O documento descreve dois importantes movimentos urbanos da Primeira República Brasileira: (1) A Revolta da Vacina de 1904, quando a população do Rio de Janeiro se opôs à vacinação obrigatória contra a varíola imposta pelo governo; (2) A Revolta da Chibata de 1910, quando marinheiros liderados pelo Almirante Negro se rebelaram contra os castigos corporais ainda praticados na Marinha Brasileira.
3. Foto de bonde tombado na praça da República, no Rio de
Janeiro, em 1904, por populares em manifestação contra a
revolta da Vacina.
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4. 1. Os movimentos urbanos
A aceleração do desenvolvimento industrial foi
acompanhada pelo processo de crescimento das
cidades, principalmente no Sul e Sudeste. A população
carioca quase triplicou entre 1900 e 1920, chegando a
mais de 1,4 milhão de habitantes. São Paulo passou de 40
mil para 889 mil e Porto Alegre de 74 mil para 256 mil
habitantes no mesmo período. Belém, Recife e Salvador
também apresentaram crescimento expressivo.
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5. As cidades brasileiras possuíam uma composição
social bastante diversificada, com operários, burguesia
industrial, mercantil e financeira, camadas médias
(professores, médicos, advogados, engenheiros),
funcionários públicos, intelectuais, setores populares e
segmentos marginalizados, como os moradores de rua.
A modernização difundida entre o fim do século XIX
e início do século XX nos grandes centros urbanos
não contemplou todas as regiões e camadas sociais da
mesma maneira.
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6. Ao contrário, muitos indivíduos pobres viram-se
desalojados de suas habitações, pressionados pelo
desemprego, pelas péssimas condições de vida e pelos
baixos salários. Foi nesse contexto que parte da
população urbana menos privilegiada demonstrou sua
insatisfação por meio dos movimentos sociais que
ocorreram durante a Primeira República.
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7. Em 1890, São Paulo tinha
65 mil habitantes e era a
quinta cidade do Brasil
(atrás do Rio, Salvador,
Recife e Belém). Dez anos
depois, já tinha 240 mil
habitantes e era segunda
cidade do país (a maior
continuava sendo o Rio de
Janeiro, com 690 mil). A
riqueza do café tinha
atraído muitos imigrantes
para a capital paulista
(50% dos que vieram para
o Brasil).
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8. Os diversos movimentos que marcaram o período da
República Oligárquica podem ser interpretados como
respostas populares à exclusão sociopolítica a que estava
submetida a maioria da população pelo regime elitista e
antidemocrático então vigente no país. Recorrendo aos
meios diversos, a população marcava oposição às
arbitrariedades governamentais e às estruturas de
privilégios e de dominação.
Tais revoltas, no entanto, não propunham uma
completa reformulação do Estado ou uma revolução
social. Pretendiam resolver, sobretudo, as dificuldades
imediatas da população mais pobre. Acabaram assim,
invariavelmente, vencidas pelos poderosos de então, que
faziam uso da força policial ou militar para garantir a
ordem instituída.
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9. 1.1 A Revolta da Vacina (1904)
A exaltação da modernidade, inspirada nas ideias
gerais do positivismo, fazia enorme sucesso entre as
elites brasileiras. Uma das consequências deste novo
modo de pensar foi o prestígio que os médicos e
engenheiros (os científicos) ganharam junto aos
governantes, papel que até então era quase privilégio dos
advogados. Pois foram esses ideais que levaram o
prefeito do Rio a iniciar a reforma urbana na capital da
República, baseada no que havia sido feito em Paris, a
referência de progresso e bom gosto para as classes
abastadas brasileiras.
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10. Durante o governo de Rodrigues Alves (1902-1906), o
saneamento e a modernização do Rio de Janeiro
tornaram-se prioridades. Nessa época, os serviços
públicos urbanos eram muitos precários. A falta de
tratamento de água e esgoto, principalmente nos
arredores das cidades e nos cortiços, agrava a falta de
higiene. Tais condições contribuíram para a
disseminação de doenças e epidemias – sarampo, febre
tifoide, tuberculose, varíola – que vitimavam milhares de
pessoas.
As benfeitorias eram necessárias até mesmo para
melhorar a imagem da capital federal no exterior. Para
efetivá-las, o presidente recorreu a empréstimos
estrangeiros.
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11. O prefeito do Rio, Pereira Passos, mandou derrubar
casebres e cortiços para abrir avenidas, expulsando
parte da população, que se mudou para os morros. O
centro velho foi demolido para a abertura da avenida
central (hoje, Avenida Rio Branco), onde ficaria o teatro
da ópera, o museu de belas-artes, a biblioteca nacional,
as sedes das empresas, as lojas e os cafés elegantes. O
problema é que, em nome da “saúde pública e social”, os
funcionários do governo não tinham dó em subir o
morro da favela (onde moravam os mais pobres) e
derrubar os barracos. Em nome da modernidade,
cortiços do centro e barracos do morro derrubados.
