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E se eu falasse do meu Fusca?
E se eu falasse do meu Fusca?




Trabalho realizado pelos alunos da Universidade Estácio de Sá, do curso
de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da disciplina
Projetos Experimentais em Jornalismo IV, ministrada pelo professor Fran-
cisco Aiello.




                             André Rocha
                             Angelo Neto
                            Camilo Costa
                           Cássio Cornachi
                            Celio Antônio
                           Diego Figueiredo
                             Igor Chaves
                            Juliana Rocha
                             Livia Nobre




                            Novembro/2011
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                                            Sumário

   Apresentação: Fusca tem História, 7
             Arca de Noé, 11
              Os travestis, 13
           Fusca da paquera, 14
             A engenheira, 15
              Os intrusos, 16
            Fusca é atitude!, 17
               O trauma, 18
            O renascimento, 19
          Ê caipira bom, sô!, 20
             Nove em um, 21
                O clone, 22
             Fusca dá voto, 25
             Maldito Fusca, 26
                A troca, 28
               A cegonha, 29
            Corrida maluca, 31
           Prefiro a Brigitte, 33
           Presente de grego, 34
        Concessionária exótica, 35
              Roubadinho, 36
              Espécie rara, 37
              A bandeira, 39
           Visão publicitária, 40
           Elástico salvador, 42
  Todo dia ele faz tudo sempre igual, 42
            Menino Valente, 43
       Desarmados e perigosos, 44
              O invejado, 45
O susto do ex-Combatente no Cabeleira, 47
           Fusca não é carro, 48
         Questão de segurança, 49
                Bingo!, 50
      Honrou as calotas que usa, 53
Herói e “assassino”, 54
Apresentação: Fusca tem História

        Um carro confiável, resistente, de mecânica simples e peças fáceis
de encontrar. Essas são as características gerais do “Carro do Povo”, descri-
tas por especialistas e por proprietários do alemão Volkswagen Fusca. Pas-
sados mais de 70 anos desde que o primeiro modelo saiu da linha de mon-
tagem, o Fusca ainda é um dos automóveis mais vendidos no mercado
mundial e ganhou status de clássico e peça de colecionador. Alguns podem
considerar seu projeto arcaico e obsoleto, mas o Fusca prova a cada década em
que permanece nas ruas que foi um projeto eterno, um carro feito para durar.
        Desde 1925 já havia um conceito básico semelhante ao que viria ser o
Fusca, criado pelo engenheiro Béla Barényi, um famoso projetista da época. Nos
anos seguintes, vários protótipos e modelos de veículos populares surgiram. Na
década de 30, Adolf Hitler havia ascendido ao poder nazista e estava compro-
metido a modernizar o país em todos os setores, visando à recuperação da eco-
nomia após a Primeira Guerra Mundial. O Führer era um assumido admirador
do modelo e, certa vez, comentou: “Estes são os carros para minhas estradas”.
Entre os anos de 1933 e 1939, sob o governo do Partido Nazista, a Alemanha
evoluiu de um país pobre e arrasado por um conflito de proporções imensuráveis
para uma superpotência. Entre o povo alemão, desemprego só existia na memória.
Além disso, as indústrias do país eram as melhores e mais fortes do mundo.
        Em meados de 1933, ocorreu o encontro entre o engenheiro Ferdinand
Porsche e Hitler. O primeiro tinha projetos de automóveis populares já em an-
damento e o segundo estava disposto a financiar uma empresa estatal voltada
para esta produção. Nessa reunião, Hitler impôs algumas exigências para o de-
senvolvimento do projeto: o carro deveria ter espaço para dois adultos e três
crianças (típica família alemã da época), alcançar e manter a velocidade de 100
km/h, o consumo de combustível não poderia ultrapassar 13 km/litro – este re-
curso era escasso na época –, ter motor refrigerado a ar, e ser lubrificado a diesel.
        Os primeiros carros a serem produzidos foram chamados de Kdf Wa-
gen e eram vendidos por uma espécie de consórcio. O interessado deveria
pagar cinco marcos por semana e receberiam o carro assim que o pagamento
fosse quitado. 175 mil alemães começaram a pagar pelos carros antes mesmo
de saberem quando ficariam prontos. O primeiro KdF Wagen deixou a linha
de produção em agosto de 1939. Até 1944, apenas 630 foram produzidos e, ao
contrário do que se esperava, nenhum foi entregue aos que aderiram ao plano
dos cinco marcos. Todos foram distribuídos entre a elite do partido nazista.
         Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Volkswa-
gen foi integrada às forças militares da Alemanha para produzir foguetes. Com
isso, a produção voltou-se para o desenvolvimento de carros militares basea-
dos na plataforma Fusca. A Alemanha saiu da guerra novamente devastada e,
desta vez, dividida em zonas controladas pelos aliados. A região em que a fá-
brica estava localizada ficou sob controle britânico, que não tinha o desejo de
continuar a administrar a fábrica e queria devolver a função ao governo alemão.
         Heinz Nordhoff, que já havia sido executivo da Opel, uma grande concorrente
da Volks, assumiu a administração – no qual permaneceria até morrer, em 1968. O novo
gestor queria expandir a fábrica e percebeu que aumentar a produção e exportar os Fus-
cas seria uma ótima oportunidade de gerar empregos para os alemães no pós-guerra.
         O sucesso de vendas, entretanto, não foi alcançado facilmente. Na
maioria dos países, vendeu pouco nos primeiros anos de importação e exporta-
ção. Nos Estados Unidos, principal destino de exportação, os Fuscas eram co-
mercializados pela rede de concessionárias da americana Chrysler e venderam
apenas duas unidades no ano inteiro. Outros fatores também influenciaram
o lento início, como o embargo que alguns países tinham contra produtos
alemães após a Segunda Guerra e as dificuldades no câmbio da moeda alemã.
         Esses problemas foram superados graças às peculiaridades da eco-
nomia do pós-guerra e ao sucesso das iniciativas de Nordhoff – incluindo
peças de publicidade criativas e divertidas – que transformaram o Fusca em
um dos carros mais queridos e populares da história. Em 1973, bateu o re-
corde de produção do modelo em apenas um ano, comercializando 1,25 mil-
hão de exemplares. No Brasil, o Fusca só começou a ser vendido em 1950.
         Apesar de ser conhecido no Brasil como Fusca desde os anos 50, só em
1984 veio o ‘batismo’ oficial. A essa altura, o carro mais popular do país não era
conhecido por outro nome. Foi também na década de 80 que a Volkswagen anun-
ciou a descontinuidade do modelo. A Volks visava a investir no desenvolvimento e
produção de carros mais modernos e já considerava o Fusca um modelo obsoleto.
         Em 1993, o então Presidente Itamar Franco queria a fabricação de mod-
elos mais baratos e incentivou a retomada da produção. Ele aprovou a Lei do
Carro Popular, com isenção de impostos para carros de motor 1.0 e com refrig-
eração a ar. As vendas, no entanto, não corresponderam e, em 1996, a produção
foi encerrada novamente, com uma série especial denominada Ouro. Neste
período, foram vendidos no Brasil cerca de 47.000 veículos. A partir daí, ele só
seria produzido no México, que encerrou a produção em 10 de julho de 2003.
         Apesar do panorama apresentado, esse é apenas um resumo de um
histórico considerado extenso e complexo. E não podia ser diferente, já que do
primeiro protótipo à ascensão e declínio, o sucesso do Fusca atravessou déca-
das de estrada. Neste percurso, em que resistiu bravamente ao desdém de mon-
tadoras e a bombardeios mundiais, muito da história do Fusca foi perdida. Para
recuperar alguns detalhes desta trajetória, consultamos os melhores especialis-
tas: os motoristas que têm muita história para contar sobre o “Carro do Povo”.




                                                                       Foto: Reprodução
11

                                   Arca de Noé

         Caía uma tremenda chuva em São Paulo, lá pelas tantas da noite, e eu
estava muito preocupada porque deveria voltar pra casa dirigindo meu Fusquinha.
Enquanto ensaiava um espetáculo nas redondezas da Rebouças, eu já imaginava a
Avenida Pacaembu e as marginais todas inundadas.
         Não deu outra: assim que desci a Pacaembu, já visualizei alguns pontos de
alagamentos, mas consegui passar sem problemas. Entretanto, quando cheguei a
Avenida Marques de São Vicente, antes da entrada da ponte do Limão, o trânsito
estava todo parado, com motoristas do lado de fora dos carros, conversando.
         Impaciente do jeito que sou, não queria ficar parada ali a noite toda. Sem
falar que, na época, não existia celular, portanto não tinha como avisar aos meus
pais sobre o atraso. Fiz uma manobra “espetacular” e impensada. Subi na ilha di-
visória da avenida para voltar pela contramão.
         Assim sendo, com o fusquinha na diagonal, uma roda por vez, passei para
o outro lado, e como não havia tráfego na contramão, voltei até a Avenida Rudge
para tentar atravessar a próxima ponte, a da Casa Verde. Adivinhem? Um grande
lago separava eu, meu carro e a ponte que me levaria até em casa.
         Lembrei do que meu então namorado havia me aconselhado. Dizia ele
que, se acontecesse de eu ficar ilhada numa chuvarada como aquela, o melhor era
esperar a água baixar. Contudo, eu também já havia escutado que o Fusca era duro
na queda, pois tendo o seu motor na traseira, ficava mais difícil de morrer no meio
d’água.
         E tinha mais: para fazer uma travessia no meio de alagamentos era ne-
cessário apenas puxar um pouco o freio de mão e botar na marcha mais forte, a
primeira, o Fusca aguentaria a batalha.
         O dilúvio continuava sem dar sinal de que ia passar logo. Naquele mo-
mento eu, um pouco atordoada com estes pensamentos, pendia entre esperar a
água retroceder ou ir em frente e esperar que o fusquinha não me deixasse na mão.
E mais uma vez, a minha impaciência bateu e, ainda complementada pela sagitari-
ana típica que sou, adorando um novo desafio, resolvi atravessar aquele obstáculo
aquático que me impedia de chegar ao lar doce lar.
         Assim sendo, respirei fundo, fiz todo procedimento de que me lembrava,
rezei milhares de orações, fechei os olhos e pisei no acelerador. O coitado do Fusca
foi patinando e cheguei a sentir que os pneus não tocavam mais o chão, mas não
esmoreci. Foram os minutos mais longos da minha vida para percorrer a distância
12

de mais ou menos dez metros de água e barro. E durante esta minha saga, via pelo
retrovisor um pessoal torcendo e gritando “vai, pisa firme”.
        Num dado momento escutei o motor engasgando e meu coração veio até
a garganta de medo de parar no meio daquele aguaceiro, mas o Fusca só estava
tomando um fôlego pra continuar naquela sua missão.
        E finalmente, após toda a agonia, senti o chão mais firme da ponte da
Casa Verde e o fusquinha se aprumando em direção à Avenida Braz Leme. Sem
antes ouvir os aplausos dos mais prudentes, que ficaram pra trás esperando a água
baixar.
        Logo cheguei a minha casa, para o alívio de meus pais, com o carro chei-
rando a queimado – pelo esforço que fiz o “coitado” passar –, mas lógico, não
contei nada das agruras que precisei fazer pra chegar sã e salva.



                                                Etel Buss, 45 anos, bibliotecária
13

                                   Os travestis

         Todo brasileiro deseja ter o próprio carro, e este sonho foi realizado pelo
meu pai no ano de 1995, quando ele comprou um Fusca ano 1980, caindo aos
pedaços com sua cor nada discreta: um verde pampa que chamava a atenção de
todos na rua, além do volume do “ronco” do motor.
         Em uma sexta feira de carnaval, meu pai decidiu fazer a primeira viagem
com o adorável fusquinha. Reunimos a família, as bagagens e colocamos o pé na
estrada rumo a Cabo Frio-RJ. O que era para ser uma agradável viagem de apenas
três horas, durou nove e foi um verdadeiro inferno.
         Chegamos a Cabo Frio já durante a noite, com a cidade lotada. Passando
com o carro por uma avenida muito movimentada, acabamos entrando involun-
tariamente em um desfile de transformistas. O Fusca foi a sensação do desfile.
Vários travestis escreveram mensagens de amor e obscenas no vidro do querido
automóvel do meu pai. Eu, uma criança de apenas sete anos de idade, não estava
entendendo nada.
         Conseguimos sair dali e, mais adiante, o fusquinha parou de funcionar.
Meu pai saltou do carro para tentar resolver o problema, mas não conseguia, até
que alguns transformistas que estavam no desfile viram e correram até o Fusca.
Todos começaram a empurrar o carro de maneira desgovernada.
         Meu pai entrou correndo no fusquinha e, assustado, desviava dos outros
veículos para evitar mais prejuízo. Meu irmão, a esta altura, tomava conta de mim
enquanto minha mãe brigava com os travestis para interromper aquela brincadeira
de mau gosto. Minha mãe conseguiu fazer com que eles parassem com aquilo
e meu pai deu um jeito de chegarmos ao mecânico. Essa foi a minha primeira
viagem de carro, que nos proporcionou muita tensão e, ao mesmo tempo, muitas
risadas.



                                             Bernardo Gomes, 23 anos, estudante
14

                                Fusca da paquera

         Eu tinha 21 anos quando meu pai me deu o primeiro carro, que vinha a
ser um fuscão. Eu me lembro como se fosse hoje que eu queria um Fusca da cor
azul-pavão, porque tinha um rapaz na minha rua que era dono de um carro com
a mesma cor e eu queria ter assunto para falar com ele, embora ele tivesse namo-
rada.
         Um dia, resolvi levar meus pais para passear com o meu novo veículo pelo
Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, e lá passei por uma das maiores vergonhas da
minha vida: literalmente no alto do local, meu carro enguiçou e ficou aquela fila de
motoristas buzinando atrás de mim.
         Ainda consegui encostar o carro pra evitar maiores problemas com o trân-
sito, mas não escapei das piadinhas alheias que chegavam ao meu ouvido, como
“o carro esquentou?”, mesmo sabendo que o fusca não esquentava. Não sei como
e não me lembro dos detalhes, mas consegui descer o carro de ré e entrei em uma
rua pequena, querendo sair o mais depressa do lugar e evitar outro “mico” no dia.
         Aliás, esse não foi o único que passei com o meu fuscão azul-pavão: um
dia reclamei com o meu padrinho que o carro não estava pegando direito, que
precisava levar em um mecânico pra consertar. Preocupado com o meu bem estar,
ele foi verificar o problema e descobriu que o defeito não estava no carro, mas sim
na forma como eu estava dirigindo: ao ligar, engatava a terceira marcha em vez da
primeira. Logo, não havia santo que o fizesse sair do lugar.
         Tive belas lembranças do meu Fusca, engraçadas na maioria. O triste foi
o fim do meu primeiro carro: sofri um acidente, em que eu saí ilesa. Meu fuscão,
no entanto, não teve a mesma sorte, pois desceu a ribanceira e teve perda total.
Acredito que, com a experiência, fiquei traumatizada e, com o dinheiro do seguro,
comprei um Karmann Ghia TC. Mas o Fusca nunca mais me saiu da memória.



                                Vera Lúcia Costa de Souza, 64 anos, aposentada
15

                                  A engenheira

         Assim que eu comprei o Fusca em 1980, ainda com aquela roda fina,
apelidada de “canelinha”, fui com um grupo de amigos para Maricá-RJ. Na
época a cidade não tinha nada além da praia. Era estrada de barro, areia e o mar.
Nenhuma viva alma! Quando eu vi a areia durinha perto da estrada, resolvi entrar
com o carro.
         Ficamos pela praia pegando sol e nos divertindo até cansar. Na volta, fui
tentar dar marcha ré no carro e ele não saiu do lugar. Tinha afundado. E quem
disse que eu conseguia arrancar com aqueles pneus estreitinhos, praticamente
sem tração? E ninguém por perto para ajudar.
         Tentamos colocar folhas de bananeira, cavar embaixo da roda, tudo!
Tudo... e nada. Ficamos das 13 às 18 horas para tirar o carro, avançando prati-
camente um centímetro de cada vez. Tempos depois, fomos acampar na praia de
Trindade: eu, minha ex-esposa, um amigo e a namorada dele, que era engenheira.
         Na época eu estava no primeiro período de Engenharia e durante a via-
gem soltei uma ou duas piadinhas sobre a profissão da namorada do meu amigo.
Na chegada, me deparei com o mesmo pesadelo de tempos atrás: local deserto e
o Fusca dele estacionado na areia. O carro afundou. Eu pensei comigo:

– Já era! Mais cinco horas para sair daqui!

        Antes que eu falasse qualquer coisa e contasse a minha experiência com
o Fusca, a engenheira perguntou se não tinha um vasilhame. Foi na praia, pegou
água e jogou embaixo das rodas. Molhada, a areia ficou mais compacta. Uma
simples acelerada e o carro saiu.
        Voltei calado – e me xingando em pensamentos – durante todo o per-
curso por não ter tido a mesma ideia. A engenheira tinha salvado o Fusca e o fim
de semana.



                                         Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
16

                                  Os intrusos

         Em uma sexta-feira, eu e um amigo fomos de ônibus para a casa de outro
amigo, que mora uma cidade vizinha. No sábado e no domingo, iríamos a um
simpósio em um pequeno município localizado a cerca de 40 quilômetros de dis-
tância da casa dele.
         Pedimos emprestado o Fusca do pai desse amigo e descemos a serra rumo
ao simpósio. No sábado à noite, decidimos sair para beber algumas cervejas. Já era
madrugada quando encontramos mais três amigos, que estavam jogando sinuca.
Totalmente embriagados, entramos todos dentro do Fusca e aceleramos.
         O primeiro problema foi no quebra-molas. Eu, de “cara cheia”, não vi a
lombada e fiz com que todos batessem com a cabeça no teto do carro. O segundo
foi ao chegar à escola onde estávamos hospedados. O porteiro permitiu nossa en-
trada e acelerei com bastante ímpeto por uns 200 metros, quando puxei o freio de
mão e ele soltou, travando tudo.
         Quando viram o engate na minha mão, os quatro amigos me olharam sem
reação e o filho do dono do Fusca ficou com os olhos cheios de lágrimas. Quando
olhamos pro prédio da escola, quase todas as janelas estavam acesas e com gente
olhando para o pátio pra saber que diabos era aquele barulho ensurdecedor.
         No domingo, fui falar com o dono do Fusca e, com toda a calma do mun-
do, ele disse que era bastante normal e que iria consertar.



