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ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS
Uma análise empírico-teórica acerca de sua constitucionalidade em face dos princípios
da laicidade estatal e da liberdade e igualdade religiosas

Trabalho de Monografia Jurídica
apresentado
ao
Curso
de
Graduação, como parte dos
requisitos para obtenção do título
de bacharel em Direito, na área de
Direito Constitucional, sob a
orientação
do
ProfessorOrientador
Roberto
Dias
(agosto/2011)

RESUMO

O presente trabalho se presta a analisar se o ensino religioso é passível de ser ministrado, nas
escolas públicas, na forma confessional, à luz do ordenamento jurídico posto. A aferição
acerca de sua constitucionalidade perpassa, preliminarmente, o exame do Texto
Constitucional, focada –especialmente - nos artigos 5º, inciso VI, artigo 19, inciso I e artigo
210, parágrafo 1º. Neste mister, o exame da constitucionalidade do ensino religioso
confessional nas escolas públicas, empreendido nesta pesquisa, faz-se, notadamente, sob o
âmbito da liberdade e da igualdade religiosas, assim como da laicidade Estatal e do próprio
ensino religioso, tal qual previsto na Carta Magna.
O estudo do tema ganhou contornos um tanto mais concretos com o ensejo de
questionamentos levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade, que, até o momento, não receberam qualquer tratamento por
parte dos ministros da Corte.
Desta feita, intentou-se nesta monografia (em um segundo momento), a partir da
concatenação do entendimento doutrinário a respeito da constitucionalidade do ensino
religioso confessional e do posicionamento manifestado pelo Supremo acerca da laicidade
Estatal e das liberdade e igualdade religiosas, mapear uma possível resposta às ADIs
impetradas.
Tendo em vista o cenário em que este instituto (ensino religioso confessional) está sendo
debatido, o trabalho - além de surpreendentemente concluir pela tendente atribuição de
constitucionalidade do ensino religioso confessional – propõe alguns questionamentos acerca
da própria atuação do Supremo Tribunal Federal e da posição política ocupada pelo órgão.
SUMÁRIO
Noções Introdutórias e Andaimes do Estudo ......................................................................... 4
Tratamento conferido pelo Ordenamento Jurídico – principais diretrizes e análise
sistemática do cenário constitucional.................................................................................... 13
Constituição Federal de 1988 ............................................................................................... 13
A Declaração Universal dos Direitos Humanos ................................................................... 21
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional .............................................................. 23
O Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil ................................................................... 25
A Lei Estadual nº 3.459 do Estado do Rio de Janeiro .......................................................... 26
As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – a materialização da controvérsia que
permeia o tema ........................................................................................................................ 28
ADI n° 3.268 – O Caso do Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas do Rio de
Janeiro ................................................................................................................................... 29
ADI n° 4.439 – O Caso do Estatuto da Igreja Católica no Brasil ......................................... 34
A manifestação doutrinária acerca do ensino religioso no Brasil ...................................... 38
STF e jurisprudência constitucional - O prisma jurisprudencial acerca da laicidade
estatal e da liberdade religiosa e o possível entendimento conferido à questão do ensino
religioso confessional nas escolas públicas. .......................................................................... 47
Brinde final e convite à pesquisa ........................................................................................... 60
BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 64
4

Noções Introdutórias e Andaimes1 do Estudo
O presente trabalho se presta a analisar a polêmica questão acerca da compatibilidade
do ensino religioso confessional de matrícula facultativa ministrado nas escolas públicas com
a Constituição Federal, especialmente no que concerne à cláusula de Estado laico e à
liberdade religiosa, controvérsia esta que, inclusive se materializou em forma de Ações
Diretas de Inconstitucionalidade impetradas perante o Supremo Tribunal Federal em diversas
oportunidades, as quais serão, inclusive, analisadas no decorrer desta pesquisa.
A escolha do tema deu-se em função de sua importância interdisciplinar, que esbarra
em princípios morais, sociais, filosóficos e políticos - além de jurídicos – e, desde tempos
imemoriais, contrapõe valores intrinsecamente imbuídos na sociedade e em cada individuo
que a compõe, e, indubitavelmente, suscita grande debate que se encontra longe de ser
pacificado e definitivamente resolvido.
Para empreender esta jornada acadêmica, faz-se necessária, a priori, a explanação do
que aqui se convencionou chamar-se de “ensino religioso confessional” para que, em seguida,
se faça possível o perfeito entendimento da profundidade e da complexidade do tema, que,
impreterivelmente, envolve o estudo das constitucionalmente garantidas laicidade ou
laicismo2 estatal e liberdade religiosa, bem como do igualmente tutelado ensino religioso,
valor este que se encontra atualmente elevado à qualidade de valor integrante da formação
básica do cidadão.
Ensino religioso confessional é o ensino que se contrapõe àquele que é ministrado na
modalidade ecumênica. Desta feita, entende-se o primeiro como sendo o ensino conduzido de
maneira vinculada à determinada e específica linha religiosa3.
Neste diapasão, faz-se interessante, também, apontar que há entendimento doutrinário
no sentido de conferir ao termo confessional uma generalidade e abrangência que extrapola o
1

Andaimes é a expressão utilizada pela Professora Ana Lúcia Pastore, no curso de Metodologia e Lógica
jurídica, ministrado na Sociedade Brasileira de Direito Público (“SBDP”), para referir-se ao caminho percorrido
para se chegar às conclusões da pesquisa: são os andaimes da construção, que são retirados após a conclusão das
obras, mas que figuram como peças fundamentais para sua concretização.
2
Embora se reconheça que existam doutrinadores que entendam haver divergências conceituais entre as
acepções dos termos laicismo e laicidade, adotar-se-á, no presente trabalho, o mesmo significado para ambos os
referidos termos.
3
Acerca do assunto, conferir SANTOS. William Soares. Ensino Religioso em Escolas Públicas: Uma pesquisa
etnográfica. Dialogia, São Paulo, v. 8, n.1, p. 109-121, 2009
5

sentido meramente religioso da palavra, compreendendo amplitude que se estende ao campo
ético e moral. Assim, qualificam-se como confessionais quaisquer medidas dos poderes
públicos que subscrevam conteúdos ético-morais, não somente de raiz religiosa, mas,
também, de raiz ideológica4.
Ademais do ensino confessional conforme acima aferido, a pesquisa abrangerá o
chamado ensino religioso interconfessional, definido tal qual a acepção conferida por
Deborah Diniz e Tatiana Lionço5 ao termo. Assim, pretende-se – também - analisar se o
ensino que prioriza valores partilhados por uma maioria de confissões religiosas guarda
respeito à Constituinte.
―Todo ensino interconfessional é também confessional em seus
fundamentos. A diferença entre os dois tipos de ensino estaria na
abrangência da confessionalidade: o ensino confessional estaria
circunscrito a uma comunidade religiosa específica, ao passo que o
interconfessional partiria de consensos entre as religiões, uma
estratégia educacional mais facilmente posta em prática pelas
religiões cristãs, por exemplo‖ 6.

De qualquer forma, o ensino religioso confessional (ou interconfessional, conforme o
caso) aqui abraçado, não deve ser confundido com o ensino teológico e desvinculado. Este
último compreendido como sendo aquele por meio do qual se leciona as bases éticas,
filosóficas e históricas das religiões, e as distinções e semelhanças dos cultos religiosos, sem,
no entanto, privilegiar o ensino de uma única corrente religiosa ou das correntes religiosas
majoritárias, e sem que haja caracterização de qualquer vinculo entre o Estado, provedor do
ensino, e tais correntes.
O estudo do ensino religioso confessional deve ser compreendido à luz do que
determina a Constituição Federal que dispõe sobre as diretrizes principiológicas que devem
nortear o sistema educacional do Brasil. Ademais, tal estudo não pode ser afastado de um viés
4

Para Andres Ollero: “Así, trás de señalar acertadamente que „cuanto digamos de lãs crencias religiosas y de lãs
confesiones vale también para cualquier ideologia, sistema filosófico o concepcion ética‟, se há apuntado que um
Estado puede ser laico o confessional tanto en relación con un credo religioso como con un credo no religioso”.
OLLERO, Andres. Laicidad Y Laicismo. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas. Serie Estudios Jurídicos,
Num. 163, 2010.
5
DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília:
Unesco / Letras Livres / Unb. 2010, pág. 14.
6 DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília:
Unesco / Letras Livres / Unb. 2010, pág. 14
6

prático que impreterivelmente envolve a questão da possibilidade de ensino religioso no
Brasil, qual seja, a própria existência de grande diversidade religiosa no País.
De acordo com o Censo 2000, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística,
mais de 40 religiões diferentes são professadas pelos brasileiros (43, especificamente). Este
número não inclui aqueles que se declararam sem religião ou de religiosidade indefinida.
Além do dado estatístico, que revela a importância da existência de liberdade de
crença no Brasil, quando do empreendimento de análise acerca da constitucionalidade do
ensino religioso confessional deve-se, em primeiro momento, levar-se em consideração o
tratamento constitucional destinado à própria educação. De acordo com o entendimento
professado por José Afonso da Silva, ―a educação como processo de reconstrução da
experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa
concepção que a Constituição agasalha nos arts. 205 a 214, quando declara que ela é um
direito de todos e dever do Estado‖ 7
Neste contexto, há que se apontar que para o presente estudo importa somente o
ensino religioso confessional nas escolas públicas, descartando-se, portanto, a análise acerca
da constitucionalidade das aulas ministradas nas escolas particulares que, de maneira
conceitual, não guardam vínculos de dependência com o Estado e que, em assim o sendo, não
constituem e não configuram base para a execução de políticas públicas.
O ensino aqui contemplado é aquele público, prestado pelo Estado em suas
instituições de ensino, tal como concebido pelo mencionado José Afonso, para quem:
“a preferência constitucional pelo ensino público importa que o
Poder Público organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o
respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que
garantam, no mínimo: ensino fundamental, obrigatório e gratuito,
inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;
progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino
médio; atendimento educacional especializado aos portadores de
deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento
em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade;
acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação
artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino noturno
regular, adequado às condições do educando; atendimento ao
educando, no ensino fundamental, através de programas
7