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12. O combate as epidemias foi entregue ao médico
sanitarista Oswaldo Cruz, que passou a implementar
uma série de medidas de higiene pública com o objetivo
de combater a febre amarela, a peste bubônica e a
varíola. Os mata-mosquitos, homens encarregados de
eliminar os vetores das principais doenças – ratos e
mosquitos -, tinham autorização para invadir as
residências, fato que desagradava a população em geral,
que consideravam esse ato uma grave violação dos
costumes.
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13. Praças, cemitérios e canais de drenagem foram
reformados, proibiu-se a circulação de mendigos e
animais e foram instituídas visitas domiciliares de
agentes sanitaristas para remover tudo que fosse
considerado prejudicial à higiene. A população se
revoltava com as vistorias nas casas feitas sem nenhum
esclarecimento. A tensão social cresceu.
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14. Charge de 1904 satirizando
o Dr. Oswaldo Cruz. Repare
que na mão esquerda ele
segura uma enorme seringa
e do lado direito há uma
ratazana que o ignora.
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15. No Congresso e na imprensa surgiram manifestações
contrárias ao “despotismo sanitário” de Oswaldo Cruz. E
em 1904, a aprovação do projeto de vacinação
obrigatória contra a varíola para os brasileiros com
mais de seis meses de idade acendeu o estopim da
revolta popular, que culminou em novembro com a
Revolta da Vacina.
Naquela época nem os intelectuais sabiam direito o
que era uma vacina (a explicação científica, devido a
Pasteur, era relativamente recente). Os positivistas
ortodoxos (que seguiam, ao pé da letra, Comte e os
discípulos), por exemplo, negavam-se a acreditar que a
vacina atacasse micróbios. Havia liberais que afirmavam
que o Estado não tinha o direito de impor a vacinação. O
governo não se importou em esclarecer.
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16. Os governantes eram donos da verdade científica e
isso bastava. Agora, ponha-se no lugar do pai que vê seu
filho ter o braço perfurado por uma agulha de um
homem do governo. Um governo que nunca se mostrou
muito preocupado com os pobres. Você deixaria? Em
seguida, espalhou-se que o local da aplicação seria a
virilha. Boato falso, mas que teve efeito porque as
pessoas acreditaram nele. E não aceitavam que os
homens do governo apalpassem um local tão íntimo do
corpo! Afirmavam também que era falta de respeito
obrigar as mulheres a descobrirem o braço para serem
vacinadas.
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17. Resultado: no dia marcado, quase ninguém se
apresentou para ser vacinado. Qual foi atitude das
autoridades? Em vez de fazer uma campanha de
esclarecimento, avisou que a vacina seria
obrigatória. Quem não se deixasse espetar poderia ir
pra cadeia. A resposta popular foi a rebelião. Trilhos de
bondes foram arrancados e as ruas do Rio de Janeiro
ocupadas pelo povo, protegido por barricadas. Alguns
líderes populares eram famosos capoeiristas. Os
militares florianistas e os positivistas aproveitaram para
atacar o presidente Rodrigues Alves. A Escola Militar
aderiu aos protestos.
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18. A repressão agiu com eficácia. O Exército matou
gente do mesmo jeito como se matam mosquitos.
Numa entrevista ao jornal da época, um dos
participantes esclareceu a ampla dimensão política da
revolta: “[Era para] não andarem dizendo que o povo é
carneiro. De vez em quando é bom a negrada mostrar
que sabe morrer como homem! [O mais importante era]
mostrar ao governo que ele não põe o pé no pescoço do
povo”.
Durante mais de uma semana a população enfrentou a
polícia nas ruas, organizando barricadas, lutas corporais
e quebradeiras. Depois de retomar o controle da cidade,
o governo prendeu mais de mil pessoas e as deportou
para o território do Acre.
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19. Para a mentalidade positivista, os problemas da
cidade deveriam ser resolvidos de maneira “científica”:
com engenheiros (abrindo ruas) e médicos (vacinando).
Os que “sabem” resolvem por conta própria, e os pobres
se revoltaram porque eram “ignorantes”, concluíram os
sociólogos positivistas.
Na verdade, não era somente contra a vacina que a
população se rebelava. Ela se manifestava contrária a
toda conjuntura de dificuldades econômicas,
desemprego e falta de segurança. A remodelação e o
saneamento da cidade foi, ainda, outro complicador. A
obrigatoriedade da vacina serviu, assim, como
pretexto para a população expressar seu
descontentamento com as ações do governo.