                                                         Kaio Perim, 23, biólogo
1

                                  Fusca é atitude!

         A Marisa trabalhava na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro. Eu sou téc-
nico em telecomunicações e, na época, a Embratel, empresa na qual trabalho até hoje,
oferecia suporte a um circuito de dados na firma onde ela era engenheira.
         Rolou uma paquera e trocamos telefones, mas eu não fazia muita fé de que
aquilo fosse para frente. Um mês depois, para minha surpresa, ela ligou querendo me
ver. Como estava solteiro na época, resolvi pagar para ver.
         Marquei com ela na Cinelândia e deixei meu carro – o mesmo Fusca 1981
verde-oliva, o “ex-combatente” da outra história – no Aterro do Flamengo. No camin-
ho, combinamos de passear pela Barra da Tijuca. Quando ela viu o Fusca, fez uma cara
de reprovação e mandou “na lata”:

– Seu carro é isso aí?

         Respirei fundo para não mandá-la para um lugar pouco recomendado e respon-
di:

– É. Vai dizer que nunca andou de Fusca?

        Sem graça com a gafe e percebendo minha irritação, ela disse que sim, já tinha
andado e que não via nenhum problema. Fomos passear mesmo assim, mas para mim
era como se tudo tivesse perdido a graça.
        Tomamos um chopp, conversamos, mas não rolou mais nada naquela noite.
Bem, não ia deixar uma mulher na rua tarde da noite e me ofereci para levá-la em casa.
Quando perguntei onde morava, muito sem graça a Marisa respondeu:

– Lagoa Rodrigo de Freitas.

         Aí é que eu entendi o incômodo. Chegar de Fusca na Zona Sul, para ela, era
motivo de vergonha. Mesmo em 1990. Mas para mim, não. Deixei a Marisa em um dos
cartões postais do Rio de Janeiro como se estivesse dirigindo um carro conversível.
         Acho que ela gostou da minha atitude, porque depois disso nos relacionamos
por quase dez anos. Se não deu certo depois, não foi por causa do Fusca.

                               Manoel Antelo, 53 anos, técnico em telecomunicações
1

              O trauma

         Eu estava com 19 anos e tinha
acabado de tirar a carteira. Meu pai me
deu um Fusca amarelo, ano 1975. Em
uma das minhas primeiras saídas com o
veículo, entrei sem querer na contramão
e fiquei frente a frente com outro carro.
Não cheguei a bater, mas peguei trauma
e parei de dirigir.
         Alguns meses depois, minha
avó teve um acidente vascular cerebral
e, apesar de não ter acontecido nada
muito mais grave, ela precisava de
tratamento contínuo para se recuperar.
Na minha casa moravam sete pessoas:
eu, meu pai, minha mãe, minha avó e
meus três irmãos, sendo que eu era a
única que tinha disponibilidade de levar
minha avó ao médico e ao fisioterapeu-
ta.
         Fiquei apreensiva e com medo,
mas não existia saída, eu precisava
voltar a dirigir. Se eu não a levasse, ela
poderia ficar com sequelas ou não se
recuperar como deveria. No começo eu
ainda ficava nervosa e com medo, mas
tive que superar.
         Na primeira ladeira que subi eu
suava de nervoso. Por diversas vezes eu parei no meio do caminho, com medo,
mas alegava qualquer desculpa para não transparecer para minha avó o meu temor.
Depois de algumas idas ao hospital, comecei a ficar mais confiante e superei meu
trauma. Finalmente pude curtir meu Fusquinha e nunca mais tive medo de dirigir.

                                     Rosemary Gonçalves, 51 anos, aposentada
1

                                O renascimento

         Em 1970 eu trabalhava em Cumbica, São Paulo, mas morava no Rio de
Janeiro. Consegui juntar dinheiro e comprei meu primeiro carro, um Fusca branco
modelo 1.300, usado, ano 1967. Toda sexta feira à tarde eu e mais três colegas de
trabalho – Negão, Rascunho, que tem esse apelido porque era tão feio que parecia
algo inacabado, e Catodo – saíamos de São Paulo rumo ao Rio, onde aproveitáva-
mos os eventos realizados no bairro de Madureira, Zona Norte carioca.
         O retorno a Sampa sempre era feito nas noites de domingo, até que um
dia resolvemos aproveitar o feriadão. Durante o regresso, em uma chuvosa quarta-
feira de cinzas, eu dirigia o Fusca pela Presidente Dutra, próximo a Lorena-SP,
acompanhado pelos colegas, quando por volta de 2h da manhã avistei um cidadão
balançando um pano, o que me distraiu.
         Quando voltei a prestar atenção me deparei com um cavalo morto, estirado
no meio da pista. Minha primeira reação foi frear, mas a aderência dos pneus nas
condições em que a pista se encontrava era muito ruim e o carro acabou colidindo
com o cavalo. Capotamos e o Fusca parou debaixo de um caminhão que estava no
acostamento. Atordoados, tentamos sair o mais rapidamente possível do carro e,
ao conseguirmos, observamos o estado lamentável do Fusca, imaginando como foi
possível sairmos ilesos do acidente
         O Fusca foi rebocado e, após 30 dias em um mecânico no Rio de Janeiro,
voltou à ativa. Na primeira viagem de volta para São Paulo percebi que o carro
estava “puxando” para a direita. Quando entrava numa curva, o veículo levantava,
dando a sensação de que iria capotar. Meu fusca nunca mais foi o mesmo. Decidi
vendê-lo.
         Com o valor recebido comprei imediatamente um novo Fusca laranja
modelo 1.500, ano 1973, com vidro bolha, o sonho de consumo de qualquer pes-
soa naquela época. Esse novo carro foi meu companheiro por muitos anos até que
fui transferido para trabalhar no Rio de Janeiro, então o vendi. Tempos depois eu
o vi em uma praça do bairro de Cascadura-RJ e senti muitas saudades.



                          Paulo Roberto Martins Teixeira, 62 anos, aposentado
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                                Ê caipira bom, sô!

         Em 2007, eu e dois integrantes da minha banda estávamos ensaiando em
um estúdio na Freguesia, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ao terminarmos
o ensaio, um amigo nosso nos convidou para uma festa na Lapa. Resolvemos ir
com meu Fusca azul, ano 1968.
         Saímos do estúdio em direção à Lapa. Já na ida, o carro não queria ligar.
Tivemos que empurrar para que ele “pegasse no tranco”. Enfim, conseguimos sair.
A festa era no Cinelapa, então resolvemos deixar o carro na rua da Carioca, que
ficava próxima, e andar até o nosso destino. Só o fato de ter que trabalhar “virado”
já era um motivo para se arrepender no dia seguinte, mas a noite fez questão de nos
provar que poderia ser pior.
         A festa estava chata, só tinha gente esquisita e acabamos todos um pouco
bêbados. A menina que um dos meus amigos conheceu não era bem o tipo que
tínhamos em mente. Era bem grande e gorda, parecia uma árvore bicentenária.
         Na hora de ir embora, por volta das quatro da manhã, o Fusca parou. Em-
purramos mais de 10 vezes e nada. Nenhum de nós tinha dinheiro e pegar um táxi,
naquele momento, estava fora de cogitação. Ficamos todos por ali, sem saber o
que fazer. O mesmo amigo da árvore bicentenária, acrescentando mais uma “der-
rota” à sua noite, chegou à frente de uma boate gay e conseguiu com que um dos
frequentadores lhe pagasse um refrigerante.
         Um taxista, vendo a nossa situação, veio nos ajudar. Ele mexeu em tudo
e nada acontecia. Estávamos quase perdendo as esperanças. Até que chegou outro
homem, de cerca de 40 anos, parecendo um caipira – tão característico que até le-
vava um palito no canto da boca. Ele se ofereceu para nos auxiliar. Não tínhamos
muita fé nele, mas naquela hora, qualquer coisa parecia melhor do que ficar ali
parado. Ele mexeu no motor e, milagrosamente, “ressuscitou” o Fusca.

– Era giclê colado –, disse o caipira.

        Como era o dia de tudo dar errado, ainda enfrentamos um temporal na
serra Grajaú-Jacarepaguá. Felizmente, nessa hora o Fusca não nos deixou na mão.
Passamos pelas curvas acentuadas e pela pista molhada, mas chegamos todos bem
em casa.


                                               Aviner Silveira, 24 anos, estudante
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                                                        Nove em um

                                                  Há uns anos eu estava na casa de
                                          um primo meu quando um amigo dele
                                          nos chamou para jogar uma “pelada”.
                                          Como não tínhamos nada para fazer,
                                          aceitamos. Assim que chegamos a casa
                                          desse amigo, notamos que lá havia mais
                                          cinco garotos, todos esperando para ir
                                          ao jogo. Quando o amigo do meu primo
                                          chegou ao portão, ele deu a notícia: iría-
                                          mos de carona com o pai dele.
                                                  De início eu não queria acredi-
                                          tar que todos nós entraríamos no mes-
                                          mo carro: um Fusca branco caindo aos
                                          pedaços. Ao todo, seriam nove pessoas
                                          dentro daquele dublê de automóvel. Na
                                          frente, além do motorista, foram mais
                                          duas pessoas – ambas no banco do caro-
                                          na –, enquanto outros seis se espremiam
                                          na parte traseira.
                                                  E lá se foram os nove dentro do
                                          fusquinha! Nos primeiros minutos da
                                          “tortura”, o motorista parou em um pos-
                                         to de gasolina para abastecer, colocando
exatamente três reais de combustível. E não parou por aí. Ainda tivemos que saltar
do carro para empurrá-lo, pois estava com defeito e só assim para ligar.
        Chegamos ao nosso destino, jogamos nosso futebol e, na hora de voltar
para casa, todos suados, percebemos que teríamos que voltar no Fusquinha, aperta-
dos novamente. Eu vim ao lado de um gordinho que fedia mais do que um gambá.
Foram os 20 minutos mais longos da minha vida.



                                             Diego Furtado, 24 anos, engenheiro
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                                      O clone

          Em abril de 1988 eu comprei a minha primeira motocicleta e, em julho, o
meu ex-sogro, o Seu João, resolveu viajar de carro para o interior de Pernambuco.
Iria ele, a mulher e as duas filhas. Resolvi ir junto e tive a brilhante ideia: vamos
dirigindo, eu na moto e ele levando o meu Fusca cinza.
          Era divertido porque eu ia atrás e, às vezes, brincava de “batedor” e ul-
trapassava para ver como estava a estrada mais à frente. Em alguns momentos eu
parava para descansar e deixava-o seguir para depois alcançá-lo, dada a diferença
de velocidade dos veículos – meu sogro levava o Fusca, em média, a 80 km/h e eu
conseguia alcançar até 140 km/h com a moto.
          Quando chegamos a Senhor do Bonfim, na Bahia, eu resolvi abrir uma
vantagem para fugir do trânsito que tinha ficado mais pesado, descansar mais à
frente e esperá-lo num posto. Foi o que fiz, e até consegui chegar rápido.
          Pouco tempo depois, para a minha surpresa, veio o Fusca prata. E não par-
ou, embora tenha passado bem perto da moto. Pensei: “Será que ele não me viu?”
Corri para não perdê-lo de vista. Quando estava quase alcançando, vi o Fusca sair
da estrada. Como ele tem familiares espalhados pelo Nordeste e é um cara que
age por impulso, pensei que tivesse decidido de uma hora para outra visitar algum
parente.
          O carro entrou numa rua, pegou a principal mais à frente, dobrou à direita.
Quando eu enfim consegui alcançar, ele estacionou em frente à garagem de uma
casa. Antes que eu chamasse o motorista desceu do veículo: não era o Seu João!
Só naquele momento eu tive a chance de conferir o número da placa de perto. Era
outro Fusca cinza, no mesmo tom. Nunca tinha visto outro tão parecido no Rio de
Janeiro, mas fui encontrar no interior da Bahia.
          Saí de fininho para o cara não ficar assustado e eu não correr riscos. Nem
sabia mais se estava na mesma cidade. Sem o recurso do celular, que hoje resol-
veria facilmente o problema, voltei desesperado para não me desencontrar de vez.
De volta à estrada do posto, a dúvida: e se ele já passou? A solução foi seguir em
alta velocidade até um ponto em que fosse possível ele ter chegado durante aquele
período.
          Andei mais ou menos uns 40 quilômetros, quase em Juazeiro. Não era
possível que tivesse passado, até porque ele já não enxergava tão bem e começava
a anoitecer. Parei num posto e resolvi aguardar.
          Duas horas depois ele chega, bem devagar, mas rápido no gatilho para me
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dar uma sonora bronca, reclamando por ter desaparecido. Depois que expliquei
o “engano” com o outro Fusca cinza ele passou a viagem inteira tirando sarro da
minha cara. Mesmo tendo que aturar o “velho” me sacaneando, segui o Fusca de
perto até chegarmos ao nosso destino. Vai que aparece outro “clone”!



                                       Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
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                                 Fusca dá voto

         Depois de me formar em Relações Internacionais, com ênfase em Política
e Economia Internacional, pela Brigham Young University (Utah/EUA), retornei
para Criciúma-SC, minha cidade natal. Fui convidada a me filiar ao Democratas
(na época PFL). O partido apostou em minha capacidade e resolveu me lançar
candidata a prefeita da cidade, mesmo com pouquíssimas chances de eleição. Era
o ano 2000. Eu, uma jovem praticamente desconhecida da população, contava com
poucos recursos para a campanha, muita coragem e determinação. Tinha acabado
de tirar a carteira e comprado um Fusca – na época, ainda branco.
         No início da campanha, saíram algumas charges fazendo sátira quanto ao
fato de eu ser jovem, mulher e dirigir um “Fusquinha”. Em uma delas, eu aparecia
abraçada a um ursinho rosa. Resolvi “fazer do limão uma limonada”. Pintei o meu
Fusca de rosa e adotei o ursinho como um dos símbolos da campanha. Consegui
mostrar à população meus projetos e, ao mesmo tempo, ganhei a simpatia e o
carinho das crianças.
         Saí do amargo 1% e, na reta final, já estava empatada com o segundo
colocado, com cerca de 20% das intenções de voto. Não me elegi, mas consegui
passar a minha mensagem. Fui candidata novamente em 2002 (fiz mais de 56 mil
votos para Deputada Federal), vice-prefeita em 2004 e, finalmente, me elegi em
2008 como vereadora, com uma das 5 maiores votações da história da cidade.
         Em 2010, me candidatei novamente a Deputada Federal, somando quase
60 mil votos, me tornando a primeira suplente do partido. Mais uma vez, a mascote
esteve presente. Por algumas vezes pensei em “aposentar” o Fusca. Mas não adi-
anta... Ele esteve presente em todas as campanhas e, por onde passo, em qualquer
lugar do estado, é sempre lembrado por todos.



                         Romanna Remor, 36 anos, deputada federal (suplente)
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                                 Maldito Fusca

         Minha primeira lembrança do “simpático” modelo da Volkswagen é da
infância e está sempre ligada a um compromisso. Minha mãe, nos longínquos anos
1980, era daquelas que achavam que o melhor para a criança era ficar fora de casa
o dia todo, gastando energia e voltando para casa apenas para dormir. Bastava ol-
har para o carro que batia um cansaço.
         Em 1985, o Fusca passou a ser uma imagem que representava o fracasso.
Foi numa manhã sábado que o carro da família foi roubado na porta de um su-
permercado e minha mãe foi direto ao ponto, como num chute na canela: não
havia dinheiro para comprar outro. Meu pai, então funcionário público, tinha sido
demitido por algo que não tinha feito e nossa vida iria mudar bastante. Troca de
colégio, de padrão de vida, de perspectivas para o futuro.
         Vinte anos depois, já sem a mãe e o pai por perto e tocando a vida com a
responsabilidade de um chefe de família, meu destino e o de um Fusca novamente
se cruzaram. Sem condições para custear a manutenção de um veículo mais mod-
erno por conta de uma reforma na mesma velha casa em Bento Ribeiro, mas neces-
sitando ainda de um meio de transporte próprio para fazer minhas coisas, o Fusca
1977 de uma vizinha da minha sogra aparecia como solução ideal.
         Baixo custo de manutenção – aquele velho jargão “qualquer um mexe
num Fusca” – e economia no combustível, além da inexistência de seguro, eram as
promessas para quem não queria andar de ônibus, mas não tinha orçamento para
voos mais altos.
         Só que, ora bolas, ter um carro não é apenas possuir algo de quatro rodas
que te leva aos lugares. Tem a bobagem do status, da aparência. O mundo faz
você acreditar que é mais ou menos feliz pelo que guarda na garagem. E eu que
nunca dei bola para isso fiquei roxo de vergonha quando cheguei da remota Santa
Margarida, sub-bairro de Campo Grande, dentro daquele carro barulhento, que,
segundo a ex-dona, “só precisava dar um jeito no motor”. Que ronco ensurdecedor,
meu Deus! Parecia que íamos decolar.
         E chegar em casa num dia de verão, com todos os vizinhos na rua teste-
munhando um homem de 1,85 m enfiado dentro de um minúsculo “Fusquinha” e
forçando ainda mais o motor para estacioná-lo pela primeira vez numa garagem
apertada foi experiência traumática. Na minha cabeça, os olhares tinham frases
decalcadas: “Coitado, ficou desempregado”, “É, a vida é dura mesmo...”, “Ele
está vivendo uma fase difícil, o pobrezinho”. De nada adiantava a esposa dizer que
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“vergonha é andar a pé!” Que nada! Vergonha era andar no Fusca 77.
        Hoje tenho a convicção de que aqueles pensamentos só deixaram a vida
ainda mais complicada. Tudo acontecia comigo e com o “novo” carro. Durante
meses fui a alegria do vizinho mecânico especialista em Fuscas que “fez” o motor
pelo menos umas três vezes. E a máquina continuava “bebendo” mais do que o
esperado. As promessas de orçamento mais confortável foram embora junto com o
meu sossego. E quanto mais eu pensava em deixar o Fusca em casa, mais a Cláu-
dia, minha esposa, queria sair. Sempre de carro.
        O começo do fim se deu numa ida a uma luxuosa clínica na Barra da Tiju-
ca que ela insistiu para que fôssemos no próprio veículo porque “era contramão”.
No meio do caminho, pneu furado. A pouca prática na troca duplicava o trabalho,
realizado sob sol de quarenta graus às duas horas de uma tarde de verão. Chega-
mos ao local atrasados, eu suado até a alma, sujo de graxa, sem uma roupa extra
para trocar. A vergonha estampada no rosto e o pedido sem graça da mulher para
que não a acompanhasse foram avassaladores. Para completar, na volta, o motor,
recauchutado há pouco tempo, novamente rateara pela longa viagem e quase nos
deixou na mão. Restava novamente pedir o socorro do vizinho e gastar um din-
heiro “virtual”, que não existia na conta.
        O ato final dessa tragédia foi a “troca de tintas” com um ônibus que resolveu
ocupar as duas pistas e empurrar o pobre Fusca para a calçada do lado oposto. O
susto pelo incidente, a porta amassada e alguns barulhos estranhos foram a senha
para o grito de liberdade, rompendo os laços com aquele carrasco de quatro rodas.
Entreguei as chaves à esposa e fui seguro e enfático: “Tome, coloque para vender.
Não dirijo mais esse maldito!” E assim foi. Para encerrar a série de prejuízos, o
preço da venda do carro abalroado foi pouco mais da metade do valor pago a tal
vizinha da minha sogra. E o novo dono ainda demorou a acertar e ir buscar.
        No dia da “despedida”, um misto de alívio, nostalgia e pesar. Hoje saímos
menos, mas sempre de táxi. Se o carro enguiçar, basta pagar, descer e embar-
car em outro. Simples assim. Em breve pretendo comprar um zero quilômetro ou
seminovo, aproveitando os bons preços e a recuperação da economia do país. Pelo
conforto e a segurança de sair a qualquer hora, numa urgência.
        Mas na hora da escolha, nem mesmo um Fusca desses modernos, com
design mais atraente, vai ser capaz de me atrair. Muita coisa mudou na minha vida,
mas o medo permanece. Nunca mais.

