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O Senhor Bom Jesus de Barcelos: das origens do fenómeno religioso à
construção do actual templo
 Artigo publicado na Barcelos Revista
Joaquim Alves Vinhas
Breve introdução
Pensa-se que no dia 20 de Dezembro de 2004 se completaram quinhentos anos de culto
ao Senhor Bom Jesus da Cruz. A casa que lhe serve de morada, pela sua qualidade
arquitectónica e artística, ombreia com os melhores exemplares da arte sacra nacional.
Razão suficiente para se reconhecer a sua importância na história local de Barcelos.
Na verdade, ninguém poderia imaginar uma história de Barcelos das épocas Moderna e
Contemporânea, sem a significativa presença do Senhor da Cruz, isto em vários
domínios: o religioso em primeiríssimo lugar, certamente, mas também o artístico, o
sócio-económico, o cultural.
O templo que podemos observar junto ao Largo da Porta Nova apresenta-se aos olhos
de quem vem à cidade como um magnífico cartão de visitas, o ponto alto de uma
estadia enriquecedora, quer para o simples devoto e romeiro, quer para o forasteiro, o
curioso e o intelectual.
Classificado como imóvel de interesse público em 6 de Dezembro de 1958, o templo do
Senhor da Cruz foi concebido nos inícios do século XVIII, dando-se corpo à ideia que
se vinha a impor desde o século XVII. Inaugurado em 1710, esta igreja apresenta-se-nos
como um exemplar da arquitectura religiosa de excelente qualidade, não fosse o autor
da sua traça João Antunes, um arquitecto de relevo ao serviço do reino. Tem pois quase
trezentos anos esta igreja, este espaço de oração e de fruição estética, este emblema de
Barcelos!
Espaço religioso, onde a fé de muitos ali vai alimentar-se, qual alento das almas
piedosas, qual alívio das cruzes de tantas vidas desditosas e enegrecidas, o templo que
se nos apresenta aos olhos do corpo e da alma afirma-se igualmente como um lugar de
acolhimento e de abrigo de um interessante e valioso espólio cultural e artístico que
urge defender e preservar.
As pedras claras do granito acinzentado pelo uso e pelo tempo, as alfaias e paramentos
da liturgia, as sacras e crucifixos arrumados, as imagens dos santos e do Senhor da
Cruz, os altares e retábulos de talha dourada, os panos de azulejo azul e branco, as telas
de pinturas (algumas a clamar restauro), os castiçais e os anjos lampadários, os lustres e
os livros velhos… contam-nos a história, ainda que profundamente incompleta, dos
cerca de quinhentos anos que se comemoraram em 2004.
Inscrição do século XVIII, junto à entrada
principal, alusiva à primitiva edificação dos
finais de 1504.
Origens da devoção ao Senhor da Cruz em Barcelos
Tudo começou em 20 de Dezembro de 1504, quando um humilde sapateiro da vila, João
Pires, foi bafejado pela dádiva divina: uma cruz dada aos seus olhos crédulos! Analisada
e ampliada a crença, por vontade do povo devoto devidamente enquadrado pela elite
local, o milagre do aparecimento da cruz não deixará de multiplicar-se e gerar
fenómenos de índole sociológica, económica e artística de apreciável envergadura.
Para assinalar a sua importância e autenticidade, o divino acontecimento terá mesmo
sido registado em escritura pública, a fazermos fé nas certidões de 1638 e 1662, sobre a
existência de um livro de notas muito antigo, onde o milagre se teria fixado.
É de notar que o referido livro existiria, na data de 1638, há mais de 130 anos, segundo
se depreende de um requerimento da confraria então elaborado, pelo que o instrumento
Escultura que se venera no templo do Senhor Bom
Jesus da Cruz, de provável oficina flamenga dos
inícios do século XVI.
do milagre foi certamente concebido em data muito próxima do tão celebrado
acontecimento, cuja certificação decorreu, efectivamente, da vontade da confraria.
Dizem os mordomos da Confraria da Santa Cruz, desta vila de Barcelos,
sita no arrabalde dela, que em poder de Bartolomeu Machado de Miranda
da dita vila, está um livro de notas muito antigo, passa de cento e trinta
anos, no qual está escrito, e lançado na dita nota um milagre, que Nosso
Senhor obrou na ermida de Santa Cruz, onde está Sua imagem com a cruz
às costas; tem o dito livro em seu poder, por ficar de seus antepassados, por
razão de se não perder, e para a juntar a outros papéis de milagres, que
aconteceram na dita ermida, lhes é necessária uma certidão em público, e
modo, que faça fé, com o teor de verbo ad verbum dela, e para mais fé de
verdade, que seja vista a dita nota diante de dois tabeliães do público e
judicial, o mais autêntico, que possa ser. Pedem a vossa mercê lhes mande
passar a dita certidão, e receberão mercê, e justiça1
.
Da certidão passada em 7 de Maio de 1638, pode ler-se a seguinte passagem:
Saibam os que este público instrumento de fé, e do testemunho do santo
milagre, virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo,
de mil, e quinhentos, e quatro, sexta-feira, vinte dias do mês de
Dezembro, à hora de nove horas, pouco mais, ou menos indo o muito
honrado Diogo da Costa, escudeiro de el-rei, e juiz ordinário em a dita
vila de Barcelos, pela Rua Direita da dita vila, e chegando comigo
tabelião ante as portas de Pedro Machado, outrossim escudeiro, vinha
João Pires sapateiro pela dita rua, que vinha da ermida do Salvador, em
que há pelo dito dia uma missa em reverência, e louvor das Chagas de
Nosso Senhor Jesus Cristo, e disse ao dito juiz e a mim tabelião, que
fossemos ver, e guardar uma cruz, que demonstrava um grande santo
milagre, que estava junto da cruz aos carvalhos do Campo da Feira2
.
1
Documento transcrito por Frei Pedro de Poiares, publicado no seu Tratado Panegírico em Louvor da
Vila de Barcelos, pp. 60-61.
2
Idem, pág. 61.
Em 22 de Junho de 1662 outra certidão foi emitida, desta vez pelo padre Manuel
Pinheiro Lobo, notário ligado à corte da arquidiocese de Braga e vigário da igreja
paroquial de S. Salvador de Quiraz. Mas pelo menos um terceiro documento foi
elaborado, em 2 de Setembro de 1872, certificando a veracidade da certidão de 1662,
parecendo tratar-se também da necessidade de dar crédito e consolidar a crença num
milagre que nem sempre colhia a unanimidade de opiniões.
De resto, neste esforço de provar a autenticidade não de um mas de múltiplos milagres,
participaram intelectuais e estudiosos católicos dos séculos XVII a XIX, como Frei
Pedro de Poiares, António de Vilas Boas e Sampaio, Joaquim Domingos Pereira,
Amaral Ribeiro, entre outros.
Na sequência do tão excelente e público milagre de 1504, os notáveis da vila, com o
povo atrás em procissão e em dádivas, trataram de imediato de celebrar o acontecimento
e de providenciar um abrigo para o Santo Cristo que aos barcelenses quinhentistas
resolveu bafejar com a sua divina cruz.
De facto, conforme pode ler-se nas certidões referentes à escritura do milagre, para além
de participarem na procissão solene que então se realizou, todos os fiéis cristãos e
devotos com muita devoção ofereceram o que lhes bem parecia de sua fazenda
prometendo todos dádivas de dinheiro para a dita casa.
Nascia o culto e a primeira capela em honra do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos!
É de salientar a legalização do acontecimento divino, que fora publicamente
testemunhado, em primeiro lugar por personalidades de relevo, nomeadamente pelo juiz
e escudeiro real Diogo da Costa, por Pedro Machado, também escudeiro, e ainda por
Pedro Álvares, contador, para além do tabelião responsável pela elaboração da escritura
Gravura do século XVIII, reproduzindo a
imagem que se venera no altar do Senhor
Bom Jesus da Cruz, segundo se crê, desde
1505.
pública. No mesmo dia, porém, os moradores da vila e circunvizinhos terão participado
da visão do milagre.
Havia que sacralizar o sítio. Por isso, no mesmo dia à tarde, no desfecho de solene
procissão que contou com a participação de toda a sociedade local – clero, nobreza e
camadas populares –, ter-se-á plantado uma cruz de madeira de apreciáveis dimensões,
ali bem junto da vera cruz, entretanto rodeada por uma simples estrutura de pedras.
O culto ao Divino Salvador ganhava uma nova dimensão, em torno de uma moderna e
famosa cruz, miraculosa, ali junto ao antigo souto de carvalhos, nas imediações do
Campo da Feira.
O aparecimento da cruz ter-se-á repetido, não apenas nos dias e anos que se seguiram
mas no decurso de vários séculos.
Há depoimentos de personalidades de relevo dos séculos XVII a XIX que atestam a
veracidade do aparecimento, não de uma, mas de várias cruzes, em diversos momentos
ao longo do ano, com particular incidência pela Invenção da Santa Cruz, evocada a 3 de
Maio e pela Exaltação da Santa Cruz, que se festeja a 14 de Setembro.
Este assunto, porém, o das aparições, não era consensual. Assumindo o estatuto de
testemunha ocular e cronista imparcial, e recusando a tese do padre Carvalho da Costa
de que as cruzes miraculosas duravam apenas cinco ou seis dias, Amaral Ribeiro
sustentou, em 1867, que algumas das referidas cruzes térreas e enegrecidas, começavam
Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, visto do cimo da Avenida
da Liberdade.
a aparecer em meados de Abril, vindo a desvanecer-se apenas nos finais de Setembro,
enquanto outras permaneceriam mais ou menos visíveis durante todo o ano3
.
Os barcelenses assistiam assim a uma espécie de milagre da multiplicação de cruzes,
não apenas junto ao templo do Senhor Bom Jesus, que entretanto se fundou, mas em
vários espaços do arrabalde da vila, nomeadamente no Campo da Feira e no Campo de
S. José.
Aliás, na sua multiplicação, o fenómeno afastou-se do epicentro e, em pleno século XX,
atingiu várias freguesias de Barcelos, entre as quais as de Lijó, Góios, Remelhe e
Carvalhal, freguesias onde na sequência de milagres semelhantes se levantaram capelas
em louvor da Santa Cruz4
.
Numa inscrição epigráfica, gravada na actual igreja na década de 1730 pode ler-se:
Em 20 de Dezembro de 1504, numa Sexta-feira, pelas 9 horas do dia,
apareceu neste lugar a primeira cruz, que, cercada com uma pequena
capela, veio a servir de solo ou altar do Senhor com a cruz às costas, em
honra do qual o mesmo século, para memória sempiterna, com esmolas e
expensas públicas, erigiu este templo.
3
RIBEIRO, A. M. do Amaral – Notícia Descritiva da Mui Nobre e Antiga Vila de Barcelos, pp. 68-69.
4
TRIGUEIROS, António Júlio Limpo e outros – Barcelos Histórico Monumental e Artístico, p. 28.
Tornando ao século XVI, parece-nos incontornável que os milagres da Santa Cruz
seguiram o rumo da expansão marítima, comercial e colonial. E com ela viajou o culto
ao Senhor Bom Jesus de Barcelos.
Com as naus quinhentistas, o milagre de Barcelos ganhou fama e galgou as águas do
Atlântico… Ao longo de toda a Época Moderna, o Senhor Bom Jesus da Cruz não
cessou de se propagar, quer no território continental, quer ultramarino.
Inequívoca foi a sua presença na colónia portuguesa do Brasil, nomeadamente na Baía,
Pernambuco, Rio de Janeiro e S. Paulo, cidades onde se recrutaram como irmãos
centenas de crentes oriundos de muitas e desvairadas terras da metrópole.
Com a data de 15 de Junho de 1730, existia mesmo um rol das pessoas que se
assentaram por irmãos num livro da Irmandade implantada no Brasil, sob a
responsabilidade do irmão António Pereira Lopes.
Na sequência do milagroso aparecimento da cruz em 20 de Dezembro de 1504 emergiu
na vida dos barcelenses uma nova e poderosa invocação – a do Senhor Bom Jesus da
Cruz – e um culto absolutamente central no quadro histórico da devotio moderna, que
punha o acento na devoção cristológica.
O quadro histórico era no entanto verdadeiramente complexo. Tinha como pano de
fundo a extraordinária abertura ao mundo suscitada pela aventura marítima, comercial e
colonial de portugueses e castelhanos, ao longo dos séculos XV e XVI, bem depressa
alvos da cobiça e da rivalidade de holandeses, ingleses e franceses.
Os valores e práticas da cristandade ocidental eram discutidos e rebatidos, desde os
primórdios do Renascimento, tanto na sociedade em geral como no interior da Igreja,
dando origem a heresias, a perseguições e a depurações.
O Concílio de Trento (1545-1563), ao mesmo tempo que determinou uma Reforma no
interior da Igreja Católica, constituiu, igualmente, uma poderosa resposta da hierarquia
face a todas as heresias, particularmente às da Reforma Protestante, consideradas
ameaçadoras da boa cristandade. Foi uma reforma, sim, mas também uma Contra
Reforma, porquanto ela se dirigia fundamentalmente contra o reformismo protestante. O
Concílio de Trento não impediu, todavia, o aparecimento de mais três igrejas no seio da
cristandade ocidental: a Luterana, a Calvinista e a Anglicana.
É pois neste contexto denso e difícil que se vai acentuando a devoção ao Santo Cristo,
que sem dúvida ganha uma nova centralidade no advento reformista e contra-reformista.
Afirmava-se o culto ao Bom Jesus! Justamente Aquele que sofreu e morreu na cruz por
pura redenção da humanidade pecadora.
Evidentemente que o fervor religioso frutificou no mundo cristão em geral e no católico
em particular, num ritmo controverso mas imparável e com óbvios reflexos no
panorama cultural e artístico de toda a Época Moderna.