AFONSO DA SILVA, José. Curso Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 33ª Edição.
pag. 840
7

suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e
assistência à saúde; conteúdo mínimo ao ensino fundamental, de
maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores
culturais e artísticos, nacionais e regionais” 8. (Destacou-se)

Conforme se pode aferir da passagem acima transcrita, o ensino aqui abrangido é
aquele entendido como parte de um processo fomentado, organizado pela Administração
Pública, processo este em que ela, Administração Pública, figura como um dos principais
atores, responsável por tornar efetivo o mandamento constitucional de acesso à educação.
Assim, cabe referir que importa - para esta pesquisa - o ensino religioso compreendido
como aquele inserto em uma sistemática regida pelo regime de direito público 9. O ensino
religioso que constitui matrícula facultativa (ou até mesmo obrigatória) nas escolas privadas
não desperta a mesma apaixonada discussão. Isto se deve ao fato de a relação travada entre a
escola particular e o aluno (ou seu responsável) se dar na esfera puramente privada – mesmo
sendo a educação, por si só um tema de relevante interesse coletivo, sendo até mesmo
considerada como um dos direitos sociais, constitucionalmente garantidos, por meio da
expressa proteção conferida por seu artigo 6º10.
Tendo sido tal ponto esclarecido, cumpre explanar, de maneira sucinta, os
“andaimes”11 do presente estudo, as bases fundantes das conclusões aqui apresentadas.
Conforme anteriormente citado, o tema do ensino religioso confessional, de matrícula
facultativa, nas escolas públicas, desperta grande debate, que se encontra longe de ser
pacificado. A doutrina se debruçou e se debruça sobre a questão, trazendo pensamentos e
conclusões nada homogêneos, o que contribui para a demonstração da vastidão e amplitude
do tema, e – mais – da complexidade e profundidade das discussões ensejadas pelo assunto.
Para contemplar o diálogo doutrinário havido em torno da polêmica acerca da
possibilidade de as escolas facultarem aos alunos - da rede pública de ensino - a instrução
8

SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. pag. 790
A respeito da dicotomia entre público e privado, interessante conferir: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos
do Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores. 4ª Ed. 6ª tiragem. 2005. págs. 138 e seguintes
10 Art. 6º da Constituinte: ―São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o
lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos
desamparados, na forma desta Constituição‖ (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
11 Conforme já referido, Andaimes é a expressão utilizada pela Professora Ana Lúcia Pastore, nas aulas de
metodologia e lógica jurídicas ministradas no curso Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito
Público para se referir ao caminho percorrido para a obtenção dos resultados e conclusões da pesquisa.
9
8

religiosa confessional, dedicar-se-á um capítulo do presente estudo para a apresentação do
posicionamento da doutrina no que concernente à (in)constitucionalidade do ensino religioso
confessional nas escolas da rede pública.
Conforme já dantes referido, a controvérsia a respeito do tema se materializou em
Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ou simplesmente “ADI”, ou “ADIs”, quando no
plural) – especificamente duas - impetradas perante o Supremo Tribunal Federal. Nenhuma
delas, entretanto, recebeu qualquer tratamento por parte do Supremo até a presente data.
A primeira das mencionadas ADIs, distribuída em meados de 2004 e numerada 3.268,
foi promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e questionava
dispositivos da Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, do Estado do Rio de
Janeiro. Sob o âmbito de um panorama geral, pode-se dizer que tal Lei Estadual previa a
possibilidade de instituição, para as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, de ensino
religioso confessional, ministradas por professores específicos, escolhidos de acordo com
critérios definidos na referida Lei.
A segunda ADI (de número 4439) - mais recente - foi interposta em 2010, pela
Procuradoria Geral da República, pleiteando a suspensão da eficácia do Decreto nº 7.107, de
11 de fevereiro de 2010, assim como a inconstitucionalidade do artigo 11 de seu anexo que,
de acordo com o entendimento manifestado pela Eminente Procuradora Débora Duprat, não
se coadunava com o princípio de laicismo Estatal e com o artigo 33, e seus parágrafos, da Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional.
Referido Decreto promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do
Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil e previu, dentre
outros, um tratamento específico para o ensino religioso nas escolas.
Ambos, o Decreto nº 7.107 e a Lei Estadual nº 3.459, serão oportunamente analisados,
no presente trabalho, quando do exame aprofundado das citadas ADIs. A análise destes
documentos constituirá parte principal do presente estudo.
Importa, a esse respeito, destacar o importante papel que o STF desempenha no
deslinde da questão, atuando como “Guardião da Constituição”. Atualmente, devemos
9

compreender a Suprema Corte dentro do chamado Fenômeno Constitucional12. Dentro deste
cenário, a função performada pelo Supremo encontra-se bem descrita pelo Ministro Gilmar
Mendes, de cujo voto na ADIn n° 3510 se destaca o seguinte trecho para bem ilustrar a
condição da Corte Constitucional brasileira:
―Apesar dessa constatação, dentro de sua competência de dar a
última palavra sobre quais direitos a Constituição protege, as Cortes
Constitucionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias,
têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso
tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e
democrático. Importantes questões nas sociedades contemporâneas
têm sido decididas não pelos representantes do povo reunidos no
parlamento, mas pelos Tribunais Constitucionais. Cito, a título
exemplificativo, a famosa decisão da Suprema Corte norte-americana
no caso Roe VS. Wade, assim como as decisões do Tribunal
Constitucional alemão nos casos sobre o aborto (BVerfGE 39, 1,
1975; BverfGE 88, 203, 1993)”

Pode-se dizer que a última palavra a respeito de temas política e socialmente
relevantes, tal qual este acerca do ensino religioso confessional, acaba por ser sempre
proferida pelo Supremo. A este cabe, em última instância, a decisão a respeito de temas que
não se restringem à esfera unicamente jurídica.
Verificou-se, nos últimos tempos, inúmeras críticas dirigidas à Suprema Corte
brasileira, seja por sua atuação pró-ativa, as vezes até usurpando as funções que lhe foram
constitucionalmente atribuídas, seja por sua atuação “negativa”, quando a Corte não arca com
o papel de guarda da Magna Carta, se furtando a tomar determinadas decisões.
Certo é que, atualmente o Supremo desempenha papel determinante no destino de
questões que, muitas vezes, extrapolam o limite puramente jurídico. Tal Tribunal é visto,
inclusive, sob o foco de parte da doutrina, como um tribunal político justamente pela
complexidade interdisciplinar das questões definidas pela Corte Maior.
Neste sentido, pode-se dizer que o âmbito de alcance das decisões do STF abrange os
mais diversos segmentos da sociedade. Os efeitos das referidas decisões se estendem para
além do âmbito jurídico-constitucional e, por diversas vezes, definem os rumos dos debates
nacionais.
12

SUNDFELD, Carlos Ari. O Fenômeno Constitucional e suas Três Forças.
10

Pensando no papel correntemente desempenhado pelo STF na atual ordem jurídicopolítica, pretendeu-se aqui entender o possível tratamento conferido pela Corte Suprema à
questão do ensino religioso confessional, de matrícula obrigatória, nas escolas públicas.
Tendo em vista o silêncio – que perdura até o presente momento - do Supremo
Tribunal Federal acerca da questão (mesmo tendo sido este provocado a se pronunciar a
respeito do tema), tentou-se aqui prever um possível tratamento a respeito da compatibilidade
de matéria religiosa confessional nas escolas da rede pública de ensino com a Constituição
Federal.
Para tanto, fez-se um levantamento de todos os precedentes em que o Supremo
Tribunal brasileiro abordou a laicidade do Estado13 e a questão da liberdade religiosa. A partir
da leitura dos argumentos dos ministros nos diversos julgados encontrados, fez-se um
delineamento do possível entendimento que pode ser dado quanto à constitucionalidade da
confessionalidade do ensino religioso à luz da interpretação conferida pelo próprio Guardião
da Constituição.
Considerando-se que o julgamento da ADI 4.439 encontra-se atualmente na pauta do
STF, e que a ADI 3.268 não foi julgada, a previsão aqui apresentada não guarda qualquer
distanciamento temporal dos fatos e, portanto, reveste-se de juízos pautados na grande
repercussão gerada pelo tema abordado no presente trabalho. Assim, deve-se ponderar que as
conclusões e avaliações aqui feitas são prematuras e podem (e devem) ser futuramente
repensadas. Ainda assim, cabe salientar que as reflexões apresentadas estão longe de ser
inconseqüentes e irresponsáveis.
Por fim, para justificar a possibilidade de elaboração desta análise (também com
intuito de afastar que seja atribuída a esta pesquisa o caráter de “futurologia”) faz-se
interessante apontar a noção do que se adotou como “precedente” no presente trabalho. O
termo relação de precedente deve se entendido da seguinte maneira, tal qual explicitado por
Flávia Annemberg:

