REVISTA DE BIOLOGIA E CIÊNCIAS DA TERRA ISSN 1519-5228 - Artigo_Bioterra_V24_...
Para uma autoetnografia dos estados de vulnerabilidade: ensaio num caso de disfunção da tiróide
1. Para uma autoetnografia dos estados
de vulnerabilidade: ensaio num caso
de disfunção da tiróide
José Costa
5º Congresso Ibero-Americano em Investigação Qualitativa
Porto, 12-14 de Julho de 2016
2. O antropólogo como objeto de estudo
para si mesmo
Por definição, a antropologia estuda a espécie humana em todas
as suas manifestações. Qual é, então, a razão para excluir destas
manifestações o self do antropólogo? Em que é que isso não é
humano?
O meu argumento é que a inclusão do self do antropólogo nas
etnografias sobre o humano revela ser especialmente
importante quando o objetivo é estudar as experiências pessoais
de vulnerabilidade.
Para sustentar este argumento ensaio a narração
autoetnográfica de uma experiência de procura de ajuda em
saúde numa situação de perda da função tiroideia.
3. Para Geertz (1988), a autoridade do antropólogo, ou a
sua inevitável condição de autor, é um facto com o
mesmo valor ontológico que uma pedra ou um sonho
– todas estas são coisas deste mundo.
O local da antropologia não poder ser circunscrito a
qualquer tipo de cronótopo nem a qualquer tipo de
discurso. A sua ocupação com o ordinário implica
trazer para o centro da análise o herói anónimo (de
Certeau, 1984), na sua totalidade fenomenológica, e,
com isso, a natureza heteroglóssica da manifestação
linguística das experiências do real (cf. Bakhtin,
1981[1935]), isto é, a cultura enquanto pluralidade de
experiências.
4. Para uma autoetnografia dos estados
de vulnerabilidade
Como é que eu posso compreender, de facto, o que
sente alguém a quem transplantaram o coração?
Como é que eu posso compreender, de facto, o que
sente quem foi vítima de violência? Como é que eu
posso compreender etnograficamente a vivência das
pessoas que vivem ou viveram estas situações?
A meu ver só há uma maneira. E, esta consiste em
situar a antropologia no centro da análise destes
eventos quando a oportunidade surge.
5. O que é a autoetnografia?
Segundo Ellis & Bochner (2000, p. 739), a
autoetnografia é “um género autobiográfico de escrita
e de investigação que apresenta múltiplos níveis de
consciência, conetando o pessoal ao cultural. Para trás
e para a frente, os autoetnógrafos observam,
primeiramente através de uma lente de ângulo aberto,
focando-se no exterior em aspetos culturais da sua
experiência pessoal; e, em seguida, olham para dentro,
expondo um self vulnerável que é movido por e pode
mover-se através de, refratar e resistir a,
interpretações culturais.”
6. Autoetnografia num caso de
disfunção da tiróide
• Fase Pré-paciente
– Sabor químico
– A dividuação: “Quem é eu?”
– A revelação d’isso (o tudo sempre)
– A metamorfose completa: a revelação do besouro
• Fase Paciente
– Os dois mundos: do confronto à passagem
– Músculos, fermentos e diurese
– Coração
– Bem-vindo ao (novo) real
7. Conclusão
A realização de uma autoetnografia é um ato de
liberdade, pois permite incluir na descrição do
humano todo o tipo de lógica, seja esta revelada ou
apenas insinuada ou sugerida. Deste modo, a
autoetnografia é a forma para cozer o bolo que
permite misturar definitivamente procedimentos
hipotético-dedutivos, com hipotéticos-indutivos,
abdutivos, percursos de serendipidade, etc. Ao longo
do relato sobre a minha experiência de procura de
ajuda, todos estes tipos de racionalidade e de
emotividade estiveram presentes. Não existe tal coisa
de “ser humano hipotético-dedutivo” ou outra
qualquer classe exclusiva de organização lógica.
9. • Referências citadas
– Bakhtin, M. (1981 [1935]). Discourse in the novel. In The Dialogic
Imagination: Four Essays, (pp. 259-422), Austin: University of Texas
Press.
– de Certeau, M. (1984). The Pratice of Everyday Life. Berkeley:
University of California Press.
– Ellis, C. & Bochner, A. (2000). Autoethnography, Personal Narrative,
Reflexivity: Researcher as subject. In N. Denzin & Y. Lincoln (Eds.),
Handbook of Qualitative Research (pp. 733-768). Thousand Oaks,
California: Sage Publications.
– Geertz, C. (1988). Works and Lives: The Anthropologist as Author.
Stanford, California: Stanford University Press.