Em Barcelos, quis a piedade popular, devidamente autorizada pela hierarquia
eclesiástica, que a nova invocação recebesse o nome de Senhor Bom Jesus da Cruz.
Estavam criadas as condições ideais para a acentuação fervorosa da Paixão, Morte e
Ressurreição de Cristo.
Aparentemente, na sequência dos milagres das cruzes, que se repetiam anualmente no
chão barcelense, a devoção ao Santo Cristo não cessava de crescer.
Tal crescimento raiava por vezes a excessos, pelo menos aos olhos da cúria de Braga
(para quem a situação parecia escandalosa, não pela fé em si, mas pelos
comportamentos a ela associados), e que por isso tenta impor limites horários ao
exercício piedoso. Pelo menos é o que se infere da visita pastoral de 15 de Julho de
1624, feita pelo arcebispo D. Afonso Furtado de Mendonça.
Considerando nós a muita devoção, que os moradores desta vila têm ao
Santo Crucifixo que está na capela de Vera Cruz no arrabalde da Porta
Nova, havemos por bem revogar quaisquer visitações, em que se mandava –
que não fossem homens ou mulheres fazer oração à dita ermida, ou capela,
Painel de azulejos azuis e brancos, alusivos ao tema da Paixão,
cerca de 1730.
de certas horas em diante e levantamos quaisquer censuras nas ditas
visitações postas.
Encomendamos, muito especialmente, às mulheres, que fazem visitas à dita
ermida já de noite, se recolham cedo, e quando for possível, procurem
visitar o Santo Crucifixo antes de ser noite5
.
Esta aparente compreensão e tolerância de D. Afonso Furtado de Mendonça será bem
depressa repensada pelo seu sucessor, D. Sebastião de Matos e Noronha (arcebispo em
1636-1641), que reafirma o inconveniente que já havia sido detectado no passado por D.
Agostinho de Castro.
Com efeito, no capítulo 25.º da sua visitação, realizada a 26 de Julho de 1637, D.
Sebastião de Matos e Noronha estabelece os limites horários apropriados para a devoção
pública ao Senhor da Cruz.
Por inconveniente, que havia foi proibido por visitação do senhor D.
Agostinho de Castro nosso antecessor, que de noite se não façam visitas à
igreja da Santa Cruz; e posto que o senhor D. Afonso Furtado de
Mendonça, movido da devoção fria, mudasse esta proibição, fomos bem
informados que se usava mal dela; pelo que ordenamos sob pena de
excomunhão maior, que nenhuma pessoa de qualquer qualidade, que seja,
não corra os Passos, nem vá em romaria à igreja da Santa Cruz, desde que
tangerem as Ave-Marias até ser manhã clara, que se possa dizer missa6
.
Obviamente, era o carácter profano da devoção ao Santo Cristo que desagradava ao
prelado da arquidiocese. Podemos naturalmente intuir comportamentos inadequados,
quem sabe se exagerados uma vez colocados na boca do povo (e que chegavam aos
ouvidos do arcebispo), por parte de quem frequentava, de noite, a igreja da Santa Cruz e
os Santos Passos. Daí a rotunda proibição do culto nocturno, sem qualquer distinção
social, com a ameaça de excomunhão maior para os possíveis prevaricadores.
5
BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos,
vol. I, fl. 282.
6
Documento transcrito pelo tenente Francisco Cardoso e Silva, ob. cit., fl. 282v.
Pretendia-se, e tão-só, evitar aquilo que a pretexto da devoção ao Bom Jesus poderia
acontecer, mormente à luz da escuridão da noite, que poderia propiciar o pecado (a
ocasião faz o ladrão), por isso havia que evitar ocasiões nocturnas e pecaminosas.
De resto, a devoção ao Santo Cristo ou ao Bom Jesus de Barcelos era não só
reconhecida como desejada e estimulada pela hierarquia católica, que desde cedo
instituiu o altar do Senhor da Cruz como privilegiado, concedeu indulgências à sua
irmandade, aos devotos que visitassem o templo e os seus altares, às almas dos irmãos
defuntos quando ali fossem sufragadas.
Datado da Santa Sé em 10 de Junho de 1721, e publicado pela Câmara Eclesiástica de
Braga em 1 de Outubro do mesmo ano, um breve papal destinava-se a que “o altar do
Bom Jesus de Barcelos seja privilegiado”, por um período de 7 anos, implicando que,
toda as vezes que qualquer sacerdote secular ou regular celebrasse missa pelos irmãos
defuntos, tanto nos dias da sua comemoração como em todas as Sextas-feiras, as suas
almas seriam beneficiadas pelas indulgências da salvação.
O Doutor Agostinho Marques do Couto cónego prebendado na Santa Sé
Primacial desembargador e vigário geral, e de presente provisor nesta
Frontal do altar do Senhor da Cruz, 1736.
corte e arcebispado de Braga pelo ilustríssimo senhor arcebispo primaz
[…]. Faço saber a todo o povo fiel cristão que me foi apresentado um breve
de Sua Santidade concedido aos dez dias do mês de Junho do presente ano
[1721], pelo qual foi servido conceder que o altar do Bom Jesus da Cruz de
Barcelos seja privilegiado, e que todas as vezes que qualquer sacerdote
secular, ou regular nele celebrar missa de defuntos em dia de sua
comemoração ou de seu oitavário, e na Sexta-feira de cada semana pela
alma de qualquer confrade que desta vida passasse unida a Deus em sua
caridade que esta mesma alma alcance indulgência do tesouro da Igreja
pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Maria
Senhora Nossa e de todos os santos, e santas da corte do céu, e seja livre
das penas do purgatório e vá logo gozar da glória de Deus cujas
indulgência concede por tempo de sete anos7
.
Para além da dimensão religiosa e funerária – a alimentação da chama piedosa e o
combate às heresias, a salvação pela fé mas também pelas boas obras, que desde o
Concílio de Trento se reafirma e, por isso, havia que assegurar a vida eterna no reino do
céu –, estas indulgências serviam igualmente objectivos de ordem social e política, de
forma a manter coesa e em boa ordem a cristandade, não fosse a Igreja Católica a
principal responsável pela formação e educação de toda a sociedade, incluindo os seus
príncipes e governantes.
Desde as inúmeras obras de arte com um carácter profundamente pedagógico, existentes
em igrejas e conventos, nas capelas e alminhas e noutros espaços públicos, às homilias e
às pregações nos dias festivos e nas procissões; desde os livros e missais aos textos e
documentos dos Doutores da Igreja e dos cronistas, a Igreja Romana surge sempre
como o exemplo a seguir nos planos da vida pessoal, familiar e social.
Vários instrumentos legais, oriundos da cúria romana, atestam o interesse pelo Senhor
da Cruz de Barcelos. Significam, sem dúvida, o incitamento da hierarquia à devoção do
povo católico.
Um exemplo diz respeito ao breve do papa Clemente XII – publicado pela autoridade
eclesiástica de Braga em 30 de Setembro de 1737 –, pelo qual concedeu indulgências
7
AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Edital de publicação de breve papal de
1721.
plenárias a todos os cristãos católicos, homens e mulheres verdadeiramente confessados
e comungados que participassem na chamada oração das quarenta horas, organizada sob
licença do ordinário da corte arquiepiscopal e a ter lugar “no templo da Confraria de
Nosso Senhor Jesus Cristo da Cruz do Bom Jesus de Barcelos”, com início no dia 1 de
Maio, devendo rezar-se pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos, pela Santa
Madre Igreja, pelo combate e “extirpação” das heresias.
Estas indulgências ou graças vigoravam por um período de 7 anos e apenas seriam
obtidas nesta ocasião do ano, o que reforçava a sua importância.
O Doutor Francisco Pacheco Pereira cónego na Santa Sé Primacial
desembargador e vigário geral nesta corte e arcebispado de Braga pelo
ilustríssimo senhor cabido sede vacante primaz das Espanhas. Faço saber
que me foi apresentado um breve de Sua Santidade o papa Clemente
duodécimo nosso senhor ora presidente na Igreja de Deus pelo qual foi
servido conceder a todo o povo fiel cristão assim homens, como mulheres
que verdadeiramente confessados, e comungados por algum espaço de
tempo assistirem à oração das quarenta horas que de licença do ordinário
se fizerem no templo da Confraria de Nosso Senhor Jesus Cristo da Cruz do
Bom Jesus de Barcelos no primeiro dia de Maio, e aí devotamente orarem a
Deus Nosso Senhor pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos,
exaltação da Santa Madre Igreja, e extirpação das heresias rezando
algumas orações por cada vez, que isto fizerem alcancem indulgência
plenária, e remissão de todos os seus pecados por misericórdia de Deus, as
quais indulgências concedeu por tempo de sete anos somente, não havendo
para os mesmos fieis cristãos semelhantes graças, em outro qualquer dia do
ano, ou que pela aceitação, admissão ou publicação das presentes se
mandasse coisa alguma ainda que limitada, e por me constar por certidão
do reverendo pároco as não há, mando passar o presente edital de
publicação de indulgências, a que dou e entreponho minha autoridade
ordinária com decreto judicial, e mando se cumpra e guarde como no breve
se contém. Dado em Braga sob meu sinal e selo desta corte aos trinta de
Setembro de mil e setecentos e trinta e sete anos8
.
8
Idem, Edital de publicação de breve de 1737.
Este decreto do Sumo Pontífice foi
confirmado por outro documento que
menciona não um mas dois breves
papais emitidos em 1737 (ambos
negociados na instância judicial
religiosa), no qual se afirma que o
tesoureiro gastou 560 réis no Juízo
Apostólico de Braga, com a expedição
dos dois breves, um que concedia de
novo o estatuto de altar privilegiado ao
do Senhor Bom Jesus da Cruz e outro
a decretar outra vez as indulgências
relacionadas com a oração de 40 horas,
a decorrer nos primeiros três dias de
Maio.
É de salientar que, no mesmo ano, e dando cumprimento a um breve da cúria de Braga,
foi colocada uma banqueta no altar-mor, que custou à irmandade 8.000 réis, para a
colocação do Santíssimo Sacramento. Por outro lado, o velho retábulo do altar do
Senhor da Cruz, bem como o da Senhora das Dores, haviam sido recentemente
substituídos pelos actuais, entalhados ao gosto joanino, por um conceituado mestre
entalhador do Porto.
Outro exemplo é-nos dado pelo breve de
indulgências do papa Benedito XIV, publicado em
2 de Maio de 1749, destinado aos devotos do
Senhor da Cruz de Barcelos. Tinha também
validade de sete anos e concedia aos fiéis de
ambos os sexos – que fossem “verdadeiramente
confessados, sacramentados e arrependidos de
suas culpas”, e visitassem algum dos altares do
templo do Senhor Bom Jesus da Cruz no dia da
Invenção da Santa Cruz, em 3 de Maio, entre o
romper do dia e o pôr-do-sol –, o perdão de todos
os pecados, o que representava uma porta entreaberta para a eternidade.
Mas para alcançarem esta “indulgência plenária, e remissão de todos os seus pecados”,
os devotos exaltantes da Santa Madre Igreja de Roma deveriam não apenas elevar o seu
pensamento e oração a Deus, mas rezar também pela paz e concórdia entre os príncipes
cristãos, sem esquecer a “extirpação das heresias”9
.
O amor a Cristo, que se pregava nos púlpitos das igrejas e nos palanques das procissões,
incitava o povo cristão e católico a não se deixar iludir pelos cristãos luteranos,
calvinistas e anglicanos, a combater os judeus, muitos dos quais escondidos sob a capa
da reconversão e apelidados de cristãos-novos mas que continuavam fiéis ao credo
israelita, a perseguir sem dó nem piedade os adeptos de Maomé.
Desde o Concílio de Trento até ao conturbado século XVIII (mas ele existirá algum
século que não seja conturbado?), alimentar a chama da fé e do fervor religiosos, unir a
cristandade à volta dos seus príncipes educados nos dogmas e ritos católicos e
obedientes à Igreja Romana, e consequentemente combater, perseguir e liquidar os
heréticos, parecem ter sido as palavras de ordem.
O rito, a pregação, a doutrina geralmente versada em latim, o verbo vernáculo da
Companhia de Jesus em acção evangelizadora e o domínio das escolas, pensadas para as
elites, onde se sacralizava a pedagogia do medo, reinante desde a Idade Média.
A Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício, em perfeita sintonia com o Estado absoluto
do Antigo Regime, fazia o resto: prendia, torturava, julgava. E matava tantas vezes. Às
vezes absolvia.
Era, no entanto, tarde demais, porquanto iam florescendo, concomitantes à repressão e
ao totalitarismo, as luzes do pensamento racionalista e liberal, antes de mais na
Inglaterra anglicana (que a grande custo viu nascer os E.U.A.), nos países do norte
europeu e sobretudo em França, onde acabou por eclodir a Revolução de 1789 que
marcou simbolicamente o início da Época Contemporânea.
No último quartel do século XVIII, a Santa Sé há-de confirmar o estatuto de
privilegiado ao altar do Senhor da Cruz, passar novos decretos de indulgências,
estimular o fervor religioso em redor do fenómeno da Santa Cruz e de Cristo, mas
abrangendo também a mãe de Deus, na sua qualidade de Nossa Senhora das Dores.
Nesse sentido, três decretos da cúria romana chegaram a Barcelos, em 1787.
9
Idem, Edital de publicação de breve de 1749.
O arcediago da arquidiocese de Braga, Pedro Paulo de Barros Pereira, assinou a
publicação de um decreto, em 22 de Julho de 1787, que vem uma vez mais atribuir o
estatuto de privilegiado ao altar do Senhor da Cruz, chegando mesmo a classificar a sua
igreja como colegiada.