                           André Rocha, 38 anos, aluno de Comunicação Social
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                                     A troca

         Eu tinha 28 anos e trabalhava feito um “louco”. Era gerente da churras-
caria Minuano, em Nova Iguaçu-RJ, e morava a cerca de 40km de distância, no
bairro de Rio Comprido. Pegava no trabalho às 9h da manhã e saía às 3h da madru-
gada. Sem carro, sem dinheiro, só com a boa vontade que Deus me deu.
         Até que certo dia um garçom apareceu lá com um Fusquinha verde. Que
coisa linda! Foi amor à primeira vista, não tinha como fugir. Fizemos o negócio e
eu, no mesmo dia, fui para casa com o meu “possante”, todo feliz por finalmente
ter conseguido comprar um carro.
         O que eu não sabia era que o carro tinha um problema que muitos chamam
de “chimbre”. Que nada mais é do que a direção trepidando, provocando insta-
bilidade no carro. Eu gosto de compará-lo a uma gelatina. Cheguei à minha casa
e, sabe-se lá como, no dia seguinte ainda consegui ir para o trabalho com ele. O
Fusca era realmente bonito, mas ordinário.
         Neste mesmo dia outro garçom olhou para o carro e se apaixonou por ele
– assim como eu havia me apaixonado no dia anterior –, o que me fez acreditar que
o Fusca realmente tinha algum encanto. O mais novo apaixonado me ofereceu um
acordo: ele me daria o Dodge Dart dele em troca da minha “gelatina ambulante”.
Aceitei na hora, sem nem pestanejar.
         Quando o garçom estava indo para casa, neste mesmo dia, com o seu mais
novo carro, notou o que eu havia percebido no dia anterior: o carro era totalmente
instável. No trajeto, um caminhão buzinou na traseira do “possante” e novo com-
prador se assustou, saindo da estrada e caindo com o Fusca dentro de um valão.
         Eu acabei me dando bem, mas até hoje sinto pena daquele garçom. Ah! E
o Fusquinha? Nunca mais funcionou.



                              José Carlos Machado, 60 anos, gerente comercial
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                  A cegonha

            Minha mulher estava grávida de
    nove meses do nosso primeiro filho. Em
    um dia de muita chuva, daquelas que in-
    undam todo o Rio de Janeiro durante o
    verão, a bolsa dela estourou. Nós morá-
    vamos em Madureira e a maternidade
    ficava no Méier.
            Por incrível que pareça, o Fusca
    vinho, ano 1976, foi extremamente va-
    lente e passou por todas as enchentes
    que haviam se formado. Vi vários out-
    ros carros maiores e mais potentes que o
    meu ficarem parados pelo caminho.

    – E se ele tivesse enguiçado? Como se-
    ria? –, até hoje me pergunto.

            Com a esposa grávida, bolsa es-
    tourada, filho para nascer, madrugada
    chuvosa no Rio de Janeiro… Mas ele
    conseguiu me levar até a maternidade e
    correu tudo bem. Sempre que falam em
    fusca, eu me lembro daquele dia.
            Também estava de Fusca no
    dia em que conheci minha esposa, com
    quem sou casado há 26 anos. Ela não
    gostava muito do 1976 vinho, mas de-
    pois acabou se apaixonando pelo carro,
    assim como se apaixonou por mim.



Almir Gomes, 53 anos, funcionário público
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                                Corrida Maluca

         Tive um Fusca na época da faculdade e toda segunda-feira eu e mais
quatro pessoas viajávamos de Niterói-RJ para Nova Friburgo-RJ, levando ainda
a bagagem. Em uma dessas segundas, um “playboy” que tinha carros “tunados”
e estudava na minha faculdade resolveu me provocar e humilhou meu fusquinha.
Então apostamos para ver quem chegaria primeiro ao destino.
         Nessa época ele tinha um Voyage rebaixado, com motor modificado e
outras personalizações. Mas ele não contava com a capacidade do meu Fusca.
Além disso, eu conhecia a serra de Friburgo na palma da mão. São 25 quilômet-
ros de uma subida cheia de curvas e poucos, mas conhecidos, pontos de ultrapas-
sagem.
         Toda vez que ele tentava me ultrapassar eu fechava por dentro nas curvas
e o impedia; o máximo que ele conseguia era emparelhar e me olhar com aquela
cara assustada. Ao lado dele estava a namorada, que visivelmente dava bronca
para que parasse com aquilo.
         O Fusca tinha pneus 185/65, para carros rebaixados, e tinha boa aderên-
cia nas curvas, o que me dava muita vantagem nas saídas. Fomos assim até quase
o finalzinho da serra, quando finalmente, numa reta maior, ele conseguiu nos
ultrapassar e deu aquela “buzinadinha” debochada.
         Menos de um quilômetro à frente, encontrei o “campeão” parado no
acostamento, sendo revistado pela Polícia Federal por conta do carro modificado.
Fiz questão de passar bem devagar ao lado dele, retribuir a “buzinadinha” e sair
rindo, junto dos três companheiros de viagem, no Fuscão campeão dos 25 quilô-
metros da serra de Friburgo!

                                        Antônio Azevedo, 40, cirurgião-dentista
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                                Prefiro a Brigitte

         Um amigo meu, que é muito rico, tem uma Mercedes e, por incrível que
pareça, também é dono de um Fusca! Um belo dia, ele e outro amigo meu resolv-
eram dar umas voltas de carro em Ipanema.

– Vamos de Mercedes –, pediu o carona.

– Não, vamos com a Brigitte –, respondeu.

         Entraram ambos no poderoso Fusca e partiram rumo à praia. Chegando
lá, passaram sobre em um enorme buraco e a Brigitte, com seus vários anos de
estrada, parou de responder ao comando do acelerador.
         O dono do Fusca então parou no acostamento, desceu do carro, abriu o
capô e verificou que a correia do carro havia saído do lugar. Para consertar, bastou
pegar uma pedrinha e colocar entre duas peças para apoiar a correia. Feito isso, ele
entrou na Brigitte e disse para o amigo:

– Se eu tivesse passado com a Mercedes nesse buraco iria gastar uma fortuna na
oficina. Com a Brigitte eu precisei apenas de uma pedra do chão.



                                      Daniel Ruffo, 22 anos, gestor de marketing
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                             Presente de grego

                         Em 1998, quando eu tinha ap-
                    enas 16 anos, meu pai comprou um
                    Fusca azul brilhante ano 1964 e me
                    deu de presente, como uma forma de
                    me incentivar a tirar carteira de mo-
                    torista assim que eu completasse a
                    maioridade, o que não fazia parte dos
                    meus planos.
                         Quando eu contei a história do
                    Fusquinha para os meus amigos, to-
                    dos zombaram de mim. Eu “morria”
                    de vergonha e evitava tirar a carteira
                    para impedir que chegasse o terrível
                    momento de me locomover usando
                    o presente que eu considerava ser de
                    “grego”.
                         O Fusca já estava há três anos
                    parado na garagem da minha casa,
                    e chegou uma época em que eu até
                    evitava levar amigos lá, porque todos
                    eles ficavam me perguntando quando
                    eu, enfim, pilotaria o Fusca.
                         Depois de muitos anos “enro-
                    lando”, tomei coragem e resolvi en-
                    trar para a autoescola. Consegui ti-
                    rar a carteira e, quando eu já estava
                    preparada psicologicamente para en-
                    carar o sofrimento de pilotar o Fusca
                    que, na época, tinha quase o dobro da
                    minha idade, meu pai o vendeu para
                    um mecânico. Esse, sim, foi meu ver-
dadeiro presente.

                    Luciana Borges, 29 anos, esteticista
35

                                  Concessionária exótica

          Eu morava em Vila Valqueire-RJ e trabalhava em uma agência bancária no bairro.
Depois do nascimento do meu primeiro filho, eu deixava o trabalho em alguns momentos e ia
até minha casa amamentar o bebê. Preocupado comigo, meu marido me deu um Fusca bege
1974, para que eu pudesse me deslocar com mais velocidade.
          Certo dia, fui trabalhar e fiz tudo como sempre: coloquei o carro no estacionamento
do banco, fui para casa na hora do almoço para ver meu filho, retornei ao trabalho e estacionei
o carro novamente. Na hora de ir embora, por volta das 6h da tarde, cheguei ao andar de cima
e meu fusca havia sumido, assim como as pessoas que cuidavam do estacionamento, que já
tinham ido embora.
          A minha primeira reação foi achar que tinha estacionado em outro lugar, apesar de
ter o costume de deixá-lo sempre no mesmo local. Procurei bastante até me dar conta de que
tinham roubado meu carro. Entrei em desespero, chorei feito uma criança. Apesar de meu
fusquinha ser uma graça, ainda considero estranho alguém tê-lo roubado, afinal era um carro
muito velho. Só mesmo um apaixonado por Fuscas para realizar essa “proeza”.
          Passado o susto, fui brigar pelos meus direitos. Eu ainda tinha o papel do estaciona-
mento e queria reivindicar ao banco que me desse outro carro. Comecei a mandar fax para a
diretoria e para a firma terceirizada que cuidava do estacionamento. Eu sempre alegava que
meu carro era ferramenta de trabalho, que eu precisava dele para visitar clientes. Na verdade,
eu o usava mais para visitar meu filho em casa com freqüência, mas não ia falar isso para
eles.
          Fiquei dias sem nenhuma resposta, até que decidi falar com meu gerente. Compreen-
sivo, ele pediu que a secretária enviasse um fax para a diretoria. O diretor do banco respondeu
imediatamente, me dando 24 horas para procurar um Fusca nas mesmas condições do meu
roubado, afirmando que o banco pagaria por ele.
          Nesse dia eu nem trabalhei. Passei o dia procurando Fuscas. Eu e meu marido fomos
a várias revendedoras e concessionárias, mas foi na frente de um motel que encontramos o
veículo ideal. O Fusca era da mesma cor e do mesmo ano que o meu – fiquei desconfiada se
não era o meu carro roubado ali. Enfim, meu novo fusquinha custou 5 mil cruzeiros e o banco
arcou com todos os custos. Fiquei surpresa e feliz com essa atitude, pois já haviam acontecido
outros furtos naquele mesmo estacionamento e ninguém havia sido ressarcido. Depois que
recuperei meu Fusca, acabei trocando por um Logus, mas sinto falta do meu primeiro carro.



                                                    Valéria Fernandes, 48 anos, professora
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                                   Roubadinho

         Assim que comecei a trabalhar numa empresa de telecomunicações em
1979, minha fissura era comprar logo o primeiro carro, já que tinha acabado de
tirar a carteira e via meus colegas indo trabalhar com os seus.
         Quando um dos funcionários apareceu com um Fusca 1969 à venda – di-
zendo que era da irmã, única dona – eu não vacilei. Comprei no ato! Era aquele mod-
elo bem antigo, com parachoques com alcinha por cima e o pneu “canelinha”.
         No momento da transferência do veículo para o meu nome, a surpresa:
o chassi estava adulterado. Na hora pensei em desistir de ficar com o carro, mas
persisti e na base do “jeitinho brasileiro” consegui regularizar. Depois de discutir
com o cara que me ofereceu, contei a história para uns colegas, que colocaram o
singelo apelido de “Roubadinho” no meu primeiro automóvel.
         Definitivamente, o nome não trouxe sorte. Toda hora o carro tinha um
problema e começou a ficar todo danificado. Chegou a abrir um buraco por den-
tro do paralamas, inspirando um amigo a fazer um desenho com um rato olhando
pelo rombo no fundo. Se passasse um imã na lataria ele caía de tantos remendos
de plástico. Era o meu primeiro carro, mas eu já estava ficando cheio dele muito
rápido.
         Ainda assim, resolvi ir numa noite de sábado com o “Roubadinho” numa
seresta em um bairro distante. Chovia insistentemente desde a manhã. Fui devagar
para o carro não desmontar no caminho. Mesmo com cuidado não teve jeito.
         O pneu, estreito e um pouco careca, deslizou no asfalto molhado em uma
curva, o carro rodou, saiu de traseira e subiu na calçada. Bateu em outro Fusca
que tinha acabado de sair da oficina. Tentei fugir, mas os amigos do dono do carro
batido não me deixaram sair e queriam me bater.
         Consegui contornar a situação, deixei meu telefone para depois pagar o
prejuízo, mas tive que ouvir um caminhão de xingamentos e ainda fui humilhado
por causa do Fusca todo prejudicado. Na segunda-feira não tive dúvidas: coloquei
o “Roubadinho” à venda. Demorou um pouco, mas achei outro bobo para ficar
com ele.



                                                Ricardo Saad, 54 anos, advogado
3

                                                 Espécie rara

                                            Nos anos 1980/90, a Promon En-
                                    genharia, empresa na qual eu trabalho,
                                    estava estudando a possibilidade de um
                                    empreendimento numa cidade litorânea
                                    do Nordeste que havia recém instalado
                                    um projeto chamado Tamar, que era
                                    dedicado à preservação de espécies de
                                    tartarugas-marinhas.
                                            A ordem dos biólogos era clara:
                                    se alguém avistasse qualquer tartaruga
                                    desovando na areia, deveria informar o
                                    quanto antes aos responsáveis pelo pro-
                                    jeto, principalmente se o animal fosse
                                    de uma determinada espécie, a maior
                                    do Brasil, que estava em extinção, para
                                    que as precauções fossem devidamente
                                    tomadas.
                                            Em um final de tarde, após o pôr
                                    do sol, uma engenheira avista, de muito
                                    longe, uma forma arredondada próxima
                                    da faixa de areia da praia e aciona o
                                    Tamar. Ela tinha certeza: era da tal espé-
                                    cie!
                                            Vários biólogos se deslocaram
                                    em dois jipes, mas chegando ao local
                                    apontado, tiveram a mais cruel e cômica
                                    das surpresas: era um Fusca verde com
um casal “namorando” dentro dele.



                                       Gian Santoro, 34 anos, engenheiro
3
3

                                   A bandeira

         Fluminense e São Paulo iriam jogar pela Copa Libertadores de Futebol
2008. Eu e mais alguns amigos, todos torcedores do Flu, começamos a beber por
volta das 13h, em um bar próximo da minha casa. Dezenas de cervejas depois, por
volta das 19h, nos preparamos para ir ao jogo, que seria às 21h50.
         Um desses amigos, que era o que mais tinha bebido, tinha um Fusca e
disse que iria “colocar o carro na pista”. Detalhe: a carteira de motorista dele já
havia vencido e os documentos do carro estavam todos atrasados.
         Éramos seis pessoas entaladas dentro do Fusca, sendo que o Mario Bill
pesava uns 140 kg. Ele, obviamente, foi na frente e, mesmo assim, estava comple-
tamente torto. Mas quem se deu mal foi outro amigo, que era o menor de todos e,
por conta disso, foi na mala, “esmagado” contra o vidro.
         Mario Bill estava completamente “chapado” e balançava uma bandeira
para fora do carro. A certa altura, um guarda ordena que nós paremos o carro no
acostamento. Desespero geral. Eis que a autoridade chega, olha para dentro do
carro e fala:

– Cuidado para não acertar alguém com a bandeira.

       Aliviado, o motorista arrancou com o carro e todos nós começamos a rir.
Dez metros à frente o Mario Bill colocou novamente a bandeira para fora da janela
e fomos assim até o Maracanã.



                                         José Cancio, 23 anos, agente de viagens
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                               Visão publicitária

        Podia estar aqui contando alguma das muitas histórias de meu Fusca bege
alabastro 1974. Podia estar aqui falando de minha coleção de duzentas e poucas
miniaturas apenas de Fuscas – a exceção é uma de Kombi –, mas não, prefiro a
observação de outro aspecto, também ligado à história dos que amam os carrinhos
do povo. Sou redator publicitário e sei que muito da minha escolha profissional
deve-se à influência e ao fascínio que os anúncios de Fuscas exerceram na minha
formação.
        Criados pela agência de propaganda Alcântara Machado  Periscinotto,
que depois viria a se chamar Almap, hoje Almap/BBDO, os anúncios dos VW tor-
naram-se ícones de vanguarda e estabeleceram um novo vínculo de proximidade
com o leitor potencial comprador. Utilizando uma linguagem revolucionária para a
época, chamadas como a do lançamento do Fuscão – um Fusca robustecido –, em
1970, em pleno “milagre econômico” da ditadura, que num texto abaixo de uma
foto de abertura de estrada na Amazônia, alardeava:

– Quando perguntaram ao Fuscão se ele gostaria de atravessar a Belém–Brasília,
ele respondeu: ‘Quantas vezes?’