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20. A vacina simbolizava o autoritarismo da República,
feria os princípios morais e ideológicos, atingia a
soberania individual. Por isso, foi amplamente
rechaçada como atitude autoritária dos representantes
do poder político.
As autoridades, por sua vez, não explicaram
claramente a necessidade da vacina.
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21. As charges publicadas
nos jornais, revistas e
almanaques do início
do século retratavam
com humor e ironia a
situação social e
política da nação nas
primeiras décadas da
República.
Essa, por exemplo, retrata os distúrbios no largo do
Rocio, no Rio de Janeiro, durante a Revolta da Vacina. À
esquerda, Zé Povo resiste à vacinação obrigatória, por
Oswaldo Cruz, o ministro da Justiça, J. J. Sealma, o chefe da
polícia, Cardoso de Castro, e o presidente da
República, Rodrigues Alves.
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22. 1.2 A Revolta da Chibata (1910)
No início do século XX, os marinheiros de baixa patente
levavam uma vida de parcos salários, exaustiva jornada de
trabalho e castigos corporais por desobediência ao
regulamento da Marinha – uma penalidade abolida desde a
proclamação da República, mas que, na prática, continuava a
vigorar na frota de guerra brasileira: “Para as faltas leves,
prisão e ferro na solitária, a pão e água; faltas leves repetidas,
idem por seis dias; faltas graves, 25 chibatadas”. A ordem de
punição vinha de oficiais, que eram brancos, geralmente
filhos de fazendeiros. Era como se, simbolicamente, a
escravidão no Brasil ainda existisse num único lugar: na
Marinha de Guerra!
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23. Os marinheiros eram na maioria negros e mestiços,
geralmente recrutados à força e pressionados pela
família a ingressar nas Forças Armadas.
O governo resolveu então modernizar a marinha. Nós
já vimos que, para a mentalidade positivista dominante,
modernizar não significa modificar as relações políticas
(isso seria a “desordem”). Modernizar, para eles, era
comprar navios de guerras novos da Inglaterra, da mais
alta tecnologia que a ciência poderia oferecer. E manter,
no Brasil, os castigos corporais... Mas os navios
sofisticados exigiam que os oficiais e até os marinheiros
recebessem treinamento especial.
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24. Alguns marinheiros eram enviados para a Inglaterra
para receber instruções. Foi então que eles tomaram
contato com o movimento sindical europeu.
Descobriram que na Inglaterra, os operários sabiam que
o principal direito era o direito de lutar por seus direitos.
A marinha inglesa lembrava que os castigos corporais
tinham terminado desde o motim no navio Bounty,
ainda no século XVIII. Quando os cruzadores chegaram
na Baía de Guanabara, sua tripulação não estava mais
disposta a aceitar humilhações.
O estopim foi um castigo físico (250 chicotadas
diante da tripulação e ao som de tambores) dado ao
marujo Marcelino Rodrigues Menezes, no dia 22 de
novembro de 1910, por ter ferido um cabo com uma
navalha.
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25. Em 1910, os marinheiros dos encouraçados Minas
Gerais e São Paulo revoltaram-se no Rio de Janeiro,
chefiados pelo gaúcho João Cândido Felisberto,
apelidado Almirante Negro, e reivindicavam o fim dos
castigos corporais, folgas semanais e melhores
salários. Os rebeldes enviaram um telegrama ao
presidente da República, Hermes da Fonseca (1910-1914),
comunicando a decisão de bombardear a cidade do Rio
de Janeiro caso não fossem atendidas suas solicitações.
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26. “Nós queríamos combater os maus-tratos, a má
alimentação na Marinha. E acabar definitivamente
com a chibata, o causo era só esse.” (João Cândido, o
Almirante Negro)
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27. O presidente estava no teatro, deliciando-se com a
ópera Tannhäuser, de Richard Wagner, quando recebeu
a notícia de que os marinheiros haviam tomado conta
dos navios e expulsado os oficiais para terra. E que
faziam exigências às autoridades. Para o espanto das
elites, os marinheiros, liderados pelo semianalfabeto
João Cândido, o Almirante Negro manobrava
espetacularmente os navios. Falavam sério. Cada
encouraçado levava cerca de mil tripulantes e estava
carregado com uma artilharia capaz de varrer o Rio de
Janeiro do mapa. A histeria tomou conta da cidade. Uma
multidão de famílias dos bairros elegantes fugiu para
Petrópolis. No Senado, o opositor Rui Barbosa lembrava
que o governo não tinha capacidade de reprimir a revolta
(e não tinha mesmo), então deveria negociar.