Refere, pois, que o papa Pio VI havia emitido um breve pelo qual concedia “que o altar
do Senhor da Cruz da igreja colegiada do mesmo Senhor da Cruz da vila de Barcelos,
seja privilegiado”. Desta vez, o estatuto de altar privilegiado foi concedido a título
perpétuo, concedendo os favores das indulgências a todas as almas sufragadas aquando
da celebração de missas neste altar, “sem as penas do purgatório”.
Na mesma data, em 22 de Julho de
1787, o citado arcediago publicava
mais dois breves da Santa Sé, um dos
quais a instituir igualmente o estatuto
de altar privilegiado ao de Nossa
Senhora das Dores, também com
carácter perpétuo, durante três dias por
semana, designadamente às Segundas,
Quartas e Sábados.
Tal privilégio vinha acentuar a
importância do culto mariano no
templo do Senhor da Cruz, logicamente
associado ao drama da Paixão.
O outro decreto concedia novamente indulgências aos cristãos “verdadeiramente penitentes
confessados e refeitos com a sagrada comunhão”, que visitassem ou viessem a visitar a “igreja
colegiada do Senhor da Cruz” da vila de Barcelos, nos dias da Invenção e da Exaltação da
Santa Cruz, “e também no dia em que se faz a festa de Nossa Senhora das Dores da mesma
igreja”, graça desta vez concedida para todo o sempre.
A que se deveu o epíteto de colegiada?
Para realçar a importância de uma igreja
que mantinha em funcionamento um coro
(com 7 capelães desde 1725, ampliado para
9 capelães e 2 meninos nos finais de 1728)
que cantava nas festividades mais solenes,
Livro do século XVIII, relacionado com a instituição
do coro do Senhor da Cruz.
em conformidade com a prática dos
cónegos da antiga colegiada da vila? Ou
deveu-se simplesmente à forte influência
do prior e de outros cónegos da dita
colegiada.
É preciso não esquecer que, frequentemente, deparamos com o prior e os cónegos da
antiga colegiada a exercerem funções no templo do Senhor da Cruz, quer como juízes
ou elementos da mesa da irmandade, quer como capelães do mencionado coro.
Seja como for, estes três decretos da Santa Sé, emitidos na mesma data, constituíram um
inequívoco quadro legal e institucional no reconhecimento do famoso culto do Senhor
Bom Jesus da Cruz de Barcelos.
Para fortalecer e ampliar a crença dos devotos, reafirmaram-se e actualizaram-se os
privilégios do passado, acrescentou-se ou reforçou-se a dinâmica em redor do culto da
Senhora das Dores, perpetuaram-se os privilégios e as graças que no passado eram
dadas pontualmente, que no máximo tinham a validade de sete anos.
A antiga morada do Senhor Bom Jesus da Cruz
Pouco se sabe acerca das construções anteriores à actual igreja.
A escritura notarial onde se refere a data de 1504, trasladada pelas certidões do século
XVII, explica que logo após o miraculoso aparecimento da cruz (e testemunhado o
fenómeno antes de mais por notáveis da vila – Diogo da Costa, escudeiro e juiz
ordinário, Pedro Alvares, contador, Pedro Machado, escudeiro, Álvaro Pinheiro, fidalgo
e o tabelião que fez a escritura –, mas também por “muita gente da dita vila e fora dela”
que ali acorreu para “ver e adorar a dita cruz”), esta foi cercada por pedras, mas logo se
combinou a edificação de uma capela, atendendo a que toda aquela gente ali reunida, na
presença de muitos outros “homens e governadores da dita vila acordaram ser edificada
uma casa ao pé e lonjura da dita cruz”.
No mesmo dia à tarde ter-se-á organizado uma solene procissão, que deve ter saído da
colegiada em direcção àquele novo chão sagrado – e que contou com o natural
envolvimento de todo o clero local e da Confraria da Nossa Senhora da Misericórdia –,
transportando uma cruz de madeira “muito alta, muito bem feita”, que ali foi colocada
como “divisa e mostramento” do referido milagre.
Os investigadores tradicionais são unânimes na apresentação de um primitivo espaço
assinalado no sítio do primeiro milagre, delimitado por quatro arcos cobertos por uma
abóbada.
Referem que no ano seguinte, um rico mercador barcelense terá trazido da Flandres a
magnífica imagem que integra actualmente o altar do Senhor Bom Jesus da Cruz, pelo
que se tornou necessário, sem dúvida, um abrigo fechado e um espaço mais amplo. Era
forçoso abrigar a Deus, com dignidade.
Por isso, talvez em data não muito distante de 1505, ter-se-á tapado a arcaria dos lados
nascente, norte e poente, e dividido a capela em dois espaços; uma pequena abertura na
parede do poente, com uma grade de ferro, permitia a veneração da imagem alojada na
nave do lado do antigo souto de carvalhos (que no século XIX se há-de encontrar
“adornado com casas dos habitantes do bairro do Bom Jesus da Cruz”); no espaço
oposto, numa segunda nave, colocou-se um altar com seu retábulo, onde se passou a
rezar missa e por onde se entrava pelo arco do lado sul.
Evidentemente que a referência a duas naves e à celebração da missa na nave voltada a
nascente permite-nos imaginar uma capela de razoáveis dimensões, orientada a norte e
com dois portais voltados a sul – um talvez encerrado no dia-a-dia, que dava acesso
directo à novíssima escultura flamenga, e o pórtico que dava acesso ao espaço das
celebrações litúrgicas. Ou seja, em vez de duas ermidas, como parece à primeira vista,
deve ter-se ampliado significativamente o primitivo espaço de culto: construiu-se uma
capela de duas naves, orientada a norte, com dois portais de acesso ao interior.
Esta hipótese é tanto mais verosímil quanto, dizem os estudiosos do passado, em volta
da primitiva ermida construiu-se “uma arcaria coberta com telhado, e sustentada em
colunas de pedra”10
, isto é, deve ter-se edificado a partir da primitiva ermida um templo
de duas naves, ainda que de modestas dimensões, uma reservada à imagem do Senhor
da Cruz e a outra destinada ao funcionamento do culto e ao enterramento de irmãos.
Esta nova capela seria rematada por uma cobertura abobadada, a partir do cruzamento
de uma arcaria – talvez ogival ou goticizante, já que o arco de volta perfeita, “ao
10
PEREIRA, Domingos Joaquim – Memória Histórica da Vila de Barcelos, p. 86.
moderno”, não dera ainda entrada triunfal no gosto português – saída dos pilares que
suportavam o edifício.
Exteriormente, uma arcada em granito justificava-se para suportar o alpendre colocado à
roda do templo. É pois de crer que o primeiro abrigo deu rapidamente lugar a uma
capela de dimensões mais aceitáveis, em conformidade com as necessidades do culto e
com a afluência de um número crescente de devotos que acorriam ao templo.
É que, embora no dia-a-dia fossem sobretudo os devotos da vila e arredores que se
dirigiam à capela (e já não eram poucos), nas festividades mais importantes – a
Procissão dos Passos, no segundo Domingo da Quaresma, a Invenção da Santa Cruz, no
dia 3 de Maio e a Exaltação da Santa Cruz, a 14 de Setembro – participavam devotos
oriundos de variadíssimas localidades.
Particularmente a Invenção da
Santa Cruz, responsável pela
mais famosa das romarias
minhotas – a Festa das Cruzes
que há centenas de anos se
realiza, quase sempre, entre os
dias 1 e 3 de Maio –, mobilizava,
como continua a mobilizar,
muitos milhares de devotos e
forasteiros.
De notar que a feira associada a esta romaria parece ter perdido alguma importância no
século XIX, a avaliar pelas palavras de Amaral Ribeiro, segundo o qual “noutros
tempos”, a feira ligada às festividades das Cruzes fora concorrida por comerciantes de
todo o reino, enquanto na data em que escreve estaria a mesma feira limitada a alguns
ourives, chapeleiros, vendedores de quinquilharias, guarda-sóis e pouco mais.
Em meados de oitocentos, a fraca participação popular e o consequente impacto
negativo nos negócios chegou a limitar a Festa das Cruzes a um só dia.
Na sua reunião de 2 de Abril de 1850, a
mesa da irmandade determinou que a
festa se celebrasse apenas no dia 3 de
Maio, devendo no entanto esta efeméride
da Invenção da Santa Cruz ser assinalada
Festa das Cruzes, 2006.
com a grandeza e a solenidade habituais,
até porque, dizia-lhe a experiência, os
“rendimentos escasseiam sempre que
sem motivo justificado e bem notório se
não faz a festividade das Cruzes com
toda a solenidade e grandeza”.
O que se passava, na realidade, era a reduzida afluência das populações mais distantes,
devido às difíceis condições de acesso a Barcelos, que inibiam a participação de
forasteiros das regiões localizadas a norte e a sul do concelho.
Assim parece ter acontecido durante sete anos, já que na reunião de 3 de Abril de 1857,
a mesa considera conveniente que a festividade de Maio retome a duração de 3 dias,
alegando para o efeito vários motivos: assim estaria determinado nos velhos estatutos,
que tinham entretanto desaparecido; era uma exigência decorrente da tradição; e porque
se achavam “agora prontas e abertas à viação as estradas de Viana e Porto” – aspecto
quanto a nós determinante, porquanto a nova estrutura viária prometia repor o antigo
concurso de gentes na feira associada à Festa das Cruzes.
Para restabelecer a “antiga concorrência”, isto é, chamar de novo à romaria de Barcelos
milhares de forasteiros, elaborou-se um programa aparatoso que incluía, para além da
música instrumental e de vozes (cuja orquestra ficou a cargo do mesário João Diogo da
Silva Cardoso, conforme decisão da mesa de 16 de Abril), o fogo de artifício e “mais
aparatos e festejos fora do templo”, programa que levou à abertura de uma subscrição
pública.
Da antiga capela ao actual templo
A velha capela existente no século XVII, dotada de uma confraria provavelmente desde
os anos que se seguiram ao aparatoso milagre de 1504, acolhia um significativo recheio,
nomeadamente:
A – O mobiliário religioso, a indumentária indispensável ao funcionamento do culto
(paramentaria, toalhas e cortinados) e as alfaias litúrgicas.
B – O retábulo e o altar onde se encontrava a imagem de Cristo com a cruz às
costas, escultura que Manuel Severim de Faria – que terá seguido a História
Manuscrita da Província da Capucha da Piedade, da Ordem de S. Francisco –,
afirma ter vindo da Flandres logo no ano seguinte ao primeiro milagre da cruz: “no
ano de 1505, trouxe um mercador de Barcelos das partes da Flandres esta Santa
Imagem”11
.
C – O andor para sair nas procissões, os instrumentos do martírio e da Paixão de
Cristo e todos os objectos ligados à instalação dos Passos nas principais artérias
intra e extra-muros da vila.
E não deveriam faltar ainda os ex-votos alusivos aos milagres e ao correspondente
cumprimento de promessas, um ou outro relicário, bem como algumas telas e tábuas
com representações pictóricas do drama sagrado.
Apesar da escassez de documentos conhecem-se, felizmente, alguns dos inventários,
nomeadamente os de 1666, 1668, 1669 e 1687.
Conhece-se também um livro, embora de difícil leitura, com registos de receitas e
despesas da segunda metade do século XVII, que nos fornecem algumas pistas para um
melhor entendimento da capela seiscentista.
No inventário de 1666, o escrivão da confraria padre Domingos Carvalho foi
suficientemente minucioso para nos dar uma ideia aproximada da dinâmica em torno do
11
BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos,
vol. I, fl. 281v.
Imagem relicário que, pela análise estilística, poderá
pertencer ao século XVII, embora não seja referida nos
inventários existentes.
Senhor da Cruz. A descrição pormenorizada do recheio da velha capela era tão
importante que o tesoureiro, Belchior Francisco, declarou que faltava um parafuso no
“lampadário de prata”.
Num ápice, ficamos a saber que havia apenas uma invocação no templo, a do Senhor
Bom Jesus da Cruz (com a imagem dos inícios do século XVI exposta no seu altar, na
nave do lado poente) e que o mesmo era dotado de um retábulo localizado na nave do
lado nascente, espaço onde decorriam os actos litúrgicos e se sepultavam os irmãos
falecidos.
Os inventários do século XVII
No ano de 1666, a Santa Confraria da Vera Cruz era proprietária de um modesto mas
esclarecedor recheio, nomeadamente:
Do arquivo da confraria – Existia o livro dos estatutos, uma bula de indulgências
atribuída pela Santa Sé à confraria (“mais uma pauta engessada em que está trasladada”
a referida bula papal), cinco livros, dois dos quais velhos e três novos – um que servia
para o registo dos confrades, outro para os actos eleitorais da mesa e inventário do
recheio da capela, e outro para registo das receitas e despesas. Neste último, deparamos
com o registo da compra do “livro do estatuto”, pelo valor de 140 réis, neste mesmo ano
de 1666. Para os ofícios do culto divino existiam ainda um missal grande e um manual
bastante usado.
Mobiliário, lampadários, castiçais e alfaias litúrgicas – Existia uma caixa que servia
para guardar o “tesouro” do Senhor da Cruz, uma estante da China, uns armários de
guardar os paramentos, um banco comprido que se encontrava na nave onde se
celebravam as missas, um escabelo, uma caldeira em cobre, uma campainha partida e
uma bacia para a recolha das esmolas, dois lampadários (um de prata e outro de latão),
dois castiçais de estanho e “uns castiçais de prata pequenos”, quatro galhetas (duas de
prata e duas de estanho), dois cálices de prata e duas patenas.
Paramentaria, cortinados e outros – Uma vestimenta, um véu de tafetá com renda,
três alvas e três amictos, um par de cortinas de rede e “umas cortinas de volante”, três
mesas de corporais, cinco frontais de altar (dois de damasco vermelho, um dos quais
usado, outro de cetim preto e outro de damasco tostado, um outro já roto), oito toalhas
de altar, um pano da Paixão de Cristo e um pano do coro para o transporte do guião.
