocracia e da impessoalidade; não houve melhoramentos humanos com a tecnologia e a pressão das forças produtivas não conduziu à revolução. Resultado disso é o que Max Weber caracterizou como "processo universal de desencanto". A razão, que ocupou o lugar do misticismo, não ofereceu em contrapartida um bem-estar psicológico nem material ao homem. As superstições foram liquidadas, já que faziam parte do pensamento mágico, inimigo da postura racional do Iluminismo, e com isso perdeu-se o sentido ético e da unidade da vida. Em substituição a elas a razão foi usada para aumentar o controle ("netro e instrumental") do mundo. 9
  • 10. Na modernidade, para Max Weber, aquilo que significava a preocupação com os bens materiais, que num primeiro momento era visto como um "leve manto" do qual se poderia despojar a qualquer momento, fez com que o manto de tornasse, segundo suas palavras, uma "armadura férrea" (Weber,1973,p.187). Igualmente os homens desta nova era, em que a racionalidade e a relação com os bens materiais assumem um aspecto nuclear, são caracterizados por Weber como "especialistas sem espírito, fruidores sem coração". Os principais intelectuais deste século que se pautaram pela continuidade do pensamento marxista no campo da filosofia e da crítica da cultura, ou seja, o grupo que se denominou Teoria Crítica da Sociedade, sofreu também os revezes desta virada das perspectivas otimistas em relação à racionalidade. Originalmente seguindo as idéias de Georg Lukács dos anos 30 e sua posição ímpar no desenvolvimento do materialismo histórico em confrontação com a tendência materialista dialética em expansão na União Soviética, os pensadores da Teoria Crítica assimilaram e deram continuidade às possibilidades da crítica à reificação através da razão e da filosofia da consciência; a auto-reflexão racional significava um instrumento criativo nas formas de luta para se atingir a realização do Estado socialista. Não obstante, logo sentiram os rumos desastrosos da técnica, especialmente no período em que eles próprios sofreram sua expansão nas mãos dos Estados totalitários e fanáticos. A autonomização da razão instrumental passou a ser vista, então, como uma decorrência funesta do desenvolvimento da razão e as chances otimistas de Marx foram descartadas. A partir daí os autores ingressam numa trajetória de negatividade, refutando qualquer espécie de revalidação mais positiva das possibilidades da racionalidade voltada a fins, fato que Juergen Habermas critica em sua tentativa de reapropriação da razão. Para este, haveria a possibilidade de uma racionalidade positiva quando orientada e articulada pelo mundo vivido (Lebenswelt). 3. O desencanto estético A crise talvez mais marcante e transparente da chamada Era Moderna estaria situada na sua expressão estética, na crise da modernidade estética. No primeiro período do modernismo, a concepção de arte estava ainda dominada pelos enciclopedistas e por uma relação exageradamente unívoca em relação ao processo artístico. Para estes, só haveria uma possibilidade de observação, uma forma de representação. Engrossavam essas fileiras também filósofos como Comte, Bentham e Mill. A partir da metade do século passado configura-se uma segunda e mais marcante forma de se encarar a arte, ao lado da aceitação da multiplicidade de formas de representação. É o período que coincide com a expansão da fotografia, que monopoliza a possibilidade de reprodução exata do real por meios técnicos. A arte rebela-se contra esta perda de espaço representativo e parte para processos desviantes, particularistas, impressionistas de representação. 10
  • 11. É a época em que surgem os teóricos do modernismo, como Baudelaire e Flaubert, que assinalam as marcas que distinguem este fenômeno artístico dos outros ciclos culturais. Para Baudelaire, a arte é transitória e contingente mas ao mesmo tempo eterna e imutável. Este segundo aspecto é também de certa forma reafirmado por Flaubert para quem a arte extrai do mundo que passa os traços de eternidade que ele contém (cf. Harvey, 1989, p.20). Encontram-se aí, portanto, nos dois autores, a expressão viva do componente ontológico da cultura, a essência última, que também na filosofia ocupava uma posição de destaque. Partindo disso, contrói-se a concepção modernista de arte que vai vigorar durante esta parte do século passado (segunda metade) e boa parte ainda deste, segundo a qual, o artista deve desempenhar um papel criativo na definição de uma "essência da humanidade" assim como um papel heróico no que Nietzsche chamava de "destruição criativa". Ele realizaria na prática o que Kant havia proposto em relação o juízo estético: ponte entre a razão prática e o conhecimento científico. No século XX, contudo, o modernismo já começa a oscilar em posições ambíguas. No primeiro momento, até antes da I Guerra, a posição dos artistas era de reação às inovações técnicas e às tranformações sociais e políticas que a ela estavam relacionadas, como a grande expansão da indústria, o significativo aumento do maquinário e a urbanização das cidades. A isso se somam o desenvolvimento das redes comerciais, dos transportes, das comunicações, assim como, no plano do consumo, o grande aumento dos produtos culturais, a popularização dos bens artísticos e a massificação da própria arte. Depois da Guerra, os próprios artistas assumem posições divergentes em relação à aceitação ou não do componente técnico na transformação da sociedade. Instala-se uma tendência que mitifica as técnicas e que vai se atrelar de forma mais ou menos radical aos regimes totalitários dos anos 20 e 30. É o caso do futurismo de Marinetti e de Ezra Pound na Itália, mas também de Dos Passos e Hemingway nos Estados Unidos. No âmbito da arquitetura, estão Le Corbusier e Walter Gropius (Bauhaus), em cuja concepção as cidades e as casas seriam "máquinas para dentro delas se viver". De fato, apesar da não adesão ao regime fascista, os projetos e os propósitos de Gropius foram de fato aplicados pelos engenheiros de Hitler na construção de moradias e instalações para controle político. Ao lado dessa tendência sobreviveram correntes que rejeitavam a adesão aos regimes fascistas: o surrealismo, o construtivismo e o realismo socialista. Com a expansão da técnica, o acirramento da corrida armamentícia e a dilatação da própria sociedade de consumo, a arte moderna entra em declínio. Sua última forma é a do alto modernismo, nitidamente identificado com o establishment, movimento este marcado pelo expressionismo abstrato, pelas idéias positivistas, tecnocráticas e racionalistas. O projeto da arte moderna sucumbe, portanto, com os outros componentes do espírito das Luzes até chegar a um momento de absoluta perda de identidade. É exatamente nesse momento que se trava o debate que 11
  • 12. marcará a divisão de rumos de concepções que pautarão a discussão sobre a pós-modernidade. De um lado, aparece Juergen Habermas, que segue a tradição de Kant e de Adorno em relação à arte, que ainda vê nela a possibilidade de restauração de uma certa utopia perdida. Para ele, a arte ainda é a marca da negação contra o poder totalizador de uma sociedade unidimensional, o "armazém de significados que se encontram em perigo"(Jay,1988, p.207). Para Habermas, a arte moderna encontra-se num dilema: ela pode recuperar aquilo que está fortemente ameaçado pela devastadora cultura da pós-modernidade mas para isso é preciso que resgate o projeto kantiano de fusão de esferas cognitiva, político-moral e expressivo-estética. Claro está aqui, que para o pensador alemão as coisas ainda se colocam em termos de uma essência perdida ou mutilada pelo processo histórico, que deve ser de alguma forma recuperada. No debate sobre a questão, Peter Buerger, Andreas Huyssen e Jean- François Lyotard colocam-se radicalmente contra a perspectiva habermasiana. Para Buerger, a interpretação de Habermas é absolutamente ilusória. As três esferas não têm nenhuma identificação entre si já que a ciência não integra a vida cotidiana, a arte goza de autonomia própria e aspira à transcendência, coisa que a ciência não faz. Sua crítica é de que Habermas tentaria fazer valer uma concepção totalmente irreal de harmonia entre as três esferas que buscariam apoiar-se mutuamente na construção do projeto estético. Para Huyssen, Habermas é holista e está na verdade em busca de um "telos" (fim, realização), procurando recuperar portanto a concepção de um devir, de uma história, de um futuro utópico de natureza finalista. Para Lyotard, da mesma maneira, Habermas, na sua proposta de revitalização do fenômeno estético, deixa transparecer seu objetivo unificador da