         Mas, assim como almoço grátis, sabemos que não existem apenas propa-
gandas a favor. A identificação de um público que se tornava cada vez mais fiel à
marca acabou por também refletir um comportamento de rejeição, pelo menos em
uma oportunidade.
         O ano era 1965. A época, natal. Período propício para lançamentos de
produtos. Na foto de anúncio, uma árvore de natal atravessava o teto de um Fusca,
mostrando o novo produto posto à disposição de um público sempre mais ávido
por novidades: o Fusca com teto solar. A ideia era extremamente adequada a um
mercado de carros em um país cuja característica climática era justamente esta,
ensolarada, de desfrute de uma condição abençoadamente favorável. Tudo fazia
sentido. A ideia não podia dar errado. Mas deu. E muito. Os brasileiros olharam
aquela galharia toda da árvore de natal saindo de dentro do Fusca, e, até hoje, não
se sabe muito bem onde começou, mas, logo, logo, em todo o território nacional,
“do Oiapoque ao Chuí”, o público consumidor definiu e deu novo nome à novi-
dade, de forma irreversível e implacável, como costuma acontecer nestas situa-
ções: “Cornowagen!”
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         Pronto. Foi o que bastou para dizimar a história do Fusca com teto solar.
Tanto que sua comercialização durou apenas sete meses. Em épocas de demanda
fortíssima por carros novos, especialmente os VW, os Fuscas com teto solar mo-
favam nos pátios da fábrica. Logo, também, uma mais esperta do que criativa
solução acabou surgindo. Alguns comerciantes, diante da escassez de fuscas “nor-
mais”, sem as mal vistas aberturas no teto, compravam os carros estocados e provi-
denciavam em oficinas de reparo a soldagem dos tetos e posterior repintura. Hoje,
os restauradores de Fuscas se deparam com essas soldagens ao desmontarem os
forros de teto dessas verdadeiras “moscas brancas”, que vieram a se tornar esses
exemplares.

        A origem verdadeira do comentário maldoso que destruiu a reputa-
ção daqueles modelos de fusquinhas até hoje ninguém sabe, ninguém ouviu. A
princípio, atribuiu-se ao corrosivo humor carioca, sobretudo aos desenhos e charg-
es de Ziraldo. Mas há uma versão bem mais factível e aceitável, nos dias de hoje:
sabe-se que a concorrente, Ford do Brasil, que tentava inutilmente estabelecer uma
competição com o Fusca, havia trazido direto dos “States” um especialista em
marketing, John Garner, que hoje poderíamos definir como um disseminador de
mensagens virais. Atribui-se a ele a criação do apelido arrasador.

                                  Luis Carlos Oppermann, 56 anos, publicitário
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                                Elástico salvador

         Há alguns anos, no dia do meu aniversário, eu e alguns amigos resolvemos
subir a serra Rio-Petrópolis para comemorar a data. Éramos cerca de dez pessoas
e estávamos divididos em três carros. Eu, claro, ao volante do meu Fusca.
         No meio da subida, um pouco depois do Belvedere, o cabo do acelerador
arrebentou e tivemos de parar. Descemos dos carros e ficamos nos olhando, sem
saber o que fazer, com aquela expressão de “e agora?!”. Eis que surge a solução
genial de uma menina:

- “Use o elástico de cabelo”, disse.

Na época eu tinha cabelos compridos, com penteado “rabo de cavalo”. Peguei o
elástico, prendi o acelerador e... chegamos a Petrópolis!

                                               Helvecio Parente, 40 anos, músico



                      Todo dia ele faz tudo sempre igual...

        Tive um fusca 1973 verde que eu gostava muito. Ele nunca me deixou na
mão. Podia fazer chuva ou sol que ele estava lá, firme e forte, “rodando” pelas ruas
do meu Rio de Janeiro.
        Dois casos que nunca vou esquecer. Na primeira eu estava dirigindo pela
Avenida Brasil quando, inesperadamente, o limpador de parabrisas parou de fun-
cionar. Minha solução foi colocar metade do corpo para fora e movimentá-lo man-
ualmente. Foi assustador e, ao mesmo tempo, muito cômico.
        A segunda é que, como sou alto e tenho o pé pesado, todo dia eu quebrava
o cabo que ligava o acelerador ao motor. Eu andava com uma coleção desses cabos
porque todos os dias, sem exceção, um deles estragava. Sorte que a peça custava
bem pouco. O vendedor da loja comprava a peça já pensando em mim, porque
sempre que eu passava na loja era para renovar meu “estoque”.



                            Rubens Langsdorff, 35 anos, auxiliar administrativo
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            Menino Valente

       Meu pai teve um Fusca vermel-
ho quando nós ainda morávamos em
Duque de Caxias-RJ, há 16 anos. Na
época ele já era comerciante e o bairro
em que nossa loja ficava vinha sofrendo
com uma onda de assaltos. Foram sete
em 40 dias!
       Em um deles, já à noite, fecham-
os a mercearia e seguimos – eu, meu pai
e minha mãe – para nossa casa. Quando
meu pai estacionou em frente a garagem
de casa, fomos abordados por um grupo
de bandidos armados, que apontaram as
armas para meus pais e pediram dinhei-
ro.
       Eu estava no banco de trás, com
uma mochila cheia de brinquedos. Os
assaltantes levaram minha mochila e
saíram correndo pela rua. No ímpeto de
criança, não resisti: desci do carro e saí
desesperado correndo atrás deles, que-
rendo meus brinquedos de volta. Minha
mãe teve de correr pra me segurar.



 Vinícius Bitarães, 22 anos, estudante
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                            Desarmados e perigosos

        Já era noite e eu e mais dois amigos estávamos bebendo em um bar há
umas oito horas quando resolvemos dar uma “esticada” em uma boate que ficava
relativamente próxima. Na hora de rachar a conta, um dos parceiros percebeu que
estava sem dinheiro. Eu paguei a parte dele, mas não tinha para cobrir na dancete-
ria. Resolvemos, então, ir a um banco 24 horas.
        Esse amigo sem dinheiro resolveu dirigir, porque eu já estava “trocando as
pernas”. Só que ele também não estava lá muito bom, entrou na rua do banco com
o Fusca alta velocidade e parou com uma freada brusca, quase um “cavalo de pau”,
em frente ao caixa.
        O local era ermo e um ponto de prostituição. Três meninas circulavam
pelo local, um técnico de telefonia fazia um reparo ali perto e uma pessoa retirava
dinheiro. Quando eles viram um Fusca cinza chegar daquela maneira e saltar três
caras suspeitos de dentro do carro – um com quase dois metros de altura e forte
como uma jamanta, eu de jaqueta preta, bota e cavanhaque e o terceiro de óculos
escuros à noite e blusa também escura –, saíram gritando e batendo os calcanhares
nos traseiros de tanto correr.
        Foi quando percebemos a nossa “pinta” de bandido e começamos a rir.
Mas, com cuidado, observamos se tinha algum policial no local. Com a barra lim-
pa, sacamos rapidinho o dinheiro e saímos logo dali. Nem parecíamos os perigosos
de minutos atrás...

                                         Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
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                                           O invejado

          Meu Shrek 65 era lindo demais,
todo original por fora e completamente
modificado por dentro: som potente, bancos
de Astra em couro sintético, motor 1600cc
de Kombi, escapamento de Puma dimensio-
nado, câmbio de SP2... Um monstro!
          Um dia fui visitar um cliente di-
rigindo o Fusca, estacionei o carro e, ao
meu lado, parou um Vectra Challenger, que
na época era o desejo de 10 em cada 10
brasileiros. De dentro do Fusca, olhei para o
Vectra e fiquei embasbacado. Era lindo de-
mais.
          Desci do Shrek todo humilde,
tentando disfarçar a admiração pelo carro al-
heio. Para minha surpresa, o dono do Vectra
desceu do carro igual a um alucinado, andou
em torno do meu Shrek e falou:

– Meu irmão! Que Fusca lindo! Posso ver
por dentro?

          Sem reação, abri o carro. Aí mes-
mo que ele ficou “louco”! Quando cheguei
a minha casa, contei o ocorrido para a minha
esposa e ela perguntou as razões pela qual
não tentei trocar os carros. Respondi:

– Porque eu nuca mais iria sentir o que eu
senti hoje. O prazer de ter um carro clássico, que mais de 30 anos após parar de ser fabricado ainda
é capaz de despertar paixão nas pessoas.



                                                   Daniel Anunciação, 30, analista de suporte
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4

                    O susto do ex-combatente no Cabeleira

        Eu e uns amigos fomos beber em um clube no Pechincha, Jacarepaguá.
Todos no meu Fusca: 1981, verde oliva – eu o chamava de “ex-combatente” - todo
equipado com roda de liga leve, banco de couro reclinável, volante de madeira.
Lindo!
        Enchemos o pote, como sempre. Saímos de lá direto para um pub que fi-
cava próximo. Apesar do nome pomposo, para a gente era o “bar de fé”. E também
o local de trabalho do Sérgio Cabeleira, garçom que estava comigo no carro e ia
trabalhar. Bêbado.
        Eu entrei na esquina da rua do bar certamente a mais de 100 quilômetros
por hora. O Fusca rabeou e bateu no meio-fio. Mas com uma força descomunal,
como eu nunca vi! A roda foi praticamente cuspida do pneu e foi parar longe.
Àquela altura, era o menor dos problemas. A questão era acalmar o Cabeleira, que
estava pálido e gritava: “Agora eu não tenho mais medo de nada até o final da
minha vida! Eu vi a morte! Eu vi a morte!”
        Eu fiquei rindo até o resto de sobriedade que tinha restado me alertar para
o problema de sair dali com o carro arrastando no chão. Quando eu decidi resgatar
a roda, um garoto veio girando aquele objeto ainda esférico, mas todo retorcido,
pelo asfalto: “Moço, toma aqui a sua roda!” Olhei para o carro e percebi que o
miolo com os parafusos tinha ficado. Que pancada!
        Quando fui trocar o pneu é que lembrei que o estepe tinha roda de aro 15
e a em uso era 14! O “ex-combatente” saiu tortinho, fazendo todo tipo de barulho,
mas consegui chegar em casa.
        O Cabeleira? Com certeza o susto evaporou o álcool que estava dentro
dele. Foi trabalhar como se nada tivesse acontecido.



                          Manoel Antelo, 53 anos, técnico em telecomunicações
4

                               Fusca não é carro

         Minha infância ficou marcada por um extravagante Fusca cor coral, ca-
paz de envergonhar qualquer mulher, por mais indiscreta que fosse. Não bastasse
a cor, o carro era completamente acabado, com bancos em último estágio de
destruição, janelas não funcionais que faziam com que as viagens para a praia se
tornassem uma tortura, barulhos altíssimos e outras pequenas inconveniências.
         Além disso, o Fusca, que pertencia a minha tia, possuía uma espécie
de tempo máximo de funcionamento. Era certo que ele “morreria” cerca de 30
minutos após dar partida. Por conta disso, todos os trajetos eram feitos em alta
velocidade, de forma que conseguíssemos chegar ao nosso destino.
         Um dia eu estava no estacionamento do prédio em que eu morava e
resolvi entrar no Fusca para ouvir música. Os adultos tinham ido almoçar e eu,
por acaso, me tranquei dentro do carro. Como estava muito calor, minhas mãos
começaram a suar e eu não consegui levantar os pinos das portas, porque escor-
regavam.
         Eu, com apenas 10 anos, estava trancada em um verdadeiro forno, já
sentindo falta de ar. Fiquei desesperada até que uma idosa desconhecida me viu
pulando e se aproximou fazendo mímica. Demorei a entender o que ela queria
dizer: que eu pegasse o encarte da fita K-7 que estava dentro do carro para facili-
tar o levantamento do pino.
         Deu certo. Coloquei o papel na mão e consegui, enfim, neutralizar o suor
e levantar o pino. Saí do carro, agradeci a sagaz senhora e desenvolvi um grande
trauma com Fuscas que perdura até hoje. Tenho um amigo que possui um Fusca e
sequer me aproximo do carro.
         Ele reclama, dizendo que eu sou preconceituosa com o carro devido ao
baixo preço e status do veículo, mas não me dou o trabalho de contar sobre o
trauma, prefiro aproveitar a ocasião para implicar com ele e dizer que “Fusca não
é carro”.
         Já o fim do Fusca coral não poderia ser mais justo: foi parar em um ferro
velho, vendido por um preço módico.



                                              Gabrielly Dias, 23 anos, secretária
4

                             Questão de segurança

          Atualmente sou presidente do Clube de Automóveis Antigos do Rio de
Janeiro e, quando era jovem, ainda antes de assumir o atual posto, eu era prati-
cante de boxe, me vestia bem e tinha o hábito de apenas dirigir carros importados.
Tinha diversos automóveis assim: Mercedes, Dodge etc. até que um dia sofri um
sequestro no bairro de Parada de Lucas, localizado na Zona Norte do Rio, e acabei
reagindo.
          Por ajuda divina, nada de grave aconteceu comigo, mas decidi contratar
um segurança particular, que só aceitou o trabalho mediante duas exigências: que
eu parasse de me vestir daquele jeito e, que quando estivesse sozinho, usasse car-
ros menos chamativos.
          Relutei e pensei durante um tempo, até que levei os pedidos em considera-
ção e perguntei qual automóvel eu deveria dirigir, ouvindo a resposta imediata do
profissional: um Fusca. Fiquei um pouco contrariado, pois era solteiro e acreditava
que dirigindo um carro assim não conseguiria chamar a atenção de mulher alguma.
Entretanto, atendi ao pedido e comprei um fusquinha marrom, ano 1978.
          Eu, que nunca tinha dirigido um carro apertado daqueles, me sentia cada
vez mais incomodado, mas o medo de passar por outro episódio violento me fez
resistir à tentação de vendê-lo. Além disso, apesar de continuar achando o Fusca
desconfortável, confesso que basta sentar ao volante de veículo como ele para se
apaixonar e nunca mais querer largá-lo.
          Tempos depois, o fusquinha marrom foi vendido, mas logo comprei um
Fusca bege, ano 1986, e tenho ele até hoje. Na minha opinião, toda pessoa deveria
passar pela experiência de, pelo menos uma vez na vida, dirigir um modelo assim.
A sensação é inesquecível.



                                     Antonio Carlos Piperno, 74 anos, industrial
50

                                      Bingo!

         Fiquei sabendo que, em Duque de Caxias-RJ, seria realizada uma festa de
fim de ano em que eu poderia curtir um bom pagode e beber aquela cervejinha!
Além disso, fariam um bingo, no qual o prêmio principal era um Fusca azul ano
1986, que não estava nas melhores condições, mas pelo menos andava.
         Apesar de me considerar uma pessoa azarada e não levar fé de que poderia
levar o prêmio, eu teria que adquirir uma cartela do tal bingo – já que este seria o
bilhete de entrada para a festa –. Foi então que resolvi pedir ao Josiel, um vizinho,
que me desse um “convite” de presente. A tarefa de conferir minha cartela ficou
com uma amiga, pois eu estava mais preocupada em me divertir no pagode.
         Durante a dança, minha amiga me chamou às pressas porque faltavam ap-
enas dois números para que minha cartela fosse contemplada. Na primeira rodada
em que voltei à mesa, o número sorteado não me serviu e, imediatamente, pensei
na minha sina. Mais dois números e... bingo! O Fusca era meu!
         Já com o carro em minha posse, tive que regularizar o veículo, registrando
ele em meu nome junto aos órgãos competentes, e tirar a carteira de motorista.
Graças ao Fusca passei por momentos incríveis e pude viajar sem me preocu-
par em como voltar. Tempos depois tive que vendê-lo para pagar dívidas, mas se
pudesse teria guardado ele até hoje.



                         Zedith Clovis Felizardo, 60 anos, empregada doméstica
51
52
53

                           Honrou as calotas que usa

         Há dois anos, depois de muito sacrifício, consegui tirar a sonhada carteira
de motorista. Junto com a vitória, veio mais um desafio: meu pai queria me dar um
carro que se transformasse em um verdadeiro obstáculo. Para ele, era necessário
que eu ficasse “calejado” na arte de dirigir. Foi então que ele me deu um Fusca
azul bebê, pois, na opinião do meu pai, quem dirigisse este carro seria capaz de
conduzir qualquer outro.
         Superada a insegurança inicial, resolvi sair com quatro amigos para a
Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Claro, um monte de marmanjos
juntos não poderia dar certo. Todos começaram a “colocar pilha”, dizendo que o
fusquinha não agüentaria o tranco.
         Percorri a Barra a mais de 100 quilômetros por hora e, a cada derrapagem,
o Bernardo pedia para reduzirmos a velocidade. Quando chegamos ao nosso des-
tino, percebemos que a calça dele estava molhada. Sabíamos que ele havia se uri-
nado e começamos a zombar dele, mas ele alegou que havia derramado cerveja.
         Guardo um segredo até hoje. Recebi duas multas de mais de 100 reais
naquele dia, mas não conto para meus amigos pra manter intacta a honra do meu
Fusca. No entanto, aprendi a lição e não corro mais, especialmente em locais que
tenham radar.