Imagem e andor – Uma imagem de Cristo, na qualidade de Senhor dos Passos, com
“suas túnicas roxas”, com uma cruz e o andor desta imagem.
A referência a uma única imagem do patrono
da irmandade, a conhecida representação do
Senhor Bom Jesus da Cruz – uma bela
escultura flamenga dos inícios de
quinhentos, que se venera actualmente no
seu altar –, logicamente associada ao Senhor
dos Passos, denota bem a centralidade desta
invocação e a importância atribuída
historicamente, pela Igreja e pelos fiéis, à
recriação anual do drama sagrado da Paixão
de Cristo.
Sabemos que as festas da Invenção e da Exaltação da Santa Cruz, em 3 de Maio e em 14
de Setembro, constituíam momentos altos da vida religiosa em torno da antiga capela do
Senhor da Cruz.
Mas as despesas lançadas em livro, de que há registos minimamente legíveis a partir de
1666, denunciam a Procissão dos Passos como o momento mais elevado da vida da
irmandade, quer pelo simbolismo que encerra – trata-se do drama justificativo da Santa
Cruz, com um significado deveras acrescido para todos os que piamente acreditam na
sua aparição em Barcelos –, quer pela espectacularidade que suscita, sempre que o
cortejo processional é posto em movimento.
DESPESAS DA IRMANDADE DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ – 166612
DESCRIÇÃO DA DESPESA RÉIS
Pela porca do sino que um devoto deu de esmola e “pela ferragem que consertou
o mordomo Brás do Vale pelo amor de Deus que se gastou somente com quem
pôs a porca de agarrá-lo”.
90
Por uma corda para o Cristo da Procissão dos Passos. 150
Pelo conserto do taburno que deveria estar junto do retábulo do altar-mor. 230
Pela limpeza do percurso da Procissão dos Passos. 40
Pela aquisição de 4 libras de cera a 520 réis cada. 2.080
Por meio almude de vinho “para curar os penitentes”. 100
Pelo vinho maduro para as garrafas. 132
Aos cónegos e serventes “para coristas das vésperas para dia da festa”. 940
Pela missa cantada, dita pelo cónego António Velho. 200
Pelos juncos das “completas para dia da festa”. 100
Por três quartilhos de azeite “das noites, para dia da festa”. 120
A quem foi buscar e levar os bancos para escabelos. 60
Ao cónego João de Medela, de levar o Santo Lenho na Procissão dos Passos. 200
Aos coreiros pela participação na Procissão dos Passos. 200
Ao sacristão dos ornamentos, pelo ano inteiro. 400
12
AISC, Livro das receitas e despesas do século XVII.
Pormenor da Procissão dos Passos, década de 1990.
Pelo livro do registo das receitas e despesas. 200
Pelo livro “dos assentos da irmandade”. 360
Pelo livro do inventário. 200
Pelo livro dos estatutos. 140
Nos inventários de 1668 e 1669, o escrivão Domingos Carvalho limita-se a acrescentar
algumas peças novas ou as que não tinham sido ainda inventariadas.
Assim, a 6 de Dezembro de 1668, e sendo ainda tesoureiro Belchior Francisco,
mencionam-se:
Um legado pio – Deixado por testamento do mestre de campo Gaspar Pinheiro Lobo,
do qual “tem mais esta confraria cinco mil reis de sobejos de juros de vinte, e cinco mil
réis”, verba que o legatário destinou a uma missa quotidiana, para todo o sempre, e que
a confraria já tinha aplicado em empréstimos a juros. O valor global deste legado era de
500.000 réis.
Cruz, guião, varas e cortinado – Uma cruz de prata “que se mandou fazer” para um
guião, destinada a acompanhar os confrades à sua última morada; um guião roxo, de
damasco, com as suas estampas, cordões e suas borlas de retrós roxo e amarelo; três
varas para os juízes e o escrivão levarem na Procissão dos Passos; e umas cortinas de
linho do altar.
Rendas em géneros – Finalmente, a “santa confraria” recebia todos os anos 19
alqueires de cereais, 13 de milho e 6 de centeio, provenientes dos seus rendeiros.
Em 1669, sendo juízes da confraria Diogo de Vilas Boas Caminha e António de Faria
Carvalho, e tesoureiro o cirurgião Martim Rodrigues Gomes, como que se vai
completando o inventário, com o registo dos novos paramentos e dos “papéis e
escrituras” das décadas de 1650 e 1660:
Paramentaria – Duas toalhas de altar (uma oferecida por António Simões e outra por
Francisco Braga), uma toalha das comunhões, duas mesas de corporais, uma bolsa de
corporais de damasco pardo, três mursas roxas, dois hábitos brancos, dois véus (um
vermelho e um tostado), uma vestimenta de chamelote branco (de lã, com franjas de
retrós carmesim), uma alva nova e rendada e dois cordões novos de cingir a cintura dos
capelães.
Objectos vários – Um diadema novo do Senhor dos Passos, um missal também novo e
encadernado “com pasta da boa”, um candeeiro de três lumes, dois tocheiros, quatro
forquilhas para o andor “com seus encontros” e uma lança do guião.
Escrituras de dinheiro a juros – Seis escrituras inventariadas em 1669 dão-nos conta
de quem recorria aos créditos da confraria, a saber: Miguel Garcia devia 100.000 réis,
através de escritura feita na nota do tabelião Manuel de Faria; Francisco Martins Colaço
60.000 réis, registados pelo escrivão Alexandre Dantas; Luís da Silva 50.000 réis, pela
nota de Baltazar Dantas; a viúva Maria Ribeiro devia 100.000 réis, escriturados no
notário de Luís da Rocha e mais 100.000 na nota de Manuel de Faria. Todos os
devedores residiam na vila de Barcelos.
Finalmente, o inventário de 1669 lança alguma luz sobre os legados pios e sobre a
situação económico-financeira da confraria que, nos séculos XVIII e XIX, há-de tornar-
se numa importante instituição de crédito da vila, como adiante se verá no capítulo
dedicado à Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz.
Por este inventário ficamos a saber da escritura do testamento de Gaspar Pinheiro Lobo,
a favor da Confraria do Senhor da Cruz, feita em 1654 em Lisboa pelo escrivão João da
Guerra, sem se mencionar o montante da doação; porém, mais à frente, o documento
refere a entrega ao novo tesoureiro das escrituras “do dinheiro que anda a juro do mestre
de campo Gaspar Pinheiro Lobo” e que totalizava 500.000 réis.
Somos ainda informados da existência de uma sentença derivada de um processo que a
confraria moveu contra os cónegos da colegiada de Barcelos, processo relacionado com
a apresentação dos capelães “em que se julgou pertencia a apresentação aos oficiais da
dita confraria”. Como se depreende do não dito, deste confronto jurídico pela
apresentação dos capelães do Senhor da Cruz, com os cónegos da colegiada, a mesa da
confraria saiu certamente perdedora, sendo lavrada a sentença a 11 de Julho 1659
(participaram neste processo o escrivão Luís da Rocha e Andrade, de Barcelos e Manuel
Correia de Faria, “escrivão dos agravos” do tribunal portuense que ditou a sentença).
O livro de receitas e despesas acima mencionado fornece-nos elementos interessantes
atinentes a uma melhor compreensão da capela seiscentista.
As receitas são em geral
oriundas das esmolas em
dinheiro e em géneros
recolhidas ao longo do ano e
com particular incidência nos
dias das principais
festividades, das rendas em
géneros entregues à confraria,
dos enterramentos de devotos
e seus familiares, das jóias
dos novos irmãos admitidos e
dos chamados anuais.
O legado de Gaspar Pinheiro Lobo atrás referido, e o mais expressivo na segunda
metade do século XVII, estava colocado a juros e rendeu em 1669 cerca de 5.000 réis de
lucro, depois dos pagamentos efectuados aos capelães que diziam as missas.
Assim, as capelanias resultantes da instituição de legados eram suportadas pela
administração dos mesmos, entrando os sobejos nos cofres da irmandade ou no circuito
mutualista, podendo ainda servir para o pagamento de despesas, como aconteceu em
1669-1670 quando o tesoureiro declarou ter entregado 5.000 réis dos “juros das missas
quotidianas, que sobejam dos capelães” a Baltazar Francisco, para pagamento do que se
lhe estava a dever “dos gastos que fez no conserto da capela”.
Como se infere das contas da confraria, as despesas destinavam-se aos compromissos
com os capelães que celebravam as missas instituídas pelos legados e a todos os
clérigos que participavam nos actos da liturgia em dias festivos, aos materiais e mão-de-
obra inerentes a obras de reparação na capela e à realização das principais solenidades,
sobretudo a Procissão dos Passos, a Invenção e a Exaltação da Santa Cruz.
MOVIMENTO DAS RECEITAS E DESPESAS DA IRMANDADE DO SENHOR
BOM JESUS DA CRUZ – 1669-167013
ORIGEM DAS RECEITAS RÉIS DESTINO DAS DESPESAS RÉIS
O tesoureiro recebeu do seu
antecessor.
425 Uma missa celebrada pela alma de
Maria de Miranda.
50
“Covagem” ou enterramento de
um familiar de Páscoa Lopes.
200 A quem levou o guião no funeral
de Maria de Miranda.
20
Enterramento da irmã do Faria. 200 Uma corda para o lampadário. 100
Enterramento do Grilo da Fonte
de Baixo.
160 Uma roldana para o lampadário. 100
Enterramento de uma criança. 100 Missa dita por Isabel, solteira, de
Barcelinhos.
50
Enterramento da filha da
Focinha, que morreu ao nascer.
50 A quem “negociou a bula das
indulgências”, em Braga.
100
Enterramento de uma criança,
da Marreca.
100 Uma libra de cera branca. 550
Enterramento “do negro” de
João de Mendanha.
150 A uma mulher que foi a Salvador
do Campo, buscar o guião.
20
Enterramento da Gazoulha. 200 Ao sacristão, pelo dia da Procissão
dos Passos.
200
Bacias das esmolas. 160
A uma mulher que foi a Braga
buscar e levar “os ladrões e as
murças” para a Procissão dos
Passos.
100
Esmolas do dia da Santa Cruz. 220 Trombeta dos Passos. 400
Esmolas do dia da Santa Cruz. 40 Meio almude de vinho. 120
Esmolas do dia da Santa Cruz. 100 Vinho para as garrafas. 48
Esmolas de 5 libras de estopa. 250 Meia canada de vinho maduro para
a Procissão dos Passos.
24
Esmolas. 340 Meia mão de papel. 25
Esmolas da Procissão dos
Passos.
80 Ao cónego António Velho, de levar
o Santo Lenho.
200
13
AISC, Livro de receitas e despesas do século XVII, fls. 55-56v.
Admissão de novos irmãos. 800 Aos coreiros. 200
Anuais. 1.110 Tingimento de 2 véus para o altar. 40
Esmolas da bacia. 534 A AntónioVelho, pelas “vésperas e
missa da festa”.
200
Enterramento do filho de
Jerónimo do Vale.
100 “Capas e mais aparelho” para o
sacristão.
200
Venda de 7 alqueires de milho e
3 de centeio, deixados por
Maria de Miranda.
960
Aos dois coreiros, das “vésperas e
dia da festa”. 270
Venda de 19 alqueires “de pão
que se paga a esta confraria”.
1.640 Dois feixes de juncos. 40
Dos “juros das missas
quotidianas, que sobejam dos
capelães”*.
5.000 Ao provedor das contas. 640
Total 11.234 Dois anos de missas que estavam
por dizer.
600
* “Declaro que os cinco mil réis deu o
tesoureiro a Baltazar Francisco que se
lhe estavam devendo dos gastos que fez
no conserto da capela com o que está
satisfeito, como consta da paga que deu”.
Uma missa pela alma do Pina. 50
Ao capelão das sextas-feiras. 2.500
Total 6.817
Remate do escrivão:
“Gastaram mais os senhores juízes de sua bolça os gastos de duas pregações dos Passos
e da Procissão, e música dos Passos, e dia da festa e armação do dia e pregação e mais
gastos ordinários que tudo deram de esmola para a dita confraria e de como o disseram
mandaram fazer esta verba que assinaram, e eu o padre Domingos Carvalho o escrevi”.
Os inventários e os registos de contas conhecidos, relativos ao século XVII, dão-nos
uma ideia aproximada do templo seiscentista – um edifício abobadado, com duas
pequenas naves, uma com o seu retábulo e onde decorriam os actos litúrgicos, e outra
que servia de abrigo à veneranda imagem quinhentista.
O retábulo da velha capela, fabricado por certo ao estilo maneirista, deveria incluir
várias telas alusivas ao tema da Paixão. As seis telas de pintura a óleo que se encontram
arrumadas numa das salas do templo, e que merecem um cuidadoso restauro, podem ter
pertencido ao altar do século XVII, conforme parece indiciar o inventário de 1714 ao
referir a existência de “sete quadros já velhos” que saíram de um retábulo. Uma das seis
representa a Virgem com o Menino, as restantes cinco narram-nos aspectos da Paixão
de Cristo.
Nos inícios do século XVIII, o edifício deveria estar a degradar-se e os seus espaços a
revelarem-se insuficientes face ao fervor religioso em torno do Senhor Bom Jesus de
Barcelos.
A sua irmandade, credora do prestígio e importância junto dos devotos da vila e fora
dela, vinha mobilizando vontades desde a década de 1690, que haviam de conduzir à
construção da nova e actual igreja, mais ampla, monumental e moderna, de acordo com
a estética e a mentalidade barrocas.
Uma das seis antigas pinturas a óleo sobre tela, que se
encontram guardadas no templo à espera de restauro.