13

Para a composição da amostra de precedentes, foi empreendida pesquisa no campo “Busca de Jurisprudência”
do portal virtual do STF (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp). Os seguintes
critérios de busca foram utilizados, intentando-se a maior abrangência possível de resultados: (i) “Estado Laico”;
(ii) Laicismo; (iii) Laicidade; (iv) “Liberdade Religiosa”; (v) Separação Estado Igreja; (vi) Deus; (vii) Ateu ou
Ateísmo; (viii) Religião; (ix) Religiosidade; e (x) “Igualdade Religiosa”. Importante salientar que não houve
qualquer corte temporal para o estabelecimento da amostra final de julgados.
11

―(...) o termo relação de precedente não tem uma conotação de
vinculação direta entre os resultados. O termo diz respeito, na
realidade, à análise do processo de argumentação que foi
desenrolado em um caso tendo em vista o potencial de que ele venha
a surgir de forma semelhante no outro caso. Assim, pretendo
constatar a existência de uma lógica que possibilite a conexão entre
os casos por meio do tipo de discurso desenvolvido, seja ele jurídico
ou político‖14.

Desta feita, entende-se que há uma relação lógica entre o que fora anteriormente, em
julgados passados, entendido como sendo “Estado laico” na visão do Supremo Tribunal
Federal, bem como o entendimento acerca da liberdade e da igualdade religiosa, e o atual
entendimento professado pelos ministros. Este entendimento será considerado como elemento
influenciador do possível tratamento a ser destinado à questão do ensino religioso
confessional nas escolas públicas.
Faz-se importante referir que o presente trabalho será – em grande parte – descritivo,
de maneira a apresentar contexto legal e constitucional em que o tema se insere, bem como
um panorama atual, jurídico-político, que envolve a questão do ensino religioso confessional
no Brasil. Ressalve-se que, embora o trabalho forneça, principalmente, uma apresentação do
cenário que abraça a polêmica no Brasil, não se desincumbiu de emitir eventuais opiniões
que, juntamente com a exposição factual e legal acerca do tema, tem por objetivo fomentar o
debate que já existe acerca da constitucionalidade do ensino religioso confessional no Brasil.
O caráter eminentemente opinativo do estudo revela-se, somente, a partir da
proposição de deslindes futuros acerca da controvérsia. Tais opiniões encontram-se,
entretanto, vinculadas ao entendimento já proferido pelo Supremo Tribunal Federal acerca da
laicidade Estatal, conforme já se aduziu anteriormente, buscando guardar relação de conexão
lógica entre o posicionamento já adotado pelo STF e aquele que se pretende prever.

14

ANNEMBERG, Flávia. A posição do Supremo Tribunal Federal nos casos de pesquisa com células-tronco
embrionárias e da interrupção da gravidez do feto anencéfalo. Existe relação de precedente entre eles?
Monografia apresentada à Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, como exigência para conclusão do
curso
da
Escola
de
Formação
do
ano
de
2008.
Disponível
no
link
http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/581_Monografia%20Flavia.PDF.
12

Mais uma vez, salienta-se aqui, que a presente pesquisa não ambiciona trazer
conclusões inquestionáveis ou definitivas, ensejando, até mesmo, o surgimento de mais
perguntas do que respostas a respeito da controvérsia.
13

Tratamento conferido pelo Ordenamento Jurídico – principais diretrizes e análise
sistemática do cenário constitucional
Para o perfeito entendimento a respeito da questão, impossível não apresentar o
panorama legislativo constitucional no qual a controvérsia - acerca da possibilidade de se
lecionar matéria religiosa nas escolas públicas - está inserida. Para isso, analisar-se-á o
tratamento designado pela Constituição Federal ao tema da educação, bem como o tratamento
conferido às liberdades (mais especialmente à liberdade de crença) e o que a Carta dispõe a
respeito da desvinculação entre Estado e Igrejas de todos os tipos.
Adicionalmente, os dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos,
relevantes para o presente estudo, serão trazidos à tela, já que tal texto inquestionavelmente
representa um balizador principiológico para a interpretação de tudo quanto pertinente aos
direitos humanos, sendo que a matéria do ensino, da educação, deve ser compreendida como
conteúdo destes direitos humanos.
Analisar-se-á, ainda, a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as
diretrizes e bases da educação nacional, dada sua inevitável pertinência temática.
Para o presente trabalho, importará, também, apresentar os atos normativos atacados
pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade retro citadas. Assim, o Decreto n° 7.107, de 11
de fevereiro de 2011, e a Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, do Estado do Rio
de Janeiro, serão aqui descritos.

Constituição Federal de 1988
A Magna Carta de 1988 trata, em seus artigos 205 e seguintes15, do tema da educação
no Brasil.

15 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios:
I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola;
II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;
III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de
ensino;
IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
14

V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com
ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas;
VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei;
VII - garantia de padrão de qualidade.
VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei
federal.
Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação
básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e
patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.
§ 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei.
§ 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica.
Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de:
I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive
sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria;
II - progressiva universalização do ensino médio gratuito;
III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de
ensino;
IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade;
V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada
um;
VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando;
VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de
material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde.
§ 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo.
§ 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa
responsabilidade da autoridade competente.
§ 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar,
junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola.
Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições:
I - cumprimento das normas gerais da educação nacional;
II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.
Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica
comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas
públicas de ensino fundamental.
§ 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas
também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem.
Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus
sistemas de ensino.
§ 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino
públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir
equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica
e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios;
§ 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil.
§ 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio.
§ 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão
formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório.
§ 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular.
Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os
Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de
transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino.
§ 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto
neste artigo, receita do governo que a transferir.
§ 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão considerados os sistemas de ensino
federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.
15

Para o desenvolvimento do presente estudo, faz-se indispensável a análise mais
aprofundada do artigo 210, especificamente de seu parágrafo primeiro, a seguir transcrito:
―Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino
fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e
respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais.
§ 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental‖.

Durante quase toda a história republicana brasileira, o tema do ensino religioso foi
matéria prevista pela Constituição Federal, com exceção da Carta de 1891, a primeira das
Constituições da República. A partir do Estado Novo, com o Texto de 1934, a previsão de
ensino religioso sempre foi repetida nos enunciados constitucionais seguintes.

§ 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino
obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano
nacional de educação
§ 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão
financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários.
§ 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salárioeducação, recolhida pelas empresas na forma da lei.
§ 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas
proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de
ensino.
Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas
comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que:
I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação;
II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao
Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades.
§ 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e
médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e
cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a
investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade.
§ 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público.
Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o
sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de
implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e
modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam
a:
I - erradicação do analfabetismo;
II - universalização do atendimento escolar;
III - melhoria da qualidade do ensino;
IV - formação para o trabalho;
V - promoção humanística, científica e tecnológica do País.
VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno
bruto.
16

Conforme se infere da leitura do artigo destacado, o Texto Maior prevê a possibilidade
de constituição do ensino religioso nas escolas públicas, desde que seja ele de matéria
facultativa e contanto que respeitadas as demais liberdades públicas, importando para o
presente, especialmente, a liberdade de culto religioso e a previsão do laicismo do Brasil,
valores adiante explicados.
Deve-se ponderar, ainda, que todos os artigos constitucionais citados no presente
devem ser entendidos de forma sistêmica, compreendidos como parte integrante do
ordenamento jurídico, tal como concebido por Norberto Bobbio. Bem assim, há que se tomar
por dito ordenamento aquele composto por normas de primeiro grau, normas de segundo
grau, normas-preceitos e normas-princípios.
Sob esta perspectiva, faz-se necessário conferir destaque ao artigo 205 da Carta Maior,
que estabelece ser a educação um dever do Estado, sim, mas – igualmente – um dever da
família, devendo esta zelar pelo atendimento do fim maior da própria educação, qual seja, o
de promover pleno desenvolvimento do indivíduo, almejando seu preparo para exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho.
Não menos importante, o artigo 206 do referido texto constitucional, estatui as bases
principiológicas que regem o ensino, dentre as quais não se pode deixar de mencionar – como
um importante highlight para a presente pesquisa – a garantia de pluralismo de idéias e de
concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas de ensino.
A respeito destes dois destacados mandamentos jurídicos – artigos 205 e 206 da Carta
Política – cabe um adendo doutrinário bastante pertinente, reproduzido do texto do eminente
Procurador do Estado de São Paulo, Nilton de Freitas Monteiro, que asseverou o quanto a
seguir:
―O artigo 205 da Constituição estabelece que a educação é direito de todos e
dever do Estado e da família, e que será promovida e incentivada com a
colaboração da sociedade. O ensino será ministrado com base em vários
princípios, um deles o princípio do pluralismo das idéias (art. 206, III) — trata-se
daquilo que, na Constituição Portuguesa, é chamado de não-confessionalidade de
ensino público. Reitere-se, aqui, que a palavra "confessional", embora tenha uma
origem vinculada a questões religiosas (retorno às grandes declarações de
princípios contidas nas "Confissões", de Agostinho, para garantir a fidelidade
17

doutrinária pura do cristianismo, sem interferência racionalista), a palavra
"confessional", dizíamos, hoje pode ser empregada em sentido mais amplo,
abrangendo orientações religiosas ou orientações ideológicas‖16.