                                    Filipe Augusto, 24 anos, estudante de direito
54

                              Herói e “assassino”

         Comprei meu Fusca zero quilômetro em 1980. Treze anos depois, resolvi
trocar a cor dele, colocar um tom de cinza mais escuro. Não sou profissional, mas
adoro mexer em carro, tanto mecânica quanto a parte elétrica. Então aproveitei
também para fazer uma reforma geral. Demorei um ano para mudar tudo, tirar
paralamas, vidros, forração...
         Pintei peça por peça numa bancada, dei polimento, um trabalho danado.
Ficou lindo! Coloquei tanque no lugar, troquei a forração e o carpete. Só paguei
ao capoteiro para fazer as costuras do teto. O resto foi só colar. Também mudei o
revestimento de partes internas e externas e o farol.
         Troquei também a mangueira. No Fusca, a mangueira sai do tanque,
entra naquele tronco do meio, no chassi e vai para a parte traseira, onde está a
bomba de combustível. Enchi o tanque e saí. Estranhei o cheiro forte de gasolina,
mas fui.
         Quando estava subindo o viaduto de Deodoro, o carro morreu. Tentei
religá-lo duas vezes até olhar para trás e custar a acreditar que meu Fusca, que
reformei com enorme zelo, estava pegando fogo e ia virar cinzas. Gastei o meu
extintor e nada! A gasolina não parava de descer com o carro na subida e ia reali-
mentando as chamas no motor. O filtro de gasolina tinha vazado e o combustível
caía no distribuidor, que faz centelha constantemente.
         Usei cinco extintores de motoristas solidários, que viram meu desespero,
e também queriam sair do engarrafamento que criei. Nada! Peguei um extintor de
ônibus, que é maior, e também usei tudo. Sem sucesso.
         Até que me aparece um cara, sei lá de onde, com um carrinho de mão
e joga a terra que tinha dentro em cima do motor em chamas. Apagou na hora!
Todo mundo aplaudiu e eu até agradeci ao herói que resolveu o problema do
fogo.
         Mas o motor morreu, nunca mais funcionou. Desde aquele fatídico dia, o
Fusca não sai da minha garagem. E deve ficar lá até o fim.


                                         Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
MEU FUSCA
  (Personalize seu Carro do Povo)