história e a existência do sujeito totalizador. Para ele, Habermas busca a ordem, a unidade, esperança, a esfera pública quando critica todos os movimentos chamados vanguardistas e a por ele caracterizada perda do referencial histórico da arte. Mas para a maioria dos autores que analisam o momento atual pós- moderno do desenvolvimento social, a arte é uma manifestação que por seu atrelamento às concepções de mundo e ao espírito do Iluminismo e da razão não tem mais possibilidades nem esperanças de recuperação da aura perdida. A arte na sociedade tecnológica deixou de ser um fenômeno específico; a experiência geral das pessoas tornou-se estetizada, isto é, os ambientes gerais que compõem a cultura passaram eles próprios a se tornarem porta-vozes, maneiras públicas de expressão artística. Tanto nas pessoas como designers bodies (Kroker), como nos ambientes interiores e nos próprios edifícios da paisagem urbana instala-se uma total estetização dos ambientes de vida. Isso constitui o que se convencionou chamar de "fenômeno artístico integral". A arte dissolve-se, dilui-se, pulveriza-se na cultura como um todo, deixando de existir, portanto, como um fenômeno em si, singular. Por outro lado, em vista também do espírito do tempo, ela já perdeu sua característica de escandalizar: já não choca, já não atrai, já não é capaz de 12
  • 13. resgatar valores, conceitos ou expressões que tornem as pessoas fixadas e marcadas por eles. Vive-se um período do "transestético" (cf. tb. Baudrillard, 1990), com o desaparecimento de todos os padrões de julgamento artístico. Faz-se uma arte em que nada há mais a ser visto, que só sobrevive como um ritual em relação ao qual nada temos a fazer senão simplesmente crer. 13
  • 14. Segunda Parte O FRANKENSTEIN TECNOLÓGICO Partindo de perspectivas diferentes, Paul Virilio e Lucien Sfez descrevem o quadro da passagem da Modernidade à Pós-Modernidade (ou: da era do predomínio da lógica da razão à da crise da razão) em três momentos que se completam. Paul Virilio ------------------------------------------------------- Lógica pintura realidade conhecimento formal pleno ------------------------------------------------------- Lógica foto, atualidade conhecimento dialética cinema aproximado ------------------------------------------------------- Lógica vídeo virtualidade pouco paradoxal conhecimento ------------------------------------------------------- Lucien Sfez ------------------------------------------------------- Representação "com" máquina bola de bilhar ------------------------------------------------------- Expressão "em" organismo criatura ------------------------------------------------------- Confusão "por" tautismo Frankenstein ------------------------------------------------------- Em Virilio, a pintura era a expressão da realidade sob uma perspectiva formalista e através dela chegava-se a um conhecimento pleno, direto, "transparente" do real que estava sendo representado. O cinema e a fotografia, como intervenções técnicas na forma de se reproduzir a realidade, atuavam sob a perspectiva dialética da representatividade. O primado aqui já não já mais da realidade, mas da atualidade. Fotografia e cinema, isto é, o fotograma, significa uma captação atual, momentânea, instantânea que dava à representatividade uma apreensão não programada, não maquiada. Neste caso, com o privilégio da instantaneidade perde-se o componente da plenitude do conhecimento que tinha a ver com uma captação duradoura e exaustiva do objeto. Por fim, no momento atual das tecnologias sofisticadas, marcadas pela videografia e pela 14
  • 15. holografia, já não se trabalha mais com a atualidade mas com um fenômeno que transcende a possibilidade de correspondência do objeto com a imagem real. Está-se no campo da virtualidade e aqui o conhecimento torna-se absolutamente impreciso. Em Sfez, na visão de mundo da representação, o homem domina a máquina e está com ela para seus fins. Há o predomínio da razão e as máquinas representam o homem segundo o princípio da dualidade cartesiana (corpo/espírito, sujeito/objeto). Os meios de comunicação traduzem o mundo, a imagem representa o emissor, vive-se num universo, em termos de comunicação, da representação. A figura é a bola de bilhar que, uma vez enviada, atinge seu objetivo e é novamente reenviada com a conservação da plena integridade do movimento. A segunda visão de mundo é a da expressão, em que os objetos são o ambiente natural; nosso mundo é introduzido por ele e o homem está no mundo, nele jogado, não o dominando mas a ele se adaptando. As partes se relacionam com o todo. Os meios de comunicação igualmente estão no mundo e o mundo está neles mas não há mais envio de mensagem . A figura desta segunda fórmula é a criatura, e os signos são produtivos como organismos, exprimem a natureza. A terceira visão de mundo é a da confusão; não há sujeito e é o objeto técnico que marca seus limites e determina suas qualidades. A tecnologia diz tudo sobre o homem e seu devir. O homem existe pela tecnologia. Nos meios de comunicação ocorre uma ausência de comunicação exatamente pelo próprio excesso de informação. A comunicação torna-se uma entidade metafísica, auto-referente; é uma repetição imperturbável do mesmo no silêncio de um sujeito morto. A figura desta terceira categoria é Frankenstein. (Sfez, 1988, p.12ss) 15
  • 16. TRAÇOS GERAIS DA SOCIEDADE A sociedade da racionalidade técnica, que substitui a da razão humana, é constituída por traços gerais novos e próprios, que marcam sua especifidade. No decorrer da exposição eles serão melhor esclarecidos através dos exemplos e das descrições de situações. 1. Crescimento louco, multiplicação e morte Nos novos processos que caracterizam a época atual, os atores históricos, desinvestidos de sua onipotência, são testemunhas de que os próprios movimentos, os próprios objetos expandem-se, desenvolvem-se, desagregam-se indiferentes às intenções de controle racional dos homens. (A fundamentação deste item 1 está baseada principalmente em Baudrillard: 1981, 1983, 1986, 1987a) Com a morte da ilusão do sujeito e o fim das metanarrativas, movimentos e objetos afirmam sua autonomia e auto-realização; instala-se a lógica da divisão, da multiplicação serial, da duplicação, da potencialização, da proliferação ao infinito. Sujeitos e instituições explodem anômala e arbitrariamente e são as técnicas que "refundem" o social. Nos sistemas como os de comunicação, informação, produção e destruição, as formações cancerosas, a antecipação da morte no seio da significação viva, o crescimento louco, desordenado, o girar em torno de si mesmo, a ausência de regras, a proliferação permanente caracterizam seu movimento. Os sistemas ultrapassam os limites de suas funções reafirmando com isso um funcionamento cego e automático, indiferente à questão do sentido, da finalidade e da função e tornam-se inertes, hipertélicos e mortos. É aquilo que, apesar de morto, continua a se mover mecanicamente, realizando-se como histerese, processo que continua por inércia mesmo quando a causa desaparece. Os meios de comunicação são o exemplo mais claro deste processo: forma extrema de clonagem que dispensa o original e em que as coisas só existem para sua reprodutibilidade ilimitada. O real desaparece no hiperreal, o sexo no pornográfico, o movimento na aceleração e na velocidade, o corpo no obeso, a informação na obscenidade, as redes na proxenética. Também nos homens, agora despidos das fantasias iluministas, instala- se a lógica indiferente da multiplicação serial, sem aura; a fabricação de idênticos, sexuados mas com sexualidade inútil. Sem a representação do original, o ser vivo torna-se matriz artificial. Só a nostalgia o restitui como "autêntico". O outro passa a ser ele mesmo, desaparecida a confrontação. É a morte: o ser confunde-se consigo mesmo, desaparece o jogo com a aparência, a individualidade, a transcendência, a representação de si mesmo. A identidade individual fractaliza-se em múltiplos pedaços como cacos de espelho. Fim da representação sintética, de uma "grande gama de dimensões". 2. Vivência imaginária A vivência na sociedade da racionalidade técnica institui o privilégio do imagético, do virtual, do circular e do autocentrado. O imagético é o privilégio da 16