Nota final
Este trabalho constitui o resumo do primeiro capítulo do livro O Senhor Bom Jesus da
Cruz de Barcelos. Quinhentos anos de História, editado pela Real Irmandade do Senhor
Bom Jesus da Cruz de Barcelos, 2004, mas apresentado a público no auditório da
Biblioteca Municipal de Barcelos no dia 2 de Março de 2005.
Assim, para uma melhor compreensão da história do Senhor da Cruz pode consultar-se
o referido livro, bem como a documentação e a bibliografia nele mencionadas.
Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, 1705-1710.

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  • 1. O Senhor Bom Jesus de Barcelos: das origens do fenómeno religioso à construção do actual templo  Artigo publicado na Barcelos Revista Joaquim Alves Vinhas Breve introdução Pensa-se que no dia 20 de Dezembro de 2004 se completaram quinhentos anos de culto ao Senhor Bom Jesus da Cruz. A casa que lhe serve de morada, pela sua qualidade arquitectónica e artística, ombreia com os melhores exemplares da arte sacra nacional. Razão suficiente para se reconhecer a sua importância na história local de Barcelos.
  • 2. Na verdade, ninguém poderia imaginar uma história de Barcelos das épocas Moderna e Contemporânea, sem a significativa presença do Senhor da Cruz, isto em vários domínios: o religioso em primeiríssimo lugar, certamente, mas também o artístico, o sócio-económico, o cultural. O templo que podemos observar junto ao Largo da Porta Nova apresenta-se aos olhos de quem vem à cidade como um magnífico cartão de visitas, o ponto alto de uma estadia enriquecedora, quer para o simples devoto e romeiro, quer para o forasteiro, o curioso e o intelectual. Classificado como imóvel de interesse público em 6 de Dezembro de 1958, o templo do Senhor da Cruz foi concebido nos inícios do século XVIII, dando-se corpo à ideia que se vinha a impor desde o século XVII. Inaugurado em 1710, esta igreja apresenta-se-nos como um exemplar da arquitectura religiosa de excelente qualidade, não fosse o autor da sua traça João Antunes, um arquitecto de relevo ao serviço do reino. Tem pois quase trezentos anos esta igreja, este espaço de oração e de fruição estética, este emblema de Barcelos! Espaço religioso, onde a fé de muitos ali vai alimentar-se, qual alento das almas piedosas, qual alívio das cruzes de tantas vidas desditosas e enegrecidas, o templo que se nos apresenta aos olhos do corpo e da alma afirma-se igualmente como um lugar de acolhimento e de abrigo de um interessante e valioso espólio cultural e artístico que urge defender e preservar. As pedras claras do granito acinzentado pelo uso e pelo tempo, as alfaias e paramentos da liturgia, as sacras e crucifixos arrumados, as imagens dos santos e do Senhor da Cruz, os altares e retábulos de talha dourada, os panos de azulejo azul e branco, as telas de pinturas (algumas a clamar restauro), os castiçais e os anjos lampadários, os lustres e os livros velhos… contam-nos a história, ainda que profundamente incompleta, dos cerca de quinhentos anos que se comemoraram em 2004. Inscrição do século XVIII, junto à entrada principal, alusiva à primitiva edificação dos finais de 1504.
  • 3. Origens da devoção ao Senhor da Cruz em Barcelos Tudo começou em 20 de Dezembro de 1504, quando um humilde sapateiro da vila, João Pires, foi bafejado pela dádiva divina: uma cruz dada aos seus olhos crédulos! Analisada e ampliada a crença, por vontade do povo devoto devidamente enquadrado pela elite local, o milagre do aparecimento da cruz não deixará de multiplicar-se e gerar fenómenos de índole sociológica, económica e artística de apreciável envergadura. Para assinalar a sua importância e autenticidade, o divino acontecimento terá mesmo sido registado em escritura pública, a fazermos fé nas certidões de 1638 e 1662, sobre a existência de um livro de notas muito antigo, onde o milagre se teria fixado. É de notar que o referido livro existiria, na data de 1638, há mais de 130 anos, segundo se depreende de um requerimento da confraria então elaborado, pelo que o instrumento Escultura que se venera no templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, de provável oficina flamenga dos inícios do século XVI.
  • 4. do milagre foi certamente concebido em data muito próxima do tão celebrado acontecimento, cuja certificação decorreu, efectivamente, da vontade da confraria. Dizem os mordomos da Confraria da Santa Cruz, desta vila de Barcelos, sita no arrabalde dela, que em poder de Bartolomeu Machado de Miranda da dita vila, está um livro de notas muito antigo, passa de cento e trinta anos, no qual está escrito, e lançado na dita nota um milagre, que Nosso Senhor obrou na ermida de Santa Cruz, onde está Sua imagem com a cruz às costas; tem o dito livro em seu poder, por ficar de seus antepassados, por razão de se não perder, e para a juntar a outros papéis de milagres, que aconteceram na dita ermida, lhes é necessária uma certidão em público, e modo, que faça fé, com o teor de verbo ad verbum dela, e para mais fé de verdade, que seja vista a dita nota diante de dois tabeliães do público e judicial, o mais autêntico, que possa ser. Pedem a vossa mercê lhes mande passar a dita certidão, e receberão mercê, e justiça1 . Da certidão passada em 7 de Maio de 1638, pode ler-se a seguinte passagem: Saibam os que este público instrumento de fé, e do testemunho do santo milagre, virem, que no ano do nascimento de Nosso Senhor Jesus Cristo, de mil, e quinhentos, e quatro, sexta-feira, vinte dias do mês de Dezembro, à hora de nove horas, pouco mais, ou menos indo o muito honrado Diogo da Costa, escudeiro de el-rei, e juiz ordinário em a dita vila de Barcelos, pela Rua Direita da dita vila, e chegando comigo tabelião ante as portas de Pedro Machado, outrossim escudeiro, vinha João Pires sapateiro pela dita rua, que vinha da ermida do Salvador, em que há pelo dito dia uma missa em reverência, e louvor das Chagas de Nosso Senhor Jesus Cristo, e disse ao dito juiz e a mim tabelião, que fossemos ver, e guardar uma cruz, que demonstrava um grande santo milagre, que estava junto da cruz aos carvalhos do Campo da Feira2 . 1 Documento transcrito por Frei Pedro de Poiares, publicado no seu Tratado Panegírico em Louvor da Vila de Barcelos, pp. 60-61. 2 Idem, pág. 61.
  • 5. Em 22 de Junho de 1662 outra certidão foi emitida, desta vez pelo padre Manuel Pinheiro Lobo, notário ligado à corte da arquidiocese de Braga e vigário da igreja paroquial de S. Salvador de Quiraz. Mas pelo menos um terceiro documento foi elaborado, em 2 de Setembro de 1872, certificando a veracidade da certidão de 1662, parecendo tratar-se também da necessidade de dar crédito e consolidar a crença num milagre que nem sempre colhia a unanimidade de opiniões. De resto, neste esforço de provar a autenticidade não de um mas de múltiplos milagres, participaram intelectuais e estudiosos católicos dos séculos XVII a XIX, como Frei Pedro de Poiares, António de Vilas Boas e Sampaio, Joaquim Domingos Pereira, Amaral Ribeiro, entre outros. Na sequência do tão excelente e público milagre de 1504, os notáveis da vila, com o povo atrás em procissão e em dádivas, trataram de imediato de celebrar o acontecimento e de providenciar um abrigo para o Santo Cristo que aos barcelenses quinhentistas resolveu bafejar com a sua divina cruz. De facto, conforme pode ler-se nas certidões referentes à escritura do milagre, para além de participarem na procissão solene que então se realizou, todos os fiéis cristãos e devotos com muita devoção ofereceram o que lhes bem parecia de sua fazenda prometendo todos dádivas de dinheiro para a dita casa. Nascia o culto e a primeira capela em honra do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos! É de salientar a legalização do acontecimento divino, que fora publicamente testemunhado, em primeiro lugar por personalidades de relevo, nomeadamente pelo juiz e escudeiro real Diogo da Costa, por Pedro Machado, também escudeiro, e ainda por Pedro Álvares, contador, para além do tabelião responsável pela elaboração da escritura Gravura do século XVIII, reproduzindo a imagem que se venera no altar do Senhor Bom Jesus da Cruz, segundo se crê, desde 1505.
  • 6. pública. No mesmo dia, porém, os moradores da vila e circunvizinhos terão participado da visão do milagre. Havia que sacralizar o sítio. Por isso, no mesmo dia à tarde, no desfecho de solene procissão que contou com a participação de toda a sociedade local – clero, nobreza e camadas populares –, ter-se-á plantado uma cruz de madeira de apreciáveis dimensões, ali bem junto da vera cruz, entretanto rodeada por uma simples estrutura de pedras. O culto ao Divino Salvador ganhava uma nova dimensão, em torno de uma moderna e famosa cruz, miraculosa, ali junto ao antigo souto de carvalhos, nas imediações do Campo da Feira. O aparecimento da cruz ter-se-á repetido, não apenas nos dias e anos que se seguiram mas no decurso de vários séculos. Há depoimentos de personalidades de relevo dos séculos XVII a XIX que atestam a veracidade do aparecimento, não de uma, mas de várias cruzes, em diversos momentos ao longo do ano, com particular incidência pela Invenção da Santa Cruz, evocada a 3 de Maio e pela Exaltação da Santa Cruz, que se festeja a 14 de Setembro. Este assunto, porém, o das aparições, não era consensual. Assumindo o estatuto de testemunha ocular e cronista imparcial, e recusando a tese do padre Carvalho da Costa de que as cruzes miraculosas duravam apenas cinco ou seis dias, Amaral Ribeiro sustentou, em 1867, que algumas das referidas cruzes térreas e enegrecidas, começavam Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, visto do cimo da Avenida da Liberdade.
  • 7. a aparecer em meados de Abril, vindo a desvanecer-se apenas nos finais de Setembro, enquanto outras permaneceriam mais ou menos visíveis durante todo o ano3 . Os barcelenses assistiam assim a uma espécie de milagre da multiplicação de cruzes, não apenas junto ao templo do Senhor Bom Jesus, que entretanto se fundou, mas em vários espaços do arrabalde da vila, nomeadamente no Campo da Feira e no Campo de S. José. Aliás, na sua multiplicação, o fenómeno afastou-se do epicentro e, em pleno século XX, atingiu várias freguesias de Barcelos, entre as quais as de Lijó, Góios, Remelhe e Carvalhal, freguesias onde na sequência de milagres semelhantes se levantaram capelas em louvor da Santa Cruz4 . Numa inscrição epigráfica, gravada na actual igreja na década de 1730 pode ler-se: Em 20 de Dezembro de 1504, numa Sexta-feira, pelas 9 horas do dia, apareceu neste lugar a primeira cruz, que, cercada com uma pequena capela, veio a servir de solo ou altar do Senhor com a cruz às costas, em honra do qual o mesmo século, para memória sempiterna, com esmolas e expensas públicas, erigiu este templo. 3 RIBEIRO, A. M. do Amaral – Notícia Descritiva da Mui Nobre e Antiga Vila de Barcelos, pp. 68-69. 4 TRIGUEIROS, António Júlio Limpo e outros – Barcelos Histórico Monumental e Artístico, p. 28.
  • 8. Tornando ao século XVI, parece-nos incontornável que os milagres da Santa Cruz seguiram o rumo da expansão marítima, comercial e colonial. E com ela viajou o culto ao Senhor Bom Jesus de Barcelos. Com as naus quinhentistas, o milagre de Barcelos ganhou fama e galgou as águas do Atlântico… Ao longo de toda a Época Moderna, o Senhor Bom Jesus da Cruz não cessou de se propagar, quer no território continental, quer ultramarino. Inequívoca foi a sua presença na colónia portuguesa do Brasil, nomeadamente na Baía, Pernambuco, Rio de Janeiro e S. Paulo, cidades onde se recrutaram como irmãos centenas de crentes oriundos de muitas e desvairadas terras da metrópole. Com a data de 15 de Junho de 1730, existia mesmo um rol das pessoas que se assentaram por irmãos num livro da Irmandade implantada no Brasil, sob a responsabilidade do irmão António Pereira Lopes. Na sequência do milagroso aparecimento da cruz em 20 de Dezembro de 1504 emergiu na vida dos barcelenses uma nova e poderosa invocação – a do Senhor Bom Jesus da Cruz – e um culto absolutamente central no quadro histórico da devotio moderna, que punha o acento na devoção cristológica. O quadro histórico era no entanto verdadeiramente complexo. Tinha como pano de fundo a extraordinária abertura ao mundo suscitada pela aventura marítima, comercial e colonial de portugueses e castelhanos, ao longo dos séculos XV e XVI, bem depressa alvos da cobiça e da rivalidade de holandeses, ingleses e franceses. Os valores e práticas da cristandade ocidental eram discutidos e rebatidos, desde os primórdios do Renascimento, tanto na sociedade em geral como no interior da Igreja, dando origem a heresias, a perseguições e a depurações. O Concílio de Trento (1545-1563), ao mesmo tempo que determinou uma Reforma no interior da Igreja Católica, constituiu, igualmente, uma poderosa resposta da hierarquia face a todas as heresias, particularmente às da Reforma Protestante, consideradas ameaçadoras da boa cristandade. Foi uma reforma, sim, mas também uma Contra Reforma, porquanto ela se dirigia fundamentalmente contra o reformismo protestante. O Concílio de Trento não impediu, todavia, o aparecimento de mais três igrejas no seio da cristandade ocidental: a Luterana, a Calvinista e a Anglicana. É pois neste contexto denso e difícil que se vai acentuando a devoção ao Santo Cristo, que sem dúvida ganha uma nova centralidade no advento reformista e contra-reformista.