Claramente os demais artigos constitucionais, em especial àqueles pautadores da
educação nas escolas brasileiras, influenciam na correta interpretação a ser dada ao tema do
ensino religioso facultativo nas escolas públicas. Não obstante, os artigos acima marcados
guardam maior pertinência com o tema aqui abordado, tendo sido, por isso, destacados.
Em continuidade àquilo referido acima, o ensino religioso nas escolas públicas
brasileiras deve, ademais, resguardar as demais liberdades constitucionalmente garantidas. A
primeira das referidas liberdades, a religiosa, encontra fulcro no artigo 5º da Carta
Constituinte, que trata dos direitos e garantias fundamentais de cada indivíduo. Seu inciso VI
assim dispõe:
―Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes
no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...)
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo
assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na
forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias‖.

À luz do caput do artigo em comento, deve-se compreender a liberdade de crença
como conteúdo do princípio da isonomia, um dos valores fundamentais de todo ordenamento
jurídico posto17.
Vê-se, da interpretação do transcrito artigo VI, que a Carta Fundamental garante tanto
a liberdade de consciência, quanto a liberdade de crença. É importante referir que a garantia
da liberdade de crença assegura que qualquer religião poderá ser professada, e ninguém será
16

FREITAS MONTEIRO, Nilton de. Parâmetros Constitucionais do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. O
texto encontra-se acessível na página virtual da procuradoria geral do Estado de São Paulo, por meio do link
http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev11.htm
17
Acerca do tema, vide o seguinte trabalho, em que os professores discorrem, de maneira didática e clara, acerca
das nuances do princípio da isonomia: DAVID ARAÚJO, Luiz Alberto e JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso
de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 4ª Edição. 2001. pág. 88 e seguintes.
18

impedido de crer naquilo que bem entender. Igualmente assegurado é o direito de não crer em
nada. “Deflui, pois, da liberdade de consciência uma proteção jurídica que incluí os próprios
ateus e os agnósticos”18
Além destas – liberdade de crença e de consciência – o inciso em comento possibilitou
a liberdade de exercício de culto, o que significa dizer que pode tal liberdade ser exercida (a
princípio19) em qualquer lugar, não sendo restringida a sua celebração nos templos destinados
especificamente a isto.
Saliente-se que tal dispositivo constitucional representa, por si só, uma grande
evolução histórica e social. Nem sempre se garantiu no Brasil a liberdade religiosa
(compreendendo as três liberdades acima referidas: culto, crença e consciência). A
Constituição de 1824 dispunha, em seu artigo 5º, ser a religião “Catholica Apostolica
Romana” a religião oficial do Império. As demais religiões somente eram permitidas em
cultos domésticos, sendo vedada qualquer manifestação ou exteriorização a elas
relacionadas20.
Com o advento do Decreto n° 119-A, de 7 de janeiro de 1890, proibiu-se, de vez, a
―intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa‖21, assim
como consagrou-se a plena liberdade de cultos, extinguindo-se, ademais, o padroado, até
então vigente no Brasil.
A separação entre Estado e Igreja e a reafirmação de inexistência de religião oficial do
Brasil encontra-se consignada na redação do artigo 19 da Constituição Federal, que em seu
inciso I aponta o quanto a seguir versado. Esta é a chamada “Cláusula de Estado Laico” para
fins do presente trabalho:
―Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Municípios:

18

BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição. 1997. pág.
190
19
Importante atentar para o fato de que o exercício de culto não pode ofender a moral e os bons costumes e deve
se coadunar com os demais mandamentos do ordenamento jurídico. à liberdade de culto, assim como qualquer
outro princípio, não pode adquirir valor absoluto. A esse respeito, conferir BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de
Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição. 1997. pág. 191
20
A respeito da evolução histórica e social da Constituição neste sentido, vide MORAES, Alexandre. Direito
Constitucional. São Paulo: Editora Atlas. 9ª Edição. 2001. pág. 71
21
Redação do preâmbulo do Decreto 119-A
19

I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los,
embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus
representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na
forma da lei, a colaboração de interesse público‖

Tal dispositivo, como se vê, configura-se como um dos princípios e uma das garantias
do próprio Estado Democrático de Direito. Não obstante, pode-se verificar antinomia aparente
quando em comparação com outros dispositivos da própria Constituição de 1988. Aí, mais
uma vez, se revela a importância de se proceder à análise sistemática de todo ordenamento
jurídico para se interpretar adequadamente a redação de cada um dos artigos que se encontram
em aparente conflito.
A esse respeito é possível indagar o motivo pelo qual a Carta estabelece a separação
entre Igreja e Estado e, ao mesmo tempo, garante como função do próprio Estado a
disponibilização de ensino religioso em suas escolas. Ainda, outras questões, neste mesmo
sentido, surgem acerca de qual o mais correto entendimento sobre a abrangência e, porque
não, acerca da própria aplicabilidade do laicismo Estatal, uma vez que a Constituinte garante
alguns tratamentos privilegiados às Igrejas.
Ainda que estes “tratamentos privilegiados” não constituam parte fulcral do tema deste
trabalho, faz-se relevante apresentá-los para o enriquecimento do debate sobre o ensino
religioso nas escolas da rede pública e, até mesmo, para contribuir para a tão reiterada análise
sistemática dos artigos constitucionais aqui apresentados como centrais para o entendimento
do objeto da presente pesquisa.
Neste sentido, porque não se perguntar o por quê de haver garantia constitucional da
separação entre Estado e Igreja e, ao mesmo passo, haver previsão constitucional de
assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (conforme disposto
no art. 5º, VII)? Além disso, como a previsão de destinação de recursos públicos às escolas
confessionais e filantrópicas, em conformidade com lei que assim o preveja (art. 213), bem
assim a concessão de efeitos civis aos casamentos religiosos (art. 226, § 2º) e imunidade de
impostos de templos de qualquer culto (art. 150, VI, b) se coadunam com a Cláusula de
Estado Laico?
20

Os questionamentos ficam ainda mais interessantes quando analisados sob o enfoque
do preâmbulo da Magna Carta brasileira de 1988. A Constituição fora promulgada “sob a
proteção de Deus”, conforme se lê no enunciado preambular constitucional, a seguir trazido à
baila:
―Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia
Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático,
destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a
liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade,
e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna,
pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e
comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução
pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a
seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO
BRASIL‖

A doutrina muito divergiu acerca da “força normativa” do preâmbulo e de seu eventual
caráter vinculante22. De fato, impossível não se perguntar qual o real significado impresso
pelo preâmbulo e a que título tal enunciado figura no texto constitucional.
A questão ganhou contornos (um pouco) mais bem definidos no Brasil quando o
Supremo Tribunal Federal enfrentou o assunto, na Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº
2.076., cuja ementa encontra-se a seguir reproduzida. Nesta oportunidade, a Corte entendeu
não se tratar o preâmbulo de norma, conforme adiante se verifica:
―EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO.
NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da
Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na
Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou
não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP
(RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma
central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de
22

A respeito da problemática, alguns dos maiores expoentes do direito constitucional contemporâneo já se
pronunciaram contrariamente à atribuição de caráter normativo ao preâmbulo constitucional. Neste sentido, vide
CANOTILHO J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991.
pág. 45; MELLO FILHO, José Celso. Constituição Federal anotada. 2 Edição. São Paulo: Editora Saraiva,
1986. pág. 20; BASTOS, Celso; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São
Paulo: Editora Saraiva. 1988. V-1, pág. 409 e seguintes. Em sentido contrário, entendendo pela atribuição de
valor normativo para o enunciado preambular da Constituição, vide: NASCIMENTO, Tupinambá Miguel
Castro. Comentários à Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. pág. 134. Ademais,
interessante notar, a respeito dos diversos posicionamentos acerca do caráter normativo do preâmbulo, o voto do
ministro Carlos Velloso na Adin nº 2.076/AC, da qual ele mesmo fora relator. Ainda, no campo jurisprudencial,
interessante destacar a decisão 71-44DC, de 16.07.1971, proferida pelo Conselho Constitucional francês que
atribuiu força normativa ao preâmbulo.
21

reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força
normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada
improcedente23‖ (Destacou-se)

Cumpre esclarecer que, ainda que adotemos o posicionamento compatível com o
entendimento jurisprudencial pacificado pelo STF, de que o preâmbulo da Constituição não
possui força normativa, não podemos nos eximir de mencionar que tal enunciado assinala a
matriz política da Constituição. É, como diria Alexandre de Moraes - apresentando os
ensinamentos dos doutrinadores Jorge Miranda e Juan Bautista Alberdi – um documento de
intenções do diploma constitucional, e se presta a duas finalidades básicas: fundamentar a
legitimidade de nova ordem constitucional e explicar as grandes finalidades da nova
Constituição24.
Conforme se verifica deste breve apanhado de artigos e princípios constitucionais, a
Carta Magna, por si só, alberga diversas possibilidades de entendimento e suscita diversas
dúvidas acerca da acertada interpretação que deve ser dada à questão principal do presente
estudo. Afinal, pode a disciplina religiosa confessional, de matrícula facultativa, ser lecionada
nas escolas públicas, à luz da liberdade religiosa e da Cláusula de Estado Laico
constitucionalmente garantidas?