  • 17. imagem, da televisão e do ecrã sobre a palavra, o som e o tato. No virtual, este sobrepõe-se ao real, as ficções tornam-se vida, a realidade externa é menos investida de importância e significação. As simulações, os modelos ocupam o real. É a era do "falso absoluto", os media passam a referir-se a si mesmos e a concepção de "mediação" é substituída pela de ficcionalização. Na circularidade, o conceito de (transmissão de) mensagens não existe; o universo torna-se circular e orbital, um girar sideral em que os vetores rodam acima de nós e escapam de nossa realidade. A informação não transcende, não se reflete no infinito, tampouco toca o real. No autocentramento ocorre a negação da espacialidade, da geografia, das dimensões. Investe-se no enclausuramento, no encapsulamento, no autofechamento, na concentração- condensação do espaço. 3. Ficcionalização da memória A memória é construída e reconstruída a partir da televisão, que institui modelos, formatos, simulacros do que antes era tido como dado histórico. A memória torna-se fato disponível, flexível, acessível, eletronicamente recuperável e os componentes da antiga historiografia têm seu contexto relativizado ao extremo; os fatos são reaproveitados, reutilizados e opera-se uma intervenção no passado, manipulando-se, agora mais livremente, fontes, dados, procedimentos, participações, atuações numa disponibilidade absoluta da própria história. Ao lado da livre pilhagem do fato histórico, opera-se nos meios de comunicação a ressurreição fictícia e maquiada de acontecimentos do passado, o retrô, o culto dos modelos antigos, a abolição dos tempos e o uso aleatório de símbolos históricos. 4. Esvaziamento do ser O enfraquecimento do ser coloca-se na razão direta da elevação do status do objeto. O momento desacredita os heróis, os líderes; as identidades agora flutuam. As pessoas tornam-se "perdidas"; é o domínio das máscaras, da esquizofrenia, da solidão e do desejo de suicídio. Narcisismo, necessidade de provar a própria existência, minimalismo são os novos comportamentos. O outro, deixando de ser nosso espelho, decreta a supressão relação de troca social, do acesso ao imaginário. Paralelamente, com a elevação do status do objeto, as máquinas, os computadores, as tecnologias enredam os sujeitos; os fatos já não são conduzidos, influenciados, produzidos ou determinados por homens ou grupos mas acontecimentos que irrompem de forma imprevista e imprevisível. São eclosões repentinas, de surpresa, viradas espetaculares, violência explosiva descodificada. Com o enfraquecimento do ser e o fim do princípio da densidade do sujeito heróico, coloca-se em seu lugar uma ética performática; um sujeito sem o peso de uma ontologia, de uma história, de uma ética investe no agir, no movimentar-se, no pular, no participar, no exercitar, no correr, no experimentar 17
  • 18. emoções pura e simplesmente. O investimento é no corpo, na emoção pura, na velocidade, na euforia e no êxtase. Atrás das emoções não há nada. Suprime-se a "seriedade do compromisso, da missão, do ideal" e enaltece-se o jogo e a festa. Paralelamente ao investimento no agir, a negação do maldito e a purificação de negação: assepsia, embranquecimento, eliminação da negatividade (do pobre, do feio, do inferior). 5. Substituição dos sistemas lógicos A destituição dos antigos grandes códigos, o fim da razão abstrata, das metanarrativas, a queda do prestígio das instituições e das autoridades, o descrédito dos princípios, das categorias clássicas, dos fatos fundadores ocorre em contrapartida ao privilégio das coisas úteis, dos resultados, das consequências, das práticas. Instala-se o princípio da fragmentação, da descontinuidade, da pulverização. Em lugar da visão do social como uma totalidade passa-se a encarar a sociedade como equivalente àquilo que metaforicamente Wittgenstein aplicava à linguagem, uma descontinuidade sem centro: "uma velha cidade com uma rede de vielas e praças, casas novas e velhas e casas contruídas em diferentes épocas, e tudo isso cercado por uma quantidade de novos subúrbios, com ruas retas e regulares e com casas uniformes". (Investigações Filosóficas). O universo torna-se pluralista, os gêneros e estilos misturam-se. No campo da crítica, marcado pelo enraizamento de princípios iluministas, prevalece o negativismo, o niilismo e o ceticismo. No campo dos atores culturais, o relacionamento com o mundo é marcado pela ironia, ridicularização de tudo, indiferença e cinismo. I - TECNOLOGIAS E MEIOS DE COMUNICAÇÃO 1. Tecnologias A vida social, política e cultural das sociedades pós-industriais é inteiramente marcada pelos efeitos das novas tecnologias de comunicação e informação. Estamos diante de um cenário cibernético-informático que recompõe todo o real segundo novos critérios e novas formas. As técnicas invadem todas as áreas e não só a da difusão de informação. Administração, direito, educação, sistemas de transporte, comunicação, lazer, em suma, em todos os campos são penetrados pelo seu discurso. Sua função é de agregar uma sociedade que se desintegrou. (Sfez, 1988, p.20). O homem dentro desta complexidade marcada pela sofisticação técnica vive pela primeira vez e com toda a intensidade a crise do humanismo apontada por Heidegger. É o ápice da técnica, da imposição universal e provocação do mundo técnico, a Ge-Stell que assinala o ocaso desse humanismo e o aparecimento do que ele chamava de Ereignis, o enfraquecimento do ser, a circularidade vertiginosa em que o homem e o ser perdem seu caráter metafísico. 18
  • 19. A técnica, criação do homem, assinala esse ponto de virada na história humana. De dependente passa assumir cada vez mais contornos de autonomia e de liberdade de movimentos. O enfraquecimento do homem vem na razão direta desse fortalecimento da técnica. "As máquinas, nosso duplo, que criamos, adquirem autonomia e poder". (Sfez, 1988, p.15) Cada vez mais o homem constitui-se de forma maquínica como robotização humana, semi-carne, semi-metal; cada vez mais a máquina assume o espírito da natureza e através da inteligência artificial humaniza-se, desenvolve formas de malícia, de trapaça, de cordialidade convivial. A tecnologia nesta fase torna-se "way of life" e sensualidade. Como way of life é o "segundo eu" encontrado no computador; entidades e modos de comportamento flutuantes. Como sensualidade, o computador é um contato quase sensual (Turkle,l984, p.173ss.). Marinetti, precursor remoto do endeusamento da máquina, já via o ferro e a madeira como "mais apaixonantes que a mulher". 1.1. A velocidade Mas as máquinas não são apenas os computadores penetrando cada vez mais amplamente em todos os ambientes da vida pública e privada. A rapidez do envio de mensagens e comunicados encontra um paralelo no conceito de velocidade, uma das categorias mais decisivas da nova era da técnica. Em alta velocidade dá-se a transmissão de informações, o domínio de percursos geográficos, a criação de material técnico, a produção, distribuição e consumo de bens e serviços, a rotatividade dos objetos e materiais que servem nosso cotidiano, e até mesmo da mão-de-obra. A alta velocidade trouxe como consequências a acentuada volaticidade e efemeralidade das modas, produtos, da inovação técnica, dos processos do trabalho, das idéias, ideologias e práticas pré-estabelecidas. Valoriza-se a instantaneidade e a descartabilidade, inclusive a de valores, estilos de vida, relacionamentos estáveis, da fixação em coisas, edifícios, lugares, povos, formas autênticas de fazer e se ser. Trata-se de um processo angustiante de troca em que as pessoas são compelidas por uma pulsão incontrolável de trocar de carro, de casa, de companheiro, de emprego, de roupas etc. É uma pulsação incessante pelo devir sem nenhum investimento substantivo no estar: não se está em lugar nenhum, vive-se contínuamente na expectativa do provável. É um estado de permanente flutuação acima das coisas, dos atos e dos comportamentos. A ênfase já desloca-se do conceito de "sentido", da materialidade, da mera existência física; os bens, matérias tornam-se somente componentes físicos de uma sensação, de um eterno pular de ponto em ponto. É o girar, o movimento que se opõe à permanência. Oscila-se o tempo todo entre um estado de expectativa angustiante e de prazer e euforia que rapidamente se desfaz. Estimula-se, a um ritmo crescente, a busca contínua por outra coisa e no momento de sua obtenção ela como que automaticamente se dilui, recriando novamente a busca. 19