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Fusca na enchente

  • 1. E se eu falasse do meu Fusca?
  • 2.
  • 3. E se eu falasse do meu Fusca? Trabalho realizado pelos alunos da Universidade Estácio de Sá, do curso de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, da disciplina Projetos Experimentais em Jornalismo IV, ministrada pelo professor Fran- cisco Aiello. André Rocha Angelo Neto Camilo Costa Cássio Cornachi Celio Antônio Diego Figueiredo Igor Chaves Juliana Rocha Livia Nobre Novembro/2011
  • 4.
  • 5. 5 Sumário Apresentação: Fusca tem História, 7 Arca de Noé, 11 Os travestis, 13 Fusca da paquera, 14 A engenheira, 15 Os intrusos, 16 Fusca é atitude!, 17 O trauma, 18 O renascimento, 19 Ê caipira bom, sô!, 20 Nove em um, 21 O clone, 22 Fusca dá voto, 25 Maldito Fusca, 26 A troca, 28 A cegonha, 29 Corrida maluca, 31 Prefiro a Brigitte, 33 Presente de grego, 34 Concessionária exótica, 35 Roubadinho, 36 Espécie rara, 37 A bandeira, 39 Visão publicitária, 40 Elástico salvador, 42 Todo dia ele faz tudo sempre igual, 42 Menino Valente, 43 Desarmados e perigosos, 44 O invejado, 45 O susto do ex-Combatente no Cabeleira, 47 Fusca não é carro, 48 Questão de segurança, 49 Bingo!, 50 Honrou as calotas que usa, 53
  • 7. Apresentação: Fusca tem História Um carro confiável, resistente, de mecânica simples e peças fáceis de encontrar. Essas são as características gerais do “Carro do Povo”, descri- tas por especialistas e por proprietários do alemão Volkswagen Fusca. Pas- sados mais de 70 anos desde que o primeiro modelo saiu da linha de mon- tagem, o Fusca ainda é um dos automóveis mais vendidos no mercado mundial e ganhou status de clássico e peça de colecionador. Alguns podem considerar seu projeto arcaico e obsoleto, mas o Fusca prova a cada década em que permanece nas ruas que foi um projeto eterno, um carro feito para durar. Desde 1925 já havia um conceito básico semelhante ao que viria ser o Fusca, criado pelo engenheiro Béla Barényi, um famoso projetista da época. Nos anos seguintes, vários protótipos e modelos de veículos populares surgiram. Na década de 30, Adolf Hitler havia ascendido ao poder nazista e estava compro- metido a modernizar o país em todos os setores, visando à recuperação da eco- nomia após a Primeira Guerra Mundial. O Führer era um assumido admirador do modelo e, certa vez, comentou: “Estes são os carros para minhas estradas”. Entre os anos de 1933 e 1939, sob o governo do Partido Nazista, a Alemanha evoluiu de um país pobre e arrasado por um conflito de proporções imensuráveis para uma superpotência. Entre o povo alemão, desemprego só existia na memória. Além disso, as indústrias do país eram as melhores e mais fortes do mundo. Em meados de 1933, ocorreu o encontro entre o engenheiro Ferdinand Porsche e Hitler. O primeiro tinha projetos de automóveis populares já em an- damento e o segundo estava disposto a financiar uma empresa estatal voltada para esta produção. Nessa reunião, Hitler impôs algumas exigências para o de- senvolvimento do projeto: o carro deveria ter espaço para dois adultos e três crianças (típica família alemã da época), alcançar e manter a velocidade de 100 km/h, o consumo de combustível não poderia ultrapassar 13 km/litro – este re- curso era escasso na época –, ter motor refrigerado a ar, e ser lubrificado a diesel. Os primeiros carros a serem produzidos foram chamados de Kdf Wa- gen e eram vendidos por uma espécie de consórcio. O interessado deveria pagar cinco marcos por semana e receberiam o carro assim que o pagamento fosse quitado. 175 mil alemães começaram a pagar pelos carros antes mesmo de saberem quando ficariam prontos. O primeiro KdF Wagen deixou a linha de produção em agosto de 1939. Até 1944, apenas 630 foram produzidos e, ao contrário do que se esperava, nenhum foi entregue aos que aderiram ao plano
  • 8. dos cinco marcos. Todos foram distribuídos entre a elite do partido nazista. Em 1939, com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, a Volkswa- gen foi integrada às forças militares da Alemanha para produzir foguetes. Com isso, a produção voltou-se para o desenvolvimento de carros militares basea- dos na plataforma Fusca. A Alemanha saiu da guerra novamente devastada e, desta vez, dividida em zonas controladas pelos aliados. A região em que a fá- brica estava localizada ficou sob controle britânico, que não tinha o desejo de continuar a administrar a fábrica e queria devolver a função ao governo alemão. Heinz Nordhoff, que já havia sido executivo da Opel, uma grande concorrente da Volks, assumiu a administração – no qual permaneceria até morrer, em 1968. O novo gestor queria expandir a fábrica e percebeu que aumentar a produção e exportar os Fus- cas seria uma ótima oportunidade de gerar empregos para os alemães no pós-guerra. O sucesso de vendas, entretanto, não foi alcançado facilmente. Na maioria dos países, vendeu pouco nos primeiros anos de importação e exporta- ção. Nos Estados Unidos, principal destino de exportação, os Fuscas eram co- mercializados pela rede de concessionárias da americana Chrysler e venderam apenas duas unidades no ano inteiro. Outros fatores também influenciaram o lento início, como o embargo que alguns países tinham contra produtos alemães após a Segunda Guerra e as dificuldades no câmbio da moeda alemã. Esses problemas foram superados graças às peculiaridades da eco- nomia do pós-guerra e ao sucesso das iniciativas de Nordhoff – incluindo peças de publicidade criativas e divertidas – que transformaram o Fusca em um dos carros mais queridos e populares da história. Em 1973, bateu o re- corde de produção do modelo em apenas um ano, comercializando 1,25 mil- hão de exemplares. No Brasil, o Fusca só começou a ser vendido em 1950. Apesar de ser conhecido no Brasil como Fusca desde os anos 50, só em 1984 veio o ‘batismo’ oficial. A essa altura, o carro mais popular do país não era conhecido por outro nome. Foi também na década de 80 que a Volkswagen anun- ciou a descontinuidade do modelo. A Volks visava a investir no desenvolvimento e produção de carros mais modernos e já considerava o Fusca um modelo obsoleto. Em 1993, o então Presidente Itamar Franco queria a fabricação de mod- elos mais baratos e incentivou a retomada da produção. Ele aprovou a Lei do Carro Popular, com isenção de impostos para carros de motor 1.0 e com refrig- eração a ar. As vendas, no entanto, não corresponderam e, em 1996, a produção foi encerrada novamente, com uma série especial denominada Ouro. Neste período, foram vendidos no Brasil cerca de 47.000 veículos. A partir daí, ele só
  • 9. seria produzido no México, que encerrou a produção em 10 de julho de 2003. Apesar do panorama apresentado, esse é apenas um resumo de um histórico considerado extenso e complexo. E não podia ser diferente, já que do primeiro protótipo à ascensão e declínio, o sucesso do Fusca atravessou déca- das de estrada. Neste percurso, em que resistiu bravamente ao desdém de mon- tadoras e a bombardeios mundiais, muito da história do Fusca foi perdida. Para recuperar alguns detalhes desta trajetória, consultamos os melhores especialis- tas: os motoristas que têm muita história para contar sobre o “Carro do Povo”. Foto: Reprodução
  • 10.
  • 11. 11 Arca de Noé Caía uma tremenda chuva em São Paulo, lá pelas tantas da noite, e eu estava muito preocupada porque deveria voltar pra casa dirigindo meu Fusquinha. Enquanto ensaiava um espetáculo nas redondezas da Rebouças, eu já imaginava a Avenida Pacaembu e as marginais todas inundadas. Não deu outra: assim que desci a Pacaembu, já visualizei alguns pontos de alagamentos, mas consegui passar sem problemas. Entretanto, quando cheguei a Avenida Marques de São Vicente, antes da entrada da ponte do Limão, o trânsito estava todo parado, com motoristas do lado de fora dos carros, conversando. Impaciente do jeito que sou, não queria ficar parada ali a noite toda. Sem falar que, na época, não existia celular, portanto não tinha como avisar aos meus pais sobre o atraso. Fiz uma manobra “espetacular” e impensada. Subi na ilha di- visória da avenida para voltar pela contramão. Assim sendo, com o fusquinha na diagonal, uma roda por vez, passei para o outro lado, e como não havia tráfego na contramão, voltei até a Avenida Rudge para tentar atravessar a próxima ponte, a da Casa Verde. Adivinhem? Um grande lago separava eu, meu carro e a ponte que me levaria até em casa. Lembrei do que meu então namorado havia me aconselhado. Dizia ele que, se acontecesse de eu ficar ilhada numa chuvarada como aquela, o melhor era esperar a água baixar. Contudo, eu também já havia escutado que o Fusca era duro na queda, pois tendo o seu motor na traseira, ficava mais difícil de morrer no meio d’água. E tinha mais: para fazer uma travessia no meio de alagamentos era ne- cessário apenas puxar um pouco o freio de mão e botar na marcha mais forte, a primeira, o Fusca aguentaria a batalha. O dilúvio continuava sem dar sinal de que ia passar logo. Naquele mo- mento eu, um pouco atordoada com estes pensamentos, pendia entre esperar a água retroceder ou ir em frente e esperar que o fusquinha não me deixasse na mão. E mais uma vez, a minha impaciência bateu e, ainda complementada pela sagitari- ana típica que sou, adorando um novo desafio, resolvi atravessar aquele obstáculo aquático que me impedia de chegar ao lar doce lar. Assim sendo, respirei fundo, fiz todo procedimento de que me lembrava, rezei milhares de orações, fechei os olhos e pisei no acelerador. O coitado do Fusca foi patinando e cheguei a sentir que os pneus não tocavam mais o chão, mas não esmoreci. Foram os minutos mais longos da minha vida para percorrer a distância
  • 12. 12 de mais ou menos dez metros de água e barro. E durante esta minha saga, via pelo retrovisor um pessoal torcendo e gritando “vai, pisa firme”. Num dado momento escutei o motor engasgando e meu coração veio até a garganta de medo de parar no meio daquele aguaceiro, mas o Fusca só estava tomando um fôlego pra continuar naquela sua missão. E finalmente, após toda a agonia, senti o chão mais firme da ponte da Casa Verde e o fusquinha se aprumando em direção à Avenida Braz Leme. Sem antes ouvir os aplausos dos mais prudentes, que ficaram pra trás esperando a água baixar. Logo cheguei a minha casa, para o alívio de meus pais, com o carro chei- rando a queimado – pelo esforço que fiz o “coitado” passar –, mas lógico, não contei nada das agruras que precisei fazer pra chegar sã e salva. Etel Buss, 45 anos, bibliotecária
  • 13. 13 Os travestis Todo brasileiro deseja ter o próprio carro, e este sonho foi realizado pelo meu pai no ano de 1995, quando ele comprou um Fusca ano 1980, caindo aos pedaços com sua cor nada discreta: um verde pampa que chamava a atenção de todos na rua, além do volume do “ronco” do motor. Em uma sexta feira de carnaval, meu pai decidiu fazer a primeira viagem com o adorável fusquinha. Reunimos a família, as bagagens e colocamos o pé na estrada rumo a Cabo Frio-RJ. O que era para ser uma agradável viagem de apenas três horas, durou nove e foi um verdadeiro inferno. Chegamos a Cabo Frio já durante a noite, com a cidade lotada. Passando com o carro por uma avenida muito movimentada, acabamos entrando involun- tariamente em um desfile de transformistas. O Fusca foi a sensação do desfile. Vários travestis escreveram mensagens de amor e obscenas no vidro do querido automóvel do meu pai. Eu, uma criança de apenas sete anos de idade, não estava entendendo nada. Conseguimos sair dali e, mais adiante, o fusquinha parou de funcionar. Meu pai saltou do carro para tentar resolver o problema, mas não conseguia, até que alguns transformistas que estavam no desfile viram e correram até o Fusca. Todos começaram a empurrar o carro de maneira desgovernada. Meu pai entrou correndo no fusquinha e, assustado, desviava dos outros veículos para evitar mais prejuízo. Meu irmão, a esta altura, tomava conta de mim enquanto minha mãe brigava com os travestis para interromper aquela brincadeira de mau gosto. Minha mãe conseguiu fazer com que eles parassem com aquilo e meu pai deu um jeito de chegarmos ao mecânico. Essa foi a minha primeira viagem de carro, que nos proporcionou muita tensão e, ao mesmo tempo, muitas risadas. Bernardo Gomes, 23 anos, estudante
  • 14. 14 Fusca da paquera Eu tinha 21 anos quando meu pai me deu o primeiro carro, que vinha a ser um fuscão. Eu me lembro como se fosse hoje que eu queria um Fusca da cor azul-pavão, porque tinha um rapaz na minha rua que era dono de um carro com a mesma cor e eu queria ter assunto para falar com ele, embora ele tivesse namo- rada. Um dia, resolvi levar meus pais para passear com o meu novo veículo pelo Alto da Boa Vista, no Rio de Janeiro, e lá passei por uma das maiores vergonhas da minha vida: literalmente no alto do local, meu carro enguiçou e ficou aquela fila de motoristas buzinando atrás de mim. Ainda consegui encostar o carro pra evitar maiores problemas com o trân- sito, mas não escapei das piadinhas alheias que chegavam ao meu ouvido, como “o carro esquentou?”, mesmo sabendo que o fusca não esquentava. Não sei como e não me lembro dos detalhes, mas consegui descer o carro de ré e entrei em uma rua pequena, querendo sair o mais depressa do lugar e evitar outro “mico” no dia. Aliás, esse não foi o único que passei com o meu fuscão azul-pavão: um dia reclamei com o meu padrinho que o carro não estava pegando direito, que precisava levar em um mecânico pra consertar. Preocupado com o meu bem estar, ele foi verificar o problema e descobriu que o defeito não estava no carro, mas sim na forma como eu estava dirigindo: ao ligar, engatava a terceira marcha em vez da primeira. Logo, não havia santo que o fizesse sair do lugar. Tive belas lembranças do meu Fusca, engraçadas na maioria. O triste foi o fim do meu primeiro carro: sofri um acidente, em que eu saí ilesa. Meu fuscão, no entanto, não teve a mesma sorte, pois desceu a ribanceira e teve perda total. Acredito que, com a experiência, fiquei traumatizada e, com o dinheiro do seguro, comprei um Karmann Ghia TC. Mas o Fusca nunca mais me saiu da memória. Vera Lúcia Costa de Souza, 64 anos, aposentada
  • 15. 15 A engenheira Assim que eu comprei o Fusca em 1980, ainda com aquela roda fina, apelidada de “canelinha”, fui com um grupo de amigos para Maricá-RJ. Na época a cidade não tinha nada além da praia. Era estrada de barro, areia e o mar. Nenhuma viva alma! Quando eu vi a areia durinha perto da estrada, resolvi entrar com o carro. Ficamos pela praia pegando sol e nos divertindo até cansar. Na volta, fui tentar dar marcha ré no carro e ele não saiu do lugar. Tinha afundado. E quem disse que eu conseguia arrancar com aqueles pneus estreitinhos, praticamente sem tração? E ninguém por perto para ajudar. Tentamos colocar folhas de bananeira, cavar embaixo da roda, tudo! Tudo... e nada. Ficamos das 13 às 18 horas para tirar o carro, avançando prati- camente um centímetro de cada vez. Tempos depois, fomos acampar na praia de Trindade: eu, minha ex-esposa, um amigo e a namorada dele, que era engenheira. Na época eu estava no primeiro período de Engenharia e durante a via- gem soltei uma ou duas piadinhas sobre a profissão da namorada do meu amigo. Na chegada, me deparei com o mesmo pesadelo de tempos atrás: local deserto e o Fusca dele estacionado na areia. O carro afundou. Eu pensei comigo: – Já era! Mais cinco horas para sair daqui! Antes que eu falasse qualquer coisa e contasse a minha experiência com o Fusca, a engenheira perguntou se não tinha um vasilhame. Foi na praia, pegou água e jogou embaixo das rodas. Molhada, a areia ficou mais compacta. Uma simples acelerada e o carro saiu. Voltei calado – e me xingando em pensamentos – durante todo o per- curso por não ter tido a mesma ideia. A engenheira tinha salvado o Fusca e o fim de semana. Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
  • 16. 16 Os intrusos Em uma sexta-feira, eu e um amigo fomos de ônibus para a casa de outro amigo, que mora uma cidade vizinha. No sábado e no domingo, iríamos a um simpósio em um pequeno município localizado a cerca de 40 quilômetros de dis- tância da casa dele. Pedimos emprestado o Fusca do pai desse amigo e descemos a serra rumo ao simpósio. No sábado à noite, decidimos sair para beber algumas cervejas. Já era madrugada quando encontramos mais três amigos, que estavam jogando sinuca. Totalmente embriagados, entramos todos dentro do Fusca e aceleramos. O primeiro problema foi no quebra-molas. Eu, de “cara cheia”, não vi a lombada e fiz com que todos batessem com a cabeça no teto do carro. O segundo foi ao chegar à escola onde estávamos hospedados. O porteiro permitiu nossa en- trada e acelerei com bastante ímpeto por uns 200 metros, quando puxei o freio de mão e ele soltou, travando tudo. Quando viram o engate na minha mão, os quatro amigos me olharam sem reação e o filho do dono do Fusca ficou com os olhos cheios de lágrimas. Quando olhamos pro prédio da escola, quase todas as janelas estavam acesas e com gente olhando para o pátio pra saber que diabos era aquele barulho ensurdecedor. No domingo, fui falar com o dono do Fusca e, com toda a calma do mun- do, ele disse que era bastante normal e que iria consertar. Kaio Perim, 23, biólogo
  • 17. 1 Fusca é atitude! A Marisa trabalhava na Cinelândia, no Centro do Rio de Janeiro. Eu sou téc- nico em telecomunicações e, na época, a Embratel, empresa na qual trabalho até hoje, oferecia suporte a um circuito de dados na firma onde ela era engenheira. Rolou uma paquera e trocamos telefones, mas eu não fazia muita fé de que aquilo fosse para frente. Um mês depois, para minha surpresa, ela ligou querendo me ver. Como estava solteiro na época, resolvi pagar para ver. Marquei com ela na Cinelândia e deixei meu carro – o mesmo Fusca 1981 verde-oliva, o “ex-combatente” da outra história – no Aterro do Flamengo. No camin- ho, combinamos de passear pela Barra da Tijuca. Quando ela viu o Fusca, fez uma cara de reprovação e mandou “na lata”: – Seu carro é isso aí? Respirei fundo para não mandá-la para um lugar pouco recomendado e respon- di: – É. Vai dizer que nunca andou de Fusca? Sem graça com a gafe e percebendo minha irritação, ela disse que sim, já tinha andado e que não via nenhum problema. Fomos passear mesmo assim, mas para mim era como se tudo tivesse perdido a graça. Tomamos um chopp, conversamos, mas não rolou mais nada naquela noite. Bem, não ia deixar uma mulher na rua tarde da noite e me ofereci para levá-la em casa. Quando perguntei onde morava, muito sem graça a Marisa respondeu: – Lagoa Rodrigo de Freitas. Aí é que eu entendi o incômodo. Chegar de Fusca na Zona Sul, para ela, era motivo de vergonha. Mesmo em 1990. Mas para mim, não. Deixei a Marisa em um dos cartões postais do Rio de Janeiro como se estivesse dirigindo um carro conversível. Acho que ela gostou da minha atitude, porque depois disso nos relacionamos por quase dez anos. Se não deu certo depois, não foi por causa do Fusca. Manoel Antelo, 53 anos, técnico em telecomunicações
  • 18. 1 O trauma Eu estava com 19 anos e tinha acabado de tirar a carteira. Meu pai me deu um Fusca amarelo, ano 1975. Em uma das minhas primeiras saídas com o veículo, entrei sem querer na contramão e fiquei frente a frente com outro carro. Não cheguei a bater, mas peguei trauma e parei de dirigir. Alguns meses depois, minha avó teve um acidente vascular cerebral e, apesar de não ter acontecido nada muito mais grave, ela precisava de tratamento contínuo para se recuperar. Na minha casa moravam sete pessoas: eu, meu pai, minha mãe, minha avó e meus três irmãos, sendo que eu era a única que tinha disponibilidade de levar minha avó ao médico e ao fisioterapeu- ta. Fiquei apreensiva e com medo, mas não existia saída, eu precisava voltar a dirigir. Se eu não a levasse, ela poderia ficar com sequelas ou não se recuperar como deveria. No começo eu ainda ficava nervosa e com medo, mas tive que superar. Na primeira ladeira que subi eu suava de nervoso. Por diversas vezes eu parei no meio do caminho, com medo, mas alegava qualquer desculpa para não transparecer para minha avó o meu temor. Depois de algumas idas ao hospital, comecei a ficar mais confiante e superei meu trauma. Finalmente pude curtir meu Fusquinha e nunca mais tive medo de dirigir. Rosemary Gonçalves, 51 anos, aposentada
  • 19. 1 O renascimento Em 1970 eu trabalhava em Cumbica, São Paulo, mas morava no Rio de Janeiro. Consegui juntar dinheiro e comprei meu primeiro carro, um Fusca branco modelo 1.300, usado, ano 1967. Toda sexta feira à tarde eu e mais três colegas de trabalho – Negão, Rascunho, que tem esse apelido porque era tão feio que parecia algo inacabado, e Catodo – saíamos de São Paulo rumo ao Rio, onde aproveitáva- mos os eventos realizados no bairro de Madureira, Zona Norte carioca. O retorno a Sampa sempre era feito nas noites de domingo, até que um dia resolvemos aproveitar o feriadão. Durante o regresso, em uma chuvosa quarta- feira de cinzas, eu dirigia o Fusca pela Presidente Dutra, próximo a Lorena-SP, acompanhado pelos colegas, quando por volta de 2h da manhã avistei um cidadão balançando um pano, o que me distraiu. Quando voltei a prestar atenção me deparei com um cavalo morto, estirado no meio da pista. Minha primeira reação foi frear, mas a aderência dos pneus nas condições em que a pista se encontrava era muito ruim e o carro acabou colidindo com o cavalo. Capotamos e o Fusca parou debaixo de um caminhão que estava no acostamento. Atordoados, tentamos sair o mais rapidamente possível do carro e, ao conseguirmos, observamos o estado lamentável do Fusca, imaginando como foi possível sairmos ilesos do acidente O Fusca foi rebocado e, após 30 dias em um mecânico no Rio de Janeiro, voltou à ativa. Na primeira viagem de volta para São Paulo percebi que o carro estava “puxando” para a direita. Quando entrava numa curva, o veículo levantava, dando a sensação de que iria capotar. Meu fusca nunca mais foi o mesmo. Decidi vendê-lo. Com o valor recebido comprei imediatamente um novo Fusca laranja modelo 1.500, ano 1973, com vidro bolha, o sonho de consumo de qualquer pes- soa naquela época. Esse novo carro foi meu companheiro por muitos anos até que fui transferido para trabalhar no Rio de Janeiro, então o vendi. Tempos depois eu o vi em uma praça do bairro de Cascadura-RJ e senti muitas saudades. Paulo Roberto Martins Teixeira, 62 anos, aposentado