A Declaração Universal dos Direitos Humanos
Indubitavelmente este é um dos mais importantes textos normativos do século XX.
Digno de enaltecimentos por parte da comunidade jurídica e pela própria sociedade civil, a
Declaração Universal de Direitos Humanos representou um marco histórico de respeito à
dignidade humana desde 1948, quando de sua aprovação unânime pelos 48 países presentes
na Assembléia Geral da ONU.

23

STF – Pleno – Adin nº 2.076/AC – Rel. Min Carlos Velloso, decisão 15.08.2002
MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5ª Edição. São
Paulo: Editora Atlas. 2005. pág. 119 à 121.
24
22

A renomada professora Flávia Piovesan, citando Muylaert Antunes, bem ressalta que
“A Declaração dos Direitos Humanos se impões como ‗valor da afirmação de uma ética
universal‘ e conservará sempre seu lugar de símbolo ideal‖25.
Já que aqui não cabe um aprofundamento delongado acerca de tal Declaração,
salienta-se, somente, que de acordo com o entendimento da mesma referida doutrinadora,
Flávia Piovesan,
“a Declaração se impõe como um código de atuação e de conduta
para os Estados integrantes da comunidade internacional. Seu
principal significado é consagrar o reconhecimento universal dos
direitos humanos pelos Estados, consolidando um parâmetro
internacional para a proteção desses direitos”26

Ainda, entende que mesmo não sendo a Declaração Universal de 1948 um tratado
internacional de direitos humanos, deve ser recebida pelo ordenamento jurídico como texto de
força jurídica obrigatória e vinculante27.
Tendo em vista a noção acima exposta, acerca da representatividade da Declaração e
da proteção jurídica a ela atribuída, não se poderia deixar de mencionar o tratamento
dispensado pelo texto em comento à questão fulcral do presente trabalho. Neste sentido,
devem ser destacados os seguintes artigos do texto analisado:
―Artigo 2o
I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as
liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer
espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou
de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou
qualquer outra condição‖
―Artigo 18 Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento,
consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de
religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou
crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância,
isolada ou coletivamente, em público ou em particular‖
25

PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond.
2002. pág. 145
26
PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond.
2002. pág. 155
27
Neste sentido, conferir: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São
Paulo: Max Limond. 2002. pág. 154
23

―Artigo 26
I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita,
pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução
elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será
acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no
mérito
II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da
personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos
do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a
compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos
raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas
em prol da manutenção da paz.
III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de
instrução que será ministrada a seus filhos‖

Tendo em vista que a Declaração dos Direitos Humanos configura-se como texto
principiológico de balizamento ético, que deve pautar o tratamento jurídico destinado a um e
outro assunto, nada mais justo do que o destaque dos “princípios” acima transcritos,
pertinentes à educação e às igualdade e liberdade religiosas. O intuito da apresentação de tais
artigos é fomentar o debate a respeito da possibilidade do ensino religioso confessional nas
escolas públicas, bem como melhor delimitar a “esfera jurídica” em que tal debate encontra-se
inserido.

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
Um dos elementos norteadores das conclusões obtidas a partir da analisa do problema
enfrentado na presente pesquisa, é a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou, simplesmente, “LDB”.
Referida Lei nº 9.394 estatui, em seu artigo 33:
―Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte
integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos
horários normais das escolas públicas de ensino fundamental,
assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil,
vedadas quaisquer formas de proselitismo.
24

§ 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a
definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as
normas para a habilitação e admissão dos professores.
§ 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas
diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos
do ensino religioso‖

Conforme se verifica, a LDB assegurou como principio orientador do ensino religioso
o respeito à diversidade religiosa e vedou quaisquer formas de proselitismo. Cumpre ressaltar,
no entanto, que nem sempre foi assim.
A redação atual do dispositivo legal acima transcrito foi conferida pela Lei nº 9.475,
de 22 de julho de 1997. Anteriormente à promulgação desta referida Lei, a LDB dispunha
sobre a possibilidade de as escolas públicas oferecerem, como grade curricular facultativa, o
ensino religioso confessional ou interconfessional, na forma do anterior artigo 33.
―Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui
disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino
fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de
acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus
responsáveis, em caráter:
I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu
responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos
preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades
religiosas; ou
II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades
religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo
programa‖.

Interessante notar a evolução normativa do dispositivo sub judice. A Lei nº 9.475
suprimiu qualquer menção ao caráter confessional (ou interconfessional) e, ainda, incluiu a
previsão de vedação a quaisquer formas de doutrinação pela escola pública, imprimindo um
caráter de maior neutralidade religiosa e de maior compatibilidade com a Cláusula de Estado
Laico.
25

Neste sentido, não se pode deixar de ponderar que eventual estabelecimento de ensino
confessional poderia, ao menos a priori, ser considerado como “contra-evolutivo”, uma vez
que reverteria a mudança história e social que pautou a modificação do artigo 33 da Lei de
Diretrizes e Bases, de forma a fazer com que sua redação passasse a não mais fazer menção a
qualquer forma de confessionalidade (ou interconfessionalidade).

O Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil
Em 13 de Novembro de 2008, a República Federativa do Brasil celebrou, com a Santa
Sé, Acordo relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Tal acordo foi recebido
em nosso ordenamento jurídico pátrio, primeiramente por meio de Decreto Legislativo, de
número 698/2009, e, em seguida, promulgado pelo Presidente da República através do
Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010.
O Decreto, como um todo, movimentou a opinião pública, sendo objeto de inúmeras
críticas e comentários. Um dos pontos que mais apresentou divergência e polêmica foi o
artigo 11 de seu anexo.
―Artigo 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao
direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da
pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino
religioso em vista da formação integral da pessoa.
§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de
matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das
escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à
diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a
Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de
discriminação‖

Pode-se dizer – ao menos a princípio – que o Estatuto da Igreja Católica no Brasil
conferiu tratamento “inovador” em comparação com aquele apresentado pelos dispositivos
legais e constitucionais até agora analisados.
26

Ao estabelecer, em seu parágrafo primeiro, o ensino religioso, católico e de outras
confissões religiosas, o artigo 11 do Decreto em pauta denomina uma religião (a católica)
dentre as muitas religiões professadas no Brasil – o que até então não tinha sido verificado
nos aqui reproduzidos artigos da Constituição Federal, da Declaração Universal e da LDB,
que – em momento algum – denotaram qualquer forma de estabelecimento ou citação de uma
única religião.
Para parte dos críticos, a menção à religião católica, pura e simplesmente, já denota
certo favoritismo que deve ser expurgado sob a égide da laicidade Estatal. Para outros,
entretanto, o Decreto não confere tratamento privilegiado, uma vez que em seguida garante ―o
respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as
outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação‖.
Haveria, assim, o estabelecimento do chamado ensino religioso confessional por parte
do Estatuto Jurídico da Igreja no Brasil? E, em havendo, deveria este ser tratado como
inconstitucional, uma vez que concedeu tratamento “diferenciado” daquele estabelecido pela
Carta Maior? Estas são questões que deverão ser enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal,
conforme adiante se discorrerá.

A Lei Estadual nº 3.459 do Estado do Rio de Janeiro
Inicialmente, cabe referir que o presente trabalho não se propôs a analisar eventuais
leis de diversos Estados ou Municípios que tratassem do tema. Assim, cumpre salientar que a
presente lei somente configura objeto do estudo aqui proposto por ter sido ela questionada
perante o Supremo Tribunal Federal.
A Lei Estadual nº 3.459 dispõe sobre o ensino religioso confessional nas escolas da
rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Tal Lei, de autoria do Deputado Carlos
Dias, foi publicada em 15 de setembro de 2000 e foi alvo de grande repercussão midiática,
constituindo, conforme acima já referido, objeto de ADI interposta perante o Supremo.
27

Logo em seu artigo 1º28, a Lei Estadual estabelece a possibilidade de o ensino religioso
ser lecionado em sua forma confessional e – mais – disciplina a sua obrigatoriedade nos
colégios públicos do Rio de Janeiro.
Engraçado notar que, embora estabeleça o ensino religioso confessional nas escolas
públicas, a mesma Lei, no mesmíssimo citado artigo 1º, veda quaisquer formas de
proselitismo.
Além de estabelecer carga horária mínima da disciplina do ensino religioso 29 e
estabelecer regras específicas de concurso público para os professores de ensino religioso30, a
Lei Estadual nº 3.459 constrange, no artigo 2º31, a atuação do professor de ensino religioso,
estabelecendo critérios arbitrários de escolha dos professores capacitados a ministrar aulas de
tal matéria.
Por fim, a Lei em apreço estatui, em seu artigo 3º32, ser de atribuição específica das
autoridades religiosas a determinação do conteúdo do ensino religioso nas escolas públicas,
enaltecendo, inclusive, o desejável papel do Estado, que – de acordo com esta Lei Fluminense
– deverá apoiar integralmente o conteúdo determinado pelas autoridades religiosas
mencionadas na Lei n° 3.459.