  • 20. Desaparecendo os clássicos componentes estruturantes da realidade de cada um (forte ligação à religião, a um princípio filosófico, a uma ideologia política) as pessoas buscam sair da angústia do esvaziamento através de novas formas de metafísica. Assim, o renascimento religioso, ou seja, a busca de uma "verdade eterna" acaba funcionando como um oportuno substituto deste estado de coisas marcado pelo flutuar acima de qualquer envolvimento mais efetivo. É uma forma de pseudomistificação numa sociedade altamente racionalizada. A velocidade está no costume com o conforto, naquilo que nos faz reduzir o senso de tocar, de sentir o contacto muscular com as matérias e volumes em proveito, ao contrário, de uma série de afloramentos, de toques e de deslizes furtivos. (Virilio, 1980, p.61) É Virilio que vai caracterizar também a velocidade como uma forma de morte. "Montar um animal ou sentar-se num veículo automotor é preparar-se para morrer no momento da partida e renascer na chegada ... O aumento da velocidade é a curva de crescimento da angústia. A velocidade de deslocamento não é mais do que a sofisticação da fuga". (idem, pp.43-47) A saída da angústia estaria naturalmente no suicídio. Mas este subordina-se, como a própria angústia, a uma vivência trágica, logicamente associada aos destinos da ontologia. A era das emoções e do êxtase, ao contrário, banaliza a morte, na medida que torna-a medidade de suas próprias forças de estímulo: só se investe, só se estimula, só se trabalha naquilo que "inibe a morte", que faz o jogo fascinante de brincar com ela, isto é, que consiga restituir emoções que nenhum outro modelo hoje mais alcança. Para Virilio, a velocidade também significa o envelhecimento prematuro, em que mais o movimento se acelera, mais rápido o tempo passa, mais o ambiente se priva de significação. (Virilio, 1984, p.43) A velocidade tornou os fatos da vida cotidiana absolutamente sintéticos, reduzidos, condensados, comprimidos, de tal forma que mediante todos os recursos que temos à disposição pelas tecnologias podemos em uma só vida viver experiências que num passado distante exigiam muitas. Pode-se viajar milhares de vezes pelo mundo, trocar diversas vezes de ocupação, fazer circular um maior número de parceiros e, em última análise, condensadamente, viver uma vida elevada a uma potência jamais imaginada no passado. Daí a sensação de tudo ter sido vivido, de esgotamento, de ausência de prazer no novo e de uma angústia de envelhecimento precoce. Faz-se hoje muito mais do que qualquer pessoa das gerações passadas poderia fazer, ganha-se em quantidade na razão inversa da apreensão exaustiva, cuidadora e compenetrada da experiência. Também os lugares mudam de significado na destruição geográfica das distâncias. Quanto mais rápido o carro segue pelas estradas, menor é o tempo que liga o ponto de chegada ao de partida, menor é o registro real do ambiente externo. Cada vez mais o panorama que é atravessado pela autopista e através dela pelo veículo que corre deixa de existir realmente, tornando-se apenas uma sequência enfileirada de diagramas, que compõem um visual composto de pouca fixação. É como um filme de rotação acelerada, do qual pouco nos é dado captar e sentir. A paisagem desaparece com a velocidade. A atenção 20
  • 21. reeduca-se no hábito da apreensão acelerada e múltipla de estímulos, alterando radicalmente o intervalo de sensações registradas. O declínio da indústria cinematográfica não se deveu apenas á expansão da televisão. Esta teve também como correlato o desenvolvimento da motorização. O automóvel substitui o cinema e as filas nos guichês tornaram-se as filas nos pedágios (Virilio, 1980, p.73). Dentro do automóvel, cada indivíduo encontra o seu "lar": sua vida itinerante e permanentemente em movimento tem como correspondência tecnológica o automóvel, como o sistema que o coloca em órbita nesta sideralização do cotidiano. A solidão do motorista é equivalente às demais formas de solidão, das pessoas que em casa ouvem rádio ou assistem TV apenas para que perto delas "algo fale", independente do que na verdade esteja sendo dito. E a decrescente importância do outro como possibilidade de contacto e comunicação encontra similar no próprio declínio do ambiente. Além do meu carro nada mais existe, a periferia é sem registro, a miséria "desaparece", o mundo perde significação. No trajeto, todas as existências físicas que são atravessadas seguem, como "horizonte negativo"(Virilio), o caminho da sua própria diluição no campo de registro do motorista. "A utilização desenfreada do automóvel e da moto não tem, contrariamente aos transportes em comum, nenhum destino, não é a priori uma questão de distâncias a cumprir, o que cria fatalmente novas condições de viagem. Não ir a parte alguma, mesmo girar em círculos num quarteirão desértico ou numa pista periférica obstruída parece natural ao voyeur-voyageur. Ao contrário, parar, estacionar são operações desagradáveis e mesmo o condutor detesta ir a qualquer parte ou a alguém, visitar uma pessoa ou ir a um espetáculo parece-lhe um esforço sobrehumano".(Virilio, 1980, p.77) Com isso, o uso do automóvel torna-se um fenômeno em si absolutamente hipertélico: busca mais locomoção do que a própria locomoção, gira no vazio. A utilização da máquina torna-se um fim em si, tendência esta que é registrada também em outros sistemas da Sociedade Frankenstein, como o computador e a televisão. 1.2. A transformação da cidade A lógica do desaparecimento da paisagem, da secundarização do outro, em suma, da mudança de importância do espaço geográfico urbano ou mesmo das grandes áreas rurais só poderia conduzir a uma alteração da importância das cidades. As cidades esvaziam-se não no sentido da concepção medieval de cultura e sociedade mas pelo despovoamento dos habitantes dentro do próprio espaço urbano. Em vez da expansão extensiva, difusa e horizontal da população nos centros de cultura, lazer, comércio e nos diferentes bairros, assiste-se, ao contrário, à ruina urbana contrabalançada pela progressiva eleição de pontos de alto investimento comercial-publicitário, que passam a sugar todo o capital circulante da cidade e funcionar como pólos portadores de significação e importância dentro do quadro dos signos do consumo. Assim são os shoppings centers, clubes e associações semifechados, espaços turísticos privilegiados que concorrem para a verticalização de um investimento social provocando a reordenação do tecido urbano. 21
  • 22. A cidade extensiva perde cada vez mais importância, deixando de ser o espaço de discussão pública, a cidade como pólis pauperiza-se, torna-se espaço das populações mais desfavorecidas e a vida de fato desloca-se para espaços que já não são mais públicos mas propriedade de instituições econômicas, culturais, políticas. A própria arquitetura urbana, que era historicidade cristalizada através dos edifícios e monumentos antigos, que se impunha de forma quase espontânea contra o processo de varrimento do espapo urbano como território de convivência social, experimenta um reaproveitamento tornando-se pura estética de comunicação e publicidade: "a arquitetura está na armação, na geometria, no espaço-tempo dos vetores e a estética da armação dissimula-se nos efeitos especiais da máquina de comunicação".(Virilio, 1980, p.74-5) E também a publicidade ordena a arquitetura e a realização de superobjetos: Beaubourg, Les Halles, La Villette são literalmente monumentos ou antimonumentos publicitários (Baudrillard, 1981, p.118). Mudando-se sua importância como espaço de exercício de cidadania, de poder político, da organização, as cidades tornam-se agora territórios-suporte, gigantescos painéis de poluição publicitária, do grafite vândalo, da miséria estética. Em Manhattan, o prazo de fixação da imagem arquitetônica foi estabelecido para 12 anos. Mas o fenômeno não é apenas norte-americano. Berlim foi durante mais de 40 anos uma cidade simulacro, totalmente reconstruída apenas para servir de propaganda de uma visão de mundo que visava bombardear o projeto socialista oriental. Mas o despovoamento urbano ocorre também com a rapidez dos transportes e dos sistemas de comunicação que acabaram por banir das cidades todos os locais por onde as pessoas poderiam circular. As grandes cidades não prevêem espaço para o pedestre, como é o caso de Brasília, e os trens subterrâneos fazem da cidade um espaço em que pessoas transitam invisivelmente. Na rapidez de mobilização de um ponto a outro está a marca de uma progressiva desertificação urbana. A rua passa a ser apenas espaço de trânsito e da velocidade, cuja função é negar o ambiente. Quem atravessa as ruas com seus veículos em velocidade não a sente mais como espaço social, mas apenas como trajeto. A rua não registra o ambiente, ela nega-o e o exclui. As ruas, como a cidade, passam a ser o espaço dos ratos onde a população desapareceu. Os equipamentos eletrônicos criam com este esvaziamento uma "nova relação de comunicação" em que as pessoas dentro de suas casas, diantes de sistemas eletrônicos, podem ligar-se aos centros de comércio, aos bancos, às informações culturais bem como a outras pessoas realizando à distância aquilo que no passado marcava a comunicação face-a-face. Neste sentido, a própria figura do vizinho transforma-se, passando a ser, como qualquer outro, uma figura desconhecida e estranha. É uma presença que apesar da proximidade física distancia-se anos-luzes de nós, haja vista a volta que faz todo o sistema de comunicação para que cheguemos a ele. Assim, como o telefonema, que parte de nós, chega à central para depois ser reconduzido pelos cabos até o vizinho do lado, da mesma forma toda a sistemática de comunicação supõe necessariamente o enredamento de todos num sistema complexo para o qual a metáfora da sideralização parece ser a mais pertinente. Cada pessoa como 22