  • 20. 20 Ê caipira bom, sô! Em 2007, eu e dois integrantes da minha banda estávamos ensaiando em um estúdio na Freguesia, bairro da Zona Oeste do Rio de Janeiro. Ao terminarmos o ensaio, um amigo nosso nos convidou para uma festa na Lapa. Resolvemos ir com meu Fusca azul, ano 1968. Saímos do estúdio em direção à Lapa. Já na ida, o carro não queria ligar. Tivemos que empurrar para que ele “pegasse no tranco”. Enfim, conseguimos sair. A festa era no Cinelapa, então resolvemos deixar o carro na rua da Carioca, que ficava próxima, e andar até o nosso destino. Só o fato de ter que trabalhar “virado” já era um motivo para se arrepender no dia seguinte, mas a noite fez questão de nos provar que poderia ser pior. A festa estava chata, só tinha gente esquisita e acabamos todos um pouco bêbados. A menina que um dos meus amigos conheceu não era bem o tipo que tínhamos em mente. Era bem grande e gorda, parecia uma árvore bicentenária. Na hora de ir embora, por volta das quatro da manhã, o Fusca parou. Em- purramos mais de 10 vezes e nada. Nenhum de nós tinha dinheiro e pegar um táxi, naquele momento, estava fora de cogitação. Ficamos todos por ali, sem saber o que fazer. O mesmo amigo da árvore bicentenária, acrescentando mais uma “der- rota” à sua noite, chegou à frente de uma boate gay e conseguiu com que um dos frequentadores lhe pagasse um refrigerante. Um taxista, vendo a nossa situação, veio nos ajudar. Ele mexeu em tudo e nada acontecia. Estávamos quase perdendo as esperanças. Até que chegou outro homem, de cerca de 40 anos, parecendo um caipira – tão característico que até le- vava um palito no canto da boca. Ele se ofereceu para nos auxiliar. Não tínhamos muita fé nele, mas naquela hora, qualquer coisa parecia melhor do que ficar ali parado. Ele mexeu no motor e, milagrosamente, “ressuscitou” o Fusca. – Era giclê colado –, disse o caipira. Como era o dia de tudo dar errado, ainda enfrentamos um temporal na serra Grajaú-Jacarepaguá. Felizmente, nessa hora o Fusca não nos deixou na mão. Passamos pelas curvas acentuadas e pela pista molhada, mas chegamos todos bem em casa. Aviner Silveira, 24 anos, estudante
  • 21. 21 Nove em um Há uns anos eu estava na casa de um primo meu quando um amigo dele nos chamou para jogar uma “pelada”. Como não tínhamos nada para fazer, aceitamos. Assim que chegamos a casa desse amigo, notamos que lá havia mais cinco garotos, todos esperando para ir ao jogo. Quando o amigo do meu primo chegou ao portão, ele deu a notícia: iría- mos de carona com o pai dele. De início eu não queria acredi- tar que todos nós entraríamos no mes- mo carro: um Fusca branco caindo aos pedaços. Ao todo, seriam nove pessoas dentro daquele dublê de automóvel. Na frente, além do motorista, foram mais duas pessoas – ambas no banco do caro- na –, enquanto outros seis se espremiam na parte traseira. E lá se foram os nove dentro do fusquinha! Nos primeiros minutos da “tortura”, o motorista parou em um pos- to de gasolina para abastecer, colocando exatamente três reais de combustível. E não parou por aí. Ainda tivemos que saltar do carro para empurrá-lo, pois estava com defeito e só assim para ligar. Chegamos ao nosso destino, jogamos nosso futebol e, na hora de voltar para casa, todos suados, percebemos que teríamos que voltar no Fusquinha, aperta- dos novamente. Eu vim ao lado de um gordinho que fedia mais do que um gambá. Foram os 20 minutos mais longos da minha vida. Diego Furtado, 24 anos, engenheiro
  • 22. 22 O clone Em abril de 1988 eu comprei a minha primeira motocicleta e, em julho, o meu ex-sogro, o Seu João, resolveu viajar de carro para o interior de Pernambuco. Iria ele, a mulher e as duas filhas. Resolvi ir junto e tive a brilhante ideia: vamos dirigindo, eu na moto e ele levando o meu Fusca cinza. Era divertido porque eu ia atrás e, às vezes, brincava de “batedor” e ul- trapassava para ver como estava a estrada mais à frente. Em alguns momentos eu parava para descansar e deixava-o seguir para depois alcançá-lo, dada a diferença de velocidade dos veículos – meu sogro levava o Fusca, em média, a 80 km/h e eu conseguia alcançar até 140 km/h com a moto. Quando chegamos a Senhor do Bonfim, na Bahia, eu resolvi abrir uma vantagem para fugir do trânsito que tinha ficado mais pesado, descansar mais à frente e esperá-lo num posto. Foi o que fiz, e até consegui chegar rápido. Pouco tempo depois, para a minha surpresa, veio o Fusca prata. E não par- ou, embora tenha passado bem perto da moto. Pensei: “Será que ele não me viu?” Corri para não perdê-lo de vista. Quando estava quase alcançando, vi o Fusca sair da estrada. Como ele tem familiares espalhados pelo Nordeste e é um cara que age por impulso, pensei que tivesse decidido de uma hora para outra visitar algum parente. O carro entrou numa rua, pegou a principal mais à frente, dobrou à direita. Quando eu enfim consegui alcançar, ele estacionou em frente à garagem de uma casa. Antes que eu chamasse o motorista desceu do veículo: não era o Seu João! Só naquele momento eu tive a chance de conferir o número da placa de perto. Era outro Fusca cinza, no mesmo tom. Nunca tinha visto outro tão parecido no Rio de Janeiro, mas fui encontrar no interior da Bahia. Saí de fininho para o cara não ficar assustado e eu não correr riscos. Nem sabia mais se estava na mesma cidade. Sem o recurso do celular, que hoje resol- veria facilmente o problema, voltei desesperado para não me desencontrar de vez. De volta à estrada do posto, a dúvida: e se ele já passou? A solução foi seguir em alta velocidade até um ponto em que fosse possível ele ter chegado durante aquele período. Andei mais ou menos uns 40 quilômetros, quase em Juazeiro. Não era possível que tivesse passado, até porque ele já não enxergava tão bem e começava a anoitecer. Parei num posto e resolvi aguardar. Duas horas depois ele chega, bem devagar, mas rápido no gatilho para me
  • 23. 23 dar uma sonora bronca, reclamando por ter desaparecido. Depois que expliquei o “engano” com o outro Fusca cinza ele passou a viagem inteira tirando sarro da minha cara. Mesmo tendo que aturar o “velho” me sacaneando, segui o Fusca de perto até chegarmos ao nosso destino. Vai que aparece outro “clone”! Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
  • 24. 24
  • 25. 25 Fusca dá voto Depois de me formar em Relações Internacionais, com ênfase em Política e Economia Internacional, pela Brigham Young University (Utah/EUA), retornei para Criciúma-SC, minha cidade natal. Fui convidada a me filiar ao Democratas (na época PFL). O partido apostou em minha capacidade e resolveu me lançar candidata a prefeita da cidade, mesmo com pouquíssimas chances de eleição. Era o ano 2000. Eu, uma jovem praticamente desconhecida da população, contava com poucos recursos para a campanha, muita coragem e determinação. Tinha acabado de tirar a carteira e comprado um Fusca – na época, ainda branco. No início da campanha, saíram algumas charges fazendo sátira quanto ao fato de eu ser jovem, mulher e dirigir um “Fusquinha”. Em uma delas, eu aparecia abraçada a um ursinho rosa. Resolvi “fazer do limão uma limonada”. Pintei o meu Fusca de rosa e adotei o ursinho como um dos símbolos da campanha. Consegui mostrar à população meus projetos e, ao mesmo tempo, ganhei a simpatia e o carinho das crianças. Saí do amargo 1% e, na reta final, já estava empatada com o segundo colocado, com cerca de 20% das intenções de voto. Não me elegi, mas consegui passar a minha mensagem. Fui candidata novamente em 2002 (fiz mais de 56 mil votos para Deputada Federal), vice-prefeita em 2004 e, finalmente, me elegi em 2008 como vereadora, com uma das 5 maiores votações da história da cidade. Em 2010, me candidatei novamente a Deputada Federal, somando quase 60 mil votos, me tornando a primeira suplente do partido. Mais uma vez, a mascote esteve presente. Por algumas vezes pensei em “aposentar” o Fusca. Mas não adi- anta... Ele esteve presente em todas as campanhas e, por onde passo, em qualquer lugar do estado, é sempre lembrado por todos. Romanna Remor, 36 anos, deputada federal (suplente)
  • 26. 26 Maldito Fusca Minha primeira lembrança do “simpático” modelo da Volkswagen é da infância e está sempre ligada a um compromisso. Minha mãe, nos longínquos anos 1980, era daquelas que achavam que o melhor para a criança era ficar fora de casa o dia todo, gastando energia e voltando para casa apenas para dormir. Bastava ol- har para o carro que batia um cansaço. Em 1985, o Fusca passou a ser uma imagem que representava o fracasso. Foi numa manhã sábado que o carro da família foi roubado na porta de um su- permercado e minha mãe foi direto ao ponto, como num chute na canela: não havia dinheiro para comprar outro. Meu pai, então funcionário público, tinha sido demitido por algo que não tinha feito e nossa vida iria mudar bastante. Troca de colégio, de padrão de vida, de perspectivas para o futuro. Vinte anos depois, já sem a mãe e o pai por perto e tocando a vida com a responsabilidade de um chefe de família, meu destino e o de um Fusca novamente se cruzaram. Sem condições para custear a manutenção de um veículo mais mod- erno por conta de uma reforma na mesma velha casa em Bento Ribeiro, mas neces- sitando ainda de um meio de transporte próprio para fazer minhas coisas, o Fusca 1977 de uma vizinha da minha sogra aparecia como solução ideal. Baixo custo de manutenção – aquele velho jargão “qualquer um mexe num Fusca” – e economia no combustível, além da inexistência de seguro, eram as promessas para quem não queria andar de ônibus, mas não tinha orçamento para voos mais altos. Só que, ora bolas, ter um carro não é apenas possuir algo de quatro rodas que te leva aos lugares. Tem a bobagem do status, da aparência. O mundo faz você acreditar que é mais ou menos feliz pelo que guarda na garagem. E eu que nunca dei bola para isso fiquei roxo de vergonha quando cheguei da remota Santa Margarida, sub-bairro de Campo Grande, dentro daquele carro barulhento, que, segundo a ex-dona, “só precisava dar um jeito no motor”. Que ronco ensurdecedor, meu Deus! Parecia que íamos decolar. E chegar em casa num dia de verão, com todos os vizinhos na rua teste- munhando um homem de 1,85 m enfiado dentro de um minúsculo “Fusquinha” e forçando ainda mais o motor para estacioná-lo pela primeira vez numa garagem apertada foi experiência traumática. Na minha cabeça, os olhares tinham frases decalcadas: “Coitado, ficou desempregado”, “É, a vida é dura mesmo...”, “Ele está vivendo uma fase difícil, o pobrezinho”. De nada adiantava a esposa dizer que
  • 27. 2 “vergonha é andar a pé!” Que nada! Vergonha era andar no Fusca 77. Hoje tenho a convicção de que aqueles pensamentos só deixaram a vida ainda mais complicada. Tudo acontecia comigo e com o “novo” carro. Durante meses fui a alegria do vizinho mecânico especialista em Fuscas que “fez” o motor pelo menos umas três vezes. E a máquina continuava “bebendo” mais do que o esperado. As promessas de orçamento mais confortável foram embora junto com o meu sossego. E quanto mais eu pensava em deixar o Fusca em casa, mais a Cláu- dia, minha esposa, queria sair. Sempre de carro. O começo do fim se deu numa ida a uma luxuosa clínica na Barra da Tiju- ca que ela insistiu para que fôssemos no próprio veículo porque “era contramão”. No meio do caminho, pneu furado. A pouca prática na troca duplicava o trabalho, realizado sob sol de quarenta graus às duas horas de uma tarde de verão. Chega- mos ao local atrasados, eu suado até a alma, sujo de graxa, sem uma roupa extra para trocar. A vergonha estampada no rosto e o pedido sem graça da mulher para que não a acompanhasse foram avassaladores. Para completar, na volta, o motor, recauchutado há pouco tempo, novamente rateara pela longa viagem e quase nos deixou na mão. Restava novamente pedir o socorro do vizinho e gastar um din- heiro “virtual”, que não existia na conta. O ato final dessa tragédia foi a “troca de tintas” com um ônibus que resolveu ocupar as duas pistas e empurrar o pobre Fusca para a calçada do lado oposto. O susto pelo incidente, a porta amassada e alguns barulhos estranhos foram a senha para o grito de liberdade, rompendo os laços com aquele carrasco de quatro rodas. Entreguei as chaves à esposa e fui seguro e enfático: “Tome, coloque para vender. Não dirijo mais esse maldito!” E assim foi. Para encerrar a série de prejuízos, o preço da venda do carro abalroado foi pouco mais da metade do valor pago a tal vizinha da minha sogra. E o novo dono ainda demorou a acertar e ir buscar. No dia da “despedida”, um misto de alívio, nostalgia e pesar. Hoje saímos menos, mas sempre de táxi. Se o carro enguiçar, basta pagar, descer e embar- car em outro. Simples assim. Em breve pretendo comprar um zero quilômetro ou seminovo, aproveitando os bons preços e a recuperação da economia do país. Pelo conforto e a segurança de sair a qualquer hora, numa urgência. Mas na hora da escolha, nem mesmo um Fusca desses modernos, com design mais atraente, vai ser capaz de me atrair. Muita coisa mudou na minha vida, mas o medo permanece. Nunca mais. André Rocha, 38 anos, aluno de Comunicação Social
  • 28. 2 A troca Eu tinha 28 anos e trabalhava feito um “louco”. Era gerente da churras- caria Minuano, em Nova Iguaçu-RJ, e morava a cerca de 40km de distância, no bairro de Rio Comprido. Pegava no trabalho às 9h da manhã e saía às 3h da madru- gada. Sem carro, sem dinheiro, só com a boa vontade que Deus me deu. Até que certo dia um garçom apareceu lá com um Fusquinha verde. Que coisa linda! Foi amor à primeira vista, não tinha como fugir. Fizemos o negócio e eu, no mesmo dia, fui para casa com o meu “possante”, todo feliz por finalmente ter conseguido comprar um carro. O que eu não sabia era que o carro tinha um problema que muitos chamam de “chimbre”. Que nada mais é do que a direção trepidando, provocando insta- bilidade no carro. Eu gosto de compará-lo a uma gelatina. Cheguei à minha casa e, sabe-se lá como, no dia seguinte ainda consegui ir para o trabalho com ele. O Fusca era realmente bonito, mas ordinário. Neste mesmo dia outro garçom olhou para o carro e se apaixonou por ele – assim como eu havia me apaixonado no dia anterior –, o que me fez acreditar que o Fusca realmente tinha algum encanto. O mais novo apaixonado me ofereceu um acordo: ele me daria o Dodge Dart dele em troca da minha “gelatina ambulante”. Aceitei na hora, sem nem pestanejar. Quando o garçom estava indo para casa, neste mesmo dia, com o seu mais novo carro, notou o que eu havia percebido no dia anterior: o carro era totalmente instável. No trajeto, um caminhão buzinou na traseira do “possante” e novo com- prador se assustou, saindo da estrada e caindo com o Fusca dentro de um valão. Eu acabei me dando bem, mas até hoje sinto pena daquele garçom. Ah! E o Fusquinha? Nunca mais funcionou. José Carlos Machado, 60 anos, gerente comercial
  • 29. 2 A cegonha Minha mulher estava grávida de nove meses do nosso primeiro filho. Em um dia de muita chuva, daquelas que in- undam todo o Rio de Janeiro durante o verão, a bolsa dela estourou. Nós morá- vamos em Madureira e a maternidade ficava no Méier. Por incrível que pareça, o Fusca vinho, ano 1976, foi extremamente va- lente e passou por todas as enchentes que haviam se formado. Vi vários out- ros carros maiores e mais potentes que o meu ficarem parados pelo caminho. – E se ele tivesse enguiçado? Como se- ria? –, até hoje me pergunto. Com a esposa grávida, bolsa es- tourada, filho para nascer, madrugada chuvosa no Rio de Janeiro… Mas ele conseguiu me levar até a maternidade e correu tudo bem. Sempre que falam em fusca, eu me lembro daquele dia. Também estava de Fusca no dia em que conheci minha esposa, com quem sou casado há 26 anos. Ela não gostava muito do 1976 vinho, mas de- pois acabou se apaixonando pelo carro, assim como se apaixonou por mim. Almir Gomes, 53 anos, funcionário público
  • 30. 30
  • 31. 31 Corrida Maluca Tive um Fusca na época da faculdade e toda segunda-feira eu e mais quatro pessoas viajávamos de Niterói-RJ para Nova Friburgo-RJ, levando ainda a bagagem. Em uma dessas segundas, um “playboy” que tinha carros “tunados” e estudava na minha faculdade resolveu me provocar e humilhou meu fusquinha. Então apostamos para ver quem chegaria primeiro ao destino. Nessa época ele tinha um Voyage rebaixado, com motor modificado e outras personalizações. Mas ele não contava com a capacidade do meu Fusca. Além disso, eu conhecia a serra de Friburgo na palma da mão. São 25 quilômet- ros de uma subida cheia de curvas e poucos, mas conhecidos, pontos de ultrapas- sagem. Toda vez que ele tentava me ultrapassar eu fechava por dentro nas curvas e o impedia; o máximo que ele conseguia era emparelhar e me olhar com aquela cara assustada. Ao lado dele estava a namorada, que visivelmente dava bronca para que parasse com aquilo. O Fusca tinha pneus 185/65, para carros rebaixados, e tinha boa aderên- cia nas curvas, o que me dava muita vantagem nas saídas. Fomos assim até quase o finalzinho da serra, quando finalmente, numa reta maior, ele conseguiu nos ultrapassar e deu aquela “buzinadinha” debochada. Menos de um quilômetro à frente, encontrei o “campeão” parado no acostamento, sendo revistado pela Polícia Federal por conta do carro modificado. Fiz questão de passar bem devagar ao lado dele, retribuir a “buzinadinha” e sair rindo, junto dos três companheiros de viagem, no Fuscão campeão dos 25 quilô- metros da serra de Friburgo! Antônio Azevedo, 40, cirurgião-dentista
  • 32. 32
  • 33. 33 Prefiro a Brigitte Um amigo meu, que é muito rico, tem uma Mercedes e, por incrível que pareça, também é dono de um Fusca! Um belo dia, ele e outro amigo meu resolv- eram dar umas voltas de carro em Ipanema. – Vamos de Mercedes –, pediu o carona. – Não, vamos com a Brigitte –, respondeu. Entraram ambos no poderoso Fusca e partiram rumo à praia. Chegando lá, passaram sobre em um enorme buraco e a Brigitte, com seus vários anos de estrada, parou de responder ao comando do acelerador. O dono do Fusca então parou no acostamento, desceu do carro, abriu o capô e verificou que a correia do carro havia saído do lugar. Para consertar, bastou pegar uma pedrinha e colocar entre duas peças para apoiar a correia. Feito isso, ele entrou na Brigitte e disse para o amigo: – Se eu tivesse passado com a Mercedes nesse buraco iria gastar uma fortuna na oficina. Com a Brigitte eu precisei apenas de uma pedra do chão. Daniel Ruffo, 22 anos, gestor de marketing
  • 34. 34 Presente de grego Em 1998, quando eu tinha ap- enas 16 anos, meu pai comprou um Fusca azul brilhante ano 1964 e me deu de presente, como uma forma de me incentivar a tirar carteira de mo- torista assim que eu completasse a maioridade, o que não fazia parte dos meus planos. Quando eu contei a história do Fusquinha para os meus amigos, to- dos zombaram de mim. Eu “morria” de vergonha e evitava tirar a carteira para impedir que chegasse o terrível momento de me locomover usando o presente que eu considerava ser de “grego”. O Fusca já estava há três anos parado na garagem da minha casa, e chegou uma época em que eu até evitava levar amigos lá, porque todos eles ficavam me perguntando quando eu, enfim, pilotaria o Fusca. Depois de muitos anos “enro- lando”, tomei coragem e resolvi en- trar para a autoescola. Consegui ti- rar a carteira e, quando eu já estava preparada psicologicamente para en- carar o sofrimento de pilotar o Fusca que, na época, tinha quase o dobro da minha idade, meu pai o vendeu para um mecânico. Esse, sim, foi meu ver- dadeiro presente. Luciana Borges, 29 anos, esteticista
  • 35. 35 Concessionária exótica Eu morava em Vila Valqueire-RJ e trabalhava em uma agência bancária no bairro. Depois do nascimento do meu primeiro filho, eu deixava o trabalho em alguns momentos e ia até minha casa amamentar o bebê. Preocupado comigo, meu marido me deu um Fusca bege 1974, para que eu pudesse me deslocar com mais velocidade. Certo dia, fui trabalhar e fiz tudo como sempre: coloquei o carro no estacionamento do banco, fui para casa na hora do almoço para ver meu filho, retornei ao trabalho e estacionei o carro novamente. Na hora de ir embora, por volta das 6h da tarde, cheguei ao andar de cima e meu fusca havia sumido, assim como as pessoas que cuidavam do estacionamento, que já tinham ido embora. A minha primeira reação foi achar que tinha estacionado em outro lugar, apesar de ter o costume de deixá-lo sempre no mesmo local. Procurei bastante até me dar conta de que tinham roubado meu carro. Entrei em desespero, chorei feito uma criança. Apesar de meu fusquinha ser uma graça, ainda considero estranho alguém tê-lo roubado, afinal era um carro muito velho. Só mesmo um apaixonado por Fuscas para realizar essa “proeza”. Passado o susto, fui brigar pelos meus direitos. Eu ainda tinha o papel do estaciona- mento e queria reivindicar ao banco que me desse outro carro. Comecei a mandar fax para a diretoria e para a firma terceirizada que cuidava do estacionamento. Eu sempre alegava que meu carro era ferramenta de trabalho, que eu precisava dele para visitar clientes. Na verdade, eu o usava mais para visitar meu filho em casa com freqüência, mas não ia falar isso para eles. Fiquei dias sem nenhuma resposta, até que decidi falar com meu gerente. Compreen- sivo, ele pediu que a secretária enviasse um fax para a diretoria. O diretor do banco respondeu imediatamente, me dando 24 horas para procurar um Fusca nas mesmas condições do meu roubado, afirmando que o banco pagaria por ele. Nesse dia eu nem trabalhei. Passei o dia procurando Fuscas. Eu e meu marido fomos a várias revendedoras e concessionárias, mas foi na frente de um motel que encontramos o veículo ideal. O Fusca era da mesma cor e do mesmo ano que o meu – fiquei desconfiada se não era o meu carro roubado ali. Enfim, meu novo fusquinha custou 5 mil cruzeiros e o banco arcou com todos os custos. Fiquei surpresa e feliz com essa atitude, pois já haviam acontecido outros furtos naquele mesmo estacionamento e ninguém havia sido ressarcido. Depois que recuperei meu Fusca, acabei trocando por um Logus, mas sinto falta do meu primeiro carro. Valéria Fernandes, 48 anos, professora