28

Art. 1º - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e
constitui disciplina obrigatória dos horários normais das escolas públicas, na Educação Básica, sendo
disponível na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos
próprios alunos a partir de 16 anos, inclusive, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de
Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
Parágrafo único – No ato da matrícula, os pais, ou responsáveis pelos alunos deverão expressar, se desejarem,
que seus filhos ou tutelados freqüentem as aulas de Ensino Religioso
29
Art. 4º - A carga horária mínima da disciplina de Ensino Religioso será estabelecida pelo Conselho Estadual
de Educação, dentro das 800 (oitocentas) horas-aulas anuais.
30
Art. 5º - Fica autorizado o Poder Executivo a abrir concurso público específico para a disciplina de Ensino
Religioso para suprir a carência de professores de Ensino Religioso para a regência de turmas na educação
básica, especial, profissional e na reeducação, nas unidades escolares da Secretaria de Estado de Educação, de
Ciência e Tecnologia e de Justiça, e demais órgãos a critério do Poder Executivo Estadual.
Parágrafo Único – A remuneração dos professores concursados obedecerá aos mesmos padrões
remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual
31
Art. 2º - Só poderão ministrar aulas de Ensino Religioso nas escolas oficiais, professores que atendam às
seguintes condições:
I – Que tenham registro no MEC, e de preferência que pertençam aos quadros do Magistério Público Estadual;
II – tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação
religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida.
32
Art. 3º - Fica estabelecido que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das diversas autoridades
religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente.
28

As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – a materialização da controvérsia que
permeia o tema
Consoante já anteriormente aludido, a questão do ensino religioso confessional nas
escolas públicas constitui controvérsia que se materializou em forma de duas Ações Diretas
de Inconstitucionalidades impetradas perante o Supremo Tribunal Federal33.
Interessante notar que o próprio canal escolhido para discutir a questão da congruência
da disciplina religiosa confessional nos colégios da rede pública, qual seja, o próprio STF, já
denota em si uma constatação curiosa. Os setores da sociedade civil passam cada vez mais a
perceber o Supremo como uma instância não somente decisória, mas também como um
“palco de visibilidade” para questões que envolvem os mais diversos âmbitos sócioorganizacionais.
O que se denota é que a Corte passa a atuar politicamente, não estando adstrita tão
somente à esfera jurídica, estabelecendo-se, de fato, como definidor de algumas políticas
públicas – tal qual o estabelecimento de diretrizes para a educação nacional -, em vista da
inexecução (ou da execução ineficaz) de tais políticas pelos poderes eleitos, a quem
precipuamente incumbe o dever de efetivá-las.
Neste sentido, figura a ADI como verdadeira motriz de execução de políticas públicas,
não devendo tal motor ser compreendido como mero remédio constitucional. Sua propositura
– e nestes dois casos, inclusive – deve ser tida como importante material definidor das
estruturas mais básicas e basilares de toda uma ordem que muito importa à sociedade como
um todo.
Conclusivamente, deve-se enaltecer o papel democrático da Ação Direta, que cada vez
mais adquire importância que extrapola o caráter jurídico de instrumento que se presta a sanar
vícios legislativos, e atinge a função de “protesto”, por meio do qual, representantes das
minorias (na maior parte das vezes), demonstram seu descontentamento com a realidade
posta.

33

Cabe salientar, mais uma vez, que nenhuma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade foi decidida pela
Corte. Assim sendo, deve ser feito somente um breve esclarecimento metodológico acerca da obtenção do
material pertinente para a análise acurada acerca das ADIs. O sítio eletrônico do STF (www.stf.gov.br)
disponibiliza a ferramenta “Petições ADI, ADC e ADPF”, que faz parte da opção “processos”, por meio da qual
se fez possível obter as petições iniciais já distribuídas.
29

À luz deste entendimento, justifica-se a importância do estudo acerca da
materialização da controvérsia em forma de ADI, bem como do estudo empírico a respeito da
questão da constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas. Através
de constatações práticas, intenta-se chegar mais próximo de uma possível solução para os
chamados hard cases constitucionais34.
Claro que as digressões teórico-doutrinárias são importantíssimas e contribuem muito
para o debate a respeito do tema. E é por isso que a análise acerca da questão será
desenvolvida em ambos os planos (teórico e prático, doutrinário e jurisprudencial), sem que
haja prejuízo ou desmerecimento de um ou de outro.

ADI n° 3.268 – O Caso do Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas do Rio de
Janeiro
Conforme anteriormente se aludiu, de maneira rasa, a ADI n° 3.268 questionou,
perante o Supremo Tribunal Federal os dispositivos da Lei Fluminense n° 3.459/2000, Lei
esta que já fora oportunamente apresentada no presente trabalho, no tópico desenvolvido
acima.
Por meio da ADI em referência, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em
Educação – “CNTE”, impugnou os artigos 1º, 2º e 3º da Lei Estadual do Rio de Janeiro
(conforme já anteriormente explicados em capítulo anterior), por cabal violação aos artigos
5º, VIII. 22, XXIV, 37 caput e 210 da Constituição Federal, e formulou pedido de concessão
de liminar.
De acordo com a inicial, os comandos normativos impugnados (i) usurpam
competência legislativa da União35, vez que lei de iniciativa estadual indevidamente
estabeleceu diretrizes e bases da educação nacional; (ii) violam o artigo 210 caput e § 1º da
Constituição, já que estabelecem a forma confessional de ensino religioso e atribui às

34

Acerca da classificação do tema do ensino religioso confessional nas escolas públicas como um hard case
constitucional, conferir: MARTEL, Leticia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre
liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira, in Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n.
86, págs. 11-57, ago./set., 2007. Disponível, também, no endereço eletrônico do Planalto do Governo, no link
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf
35 Conforme dispõe o artigo 22 da Constituição Federal:
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXIV - diretrizes e bases da educação nacional
30

autoridades religiosas a definição de conteúdos a serem ministrados em sala de aula; (iii)
afrontam a Cláusula de Estado Laico ao estabelecerem insofismável aliança entre o Estado do
Rio de Janeiro e as entidades religiosas36; e (iv) ferem o Princípio da Impessoalidade da
Administração Pública, traduzido pelo artigo 3737 da Magna Carta, à medida em que a Lei
atacada estabelece privilégios entre integrantes de específicos segmentos religiosos.
A Ação Direta de Inconstitucionalidade ora em comento, embora não tenha sido ainda
julgada (mesmo tendo sido proposta no ano de 2004), teve grande repercussão, ensejando
debates interessantes que contrapuseram argumentos defensivos e combativos da
constitucionalidade da Lei Fluminense.
É relevante apontar que em virtude da complexidade e da grande discussão gerada em
razão do assunto, o relator, Ministro Celso de Mello, requereu a participação de amicus
curiae38 no processo. A Conectas Direitos Humanos e o Centro de Direitos Humanos – CDH,
instados a se manifestar nesta condição, se posicionaram em favor da declaração de
inconstitucionalidades dos artigos impugnados pela CNTE.
A justificativa da participação de amicus no processo, atenta para a abrangência e para
a dificuldade de resolução da controvérsia, e foi assim proferida pelo mencionado Ministro:
―a razão de ser que primordialmente justifica a intervenção do
"amicus curiae" apóia-se na necessidade de pluralizar o debate em
torno da constitucionalidade, ou não, de determinado ato estatal, em
ordem a conferir maior coeficiente de legitimidade democrática ao
julgamento a ser proferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede
de fiscalização normativa abstrata‖39

36

Trecho retirado da Petição Inicial da ADI 3.268, disponível no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal.
De acordo com o caput do artigo 37 da CF, A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes
da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...)
38 A figura do amicus curiae representa intervenção de terceiros no processo de decisão da Ação de
Inconstitucionalidade, para auxiliar a Corte, fornecendo argumentos acerca da constitucionalidade ou da
inconstitucionalidade do dispositivo atacado. Esta intervenção é permitida, em conformidade com o artigo 7º, § 2
da Lei 9.868/99, cuja redação encontra-se a seguir transcrita: Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no
processo de ação direta de inconstitucionalidade. (...) § 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a
representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no
parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades.
39
ADI 3268 MC / RJ - Rio de Janeiro. Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento em 20.10.2004
37
31