  • 23. estrela brilhante que se comunica pela luz com outras, mas que está infinitamente distante delas. 1.3. O novo status do saber O impacto da plena expansão da técnica e da tecnologia na sociedade ocorre de forma intensiva no campo do saber e da ciência. Tanto quanto o âmbito estético-expressivo, que perdeu as referências, os padrões da validade, os critérios modernistas com o desenvolvimento técnico, da mesma forma, a esfera cognitiva é checada em sua natureza última. Com o fim dos grandes códigos e da razão abstrata, a ciência passa a viver segundo critérios, regras, normas e principalmente legitimações particulares, reduzidas e localizadas. O desenvolvimento da técnica e a multiplicação dos sistemas eletrônicos (hardware) alteraram radicalmente a circulação do conhecimento. O saber, diferente do século XIX, que tinha seu espírito simbolizado pela Bildung, pelo conhecimento autônomo, independente das imposições econômicas e políticas, voltado à administração pública e à moral e que se colocava como instância de avaliação e de juízo acima do social, realizador (ou possibilitador) da "epopéia da emancipação", cede espaço ao saber puramente operatório, destituído de poder, sem troca com o social e incorporado às atividades econômico-empresariais. A ênfase agora recai nos meios e não mais na especulação e investe-se na otimização das performances. A velha ciência substitui seus critérios de avaliação e de identidade anteriores. Especialmente as ciências sociais, diante da crise de significação e validade, passam a fabricar seus objetos, simulam- nos ou perdem-se na busca histérica da causalidade, na procura de responsabilidade ou na "impaciência do saber" (Lyotard), apontando para a angústia da sobrevivência destes próprios saberes. A trama enciclopédica deixa de ser objeto do investimento intelectual. O ensino tende ao aprendizado técnico-prático e as universidades cada vez mais formam competências para repassar saberes específicos e formados à la carte, tornando os professores meros instrutores da operacionalidade técnica. O novo saber, marcado pela expansão técnica em todos os campos, resgata a legitimação agora somente através do consenso dos próprios pesquisadores, a saber, pela paralogia: é aceito pela comunidade científica da área aquilo que é simplesmente plausível. O saber maior, que orientava uma ética, uma política, uma filosofia, é substituído pela simples crença que é o que passa a regulá-lo. Conforme Hassan (1988, p.36), vai-se do "poder ser" ao "há de ser verdade" e a sociedade torna-se uma sólida trama de confiança. 2. Meios de comunicação A técnica ocupa o lugar da comunicação humana introduzindo um novo modelo comunicacional. Trata-se agora de uma forma de comunicação numa sociedade que não sabe mais se comunicar consigo mesma e em que a coesão é contestada, os valores desagragam-se e os símbolos mais usados não servem mais para unificar (Sfez, 1988, p.16). 23
  • 24. É uma comunicação aplicada a uma realidade em que as pessoas já não mais se olham, se tocam, se sentem, se falam. Mais além, ela não mais funcionando como intermediação (ponte) entre o mundo e os lares, é, ela própria, produção livre de conteúdos, fábrica de estórias. O fenômeno da auto- referencialidade está nos jornais cuja notícia são eles mesmos, nas televisões que focalizam, falam, tratam, polemizam consigo mesmas. São os media narcisos, nos quais o único referente para a transmissão pública são suas próprias maquinações e fabricações. Em outro plano, as formas de comunicação implodem os conceitos de esfera pública e esfera privada. As redes de comunicação do passado, isto é, as que se articulavam no interior das instituições sociais, eram marcadas pela privacidade, pelo espaço íntimo e do sagrado. O homem enquanto pai, citoyen ou bourgeois era quem defendia a relação entre público e privado. No momento em que a comunicação invade todas as esferas do social, ela anula, através de sua "obscenidade"(v. adiante: 2. A Informação), a privacidade, a intimidade e o mistério, rompendo a antiga esfera auto-suficiente e autônoma do privado. Ela alimenta-se exatamente da vida íntima e do fato de tornar público este universo. 2.1. O processo televisivo 2.1.1.. A visão Entre todos os sentidos humanos, o que recebeu maior investimento estético, o que foi mais explorado politicamente e mais seduzido do ponto de vista econômico foi, sem dúvida alguma, a visão. A começar pela expressão artística da pintura, que representava de forma analógica a ordenação do mundo e das idéias do Período Renascentista, continuando até os desdobramentos de que a visão passou a ser objeto a partir da invenção da fotografia e, mais recentemente, na reprodução eletrônica, o olhar sempre esteve em posição privilegiada. O século XV foi marcado pelas representações estético-visuais do centralismo-perspectivista, opositor do precedente policentrismo, do deslocamento visual, do ritmo e do movimento das expressões artísticas da Idade Média tardia. Antecipava o racionalismo e desenvolvia uma arte mais ou menos similar ao desenvolvimento do capitalismo, à sua rigidez, ao seu cálculo. Expressões dessa época são Da Vinci, Galileu, Maquiavel e Duerer. Mais tarde, na Alta Renascença, ganha corpo a tendência de retorno ao movimento, mas agora trata-se de um "movimento na rigidez", como aquilo que se move quando colocado sobre trilhos. A época de Ticiano é que dá destaque ao primeiro plano, como ocorre no teatro, e também é a primeira manifestação de a imagem assumir o caráter de mercadoria e deixar de ser sagrada. Autonomiza-se o território separado de registro e sincroniza-se com a produção de bens em seu movimento externo. É o período em que o olho descorporificado de Deus é substituído pelo do monarca. O surgimento da Era Burguesa caracteriza-se pelo início da mobilidade da perspectiva. A imagem vista de uma carruagem já não é mais a que um 24
  • 25. homem parado vê numa tela ou num afresco, em que as figuras representam o movimento. A carruagem marcará o início do desaparecimento do espaço intermediário, do atrofiamento da distância entre centro e periferia. Agora é o observador que caminha e a paisagem transforma-se à medida que ele a percorre. Da mesma forma que o trem, que se expande também nesta época, tem- se aqui a quebra da aura da cena. Pela primeira vez, a velocidade do percurso do observador passa a reduzir a capacidade informativa do que ele vê. A diminuição da percepção tem a ver com a própria capacidade imaginativa. Quanto menos se vê, menos se imagina. A forma de apreciar a paisagem através do movimento tem a ver diretamente com o declínio do tempo de retenção da imagem na memória. Este desenvolvimento só será interrompido com a descoberta da fotografia, que recupera novamente a capacidade de o homem observar uma cena parada. A fotografia é o ponto culminante da reprodução central- perspectivista, é a restituição da experiência intensiva com o mundo, retorno daquilo que o trem havia liquidado, isto é, a intimidade, o espaço intermediário e a proximidade do primeiro plano. A fotografia de certa forma faz ressurgir a aura da paisagem destruída pelo trem. Saindo da paisagem, a aura desloca-se para o funcionamento, para o mecanismo de reprodução. O processo de industrialização em seus desdobramentos com a técnica, que cada vez mais avança sobre os espaços da vivência humana, deixa transparente - através da imagem e da forma como ela realiza a desintegração da unidade e o fim da perspectiva - a mudança de orientação das visões de mundo, que levou à destituição dos monarcas e de supressão de Deus. A técnica acaba com o "ponto central no mundo", que levará mais tarde os homens a questionar o próprio sentido da metafísica e de sua existência enquanto seres com estruturas estáveis, enraizadas ou culturalmente consolidadas. Por meio da reprodução eletrônica, a segunda natureza do homem deixa de ser a cidade, a arte, a linguagem, para ser a própria técnica. Esta passa a simular o processo de comunicação: comunicação de quem agora já não tem mais nada a dizer. O olhar do homem, que antes da sofisticação dos sistemas de comunicação voltava-se a seu ambiente, ao outro, à natureza, centra-se agora num objeto técnico puro, no funcionamento de sua estrutura, no olhar fascinado a uma representação sem fundo. A reprodução eletrônica da imagem traz consequências que têm a ver com a debilitação e a subutilização dos sentidos. Em primeiro lugar, o próprio olhar torna-se limitado. Pelo fato de a imagem não estar mais parada mas ilusoriamente em movimento através dos sinais eletrônicos, a possibilidade de o homem parar sobre cada imagem - como na fotografia - e observá-la em detalhes, com profundidade, explorando cada espaço, cada ângulo, cada perspectiva, esvai-se. O movimento da imagem substitui o do olhar exaustivo da imagem. O volume de cenas que se intercalam, se trocam e se somam toma o lugar de uma única cena cujo tempo de observação original agora 25