  • 9. Afirmava-se o culto ao Bom Jesus! Justamente Aquele que sofreu e morreu na cruz por pura redenção da humanidade pecadora. Evidentemente que o fervor religioso frutificou no mundo cristão em geral e no católico em particular, num ritmo controverso mas imparável e com óbvios reflexos no panorama cultural e artístico de toda a Época Moderna. Em Barcelos, quis a piedade popular, devidamente autorizada pela hierarquia eclesiástica, que a nova invocação recebesse o nome de Senhor Bom Jesus da Cruz. Estavam criadas as condições ideais para a acentuação fervorosa da Paixão, Morte e Ressurreição de Cristo. Aparentemente, na sequência dos milagres das cruzes, que se repetiam anualmente no chão barcelense, a devoção ao Santo Cristo não cessava de crescer. Tal crescimento raiava por vezes a excessos, pelo menos aos olhos da cúria de Braga (para quem a situação parecia escandalosa, não pela fé em si, mas pelos comportamentos a ela associados), e que por isso tenta impor limites horários ao exercício piedoso. Pelo menos é o que se infere da visita pastoral de 15 de Julho de 1624, feita pelo arcebispo D. Afonso Furtado de Mendonça. Considerando nós a muita devoção, que os moradores desta vila têm ao Santo Crucifixo que está na capela de Vera Cruz no arrabalde da Porta Nova, havemos por bem revogar quaisquer visitações, em que se mandava – que não fossem homens ou mulheres fazer oração à dita ermida, ou capela, Painel de azulejos azuis e brancos, alusivos ao tema da Paixão, cerca de 1730.
  • 10. de certas horas em diante e levantamos quaisquer censuras nas ditas visitações postas. Encomendamos, muito especialmente, às mulheres, que fazem visitas à dita ermida já de noite, se recolham cedo, e quando for possível, procurem visitar o Santo Crucifixo antes de ser noite5 . Esta aparente compreensão e tolerância de D. Afonso Furtado de Mendonça será bem depressa repensada pelo seu sucessor, D. Sebastião de Matos e Noronha (arcebispo em 1636-1641), que reafirma o inconveniente que já havia sido detectado no passado por D. Agostinho de Castro. Com efeito, no capítulo 25.º da sua visitação, realizada a 26 de Julho de 1637, D. Sebastião de Matos e Noronha estabelece os limites horários apropriados para a devoção pública ao Senhor da Cruz. Por inconveniente, que havia foi proibido por visitação do senhor D. Agostinho de Castro nosso antecessor, que de noite se não façam visitas à igreja da Santa Cruz; e posto que o senhor D. Afonso Furtado de Mendonça, movido da devoção fria, mudasse esta proibição, fomos bem informados que se usava mal dela; pelo que ordenamos sob pena de excomunhão maior, que nenhuma pessoa de qualquer qualidade, que seja, não corra os Passos, nem vá em romaria à igreja da Santa Cruz, desde que tangerem as Ave-Marias até ser manhã clara, que se possa dizer missa6 . Obviamente, era o carácter profano da devoção ao Santo Cristo que desagradava ao prelado da arquidiocese. Podemos naturalmente intuir comportamentos inadequados, quem sabe se exagerados uma vez colocados na boca do povo (e que chegavam aos ouvidos do arcebispo), por parte de quem frequentava, de noite, a igreja da Santa Cruz e os Santos Passos. Daí a rotunda proibição do culto nocturno, sem qualquer distinção social, com a ameaça de excomunhão maior para os possíveis prevaricadores. 5 BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos, vol. I, fl. 282. 6 Documento transcrito pelo tenente Francisco Cardoso e Silva, ob. cit., fl. 282v.
  • 11. Pretendia-se, e tão-só, evitar aquilo que a pretexto da devoção ao Bom Jesus poderia acontecer, mormente à luz da escuridão da noite, que poderia propiciar o pecado (a ocasião faz o ladrão), por isso havia que evitar ocasiões nocturnas e pecaminosas. De resto, a devoção ao Santo Cristo ou ao Bom Jesus de Barcelos era não só reconhecida como desejada e estimulada pela hierarquia católica, que desde cedo instituiu o altar do Senhor da Cruz como privilegiado, concedeu indulgências à sua irmandade, aos devotos que visitassem o templo e os seus altares, às almas dos irmãos defuntos quando ali fossem sufragadas. Datado da Santa Sé em 10 de Junho de 1721, e publicado pela Câmara Eclesiástica de Braga em 1 de Outubro do mesmo ano, um breve papal destinava-se a que “o altar do Bom Jesus de Barcelos seja privilegiado”, por um período de 7 anos, implicando que, toda as vezes que qualquer sacerdote secular ou regular celebrasse missa pelos irmãos defuntos, tanto nos dias da sua comemoração como em todas as Sextas-feiras, as suas almas seriam beneficiadas pelas indulgências da salvação. O Doutor Agostinho Marques do Couto cónego prebendado na Santa Sé Primacial desembargador e vigário geral, e de presente provisor nesta Frontal do altar do Senhor da Cruz, 1736.
  • 12. corte e arcebispado de Braga pelo ilustríssimo senhor arcebispo primaz […]. Faço saber a todo o povo fiel cristão que me foi apresentado um breve de Sua Santidade concedido aos dez dias do mês de Junho do presente ano [1721], pelo qual foi servido conceder que o altar do Bom Jesus da Cruz de Barcelos seja privilegiado, e que todas as vezes que qualquer sacerdote secular, ou regular nele celebrar missa de defuntos em dia de sua comemoração ou de seu oitavário, e na Sexta-feira de cada semana pela alma de qualquer confrade que desta vida passasse unida a Deus em sua caridade que esta mesma alma alcance indulgência do tesouro da Igreja pelos merecimentos de Nosso Senhor Jesus Cristo e da Virgem Maria Senhora Nossa e de todos os santos, e santas da corte do céu, e seja livre das penas do purgatório e vá logo gozar da glória de Deus cujas indulgência concede por tempo de sete anos7 . Para além da dimensão religiosa e funerária – a alimentação da chama piedosa e o combate às heresias, a salvação pela fé mas também pelas boas obras, que desde o Concílio de Trento se reafirma e, por isso, havia que assegurar a vida eterna no reino do céu –, estas indulgências serviam igualmente objectivos de ordem social e política, de forma a manter coesa e em boa ordem a cristandade, não fosse a Igreja Católica a principal responsável pela formação e educação de toda a sociedade, incluindo os seus príncipes e governantes. Desde as inúmeras obras de arte com um carácter profundamente pedagógico, existentes em igrejas e conventos, nas capelas e alminhas e noutros espaços públicos, às homilias e às pregações nos dias festivos e nas procissões; desde os livros e missais aos textos e documentos dos Doutores da Igreja e dos cronistas, a Igreja Romana surge sempre como o exemplo a seguir nos planos da vida pessoal, familiar e social. Vários instrumentos legais, oriundos da cúria romana, atestam o interesse pelo Senhor da Cruz de Barcelos. Significam, sem dúvida, o incitamento da hierarquia à devoção do povo católico. Um exemplo diz respeito ao breve do papa Clemente XII – publicado pela autoridade eclesiástica de Braga em 30 de Setembro de 1737 –, pelo qual concedeu indulgências 7 AISC, Caixa de documentos diversos dos séculos XVIII e XIX, Edital de publicação de breve papal de 1721.
  • 13. plenárias a todos os cristãos católicos, homens e mulheres verdadeiramente confessados e comungados que participassem na chamada oração das quarenta horas, organizada sob licença do ordinário da corte arquiepiscopal e a ter lugar “no templo da Confraria de Nosso Senhor Jesus Cristo da Cruz do Bom Jesus de Barcelos”, com início no dia 1 de Maio, devendo rezar-se pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos, pela Santa Madre Igreja, pelo combate e “extirpação” das heresias. Estas indulgências ou graças vigoravam por um período de 7 anos e apenas seriam obtidas nesta ocasião do ano, o que reforçava a sua importância. O Doutor Francisco Pacheco Pereira cónego na Santa Sé Primacial desembargador e vigário geral nesta corte e arcebispado de Braga pelo ilustríssimo senhor cabido sede vacante primaz das Espanhas. Faço saber que me foi apresentado um breve de Sua Santidade o papa Clemente duodécimo nosso senhor ora presidente na Igreja de Deus pelo qual foi servido conceder a todo o povo fiel cristão assim homens, como mulheres que verdadeiramente confessados, e comungados por algum espaço de tempo assistirem à oração das quarenta horas que de licença do ordinário se fizerem no templo da Confraria de Nosso Senhor Jesus Cristo da Cruz do Bom Jesus de Barcelos no primeiro dia de Maio, e aí devotamente orarem a Deus Nosso Senhor pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos, exaltação da Santa Madre Igreja, e extirpação das heresias rezando algumas orações por cada vez, que isto fizerem alcancem indulgência plenária, e remissão de todos os seus pecados por misericórdia de Deus, as quais indulgências concedeu por tempo de sete anos somente, não havendo para os mesmos fieis cristãos semelhantes graças, em outro qualquer dia do ano, ou que pela aceitação, admissão ou publicação das presentes se mandasse coisa alguma ainda que limitada, e por me constar por certidão do reverendo pároco as não há, mando passar o presente edital de publicação de indulgências, a que dou e entreponho minha autoridade ordinária com decreto judicial, e mando se cumpra e guarde como no breve se contém. Dado em Braga sob meu sinal e selo desta corte aos trinta de Setembro de mil e setecentos e trinta e sete anos8 . 8 Idem, Edital de publicação de breve de 1737.
  • 14. Este decreto do Sumo Pontífice foi confirmado por outro documento que menciona não um mas dois breves papais emitidos em 1737 (ambos negociados na instância judicial religiosa), no qual se afirma que o tesoureiro gastou 560 réis no Juízo Apostólico de Braga, com a expedição dos dois breves, um que concedia de novo o estatuto de altar privilegiado ao do Senhor Bom Jesus da Cruz e outro a decretar outra vez as indulgências relacionadas com a oração de 40 horas, a decorrer nos primeiros três dias de Maio. É de salientar que, no mesmo ano, e dando cumprimento a um breve da cúria de Braga, foi colocada uma banqueta no altar-mor, que custou à irmandade 8.000 réis, para a colocação do Santíssimo Sacramento. Por outro lado, o velho retábulo do altar do Senhor da Cruz, bem como o da Senhora das Dores, haviam sido recentemente substituídos pelos actuais, entalhados ao gosto joanino, por um conceituado mestre entalhador do Porto. Outro exemplo é-nos dado pelo breve de indulgências do papa Benedito XIV, publicado em 2 de Maio de 1749, destinado aos devotos do Senhor da Cruz de Barcelos. Tinha também validade de sete anos e concedia aos fiéis de ambos os sexos – que fossem “verdadeiramente confessados, sacramentados e arrependidos de suas culpas”, e visitassem algum dos altares do templo do Senhor Bom Jesus da Cruz no dia da Invenção da Santa Cruz, em 3 de Maio, entre o romper do dia e o pôr-do-sol –, o perdão de todos os pecados, o que representava uma porta entreaberta para a eternidade.
  • 15. Mas para alcançarem esta “indulgência plenária, e remissão de todos os seus pecados”, os devotos exaltantes da Santa Madre Igreja de Roma deveriam não apenas elevar o seu pensamento e oração a Deus, mas rezar também pela paz e concórdia entre os príncipes cristãos, sem esquecer a “extirpação das heresias”9 . O amor a Cristo, que se pregava nos púlpitos das igrejas e nos palanques das procissões, incitava o povo cristão e católico a não se deixar iludir pelos cristãos luteranos, calvinistas e anglicanos, a combater os judeus, muitos dos quais escondidos sob a capa da reconversão e apelidados de cristãos-novos mas que continuavam fiéis ao credo israelita, a perseguir sem dó nem piedade os adeptos de Maomé. Desde o Concílio de Trento até ao conturbado século XVIII (mas ele existirá algum século que não seja conturbado?), alimentar a chama da fé e do fervor religiosos, unir a cristandade à volta dos seus príncipes educados nos dogmas e ritos católicos e obedientes à Igreja Romana, e consequentemente combater, perseguir e liquidar os heréticos, parecem ter sido as palavras de ordem. O rito, a pregação, a doutrina geralmente versada em latim, o verbo vernáculo da Companhia de Jesus em acção evangelizadora e o domínio das escolas, pensadas para as elites, onde se sacralizava a pedagogia do medo, reinante desde a Idade Média. A Inquisição, ou Tribunal do Santo Ofício, em perfeita sintonia com o Estado absoluto do Antigo Regime, fazia o resto: prendia, torturava, julgava. E matava tantas vezes. Às vezes absolvia. Era, no entanto, tarde demais, porquanto iam florescendo, concomitantes à repressão e ao totalitarismo, as luzes do pensamento racionalista e liberal, antes de mais na Inglaterra anglicana (que a grande custo viu nascer os E.U.A.), nos países do norte europeu e sobretudo em França, onde acabou por eclodir a Revolução de 1789 que marcou simbolicamente o início da Época Contemporânea. No último quartel do século XVIII, a Santa Sé há-de confirmar o estatuto de privilegiado ao altar do Senhor da Cruz, passar novos decretos de indulgências, estimular o fervor religioso em redor do fenómeno da Santa Cruz e de Cristo, mas abrangendo também a mãe de Deus, na sua qualidade de Nossa Senhora das Dores. Nesse sentido, três decretos da cúria romana chegaram a Barcelos, em 1787. 9 Idem, Edital de publicação de breve de 1749.