Dentre os argumentos mais relevantes, os amici curiae levantam que a
disponibilização do ensino religioso, na modalidade confessional, viola uma série de
mandamentos constitucionais, afrontando, em especial o artigo 19, I e o artigo 5º, incisos VI e
VIII. Ainda, apontam a incompatibilidade do ensino confessional com relação ao artigo 33 da
Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vez que a própria evolução do referido artigo
33, introduzida pela lei 9.475/1999, vem justamente sanar inconstitucionalidade anterior, que
previa a forma confessional de ensino religioso.40
Os amici classificam a Lei Estadual impugnada como uma forma de tornar o ensino
religioso – que, de acordo com a Conectas e o CDH, deve ser entendido como ensino de
cunho antropológico e filosófico – um meio de efetivação de catequese e arrebanhamento de
fiéis41, constituindo-se verdadeira deformidade do Estado Democrático de Direito.
Neste contexto, afirmam os colaboradores da Corte, ser a Lei atacada um propulsor da
confusão indevida entre o divino e o secular, já que a propositura de ensino confessional, de
matéria obrigatória, nas escolas públicas geraria a subvenção de religiões, o que é vedado pela
Cláusula de Estado Laico, e promoveria violação à liberdade de crença e consciência, já que
estabeleceria relação de preferências entre credos e crentes a serem congratulados com as
aulas-culto de ensino religioso.42 O diploma atacado também violaria, na visão dos amici, o
artigo 19, inciso I, vez que promoveria a transformação do público-estatal em local de
pregação, cultos e liturgias.
Os autores do amicus curiae denunciam o que eles denominam de “paradoxo” gerado
pelo diploma. Neste sentido, explicam que a vedação expressa feita pela Lei a quaisquer
formas de proselitismo, em nada ameniza a clara afronta que esta promove à ordem
constitucional, e constitui, na realidade, uma hipocrisia legislativa tendo em vista que o
ensino confessional é, ele próprio, inerente ao proselitismo.
Apontam, ademais, para a inconstitucionalidade da Lei do Rio de Janeiro, pelo fato de
esta afrontar à liberdade de profissão e a igualdade resguardadas pelo Texto Maior,

40

Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH,
disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
41
Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH,
disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
42
Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH,
disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
32

salientando que somente seriam aceitos para ministrar aulas na Rede Pública, os professores
que professassem determinada (ou determinadas) fé(s).
Adicionalmente, a Conectas e o CDH ressaltam o fato de a Lei Fluminense
estabelecer, como elemento qualificador dos professores habilitados a lecionar disciplina
religiosa confessional, o reconhecimento e credenciamento de tais professores pela autoridade
religiosa competente, nos termos da atacada lei. O estabelecimento deste critério, além de
vincular Estado e Igrejas, traz em si a necessária afronta à igualdade entre as religiões
professadas no Brasil, dado o simples fato de nem todas as religiões possuírem uma
autoridade religiosa.
A peça traz, ainda, interessantes considerações acerca das dificuldades de implantação
do ensino religioso confessional, tal qual concebido pela Lei questionada. Nesse sentido,
constituiria um problema prático-administrativo a disponibilização de ensino religioso
confessional para as mais de 40 religiões professadas no Brasil. Na visão dos colaboradores,
não sendo possível atender o ensino confessional a cada uma das mais de 40 crenças
religiosas - por não estar o Estado aparelhado para disponibilização de todas as manifestas
religiosidades -, haveria conseqüente violação dos citados incisos do artigo 5º.
Curioso notar que tal ADI, conforme já se referiu acima, não recebeu qualquer
tratamento por parte dos ministros do Supremo. A intervenção de terceiros – os amigos da
Corte – reafirma a profundidade da questão e confere força ao debate que se instaura no palco
no plenário, em que os ministros deveriam figurar como atores principais e, até agora, não o
fizeram. Denota, ainda, a urgência de definição acerca do assunto, definição tal que constitui a
função precípua dos juízes e que o Tribunal Maior está falhando ao não desempenhar.
Em consulta empreendida na home page da Assembléia Legislativa do Estado do Rio
de Janeiro43, fez-se possível a constatação de que a Lei Estadual, que fora promulgada no ano
de 2000, e que até hoje figura como cerne da polêmica acerca da validade da modalidade de
ensino religioso por ela implementado, encontra-se ainda em vigor.
É interessante apontar que a Lei Estadual n° 3.459/2000 já havia sido questionada em
instância recursal anterior (“inferior”)44. Na ocasião, o então deputado Carlos Minc atacou a
43

http://www.alerj.rj.gov.br/
44 Conferir, neste sentido o processo 0036642-70.2000.8.19.0000 (2000.007.00141), disponível para consulta no
site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw
33

constitucionalidade da Lei Fluminense perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro,
sustentando que a forma confessional de ensino ensejaria indissociável proselitismo e
acarretaria intolerância religiosa, bem como atacou os critérios estabelecidos pela Lei quanto
à formação e admissão dos professores e a definição do conteúdo a ser lecionado.
Distribuído o pleito, tanto a Procuradoria do Estado quanto a Procuradoria de Justiça
manifestaram entendimento pelo não reconhecimento do pedido. Quando do julgamento da
representação por inconstitucionalidade, os desembargadores, por unanimidade, indeferiram o
pedido, acatando o entendimento dos Procuradores e posicionando-se em favor da
constitucionalidade da Lei que estabeleceu a forma confessional de ensino para as escolas
públicas do Estado do Rio de Janeiro45.
O entendimento pela constitucionalidade, deu-se em virtude da proibição expressa
constante do enunciado normativo da Lei Fluminense a quaisquer formas de proselitismo e do
entendimento do termo confessional como não excludente do ecumenismo. Naquela assentada
o Tribunal de Justiça entendeu, também, que o fato de a Lei exigir credenciamento por
autoridade competente não feriria o respeito constitucional à diversidade religiosa,
asseverando que as agremiações que não possuem organização hierárquica formal, devem –
certamente – possuir estrutura organizacional que possibilita a indicação de alguém que faça
as vezes de autoridade religiosa.
Embora se possa dizer - a partir do exame dos votos – que os desembargadores
fizeram uma leitura simplória do termo confessional e julgaram a questão de maneira
descompromissada com os reais problemas que se verificavam na prática, em virtude da
adoção do ensino religioso confessional nas escolas públicas do Rio de Janeiro46, a decisão
proferida traz à tona uma importante contribuição para o debate.

45 Tal decisão encontra-se assim ementada: Representação de Inconstitucionalidade contra dispositivos da lei
estadual n.º 3459/2000, que dispõe sobre o Ensino Religioso Confessional nas escolas da rede Pública de
Ensino do Estado do Rio de Janeiro - Argüição de vícios materiais e formais -- A expressão confessional nada
mais significa do que crença religiosa - O ecumenismo é forma de convivência e colaboração interconfessional,
em nada se opondo ao confessionalismo religioso - A lei, especialmente, em seu artigo 1º, preservou o princípio
fundamental da liberdade de religião. O artigo da Lei que se limita a indicar as condições necessárias para que
uma pessoa seja habilitada a ministrar aulas, dando preferência aos que pertençam ao Magistério Estadual, que
possuam habilitação específica, guarda consonância com a Lei Maior do Estado - Inexistência de qualquer
discriminação entre adeptos de, religiões diversas -- Acolhimento parcial da representação, quanto ao artigo 5º,
do Diploma impugnado, eis que criou função pública, independentemente de iniciativa do Governador do
Estado. (Ementário: 36/2001 - N. 32 - 22/11/2001 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 51, pag 178)
46
Neste sentido, Letica Martel apresenta a seguinte conclusão quanto ao julgamento da representação de
inconstitucionalidade apresentado pelo deputado Carlos Minc: Ao passo que os especialistas em educação
34

A partir da comparação entre o resultado da decisão proferida pelo TJRJ, que entendeu
pela constitucionalidade da Lei Estadual n° 3.459/2000, em relação aos argumentos
apresentados no amicus curiae, que levaram à conclusão de inconstitucionalidade da mesma
Lei, mais uma vez se verifica a falta de consenso entre as posições manifestadas acerca do
tema do ensino religioso confessional nas escolas públicas.
A contraposição de opiniões revela, antes de tudo, o terreno fértil em que a discussão
encontra-se inserida e o quão difícil é se chegar a qualquer conclusão acerca do assunto. Os
valores aqui ponderados inserem-se, sim, em um contexto público, coletivo, mas –
impreterivelmente – perpassam pela esfera privada, individual de cada ator que participa do
debate, já que a religião diz respeito ao foro íntimo de cada indivíduo, sendo quase que
impossível que cada debatedor se dispa de suas crenças e convicções mais arraigadas no
âmago do próprio ser – espaço este que é ocupado pelos valores confessionais de cada ser
humano.