  • 26. distribui-se em diversas cenas. O olhar da era das altas tecnologias é dispersão e cintilação. Com o desenvolvimento do fotograma em movimento (cinema) e no presente, com mais intensidade, através da imagem eletrônica, cada vez mais as imagens sobrepõem-se e constróem por si mesmas a realidade visual imaginária do receptor; cada vez menos as palavras são utilizadas para criar uma representação simbólica das coisas. Consequência é o processo de dislexia, a dificuldade progressiva de compreender o que se lê, pela dificuldade correlata de se representar. Antes, as imagens poderiam ser substituídas por palavras, criando relações conceituais, teóricas, intelectuais sobre as coisas que eram vistas. Hoje, as imagens substituem-se a si mesmas, deixando qualquer possibilidade de vinculação mais densa com um conteúdo conceitual, com uma profundidade de reflexão ou pensamento. A reprodução eletrônica das imagens fabrica, em oposição a um imaginário cultural herdado ou constituído através de outros media, um conjunto próprio de imagens, criação exclusiva, fabricação encerrada no próprio universo do meio. Com a imagerie, criam-se as imagens sem suporte, desenvolve-se um certo tipo de produção do imaginário através da máquina, que já pode dispensar a participação do homem. Assim o resume Edmund Couchot: "Uma imagem numérica é uma mensagem reduzida a números. O computador trabalha esses números e formas, visualiza os resultados por meio de um aparelho de vídeo ou de uma impressora. Pode-se assim reduzir uma imagem por meio da pura elaboração de dados... Não é preciso mais basear-se num modelo, num objeto real ... Partindo dos dados de um objeto dado, o computador pode produzir uma quantidade quase infinita de imagens. A imagem numérica não é mais a transposição de um modelo determinado, não é mais a reprodução mais ou menos exata de um original, uma duplicata óptico- química como a fotografia, é uma imagem com possibilidades infinitas". (Couchot, 1985, p.124). Já ultrapassamos o processo em que o simulacro devora seu modelo. Praticamente nesta fase eletrônica o modelo já perde totalmente sua necessidade de existência. O próprio sistema fabrica multiplicidades cada vez mais diversas e distintas de imagens. Este momento é radical: a partir de agora a produção de imagens deixou de ser uma característica essencialmente humana. Os sistemas eletrônicos substituem os homens inclusive nesta produção infinita de cenas, de objetos, de formas que outrora caracterizavam a experiência estética ou a experimentação artística em geral. O homem já passa a ser um componente dispensável em todo este processo. O sistema, ele próprio, pode produzir as formas de imagens e também de arte. Com o final da antropomorfia da forma e a criação de formas sempre novas, temos um processo de permanente metamorfose, que já não tem mais nada a ver com um original, como foi dito, nem com uma referência a um sujeito, que garantiria a própria lógica da criação. As imagens é que se alteram de forma arbitrária e livre como num caleidoscópio, com a única diferença de que nelas aqui se instala um processo criativo original. Da mesma forma, sistemas eletrônicos radicalizam a liquidação da geografia, iniciada pela rapidez do movimento com o trem e depois com os 26
  • 27. transportes mais rápidos, especialmente os urbanos e aéreos. Se a extensão física territorial tornou-se um componente cada vez menos importante na era eletrônica, a integração dos meios de comunicação torna a vivência territorial um fenômeno absolutamente imaginário. Já não se mora em um determinado lugar, diz Vincent Descombes, mas ocupa-se um espaço. As pessoas que estão próximas não são os vizinhos, não há mais vizinhança localizada. Os lugares são exceção do espaço. Isso porque, através dos sistemas de comunicação, cada local é alcançável por qualquer outro; nenhum deles tem o status da origem e da meta, pois institui-se uma circulação de comunicados em todas as direções. 2.1.2. A televisão A televisão constitui o ponto de ruptura entre o universo sociológico marcado pelas metanarrativas, os discursos da emancipação, do homem atuante, da possibilidade de explicar e administrar o real, por um lado, e o mundo das técnicas e da hiperrealidade, por outro. Quando se fala de televisão, pensa-se em algo que transcende o aparelho em si, a relação e mesmo a materialidade dos sistemas de transmissão. A televisão é muito mais do que a simples transmissão em cadeias locais, regionais ou nacionais de programas de jornalismo e entretenimento para uma sociedade. Ela faz parte de um "gigantesco e exteriorizado sistema nervoso eletrônico, amplificando tecnologicamente todos os nossos sentidos e desenvolvendo funções sensóreas em forma processada de imagens e sons mutantes ... Ela devolve nossa própria angústia com signos simulados e hiperreais de vida". (Kroker, 1988, p.277). É portanto um universo que transcende em muito as programações das emissoras. É todo um mundo. Ela não é nem a tela nem o telespectador, mas um "complexo espaço virtual entre ambos" (Baudrillard). O predomínio da televisão a partir dos nos 60 significou não só que ela passou a se destacar diante das demais formas de comunicação mas também a dominá-las e submetê-las. Estas, a partir do predomínio da televisão, entram em declínio e perdem a identidade. O cinema é o exemplo mais flagrante deste processo, mas a crise também invadiu o teatro, o rádio e o jornal. Os demais meios de comunicação tornaram-se cópias da televisão; passaram a imitar sua linguagem, seu ritmo e sua dinâmica. A televisão impõe à sociedade uma velocidade de leitura, uma rapidez na decodificação de imagens visuais e uma forma de apreender o real baseada apenas neste jogo de trocas simultâneas de cenas e da construção de uma narrativa e de uma dramaturgia muito específicas. Por ser todo um universo, por encerrar em si toda uma complexidade de sistemas de prestígio, projeção e publicidade, todas as coisas que escapam do seu campo ou que não são por ela absorvidos tornam-se necessariamente periferia, margem de todo um sistema, produtos de segunda ordem. O que escapa da TV, sendo periferia, não tem registro, "não tem importância". A televisão, no entender de Kroker, não é reflexo da sociedade, nem da forma mercadoria, tampouco reprodução de ideologia. É a sociedade que é seu reflexo; ela é o mundo real da economia e da sociedade (Kroker, 1988, p.268). 27