  • 16. O arcediago da arquidiocese de Braga, Pedro Paulo de Barros Pereira, assinou a publicação de um decreto, em 22 de Julho de 1787, que vem uma vez mais atribuir o estatuto de privilegiado ao altar do Senhor da Cruz, chegando mesmo a classificar a sua igreja como colegiada. Refere, pois, que o papa Pio VI havia emitido um breve pelo qual concedia “que o altar do Senhor da Cruz da igreja colegiada do mesmo Senhor da Cruz da vila de Barcelos, seja privilegiado”. Desta vez, o estatuto de altar privilegiado foi concedido a título perpétuo, concedendo os favores das indulgências a todas as almas sufragadas aquando da celebração de missas neste altar, “sem as penas do purgatório”. Na mesma data, em 22 de Julho de 1787, o citado arcediago publicava mais dois breves da Santa Sé, um dos quais a instituir igualmente o estatuto de altar privilegiado ao de Nossa Senhora das Dores, também com carácter perpétuo, durante três dias por semana, designadamente às Segundas, Quartas e Sábados. Tal privilégio vinha acentuar a importância do culto mariano no templo do Senhor da Cruz, logicamente associado ao drama da Paixão. O outro decreto concedia novamente indulgências aos cristãos “verdadeiramente penitentes confessados e refeitos com a sagrada comunhão”, que visitassem ou viessem a visitar a “igreja colegiada do Senhor da Cruz” da vila de Barcelos, nos dias da Invenção e da Exaltação da Santa Cruz, “e também no dia em que se faz a festa de Nossa Senhora das Dores da mesma igreja”, graça desta vez concedida para todo o sempre. A que se deveu o epíteto de colegiada? Para realçar a importância de uma igreja que mantinha em funcionamento um coro (com 7 capelães desde 1725, ampliado para 9 capelães e 2 meninos nos finais de 1728) que cantava nas festividades mais solenes, Livro do século XVIII, relacionado com a instituição do coro do Senhor da Cruz.
  • 17. em conformidade com a prática dos cónegos da antiga colegiada da vila? Ou deveu-se simplesmente à forte influência do prior e de outros cónegos da dita colegiada. É preciso não esquecer que, frequentemente, deparamos com o prior e os cónegos da antiga colegiada a exercerem funções no templo do Senhor da Cruz, quer como juízes ou elementos da mesa da irmandade, quer como capelães do mencionado coro. Seja como for, estes três decretos da Santa Sé, emitidos na mesma data, constituíram um inequívoco quadro legal e institucional no reconhecimento do famoso culto do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos. Para fortalecer e ampliar a crença dos devotos, reafirmaram-se e actualizaram-se os privilégios do passado, acrescentou-se ou reforçou-se a dinâmica em redor do culto da Senhora das Dores, perpetuaram-se os privilégios e as graças que no passado eram dadas pontualmente, que no máximo tinham a validade de sete anos. A antiga morada do Senhor Bom Jesus da Cruz Pouco se sabe acerca das construções anteriores à actual igreja. A escritura notarial onde se refere a data de 1504, trasladada pelas certidões do século XVII, explica que logo após o miraculoso aparecimento da cruz (e testemunhado o fenómeno antes de mais por notáveis da vila – Diogo da Costa, escudeiro e juiz ordinário, Pedro Alvares, contador, Pedro Machado, escudeiro, Álvaro Pinheiro, fidalgo e o tabelião que fez a escritura –, mas também por “muita gente da dita vila e fora dela” que ali acorreu para “ver e adorar a dita cruz”), esta foi cercada por pedras, mas logo se combinou a edificação de uma capela, atendendo a que toda aquela gente ali reunida, na presença de muitos outros “homens e governadores da dita vila acordaram ser edificada uma casa ao pé e lonjura da dita cruz”. No mesmo dia à tarde ter-se-á organizado uma solene procissão, que deve ter saído da colegiada em direcção àquele novo chão sagrado – e que contou com o natural envolvimento de todo o clero local e da Confraria da Nossa Senhora da Misericórdia –,
  • 18. transportando uma cruz de madeira “muito alta, muito bem feita”, que ali foi colocada como “divisa e mostramento” do referido milagre. Os investigadores tradicionais são unânimes na apresentação de um primitivo espaço assinalado no sítio do primeiro milagre, delimitado por quatro arcos cobertos por uma abóbada. Referem que no ano seguinte, um rico mercador barcelense terá trazido da Flandres a magnífica imagem que integra actualmente o altar do Senhor Bom Jesus da Cruz, pelo que se tornou necessário, sem dúvida, um abrigo fechado e um espaço mais amplo. Era forçoso abrigar a Deus, com dignidade. Por isso, talvez em data não muito distante de 1505, ter-se-á tapado a arcaria dos lados nascente, norte e poente, e dividido a capela em dois espaços; uma pequena abertura na parede do poente, com uma grade de ferro, permitia a veneração da imagem alojada na nave do lado do antigo souto de carvalhos (que no século XIX se há-de encontrar “adornado com casas dos habitantes do bairro do Bom Jesus da Cruz”); no espaço oposto, numa segunda nave, colocou-se um altar com seu retábulo, onde se passou a rezar missa e por onde se entrava pelo arco do lado sul. Evidentemente que a referência a duas naves e à celebração da missa na nave voltada a nascente permite-nos imaginar uma capela de razoáveis dimensões, orientada a norte e com dois portais voltados a sul – um talvez encerrado no dia-a-dia, que dava acesso directo à novíssima escultura flamenga, e o pórtico que dava acesso ao espaço das celebrações litúrgicas. Ou seja, em vez de duas ermidas, como parece à primeira vista, deve ter-se ampliado significativamente o primitivo espaço de culto: construiu-se uma capela de duas naves, orientada a norte, com dois portais de acesso ao interior. Esta hipótese é tanto mais verosímil quanto, dizem os estudiosos do passado, em volta da primitiva ermida construiu-se “uma arcaria coberta com telhado, e sustentada em colunas de pedra”10 , isto é, deve ter-se edificado a partir da primitiva ermida um templo de duas naves, ainda que de modestas dimensões, uma reservada à imagem do Senhor da Cruz e a outra destinada ao funcionamento do culto e ao enterramento de irmãos. Esta nova capela seria rematada por uma cobertura abobadada, a partir do cruzamento de uma arcaria – talvez ogival ou goticizante, já que o arco de volta perfeita, “ao 10 PEREIRA, Domingos Joaquim – Memória Histórica da Vila de Barcelos, p. 86.
  • 19. moderno”, não dera ainda entrada triunfal no gosto português – saída dos pilares que suportavam o edifício. Exteriormente, uma arcada em granito justificava-se para suportar o alpendre colocado à roda do templo. É pois de crer que o primeiro abrigo deu rapidamente lugar a uma capela de dimensões mais aceitáveis, em conformidade com as necessidades do culto e com a afluência de um número crescente de devotos que acorriam ao templo. É que, embora no dia-a-dia fossem sobretudo os devotos da vila e arredores que se dirigiam à capela (e já não eram poucos), nas festividades mais importantes – a Procissão dos Passos, no segundo Domingo da Quaresma, a Invenção da Santa Cruz, no dia 3 de Maio e a Exaltação da Santa Cruz, a 14 de Setembro – participavam devotos oriundos de variadíssimas localidades. Particularmente a Invenção da Santa Cruz, responsável pela mais famosa das romarias minhotas – a Festa das Cruzes que há centenas de anos se realiza, quase sempre, entre os dias 1 e 3 de Maio –, mobilizava, como continua a mobilizar, muitos milhares de devotos e forasteiros. De notar que a feira associada a esta romaria parece ter perdido alguma importância no século XIX, a avaliar pelas palavras de Amaral Ribeiro, segundo o qual “noutros tempos”, a feira ligada às festividades das Cruzes fora concorrida por comerciantes de todo o reino, enquanto na data em que escreve estaria a mesma feira limitada a alguns ourives, chapeleiros, vendedores de quinquilharias, guarda-sóis e pouco mais. Em meados de oitocentos, a fraca participação popular e o consequente impacto negativo nos negócios chegou a limitar a Festa das Cruzes a um só dia. Na sua reunião de 2 de Abril de 1850, a mesa da irmandade determinou que a festa se celebrasse apenas no dia 3 de Maio, devendo no entanto esta efeméride da Invenção da Santa Cruz ser assinalada Festa das Cruzes, 2006.
  • 20. com a grandeza e a solenidade habituais, até porque, dizia-lhe a experiência, os “rendimentos escasseiam sempre que sem motivo justificado e bem notório se não faz a festividade das Cruzes com toda a solenidade e grandeza”. O que se passava, na realidade, era a reduzida afluência das populações mais distantes, devido às difíceis condições de acesso a Barcelos, que inibiam a participação de forasteiros das regiões localizadas a norte e a sul do concelho. Assim parece ter acontecido durante sete anos, já que na reunião de 3 de Abril de 1857, a mesa considera conveniente que a festividade de Maio retome a duração de 3 dias, alegando para o efeito vários motivos: assim estaria determinado nos velhos estatutos, que tinham entretanto desaparecido; era uma exigência decorrente da tradição; e porque se achavam “agora prontas e abertas à viação as estradas de Viana e Porto” – aspecto quanto a nós determinante, porquanto a nova estrutura viária prometia repor o antigo concurso de gentes na feira associada à Festa das Cruzes. Para restabelecer a “antiga concorrência”, isto é, chamar de novo à romaria de Barcelos milhares de forasteiros, elaborou-se um programa aparatoso que incluía, para além da música instrumental e de vozes (cuja orquestra ficou a cargo do mesário João Diogo da Silva Cardoso, conforme decisão da mesa de 16 de Abril), o fogo de artifício e “mais aparatos e festejos fora do templo”, programa que levou à abertura de uma subscrição pública. Da antiga capela ao actual templo A velha capela existente no século XVII, dotada de uma confraria provavelmente desde os anos que se seguiram ao aparatoso milagre de 1504, acolhia um significativo recheio, nomeadamente: A – O mobiliário religioso, a indumentária indispensável ao funcionamento do culto (paramentaria, toalhas e cortinados) e as alfaias litúrgicas.
  • 21. B – O retábulo e o altar onde se encontrava a imagem de Cristo com a cruz às costas, escultura que Manuel Severim de Faria – que terá seguido a História Manuscrita da Província da Capucha da Piedade, da Ordem de S. Francisco –, afirma ter vindo da Flandres logo no ano seguinte ao primeiro milagre da cruz: “no ano de 1505, trouxe um mercador de Barcelos das partes da Flandres esta Santa Imagem”11 . C – O andor para sair nas procissões, os instrumentos do martírio e da Paixão de Cristo e todos os objectos ligados à instalação dos Passos nas principais artérias intra e extra-muros da vila. E não deveriam faltar ainda os ex-votos alusivos aos milagres e ao correspondente cumprimento de promessas, um ou outro relicário, bem como algumas telas e tábuas com representações pictóricas do drama sagrado. Apesar da escassez de documentos conhecem-se, felizmente, alguns dos inventários, nomeadamente os de 1666, 1668, 1669 e 1687. Conhece-se também um livro, embora de difícil leitura, com registos de receitas e despesas da segunda metade do século XVII, que nos fornecem algumas pistas para um melhor entendimento da capela seiscentista. No inventário de 1666, o escrivão da confraria padre Domingos Carvalho foi suficientemente minucioso para nos dar uma ideia aproximada da dinâmica em torno do 11 BMB, Manuscrito do tenente Francisco Cardoso e Silva – Apontamentos para a História de Barcelos, vol. I, fl. 281v. Imagem relicário que, pela análise estilística, poderá pertencer ao século XVII, embora não seja referida nos inventários existentes.
  • 22. Senhor da Cruz. A descrição pormenorizada do recheio da velha capela era tão importante que o tesoureiro, Belchior Francisco, declarou que faltava um parafuso no “lampadário de prata”. Num ápice, ficamos a saber que havia apenas uma invocação no templo, a do Senhor Bom Jesus da Cruz (com a imagem dos inícios do século XVI exposta no seu altar, na nave do lado poente) e que o mesmo era dotado de um retábulo localizado na nave do lado nascente, espaço onde decorriam os actos litúrgicos e se sepultavam os irmãos falecidos. Os inventários do século XVII No ano de 1666, a Santa Confraria da Vera Cruz era proprietária de um modesto mas esclarecedor recheio, nomeadamente: Do arquivo da confraria – Existia o livro dos estatutos, uma bula de indulgências atribuída pela Santa Sé à confraria (“mais uma pauta engessada em que está trasladada” a referida bula papal), cinco livros, dois dos quais velhos e três novos – um que servia para o registo dos confrades, outro para os actos eleitorais da mesa e inventário do recheio da capela, e outro para registo das receitas e despesas. Neste último, deparamos com o registo da compra do “livro do estatuto”, pelo valor de 140 réis, neste mesmo ano de 1666. Para os ofícios do culto divino existiam ainda um missal grande e um manual bastante usado. Mobiliário, lampadários, castiçais e alfaias litúrgicas – Existia uma caixa que servia para guardar o “tesouro” do Senhor da Cruz, uma estante da China, uns armários de guardar os paramentos, um banco comprido que se encontrava na nave onde se celebravam as missas, um escabelo, uma caldeira em cobre, uma campainha partida e uma bacia para a recolha das esmolas, dois lampadários (um de prata e outro de latão), dois castiçais de estanho e “uns castiçais de prata pequenos”, quatro galhetas (duas de prata e duas de estanho), dois cálices de prata e duas patenas.