  • 36. 36 Roubadinho Assim que comecei a trabalhar numa empresa de telecomunicações em 1979, minha fissura era comprar logo o primeiro carro, já que tinha acabado de tirar a carteira e via meus colegas indo trabalhar com os seus. Quando um dos funcionários apareceu com um Fusca 1969 à venda – di- zendo que era da irmã, única dona – eu não vacilei. Comprei no ato! Era aquele mod- elo bem antigo, com parachoques com alcinha por cima e o pneu “canelinha”. No momento da transferência do veículo para o meu nome, a surpresa: o chassi estava adulterado. Na hora pensei em desistir de ficar com o carro, mas persisti e na base do “jeitinho brasileiro” consegui regularizar. Depois de discutir com o cara que me ofereceu, contei a história para uns colegas, que colocaram o singelo apelido de “Roubadinho” no meu primeiro automóvel. Definitivamente, o nome não trouxe sorte. Toda hora o carro tinha um problema e começou a ficar todo danificado. Chegou a abrir um buraco por den- tro do paralamas, inspirando um amigo a fazer um desenho com um rato olhando pelo rombo no fundo. Se passasse um imã na lataria ele caía de tantos remendos de plástico. Era o meu primeiro carro, mas eu já estava ficando cheio dele muito rápido. Ainda assim, resolvi ir numa noite de sábado com o “Roubadinho” numa seresta em um bairro distante. Chovia insistentemente desde a manhã. Fui devagar para o carro não desmontar no caminho. Mesmo com cuidado não teve jeito. O pneu, estreito e um pouco careca, deslizou no asfalto molhado em uma curva, o carro rodou, saiu de traseira e subiu na calçada. Bateu em outro Fusca que tinha acabado de sair da oficina. Tentei fugir, mas os amigos do dono do carro batido não me deixaram sair e queriam me bater. Consegui contornar a situação, deixei meu telefone para depois pagar o prejuízo, mas tive que ouvir um caminhão de xingamentos e ainda fui humilhado por causa do Fusca todo prejudicado. Na segunda-feira não tive dúvidas: coloquei o “Roubadinho” à venda. Demorou um pouco, mas achei outro bobo para ficar com ele. Ricardo Saad, 54 anos, advogado
  • 37. 3 Espécie rara Nos anos 1980/90, a Promon En- genharia, empresa na qual eu trabalho, estava estudando a possibilidade de um empreendimento numa cidade litorânea do Nordeste que havia recém instalado um projeto chamado Tamar, que era dedicado à preservação de espécies de tartarugas-marinhas. A ordem dos biólogos era clara: se alguém avistasse qualquer tartaruga desovando na areia, deveria informar o quanto antes aos responsáveis pelo pro- jeto, principalmente se o animal fosse de uma determinada espécie, a maior do Brasil, que estava em extinção, para que as precauções fossem devidamente tomadas. Em um final de tarde, após o pôr do sol, uma engenheira avista, de muito longe, uma forma arredondada próxima da faixa de areia da praia e aciona o Tamar. Ela tinha certeza: era da tal espé- cie! Vários biólogos se deslocaram em dois jipes, mas chegando ao local apontado, tiveram a mais cruel e cômica das surpresas: era um Fusca verde com um casal “namorando” dentro dele. Gian Santoro, 34 anos, engenheiro
  • 38. 3
  • 39. 3 A bandeira Fluminense e São Paulo iriam jogar pela Copa Libertadores de Futebol 2008. Eu e mais alguns amigos, todos torcedores do Flu, começamos a beber por volta das 13h, em um bar próximo da minha casa. Dezenas de cervejas depois, por volta das 19h, nos preparamos para ir ao jogo, que seria às 21h50. Um desses amigos, que era o que mais tinha bebido, tinha um Fusca e disse que iria “colocar o carro na pista”. Detalhe: a carteira de motorista dele já havia vencido e os documentos do carro estavam todos atrasados. Éramos seis pessoas entaladas dentro do Fusca, sendo que o Mario Bill pesava uns 140 kg. Ele, obviamente, foi na frente e, mesmo assim, estava comple- tamente torto. Mas quem se deu mal foi outro amigo, que era o menor de todos e, por conta disso, foi na mala, “esmagado” contra o vidro. Mario Bill estava completamente “chapado” e balançava uma bandeira para fora do carro. A certa altura, um guarda ordena que nós paremos o carro no acostamento. Desespero geral. Eis que a autoridade chega, olha para dentro do carro e fala: – Cuidado para não acertar alguém com a bandeira. Aliviado, o motorista arrancou com o carro e todos nós começamos a rir. Dez metros à frente o Mario Bill colocou novamente a bandeira para fora da janela e fomos assim até o Maracanã. José Cancio, 23 anos, agente de viagens
  • 40. 40 Visão publicitária Podia estar aqui contando alguma das muitas histórias de meu Fusca bege alabastro 1974. Podia estar aqui falando de minha coleção de duzentas e poucas miniaturas apenas de Fuscas – a exceção é uma de Kombi –, mas não, prefiro a observação de outro aspecto, também ligado à história dos que amam os carrinhos do povo. Sou redator publicitário e sei que muito da minha escolha profissional deve-se à influência e ao fascínio que os anúncios de Fuscas exerceram na minha formação. Criados pela agência de propaganda Alcântara Machado Periscinotto, que depois viria a se chamar Almap, hoje Almap/BBDO, os anúncios dos VW tor- naram-se ícones de vanguarda e estabeleceram um novo vínculo de proximidade com o leitor potencial comprador. Utilizando uma linguagem revolucionária para a época, chamadas como a do lançamento do Fuscão – um Fusca robustecido –, em 1970, em pleno “milagre econômico” da ditadura, que num texto abaixo de uma foto de abertura de estrada na Amazônia, alardeava: – Quando perguntaram ao Fuscão se ele gostaria de atravessar a Belém–Brasília, ele respondeu: ‘Quantas vezes?’ Mas, assim como almoço grátis, sabemos que não existem apenas propa- gandas a favor. A identificação de um público que se tornava cada vez mais fiel à marca acabou por também refletir um comportamento de rejeição, pelo menos em uma oportunidade. O ano era 1965. A época, natal. Período propício para lançamentos de produtos. Na foto de anúncio, uma árvore de natal atravessava o teto de um Fusca, mostrando o novo produto posto à disposição de um público sempre mais ávido por novidades: o Fusca com teto solar. A ideia era extremamente adequada a um mercado de carros em um país cuja característica climática era justamente esta, ensolarada, de desfrute de uma condição abençoadamente favorável. Tudo fazia sentido. A ideia não podia dar errado. Mas deu. E muito. Os brasileiros olharam aquela galharia toda da árvore de natal saindo de dentro do Fusca, e, até hoje, não se sabe muito bem onde começou, mas, logo, logo, em todo o território nacional, “do Oiapoque ao Chuí”, o público consumidor definiu e deu novo nome à novi- dade, de forma irreversível e implacável, como costuma acontecer nestas situa- ções: “Cornowagen!”
  • 41. 41 Pronto. Foi o que bastou para dizimar a história do Fusca com teto solar. Tanto que sua comercialização durou apenas sete meses. Em épocas de demanda fortíssima por carros novos, especialmente os VW, os Fuscas com teto solar mo- favam nos pátios da fábrica. Logo, também, uma mais esperta do que criativa solução acabou surgindo. Alguns comerciantes, diante da escassez de fuscas “nor- mais”, sem as mal vistas aberturas no teto, compravam os carros estocados e provi- denciavam em oficinas de reparo a soldagem dos tetos e posterior repintura. Hoje, os restauradores de Fuscas se deparam com essas soldagens ao desmontarem os forros de teto dessas verdadeiras “moscas brancas”, que vieram a se tornar esses exemplares. A origem verdadeira do comentário maldoso que destruiu a reputa- ção daqueles modelos de fusquinhas até hoje ninguém sabe, ninguém ouviu. A princípio, atribuiu-se ao corrosivo humor carioca, sobretudo aos desenhos e charg- es de Ziraldo. Mas há uma versão bem mais factível e aceitável, nos dias de hoje: sabe-se que a concorrente, Ford do Brasil, que tentava inutilmente estabelecer uma competição com o Fusca, havia trazido direto dos “States” um especialista em marketing, John Garner, que hoje poderíamos definir como um disseminador de mensagens virais. Atribui-se a ele a criação do apelido arrasador. Luis Carlos Oppermann, 56 anos, publicitário
  • 42. 42 Elástico salvador Há alguns anos, no dia do meu aniversário, eu e alguns amigos resolvemos subir a serra Rio-Petrópolis para comemorar a data. Éramos cerca de dez pessoas e estávamos divididos em três carros. Eu, claro, ao volante do meu Fusca. No meio da subida, um pouco depois do Belvedere, o cabo do acelerador arrebentou e tivemos de parar. Descemos dos carros e ficamos nos olhando, sem saber o que fazer, com aquela expressão de “e agora?!”. Eis que surge a solução genial de uma menina: - “Use o elástico de cabelo”, disse. Na época eu tinha cabelos compridos, com penteado “rabo de cavalo”. Peguei o elástico, prendi o acelerador e... chegamos a Petrópolis! Helvecio Parente, 40 anos, músico Todo dia ele faz tudo sempre igual... Tive um fusca 1973 verde que eu gostava muito. Ele nunca me deixou na mão. Podia fazer chuva ou sol que ele estava lá, firme e forte, “rodando” pelas ruas do meu Rio de Janeiro. Dois casos que nunca vou esquecer. Na primeira eu estava dirigindo pela Avenida Brasil quando, inesperadamente, o limpador de parabrisas parou de fun- cionar. Minha solução foi colocar metade do corpo para fora e movimentá-lo man- ualmente. Foi assustador e, ao mesmo tempo, muito cômico. A segunda é que, como sou alto e tenho o pé pesado, todo dia eu quebrava o cabo que ligava o acelerador ao motor. Eu andava com uma coleção desses cabos porque todos os dias, sem exceção, um deles estragava. Sorte que a peça custava bem pouco. O vendedor da loja comprava a peça já pensando em mim, porque sempre que eu passava na loja era para renovar meu “estoque”. Rubens Langsdorff, 35 anos, auxiliar administrativo
  • 43. 43 Menino Valente Meu pai teve um Fusca vermel- ho quando nós ainda morávamos em Duque de Caxias-RJ, há 16 anos. Na época ele já era comerciante e o bairro em que nossa loja ficava vinha sofrendo com uma onda de assaltos. Foram sete em 40 dias! Em um deles, já à noite, fecham- os a mercearia e seguimos – eu, meu pai e minha mãe – para nossa casa. Quando meu pai estacionou em frente a garagem de casa, fomos abordados por um grupo de bandidos armados, que apontaram as armas para meus pais e pediram dinhei- ro. Eu estava no banco de trás, com uma mochila cheia de brinquedos. Os assaltantes levaram minha mochila e saíram correndo pela rua. No ímpeto de criança, não resisti: desci do carro e saí desesperado correndo atrás deles, que- rendo meus brinquedos de volta. Minha mãe teve de correr pra me segurar. Vinícius Bitarães, 22 anos, estudante
  • 44. 44 Desarmados e perigosos Já era noite e eu e mais dois amigos estávamos bebendo em um bar há umas oito horas quando resolvemos dar uma “esticada” em uma boate que ficava relativamente próxima. Na hora de rachar a conta, um dos parceiros percebeu que estava sem dinheiro. Eu paguei a parte dele, mas não tinha para cobrir na dancete- ria. Resolvemos, então, ir a um banco 24 horas. Esse amigo sem dinheiro resolveu dirigir, porque eu já estava “trocando as pernas”. Só que ele também não estava lá muito bom, entrou na rua do banco com o Fusca alta velocidade e parou com uma freada brusca, quase um “cavalo de pau”, em frente ao caixa. O local era ermo e um ponto de prostituição. Três meninas circulavam pelo local, um técnico de telefonia fazia um reparo ali perto e uma pessoa retirava dinheiro. Quando eles viram um Fusca cinza chegar daquela maneira e saltar três caras suspeitos de dentro do carro – um com quase dois metros de altura e forte como uma jamanta, eu de jaqueta preta, bota e cavanhaque e o terceiro de óculos escuros à noite e blusa também escura –, saíram gritando e batendo os calcanhares nos traseiros de tanto correr. Foi quando percebemos a nossa “pinta” de bandido e começamos a rir. Mas, com cuidado, observamos se tinha algum policial no local. Com a barra lim- pa, sacamos rapidinho o dinheiro e saímos logo dali. Nem parecíamos os perigosos de minutos atrás... Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
  • 45. 45 O invejado Meu Shrek 65 era lindo demais, todo original por fora e completamente modificado por dentro: som potente, bancos de Astra em couro sintético, motor 1600cc de Kombi, escapamento de Puma dimensio- nado, câmbio de SP2... Um monstro! Um dia fui visitar um cliente di- rigindo o Fusca, estacionei o carro e, ao meu lado, parou um Vectra Challenger, que na época era o desejo de 10 em cada 10 brasileiros. De dentro do Fusca, olhei para o Vectra e fiquei embasbacado. Era lindo de- mais. Desci do Shrek todo humilde, tentando disfarçar a admiração pelo carro al- heio. Para minha surpresa, o dono do Vectra desceu do carro igual a um alucinado, andou em torno do meu Shrek e falou: – Meu irmão! Que Fusca lindo! Posso ver por dentro? Sem reação, abri o carro. Aí mes- mo que ele ficou “louco”! Quando cheguei a minha casa, contei o ocorrido para a minha esposa e ela perguntou as razões pela qual não tentei trocar os carros. Respondi: – Porque eu nuca mais iria sentir o que eu senti hoje. O prazer de ter um carro clássico, que mais de 30 anos após parar de ser fabricado ainda é capaz de despertar paixão nas pessoas. Daniel Anunciação, 30, analista de suporte
  • 46. 46
  • 47. 4 O susto do ex-combatente no Cabeleira Eu e uns amigos fomos beber em um clube no Pechincha, Jacarepaguá. Todos no meu Fusca: 1981, verde oliva – eu o chamava de “ex-combatente” - todo equipado com roda de liga leve, banco de couro reclinável, volante de madeira. Lindo! Enchemos o pote, como sempre. Saímos de lá direto para um pub que fi- cava próximo. Apesar do nome pomposo, para a gente era o “bar de fé”. E também o local de trabalho do Sérgio Cabeleira, garçom que estava comigo no carro e ia trabalhar. Bêbado. Eu entrei na esquina da rua do bar certamente a mais de 100 quilômetros por hora. O Fusca rabeou e bateu no meio-fio. Mas com uma força descomunal, como eu nunca vi! A roda foi praticamente cuspida do pneu e foi parar longe. Àquela altura, era o menor dos problemas. A questão era acalmar o Cabeleira, que estava pálido e gritava: “Agora eu não tenho mais medo de nada até o final da minha vida! Eu vi a morte! Eu vi a morte!” Eu fiquei rindo até o resto de sobriedade que tinha restado me alertar para o problema de sair dali com o carro arrastando no chão. Quando eu decidi resgatar a roda, um garoto veio girando aquele objeto ainda esférico, mas todo retorcido, pelo asfalto: “Moço, toma aqui a sua roda!” Olhei para o carro e percebi que o miolo com os parafusos tinha ficado. Que pancada! Quando fui trocar o pneu é que lembrei que o estepe tinha roda de aro 15 e a em uso era 14! O “ex-combatente” saiu tortinho, fazendo todo tipo de barulho, mas consegui chegar em casa. O Cabeleira? Com certeza o susto evaporou o álcool que estava dentro dele. Foi trabalhar como se nada tivesse acontecido. Manoel Antelo, 53 anos, técnico em telecomunicações
  • 48. 4 Fusca não é carro Minha infância ficou marcada por um extravagante Fusca cor coral, ca- paz de envergonhar qualquer mulher, por mais indiscreta que fosse. Não bastasse a cor, o carro era completamente acabado, com bancos em último estágio de destruição, janelas não funcionais que faziam com que as viagens para a praia se tornassem uma tortura, barulhos altíssimos e outras pequenas inconveniências. Além disso, o Fusca, que pertencia a minha tia, possuía uma espécie de tempo máximo de funcionamento. Era certo que ele “morreria” cerca de 30 minutos após dar partida. Por conta disso, todos os trajetos eram feitos em alta velocidade, de forma que conseguíssemos chegar ao nosso destino. Um dia eu estava no estacionamento do prédio em que eu morava e resolvi entrar no Fusca para ouvir música. Os adultos tinham ido almoçar e eu, por acaso, me tranquei dentro do carro. Como estava muito calor, minhas mãos começaram a suar e eu não consegui levantar os pinos das portas, porque escor- regavam. Eu, com apenas 10 anos, estava trancada em um verdadeiro forno, já sentindo falta de ar. Fiquei desesperada até que uma idosa desconhecida me viu pulando e se aproximou fazendo mímica. Demorei a entender o que ela queria dizer: que eu pegasse o encarte da fita K-7 que estava dentro do carro para facili- tar o levantamento do pino. Deu certo. Coloquei o papel na mão e consegui, enfim, neutralizar o suor e levantar o pino. Saí do carro, agradeci a sagaz senhora e desenvolvi um grande trauma com Fuscas que perdura até hoje. Tenho um amigo que possui um Fusca e sequer me aproximo do carro. Ele reclama, dizendo que eu sou preconceituosa com o carro devido ao baixo preço e status do veículo, mas não me dou o trabalho de contar sobre o trauma, prefiro aproveitar a ocasião para implicar com ele e dizer que “Fusca não é carro”. Já o fim do Fusca coral não poderia ser mais justo: foi parar em um ferro velho, vendido por um preço módico. Gabrielly Dias, 23 anos, secretária
  • 49. 4 Questão de segurança Atualmente sou presidente do Clube de Automóveis Antigos do Rio de Janeiro e, quando era jovem, ainda antes de assumir o atual posto, eu era prati- cante de boxe, me vestia bem e tinha o hábito de apenas dirigir carros importados. Tinha diversos automóveis assim: Mercedes, Dodge etc. até que um dia sofri um sequestro no bairro de Parada de Lucas, localizado na Zona Norte do Rio, e acabei reagindo. Por ajuda divina, nada de grave aconteceu comigo, mas decidi contratar um segurança particular, que só aceitou o trabalho mediante duas exigências: que eu parasse de me vestir daquele jeito e, que quando estivesse sozinho, usasse car- ros menos chamativos. Relutei e pensei durante um tempo, até que levei os pedidos em considera- ção e perguntei qual automóvel eu deveria dirigir, ouvindo a resposta imediata do profissional: um Fusca. Fiquei um pouco contrariado, pois era solteiro e acreditava que dirigindo um carro assim não conseguiria chamar a atenção de mulher alguma. Entretanto, atendi ao pedido e comprei um fusquinha marrom, ano 1978. Eu, que nunca tinha dirigido um carro apertado daqueles, me sentia cada vez mais incomodado, mas o medo de passar por outro episódio violento me fez resistir à tentação de vendê-lo. Além disso, apesar de continuar achando o Fusca desconfortável, confesso que basta sentar ao volante de veículo como ele para se apaixonar e nunca mais querer largá-lo. Tempos depois, o fusquinha marrom foi vendido, mas logo comprei um Fusca bege, ano 1986, e tenho ele até hoje. Na minha opinião, toda pessoa deveria passar pela experiência de, pelo menos uma vez na vida, dirigir um modelo assim. A sensação é inesquecível. Antonio Carlos Piperno, 74 anos, industrial
  • 50. 50 Bingo! Fiquei sabendo que, em Duque de Caxias-RJ, seria realizada uma festa de fim de ano em que eu poderia curtir um bom pagode e beber aquela cervejinha! Além disso, fariam um bingo, no qual o prêmio principal era um Fusca azul ano 1986, que não estava nas melhores condições, mas pelo menos andava. Apesar de me considerar uma pessoa azarada e não levar fé de que poderia levar o prêmio, eu teria que adquirir uma cartela do tal bingo – já que este seria o bilhete de entrada para a festa –. Foi então que resolvi pedir ao Josiel, um vizinho, que me desse um “convite” de presente. A tarefa de conferir minha cartela ficou com uma amiga, pois eu estava mais preocupada em me divertir no pagode. Durante a dança, minha amiga me chamou às pressas porque faltavam ap- enas dois números para que minha cartela fosse contemplada. Na primeira rodada em que voltei à mesa, o número sorteado não me serviu e, imediatamente, pensei na minha sina. Mais dois números e... bingo! O Fusca era meu! Já com o carro em minha posse, tive que regularizar o veículo, registrando ele em meu nome junto aos órgãos competentes, e tirar a carteira de motorista. Graças ao Fusca passei por momentos incríveis e pude viajar sem me preocu- par em como voltar. Tempos depois tive que vendê-lo para pagar dívidas, mas se pudesse teria guardado ele até hoje. Zedith Clovis Felizardo, 60 anos, empregada doméstica
  • 51. 51
  • 52. 52
  • 53. 53 Honrou as calotas que usa Há dois anos, depois de muito sacrifício, consegui tirar a sonhada carteira de motorista. Junto com a vitória, veio mais um desafio: meu pai queria me dar um carro que se transformasse em um verdadeiro obstáculo. Para ele, era necessário que eu ficasse “calejado” na arte de dirigir. Foi então que ele me deu um Fusca azul bebê, pois, na opinião do meu pai, quem dirigisse este carro seria capaz de conduzir qualquer outro. Superada a insegurança inicial, resolvi sair com quatro amigos para a Barra da Tijuca, Zona Oeste do Rio de Janeiro. Claro, um monte de marmanjos juntos não poderia dar certo. Todos começaram a “colocar pilha”, dizendo que o fusquinha não agüentaria o tranco. Percorri a Barra a mais de 100 quilômetros por hora e, a cada derrapagem, o Bernardo pedia para reduzirmos a velocidade. Quando chegamos ao nosso des- tino, percebemos que a calça dele estava molhada. Sabíamos que ele havia se uri- nado e começamos a zombar dele, mas ele alegou que havia derramado cerveja. Guardo um segredo até hoje. Recebi duas multas de mais de 100 reais naquele dia, mas não conto para meus amigos pra manter intacta a honra do meu Fusca. No entanto, aprendi a lição e não corro mais, especialmente em locais que tenham radar. Filipe Augusto, 24 anos, estudante de direito
  • 54. 54 Herói e “assassino” Comprei meu Fusca zero quilômetro em 1980. Treze anos depois, resolvi trocar a cor dele, colocar um tom de cinza mais escuro. Não sou profissional, mas adoro mexer em carro, tanto mecânica quanto a parte elétrica. Então aproveitei também para fazer uma reforma geral. Demorei um ano para mudar tudo, tirar paralamas, vidros, forração... Pintei peça por peça numa bancada, dei polimento, um trabalho danado. Ficou lindo! Coloquei tanque no lugar, troquei a forração e o carpete. Só paguei ao capoteiro para fazer as costuras do teto. O resto foi só colar. Também mudei o revestimento de partes internas e externas e o farol. Troquei também a mangueira. No Fusca, a mangueira sai do tanque, entra naquele tronco do meio, no chassi e vai para a parte traseira, onde está a bomba de combustível. Enchi o tanque e saí. Estranhei o cheiro forte de gasolina, mas fui. Quando estava subindo o viaduto de Deodoro, o carro morreu. Tentei religá-lo duas vezes até olhar para trás e custar a acreditar que meu Fusca, que reformei com enorme zelo, estava pegando fogo e ia virar cinzas. Gastei o meu extintor e nada! A gasolina não parava de descer com o carro na subida e ia reali- mentando as chamas no motor. O filtro de gasolina tinha vazado e o combustível caía no distribuidor, que faz centelha constantemente. Usei cinco extintores de motoristas solidários, que viram meu desespero, e também queriam sair do engarrafamento que criei. Nada! Peguei um extintor de ônibus, que é maior, e também usei tudo. Sem sucesso. Até que me aparece um cara, sei lá de onde, com um carrinho de mão e joga a terra que tinha dentro em cima do motor em chamas. Apagou na hora! Todo mundo aplaudiu e eu até agradeci ao herói que resolveu o problema do fogo. Mas o motor morreu, nunca mais funcionou. Desde aquele fatídico dia, o Fusca não sai da minha garagem. E deve ficar lá até o fim. Reinaldo Weignater, 53 anos, advogado
  • 55.
  • 56. MEU FUSCA (Personalize seu Carro do Povo)