  • 28. Em vez de ser reflexo da forma mercadoria, a televisão é a expressão viva e mais acabada desta. Em vez de ser reprodução de ideologias, ela é a própria ideologia, aponta o autor canadense. Ela é, por um lado, exteriorização de nossos sentidos, na forma como MacLuhan interpreta os meios como nossos prolongamentos em relação ao mundo exterior, e ao mesmo tempo interiorização, desejo simulado como disposições programadas. 2.1.3.. O tempo televisivo A televisão joga com a categoria do tempo operando-o de forma própria e independente dos conceitos cronológicos usuais. É um tempo artificial e manipulado. Diferente do congelamento fotográfico da imagem, a televisão, ao contrário, é um tempo de permanente fluidez. Nada pára, tudo circula a velocidades vertiginosas e alucinantes, de tal forma que a sucessão de cenas constitui um novo reordenamento da existência visual, agora segundo novos parâmetros, a saber, tecnológicos. Há na televisão a abolição dos diferentes tempos com a supressão da consciência do atrofiamento do presente: "só o simultâneo é o verdadeiro presente" (G. Anders, 1956, p.134). Trata-se do tempo da tecnologia, marcado por um sequenciamento de cenas e de interrupções que seguem uma lógica própria, segmentada; tempo visual que se sobrepõe a um tempo real e impõe- se de fato como o único tempo. 2.1.4. A densidade televisiva A televisão é o veículo por excelência da pós-modernidade. Ela não conhece estruturas permanentes, densidades, aprofundamentos, investimentos intensivos, enraizamentos no social, no cultural, no histórico. Nela tudo é como que "chapado". É o primeiro medium cultural em toda a história a apresentar "a realização artística do passado como colagem estruturada junto com fenômenos equiimportantes e simultaneamente existentes, amplamente divorciados da história geográfica e material" (Taylor, cf. Harvey, 1988, p.61). É uma forma de liquidificador geral, que mistura as mais diferentes matérias e submete-as todas a um mesmo tipo de tratamento ou "branqueamento", tornando-as absolutamente inóquoas. É um sistema de pura fascinação, que as pessoas acionam para funcionar durante todo o tempo e que fica falando em geral para si mesma. Requena diz que sua fala é incessante e vazia, são estribilhos que se repetem, falando todo o tempo, não cessando de falar para nada dizer. 2.1.5. A linguagem Na televisão, o que se fala está fora de qualquer contexto externo mas, acima de tudo, a maneira como a televisão se apresenta é como monólogo e, como mencionado, auto-referente. Nas suas "representações", o real desaparece completamente e é sua desintegração que aparece pelo processo eletrônico do medium. 28
  • 29. A TV, no entender de Umberto Eco, perdeu sua transparência. Não "passa" mais nada. Ela própria é que constrói o espetáculo, acabando de vez com a separação entre a ficção e jornalismo. O jornalismo é o seu melhor produto ficcional. A televisão não tem mais contacto com o mundo exterior e no que ela apresenta e fala é ela própria o grande personagem. Em Simulacros e simulações, Baudrillard aponta o exemplo do filme "Síndrome da China" em que a televisão entra numa central nuclear e provoca um acidente. Mas não é só aí que tais fatos acontecem. É conhecido o fenômeno de que no Brasil as passeatas não se constituam até a chegada dos cinegrafistas da televisão. Só quando estes põem suas máquinas a postos e começam a filmar é que se compõem os movimentos de protesto, dissolvendo- se logo em seguida, no momento em que as câmeras são desligadas. Da mesma forma, em recentes quebra-quebras da cidade de São Paulo, os manifestantes em vez de fazer reivindicações de caráter social, portavam faixas dizendo "Queremos a imprensa". E neste produzir constante de fatos jornalísticos, ela produz também fatos culturais, econômicos, políticos e mesmo históricos: "nossa realidade passou pelos media. Inclusive os acontecimentos trágicos do passado" (Baudrillard). Para este autor, já não dá mais para verificá-los e compreendê- los,pois depois de serem retrabalhados por intermédio da televisão, acabaram- se todos os instrumentos de sua inteligibilidade. Assim, desapareceram as condições de se julgar e avaliar os efeitos ou os crimes cometidos na história passada, de vez que todas as provas, todos os dados a respeito já sofreram um amplo processo de mutilação e de produção de modelos e de simulacros, de tal forma que põem em dúvida qualquer demonstração ou prova a favor de qualquer tese. Mais ainda, dentro de seu caráter de absoluto tratamento de superfície de todos os fatos , mesmo os componentes hoje mais radicais da cena política, as formas de terrorismo, são ao mesmo tempo criticados e enaltecidos pelo medium. No mesmo momento em que desenvolve a pregação moral contra eles, a televisão demonstra, pela sua forma não verbal, através do show de imagens, o espetacular de todo o circo sádico do terror. Nas produções dramáticas revela-se também o caráter implosivo que possui a televisão diante dos fatos da cultura. Para Requena, a telenovela é a "hipertrofia cancerígena do relato"(p.122), onde ocorre o esgotamento das eleições narrativas e um prolongamento doentio da trama original. A televisão, em vez de reproduzir a narrativa como classicamente se conhece, através de uma curvatura (em que de um drama originalmente instalado ocorrem seus desdobramentos até que o fato chegue a uma certa consecução), joga com os desdobramentos narrativos segundo a maior ou menor oscilação de seu público telespectador. Assim, não se desenvolvendo desta forma, como curva, a telenovela segue a forma de sinuosidades que sobem e descem durante o desenvolvimento de meses ou até anos, produzindo-se, então, subtramas da trama principal e provocando-se, de forma patológica, um desvio de desenvolvimento que passa a ser associado à forma cancerígena. Isto tem como consequência a implosão da cultura narrativa. Construindo-se um vício de narrativas "defeituosas" estimula-se o desinteresse 29
  • 30. do telespectador em relação aos desdobramentos e construção sequencial da trama, investindo-se, ao contrário, em sua demolição. Conforme Dieter Prokop, os modelos dramatúrgicos da televisão trabalham com extremos de questionamento e reconstrução da ordem na sociedade. Para estes produtos, sejam eles telenovelas, séries criminais, filmes de aventuras ou histórias de família usa-se de esquemas simplificados e de fácil assimilação para construir formalmente as tramas. (Prokop, 1986). Prokop fala em esportividade, em agilidade formal, em fantasia-clichê, em signos como componentes específicos da televisão para a montagem de seus dramas. Ocorre que por força da influência e da dominação da televisão sobre outros meios, também o cinema e, de certa forma, o teatro passaram a usar da mesma maneira estes componentes formais, simplificados, para obter fácil entendimento público e imediata resposta mercadológica. Para exemplificar, Prokop cita Brecht: "Para melhor chegar ao mercado, uma obra de arte, que seja expressão adequada de uma personalidade na ideologia burguesa, precisa ser submetida a uma operação específica que a dissocia de seus elementos. Os elementos chegam, de certa forma, isolados no mercado" (Brecht,1931). Prokop comenta que isso não se aplica apenas às obras de arte mas a qualquer obra que faça parte do universo televisivo. De acordo com Brecht, as obras feitas segundo as próprias leis, "são divididas, desmontadas em seus elementos aproveitáveis: essa desmontagem das obras de arte pode ocorrer, em primeiro lugar, segundo as mesmas leis do mercado que as dos carros que se tornaram inutilizáveis, com os quais já não se pode andar e que então são desmontados em suas unidades menores (metais, assentos de couro, lâmpadas etc.) e assim se vendem " (Brecht, 1931). Apesar desse "processo industrial" de criação de bens culturais de consumo para as massas, não há nenhuma garantia de que essa colcha de retalhos, que reúne peças de "sucesso garantido", retorne com o êxito esperado. A fórmula do sucesso público é e será sempre uma incógnita para todos os programadores de comunicação. 2.2. A Informação Nos media em geral, mas com maior destaque na televisão, a informação ganha um caráter de "obscenidade". É o êxtase de tudo devassar, a ânsia de tornar demasiado visível e transparente, de eliminar qualquer regra restritiva de princípios. Paul Virilio faz uma interessante comparação entre o processo de iluminação da cidade de Paris e o desenvolvimento simultâneo do próprio Iluminismo, que não só etimologicamente é a ela próximo, bem como revela um novo tipo de espírito que se instalou na França a partir da Revolução Francesa e de seu caráter, em certos aspectos, bárbaro. As Luzes significaram para ele o terror da devassidão. A investigação policial (violação de correspondência na revolução) pretendia "esclarecer" o espaço privado como havia-se anteriormente iluminado o teatro, as ruas, as avenidas, o espaço público (Virilio, 1988,p.78). 30