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28. Grupo de marinheiros que tomou parte da Revolta da
Chibata, no Cruzador Barroso, 1910.
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29. A revolta recebeu o apoio de deputados de oposição,
que pressionaram o governo federal a ceder às exigências
dos marinheiros. De mão atadas, o governo teve de se
curvar. Principalmente, porque os operários começaram
a entrar em greve de solidariedade aos amotinados. Os
marinheiros passaram a receber um soldo pouquinho
melhor e o trabalho duro foi aliviado. O Congresso
votou o fim dos castigos corporais na Marinha e
anistiou os participantes da revolta.
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30. Entretanto, o decreto de anistia foi descumprido e o
governo passou a perseguir e prender os marujos. Na calada,
esperaram tudo voltar ao normal e pegaram os marinheiros
desprevenidos e desarmados. Uma suposta revolta também
integrada por marinheiros na Ilha das Cobras foi o fato
culminante para a perseguição e prisão dos rebeldes.
O governo ordenou que o Exército atacasse a ilha e
derrotasse seus opositores. Dezesseis marinheiros morreram
na cela subterrânea do presídio. Os poucos sobreviventes
foram deportados para a Amazônia, para trabalhos forçados
nos seringais. Nove foram fuzilados durante a viagem. O
Almirante Negro foi julgado em 1912 e inocentado. Trabalhou
na marinha mercante, mas foi perseguido e terminou os dias
como pescador em 1969. Morreu, quase esquecido, em São
João de Meriti, cidade pobre da baixada fluminense (RJ). Em
1912 todos os revoltosos foram absolvidos.
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31. Charge de Loureiro
publicada em O Malho, 1910.
Revolta da Chibata: diante da
ameaça de bombardeio do
Rio de Janeiro, o governo
concedeu anistia aos
revoltosos, mas retrocedeu
posteriormente.
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33. 2. O movimento operário
A Constituição de 1891 pouco se preocupava com
questões sociais. Por isso, as relações de trabalho nas
cidades eram definidas pela emergente burguesia
industrial, mercantil e financeira. O operariado
brasileiro foi formado basicamente pelos imigrantes,
somados a trabalhadores provenientes de regiões mais
pobres do Brasil.
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35. Entre 1894 e 1903,
entraram no Brasil mais de
1 milhão e 500 mil
imigrantes. Em algumas
cidades, como São Paulo, a
população estrangeira era
maior do que a de
brasileiros. Na imagem,
fotografia do passaporte de
uma família de imigrantes
italianos.
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36. Os italianos constituíram a maioria dos imigrantes.
Os portugueses e espanhóis chegaram em grande
quantidade após 1905.
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37. Era o patrão que determinava as relações de
trabalho, como quantas horas o operário deveria
trabalhar. Desse modo, as jornadas de trabalho das
mulheres e crianças era frequente, inclusive à noite.
Havia até crianças de 5 anos de idade trabalhando nas
fábricas. Muitas das crianças acabavam com membros
mutilados pelas máquinas e, assim como os demais
trabalhadores, não tinham direito a tratamento
médico, seguro por acidente de trabalho, etc.
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38. Cena comum na República Velha:
criança operária
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39. Num primeiro momento, surgiram as ligas operárias e
as sociedades de resistência. De modo
geral, reivindicavam melhores salários, menor
jornada de trabalho, assistência ao trabalhador
doente ou acidentado e regulamentação do
trabalho feminino e infantil. Logo em seguida
começaram a ser organizados sindicatos, primeiro por
ofício e depois por uma mesma atividade
econômica, que atuaram por meio de greves e
manifestações de caráter acentuadamente
reivindicatório. À frente dessas mobilizações, militantes
anarquistas e socialistas desenvolviam um importante
trabalho de conscientização política.
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40. Fotografia dos operários da
fábrica de tecidos Bangu,
no Rio de Janeiro. Até o
início do século XX, o Rio
de Janeiro era o principal
centro industrial do país.
Nas décadas seguintes
seria ultrapassado por São
Paulo.
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41. A maior greve desse período realizou-se em julho
de 1917, em São Paulo. Começou numa tecelagem e
estendeu-se por todo o estado. Durante três dias, o
Comitê de Defesa Proletária, que liderava a greve,
dominou São Paulo. A principal reivindicação era o
aumento de salários. Os patrões perceberam que não
tinha saída a não ser atender à reivindicação operária.
Concederam 20% de aumento e a greve acabou.
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42. A imprensa era o principal
veículo de divulgação ideais
operários, trazidos da
Europa sobretudo pelos
imigrantes italianos. Vários
intelectuais da época, como
Euclides da Cunha e Lima
Barreto, escreviam nos
jornais e revistas dos
trabalhadores.
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