  • 23. Paramentaria, cortinados e outros – Uma vestimenta, um véu de tafetá com renda, três alvas e três amictos, um par de cortinas de rede e “umas cortinas de volante”, três mesas de corporais, cinco frontais de altar (dois de damasco vermelho, um dos quais usado, outro de cetim preto e outro de damasco tostado, um outro já roto), oito toalhas de altar, um pano da Paixão de Cristo e um pano do coro para o transporte do guião. Imagem e andor – Uma imagem de Cristo, na qualidade de Senhor dos Passos, com “suas túnicas roxas”, com uma cruz e o andor desta imagem. A referência a uma única imagem do patrono da irmandade, a conhecida representação do Senhor Bom Jesus da Cruz – uma bela escultura flamenga dos inícios de quinhentos, que se venera actualmente no seu altar –, logicamente associada ao Senhor dos Passos, denota bem a centralidade desta invocação e a importância atribuída historicamente, pela Igreja e pelos fiéis, à recriação anual do drama sagrado da Paixão de Cristo. Sabemos que as festas da Invenção e da Exaltação da Santa Cruz, em 3 de Maio e em 14 de Setembro, constituíam momentos altos da vida religiosa em torno da antiga capela do Senhor da Cruz. Mas as despesas lançadas em livro, de que há registos minimamente legíveis a partir de 1666, denunciam a Procissão dos Passos como o momento mais elevado da vida da irmandade, quer pelo simbolismo que encerra – trata-se do drama justificativo da Santa Cruz, com um significado deveras acrescido para todos os que piamente acreditam na sua aparição em Barcelos –, quer pela espectacularidade que suscita, sempre que o cortejo processional é posto em movimento.
  • 24. DESPESAS DA IRMANDADE DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ – 166612 DESCRIÇÃO DA DESPESA RÉIS Pela porca do sino que um devoto deu de esmola e “pela ferragem que consertou o mordomo Brás do Vale pelo amor de Deus que se gastou somente com quem pôs a porca de agarrá-lo”. 90 Por uma corda para o Cristo da Procissão dos Passos. 150 Pelo conserto do taburno que deveria estar junto do retábulo do altar-mor. 230 Pela limpeza do percurso da Procissão dos Passos. 40 Pela aquisição de 4 libras de cera a 520 réis cada. 2.080 Por meio almude de vinho “para curar os penitentes”. 100 Pelo vinho maduro para as garrafas. 132 Aos cónegos e serventes “para coristas das vésperas para dia da festa”. 940 Pela missa cantada, dita pelo cónego António Velho. 200 Pelos juncos das “completas para dia da festa”. 100 Por três quartilhos de azeite “das noites, para dia da festa”. 120 A quem foi buscar e levar os bancos para escabelos. 60 Ao cónego João de Medela, de levar o Santo Lenho na Procissão dos Passos. 200 Aos coreiros pela participação na Procissão dos Passos. 200 Ao sacristão dos ornamentos, pelo ano inteiro. 400 12 AISC, Livro das receitas e despesas do século XVII. Pormenor da Procissão dos Passos, década de 1990.
  • 25. Pelo livro do registo das receitas e despesas. 200 Pelo livro “dos assentos da irmandade”. 360 Pelo livro do inventário. 200 Pelo livro dos estatutos. 140 Nos inventários de 1668 e 1669, o escrivão Domingos Carvalho limita-se a acrescentar algumas peças novas ou as que não tinham sido ainda inventariadas. Assim, a 6 de Dezembro de 1668, e sendo ainda tesoureiro Belchior Francisco, mencionam-se: Um legado pio – Deixado por testamento do mestre de campo Gaspar Pinheiro Lobo, do qual “tem mais esta confraria cinco mil reis de sobejos de juros de vinte, e cinco mil réis”, verba que o legatário destinou a uma missa quotidiana, para todo o sempre, e que a confraria já tinha aplicado em empréstimos a juros. O valor global deste legado era de 500.000 réis. Cruz, guião, varas e cortinado – Uma cruz de prata “que se mandou fazer” para um guião, destinada a acompanhar os confrades à sua última morada; um guião roxo, de damasco, com as suas estampas, cordões e suas borlas de retrós roxo e amarelo; três varas para os juízes e o escrivão levarem na Procissão dos Passos; e umas cortinas de linho do altar. Rendas em géneros – Finalmente, a “santa confraria” recebia todos os anos 19 alqueires de cereais, 13 de milho e 6 de centeio, provenientes dos seus rendeiros.
  • 26. Em 1669, sendo juízes da confraria Diogo de Vilas Boas Caminha e António de Faria Carvalho, e tesoureiro o cirurgião Martim Rodrigues Gomes, como que se vai completando o inventário, com o registo dos novos paramentos e dos “papéis e escrituras” das décadas de 1650 e 1660: Paramentaria – Duas toalhas de altar (uma oferecida por António Simões e outra por Francisco Braga), uma toalha das comunhões, duas mesas de corporais, uma bolsa de corporais de damasco pardo, três mursas roxas, dois hábitos brancos, dois véus (um vermelho e um tostado), uma vestimenta de chamelote branco (de lã, com franjas de retrós carmesim), uma alva nova e rendada e dois cordões novos de cingir a cintura dos capelães. Objectos vários – Um diadema novo do Senhor dos Passos, um missal também novo e encadernado “com pasta da boa”, um candeeiro de três lumes, dois tocheiros, quatro forquilhas para o andor “com seus encontros” e uma lança do guião. Escrituras de dinheiro a juros – Seis escrituras inventariadas em 1669 dão-nos conta de quem recorria aos créditos da confraria, a saber: Miguel Garcia devia 100.000 réis, através de escritura feita na nota do tabelião Manuel de Faria; Francisco Martins Colaço 60.000 réis, registados pelo escrivão Alexandre Dantas; Luís da Silva 50.000 réis, pela nota de Baltazar Dantas; a viúva Maria Ribeiro devia 100.000 réis, escriturados no notário de Luís da Rocha e mais 100.000 na nota de Manuel de Faria. Todos os devedores residiam na vila de Barcelos. Finalmente, o inventário de 1669 lança alguma luz sobre os legados pios e sobre a situação económico-financeira da confraria que, nos séculos XVIII e XIX, há-de tornar- se numa importante instituição de crédito da vila, como adiante se verá no capítulo dedicado à Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz. Por este inventário ficamos a saber da escritura do testamento de Gaspar Pinheiro Lobo, a favor da Confraria do Senhor da Cruz, feita em 1654 em Lisboa pelo escrivão João da Guerra, sem se mencionar o montante da doação; porém, mais à frente, o documento refere a entrega ao novo tesoureiro das escrituras “do dinheiro que anda a juro do mestre de campo Gaspar Pinheiro Lobo” e que totalizava 500.000 réis. Somos ainda informados da existência de uma sentença derivada de um processo que a confraria moveu contra os cónegos da colegiada de Barcelos, processo relacionado com a apresentação dos capelães “em que se julgou pertencia a apresentação aos oficiais da dita confraria”. Como se depreende do não dito, deste confronto jurídico pela apresentação dos capelães do Senhor da Cruz, com os cónegos da colegiada, a mesa da
  • 27. confraria saiu certamente perdedora, sendo lavrada a sentença a 11 de Julho 1659 (participaram neste processo o escrivão Luís da Rocha e Andrade, de Barcelos e Manuel Correia de Faria, “escrivão dos agravos” do tribunal portuense que ditou a sentença). O livro de receitas e despesas acima mencionado fornece-nos elementos interessantes atinentes a uma melhor compreensão da capela seiscentista. As receitas são em geral oriundas das esmolas em dinheiro e em géneros recolhidas ao longo do ano e com particular incidência nos dias das principais festividades, das rendas em géneros entregues à confraria, dos enterramentos de devotos e seus familiares, das jóias dos novos irmãos admitidos e dos chamados anuais. O legado de Gaspar Pinheiro Lobo atrás referido, e o mais expressivo na segunda metade do século XVII, estava colocado a juros e rendeu em 1669 cerca de 5.000 réis de lucro, depois dos pagamentos efectuados aos capelães que diziam as missas. Assim, as capelanias resultantes da instituição de legados eram suportadas pela administração dos mesmos, entrando os sobejos nos cofres da irmandade ou no circuito mutualista, podendo ainda servir para o pagamento de despesas, como aconteceu em 1669-1670 quando o tesoureiro declarou ter entregado 5.000 réis dos “juros das missas quotidianas, que sobejam dos capelães” a Baltazar Francisco, para pagamento do que se lhe estava a dever “dos gastos que fez no conserto da capela”. Como se infere das contas da confraria, as despesas destinavam-se aos compromissos com os capelães que celebravam as missas instituídas pelos legados e a todos os clérigos que participavam nos actos da liturgia em dias festivos, aos materiais e mão-de- obra inerentes a obras de reparação na capela e à realização das principais solenidades, sobretudo a Procissão dos Passos, a Invenção e a Exaltação da Santa Cruz.
  • 28. MOVIMENTO DAS RECEITAS E DESPESAS DA IRMANDADE DO SENHOR BOM JESUS DA CRUZ – 1669-167013 ORIGEM DAS RECEITAS RÉIS DESTINO DAS DESPESAS RÉIS O tesoureiro recebeu do seu antecessor. 425 Uma missa celebrada pela alma de Maria de Miranda. 50 “Covagem” ou enterramento de um familiar de Páscoa Lopes. 200 A quem levou o guião no funeral de Maria de Miranda. 20 Enterramento da irmã do Faria. 200 Uma corda para o lampadário. 100 Enterramento do Grilo da Fonte de Baixo. 160 Uma roldana para o lampadário. 100 Enterramento de uma criança. 100 Missa dita por Isabel, solteira, de Barcelinhos. 50 Enterramento da filha da Focinha, que morreu ao nascer. 50 A quem “negociou a bula das indulgências”, em Braga. 100 Enterramento de uma criança, da Marreca. 100 Uma libra de cera branca. 550 Enterramento “do negro” de João de Mendanha. 150 A uma mulher que foi a Salvador do Campo, buscar o guião. 20 Enterramento da Gazoulha. 200 Ao sacristão, pelo dia da Procissão dos Passos. 200 Bacias das esmolas. 160 A uma mulher que foi a Braga buscar e levar “os ladrões e as murças” para a Procissão dos Passos. 100 Esmolas do dia da Santa Cruz. 220 Trombeta dos Passos. 400 Esmolas do dia da Santa Cruz. 40 Meio almude de vinho. 120 Esmolas do dia da Santa Cruz. 100 Vinho para as garrafas. 48 Esmolas de 5 libras de estopa. 250 Meia canada de vinho maduro para a Procissão dos Passos. 24 Esmolas. 340 Meia mão de papel. 25 Esmolas da Procissão dos Passos. 80 Ao cónego António Velho, de levar o Santo Lenho. 200 13 AISC, Livro de receitas e despesas do século XVII, fls. 55-56v.
  • 29. Admissão de novos irmãos. 800 Aos coreiros. 200 Anuais. 1.110 Tingimento de 2 véus para o altar. 40 Esmolas da bacia. 534 A AntónioVelho, pelas “vésperas e missa da festa”. 200 Enterramento do filho de Jerónimo do Vale. 100 “Capas e mais aparelho” para o sacristão. 200 Venda de 7 alqueires de milho e 3 de centeio, deixados por Maria de Miranda. 960 Aos dois coreiros, das “vésperas e dia da festa”. 270 Venda de 19 alqueires “de pão que se paga a esta confraria”. 1.640 Dois feixes de juncos. 40 Dos “juros das missas quotidianas, que sobejam dos capelães”*. 5.000 Ao provedor das contas. 640 Total 11.234 Dois anos de missas que estavam por dizer. 600 * “Declaro que os cinco mil réis deu o tesoureiro a Baltazar Francisco que se lhe estavam devendo dos gastos que fez no conserto da capela com o que está satisfeito, como consta da paga que deu”. Uma missa pela alma do Pina. 50 Ao capelão das sextas-feiras. 2.500 Total 6.817 Remate do escrivão: “Gastaram mais os senhores juízes de sua bolça os gastos de duas pregações dos Passos e da Procissão, e música dos Passos, e dia da festa e armação do dia e pregação e mais gastos ordinários que tudo deram de esmola para a dita confraria e de como o disseram mandaram fazer esta verba que assinaram, e eu o padre Domingos Carvalho o escrevi”. Os inventários e os registos de contas conhecidos, relativos ao século XVII, dão-nos uma ideia aproximada do templo seiscentista – um edifício abobadado, com duas pequenas naves, uma com o seu retábulo e onde decorriam os actos litúrgicos, e outra que servia de abrigo à veneranda imagem quinhentista.
  • 30. O retábulo da velha capela, fabricado por certo ao estilo maneirista, deveria incluir várias telas alusivas ao tema da Paixão. As seis telas de pintura a óleo que se encontram arrumadas numa das salas do templo, e que merecem um cuidadoso restauro, podem ter pertencido ao altar do século XVII, conforme parece indiciar o inventário de 1714 ao referir a existência de “sete quadros já velhos” que saíram de um retábulo. Uma das seis representa a Virgem com o Menino, as restantes cinco narram-nos aspectos da Paixão de Cristo. Nos inícios do século XVIII, o edifício deveria estar a degradar-se e os seus espaços a revelarem-se insuficientes face ao fervor religioso em torno do Senhor Bom Jesus de Barcelos. A sua irmandade, credora do prestígio e importância junto dos devotos da vila e fora dela, vinha mobilizando vontades desde a década de 1690, que haviam de conduzir à construção da nova e actual igreja, mais ampla, monumental e moderna, de acordo com a estética e a mentalidade barrocas. Uma das seis antigas pinturas a óleo sobre tela, que se encontram guardadas no templo à espera de restauro.
  • 31. Nota final Este trabalho constitui o resumo do primeiro capítulo do livro O Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos. Quinhentos anos de História, editado pela Real Irmandade do Senhor Bom Jesus da Cruz de Barcelos, 2004, mas apresentado a público no auditório da Biblioteca Municipal de Barcelos no dia 2 de Março de 2005. Assim, para uma melhor compreensão da história do Senhor da Cruz pode consultar-se o referido livro, bem como a documentação e a bibliografia nele mencionadas. Templo do Senhor Bom Jesus da Cruz, 1705-1710.