  • 31. Tratava-se da exposição de cabeças decapitadas, da invasão de palácios e hotéis, da fixação de nomes de habitantes na porta dos imóveis, da profanação de lugares de culto e conventos, da exumação de mortos. Nada mais era sagrado, nada mais poderia ser inviolável. É o terror da revolução, o vandalismo que antecede o terror instituído propriamente dito, a barbárie que se num momento tinha a ver com a iluminação da aristocracia, por outro, associava-se à própria ideologia do Iluminismo, a de colocar potentes holofotes em todos so espaços que demonstravam qualquer aspecto de obscuridade, penumbra, mesmo discreto sombreado. A intenção de tudo explicar, prever, controlar, administrar supunha que nada mais pudesse ficar fora de seu alcance e ninguém mais do que o próprio jornalismo atuou para executar esta tarefa, na medida que já não encontrava mais obstáculos numa prática que se tornou obstinada em vasculhar todos os espaços privados na busca de uma difusão pública, num pretenso interesse da própria sociedade. Foi o jornalismo que deu início à demolição da esfera privada, que embaralhou aquilo que era pertencente ao controle exclusivo dos indivíduos, dos cidadãos e o fez domínio de um interesse discutivelmente público. Por isso, são os meios de comunicação o "estágio obsceno da informação" (Baudrillard, l983, p.3). Excesso de informação é eletrocução; produz curto-circuito contínuo em que o indivíduo queima seus circuitos e perde suas defesas (idem, l988). Ao comentarmos a reprodução eletrônica, falou-se da mudança que representou a época dominada pelas técnicas, de que o olhar do homem ao seu meio, à sua natureza, ao seu próximo, tornava-se agora o olhar ao objeto técnico, um olhar passivo. O exemplo disso, apontado por Freier, estava nas notícias: as imagens mudam e o olhar permanece. Foi nisso o que o telejornalismo inovou: trouxe uma sucessão rápida de cenas, de imagens, de matérias marcadas pelo princípio do êxtase e da atividade ligeira e imediata. Introduziu o show de impactos sobre impactos que pela perseverança desgastou a atenção dos assistentes, até os tornarem mesmo indiferentes a essa notícia. O telejornal na era da velocidade eletrônica é cintilação da rapidez, da cor, do impacto e as notícias funcionam aí como puros álibis, personagens secundários da cena. 2.3. Rock O rock é a trilha sonora da pós-modernidade. Hoje, a produção fonográfica do rock é mais um espetáculo de ficção do que de fato de uma produção conjunta "artística", em que concorrem diversos intérpretes. Steve Connor acredita que todo o terreno da música de rock é pós-moderno; também Arthur Kroker, para quem o rock significa êxtase, decadência e também o fenômeno mais flagrante das formas atuais de esquizofrenia. É interessante a descrição que Mark Poster faz da virtualidade que é hoje o som do rock e seu caráter ficcional.Por um lado, a questão da gravação do rock. Esta se dá num espaço de absoluta simulação da copresença. Nenhuma das pessoas que fazem parte do "conjunto" de fato está presente. Cada uma mora e grava num lugar diferente. Um técnico junta todas as partes da mesma música e constrói a unidade em laboratório, fazendo o equilíbrio e o 31
  • 32. balanceamento dos instrumentos. A partir disso, constata-se que a performance na verdade é uma cópia que não tem original, que só existe enquanto objeto de pura reprodução. Trata-se da mostra de algo que jamais ocorreu. A gravação de rock é, portanto, um fenômeno de ficção. Por outro lado, o próprio audiófilo também penetra neste mundo de modelos e simulações de forma equivalente, através da obsessão pela recaptura da linguagem musical. Trata-se de uma espécie da construção da hiperfidelidade, ou seja, de tentar encontrar um som que seja mais fiel do que o fiel; é onde o audiófilo quer discernir instrumentos, separar vozes de instrumentos, vozes isoladas dentro de um coral, além de tentar também controlar o próprio ambiente da cena, buscando administrar as oscilações da eletricidade, isolar a sala, sentar-se no centro dos altofalantes e procurar aquilo que Poster chama de "utopia auditorial", em que fundem-se na mesma cena sujeito e objeto. O sujeito desloca-se da sua vinculação, da sua impregnação a um certo solo, o lugar lhe escapa; ele flutua suspenso entre pontos de obje- tividade"(Poster,1990,p.11). É a expressão mais clara de que também o som pode ser interpretado como "som virtual". 3 - Teoria em ruinas 3.1. Velhas teorias da comunicação Retomando o esquema de Lucien Sfez, das três visões de mundo e das três metáforas da comunicação (representação-expressão-confusão, máquina- organismo-Frankenstein), encontramos os modelos de análise e explicação dos processos de comunicação da primeira metade deste século, majoritariamente associados à bola de bilhar (meios de comunicação vistos como representação), assim como aqueles que propuseram o quadro teórico, entre os anos de 1950 a 1970, mais familiarizados com a metáfora da criatura. Na visão de mundo marcada pela representação, impera a dualidade cartesiana e a separação radical entre o homem e seu objeto. O homem domina a máquina e está com ela para seus fins. Os primeiros estudos sobre meios de comunicação endossam este modo de interpretar o social. São os modelos teóricos da visão aristocrática das massas (Charcot, Le Bon, Tarde), assim como aqueles orientados a uma perspectiva de administração, organização, controle e sobmissão das massas através dos meios de comunicação. A ênfase é a de reforçar a função daquele que no processo de comunicação assume a posição do emissor. Os primeiros estudos de comunicação dos anos 30 seguem a perspectiva empírico-behaviourista ou empírico-funcionalista, na qual a relação dos homens com os meios de comunicação baseava-se na fórmula reduzida do estímulo-resposta. Para alguns pensadores, a psicologia de Pavlov servia de fundamento para se analisar os problemas da comunicação "de massa" (por exemplo, Serge Tchakhotine). Em outros, contudo, o receptor é passivo e hipnotizável e a comunicação centra-se num processo de três componentes (emissor, mensagem, receptor, ou E-M-R). A interação ocorre através do comportamento baseado em estímulos e a psicologia experimental fornece a base epistemológica para as análises. 32
  • 33. É também o mesmo tipo de investigação que servirá de base para os administradores aplicarem a social engeneering sobre as massas, ou seja, as estratégias que visavam interferir no comportamento coletivo através dos meios massivos. As principais questões levantadas pela velha teoria da comunicação eram a da manipulação, da persuasão, da formação de opinião, da análise dos efeitos, da influência da comunicação e da mudança de comportamentos. O princípio aristocrático de avaliar como se manifesta a massa, como se esta fosse animal de laboratório, para interferir de forma pontual em alguns aspectos e com vistas à obtenção do resultado esperado, era o fundamento e a razão neste tipo de estudos Nos anos 50, com o desenvolvimento da cibernética, ocorre um novo desdobramento teórico das teorias empírico-funcionalistas de comunicação, vistas agora como um processo mecânico, mensurável matematicamente, separável em termos de unidades de informação e perfeitamente manipulável como um dado da física. Os conceitos de entropia, feed-back, bit fazem parte deste novo espírito. Paralelamente, entretanto, ainda no campo do empíreo-funcionalismo, desenvolvem-se novas correntes que começam a analisar o processo da comunicação a partir de outros componentes, como os intermediários (no mecanismo de recepção), e o próprio receptor. Para esses pensadores, especialmente de tradição norte-americana, a chamada "mensagem" da comunicação é uma categoria secundária nos estudos de fenômenos de massa e de complexos de comunicação atuando sobre estas. Igualmente assumem uma posição crítica em relação aos seus predecessores, que se centravam no papel do emissor, afirmando que os efeitos produzem-se independente de uma intencionalidade do emissor e devem ser analisados na forma como estas informações são decodificadas pelo receptor. Lazarsfeld e Katz representaram aqui uma corrente importante nos estudos de comunicação norte-americanos, na medida que trabalharam os mecanismos políticos e sociais a partir desse componente situado no outro extremo do processo de comunicação, a saber, os intermediários. A teoria do two step flow of communication nomeava os líderes de opinião como figuras que realizavam uma espécie de decodificação da mensagem para pequenos grupos e através disso propiciavam, segundo eles, sua melhor apreensão das mensagens. Da mesma forma, no agenda setting (Mark Comb), acreditava-se que no processo de comunicação figuras intermediárias do mecanismo, como editores e programadores, funcionavam como "sistemas de re-tratamento da mensagem e de orientação e classificação da recepção por parte das pessoas". Mais recentemente, especialmente depois dos anos 60, talvez por força da persistência de fenômenos inexplicados pelas primeiras teorias que investiam na importância do emissor, assim como pelas mais recentes, que passavam a dedicar interesse também no papel de papel de componentes específicos do receptor, desenvolveram-se teorias que buscavam interpretar o destinatário como o elo principal de toda a cadeia de comunicação. Para esta, não há só a mensagem mas toda uma atmosfera em que a mensagem está inserida, que deve ser estudada para explicar o sucesso ou não das formas de comunicação. Para estes o receptor é, de fato, o criador de mensagens. 33