ADI n° 4.439 – O Caso do Estatuto da Igreja Católica no Brasil
A Ação Direta de Inconstitucionalidade em apreço, numerada 4.439, foi proposta, em
30 de julho de 2010 pela Procuradora Geral da República, Debora Duprat, em face do Decreto
n 7.107, cuja evolução histórica e principais nuances já foram acima explicitados.
A dita afronta aos preceitos constitucionais se dá especificamente pelo artigo 1147 do
Estatuto da Igreja Católica no Brasil, que com o advento de sua promulgação por meio do
Decreto acima mencionado, passou a figurar como Anexo ao corpo do texto do ato normativo.

demonstram cruciais diferenças entre o ensino religioso confessional, interconfessional e não-confessional, os
julgadores consideraram a palavra confessional em um contexto léxico simplista (desvinculado, até mesmo, de
sentidos que lhe são conferidos juridicamente) e declararam a constitucionalidade da norma. Esse fato
demonstra um absoluto distanciamento dos problemas reais que estavam em pauta, pois toda a arquitetura legal
foi desenhada segundo uma leitura técnica da qual não seria possível desvencilhar-se. A ausência de maiores
discussões sobre a aplicação da lei sugere que os magistrados não estavam plenamente cientes do impacto e dos
desdobramentos futuros da sua decisão, o que leva a crer que os fundamentos adotados possam ser tarjados de
subminimalistas. Conferir: MARTEL, Leticia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre
liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira, in Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n.
86, págs. 11-57, ago./set., 2007. Disponível, também, no endereço eletrônico do Planalto do Governo, no link
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf
47 ―Artigo 11
A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da
pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da
pessoa.
35

A Procuradoria apresenta uma série de motivos pelos quais o texto impugnado deveria
ser considerado como contrário à Magna Carta, por afronta à liberdade de crença e
consciência e por desrespeito à laicidade Estatal. Não obstante a apresentação dos argumentos
em favor da inconstitucionalidade do artigo 11, a Procuradora Geral sugere que seja
concedida, pelo Supremo Tribunal, interpretação conforme a Constituição ao referido artigo.
O objeto principal contestado por Debora Duprat é a expressão ensino religioso,
católico e de outras confissões religiosas, que, de acordo com o entendimento da autora,
constitui estabelecimento indevido de caráter confessional ao ensino religioso, o que acaba
por ferir os preceitos constitucionais retro citados.
Assim sendo, a Procuradoria provê um relato acerca da laicidade do Brasil,
salientando que este princípio representa a possibilidade de o Estado adotar uma postura
bidirecional: salvaguardando tanto as diversas confissões religiosas existentes no Brasil de
qualquer intervenção indevida por parte do Estado, e, de outro lado, prevenindo qualquer
forma de influência proveniente de qualquer Igreja que tente afetar o Estado, protegendo a
necessária separação entre o poder secular e o democrático.
A laicidade compreendida na peça elaborada pela Procuradoria representa a adoção de
postura neutra por parte do Estado, de maneira que não haja favorecimento ou embaraço de
qualquer crença ou fé, sendo certo que a interpretação dada ao artigo 11 em comento deve se
coadunar com o contexto principiológico constitucional. Desta feita, deve ser levando em
consideração o fato de o Estado ser laico - neutro, bem como a garantia da liberdade de crença
e consciência e, de mesma forma, a relação com o princípio da igualdade.
A exposição feita pela Procuradoria na ADI 4.439, traz à tona não somente
questionamento de ordem jurídica acerca do tema, mas adicionalmente apresenta
preocupações eminentemente sociológicas que se verificam da prática do ensino religioso nas
escolas públicas do Brasil. Neste sentido, afirma ser tênue a linha de separação entre o
confessional e o não confessional e alerta para os perigos de um indesejável e inevitável
doutrinamento às crianças e adolescentes (que são mais facilmente influenciáveis pela figura

§1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina
dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural
religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de
discriminação‖
36

do mestre e do professor), suscetível a acontecer mesmo quando em pauta o ensino religioso
facultativo, que dirá quando lecionado o ensino manifestamente confessional.
No cenário do questionamento acerca da constitucionalidade do Estatuto da Igreja
Católica no Brasil, faz-se bastante interessante a leitura do parecer da Comissão de
Constituição e Justiça e Cidadania (“CCJC”)48, quando da aprovação do Acordo celebrado
entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil para o estabelecimento do referido
Estatuto.
Na oportunidade, a CCJC defendeu a constitucionalidade do Acordo e aprovou sua
conversão em Decreto Legislativo, alegando ser o Estatuto da Igreja Católica juridicamente
compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, se coadunando com os princípios
constitucionais expressos e implícitos, além de possuir substrato de coerência lógica, bom
senso e razoabilidade.
Especialmente acerca do artigo 11 (que segundo a Procuradora Deborah Duprat
estabelece a confessionalidade do ensino religioso, violando assim a laicidade Estatal e a
liberdade religiosa), a CCJC profere o seguinte entendimento:
―Nesse sentido, por exemplo, o Acordo não atenta contra a
„liberdade de consciência e de crença‟ nem mesmo contra o „livre
exercício dos cultos religiosos‟, tal como estabelece o inciso VI do
art. 5º da Constituição. Pelo contrário, o Acordo consagra a
liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade
confessional em nosso país, manifestando-se, aliás, contra qualquer
forma de discriminação (art. 11 do Acordo)‖49 (Destacou-se)

A CCJC reputa o Acordo como constitucional, uma vez que – de acordo com o parecer
– as diretrizes centrais do Estatuto em apreço preservam as disposições do ordenamento
jurídico acerca do caráter laico do Estado brasileiro, da liberdade religiosa e do tratamento
equitativo estabelecido no Brasil.
No entendimento prolatado pela CCJC, o Estatuto da Igreja Católica, e neste contexto
compreendido o ensino religioso católico, nada mais é do que a manifestação de um dos

48
49

Texto contido no Projeto de Decreto Legislativo n. 1.736, de 2009 (Mensagem 134/2009)
Texto contido no Projeto de Decreto Legislativo n. 1.736, de 2009 (Mensagem 134/2009)
37

credos religiosos que tem lugar no País, sendo certo que a todas as outras religiosidades
também é permitida e franqueada a mesma manifestação, não havendo, por tanto, qualquer
afronta à garantia de pluralidade religiosa.
Neste sentido - por não constituir exclusividade da Igreja Católica a celebração do
Acordo, sendo permitida a qualquer outra confissão fazê-lo - haveria, aí sim, afronta à Magna
Carta, se houvesse recusa por parte do Estado brasileiro em receber o Estatuto, vez que não é
defeso ao Estado constranger a manifestação de qualquer crença e a própria negativa à
possibilidade de tal manifestação caracterizaria embaraço jurídico discorde com o caráter
laico do Estado.
Por fim, a Comissão de Constituição e Justiça faz um paralelo entre o Acordo
celebrado no Brasil com a Igreja Católica e a Lei Italiana que regulamenta a relação travada
entre a República Italiana – que também é constitucionalmente laica – e as Assembléias
Evangélicas de Deus, no que concernente ao estabelecimento do ensino religioso, tal qual
previsto no artigo 11 do Estatuto da Igreja Católica no Brasil.
De acordo com a comparação estabelecida, a CCJC esclarece que, tal qual
estabelecido na citada Lei Italiana, o ensino religioso católico no Brasil deve ser
compreendido como aquele respaldado pela liberdade de consciência de todos. Assim, o
ensino religioso católico a ser ministrado nas escolas públicas não deve dar espaço à causa de
efeitos discriminatórios, e, ainda, deve ser concedido a quaisquer alunos o direito de não se
valerem do ensino religioso.
Mais uma vez, a análise aprofundada da discussão ensejada na Ação Direta de
Inconstitucionalidade que questiona o ensino religioso estabelecido pelo Estatuto da Igreja
Católica no Brasil, imputado constitucional pela CCJC, transparece a intensa refrega que se já
havia instalado no campo doutrinário a respeito do tema e que não encontrou eco na
jurisprudência constitucional Brasileira.
38

A manifestação doutrinária acerca do ensino religioso no Brasil
O estudo do posicionamento da doutrina a respeito do tema, antes de tudo, reiterou as
preocupações já aqui manifestadas: não há como chegar a qualquer conclusão sem se
considerar – principalmente – as garantias constitucionais à liberdade e igualdade religiosa e,
da mesma forma, a Cláusula de Estado Laico.
Estas preocupações constitucionais, elas mesmas, já configuram ponto controvertido
entre os diversos doutrinadores que se dispuseram a escrever sobre os temas das garantias de
liberdade e igualdade religiosa e de laicidade Estatal acima referidas.
Não é demais recapitular que a idéia de Estado laico, conforme já anteriormente se
referiu quando da explanação do panorama constitucional aplicável, ocupa uma dimensão
questionável e controversa para a compreensão da relação estabelecida entre Estado e Igrejas.
Talvez por ser esta noção tão debatida, a discussão referente à compreensão do significado
atribuído ao ensino religioso ainda esteja em curso.
Verificou-se que há relação lógica direta entre a maneira como são concebidos a
liberdade religiosa e o laicismo Estatal e a atribuição de constitucionalidade ou
inconstitucionalidade quanto ao ensino religioso confessional nas escolas públicas.
À luz dos citados princípios norteadores do entendimento acerca do ensino religioso
nas escolas públicas, fez-se possível classificar os doutrinadores estudados em três distintos
grupos, de acordo com os pensamentos por eles manifestados.
No presente estudo serão atribuídas as classificações e denominações a cada um dos
três grupos doutrinários acima referidos, que se julgou ser a mais acertada correlação entre
nome e conteúdo. Há que se ressalvar, porém, que a própria doutrina se incumbe de atribuir
nomes às diversas correntes doutrinárias que se apresentam acerca do tema do ensino
religioso, não sendo a própria classificação das distintas linhas de pensamento matéria de
consenso entre todos os doutrinadores.
Tendo isto sido esclarecido, cumpre ressaltar que aqui se convencionou subdividir a
doutrina, de acordo com cada uma das linhas de posicionamento emanadas, nas seguintes
correntes: negativa, positiva e neutra, sendo esta última a mais aceita pela doutrina e a que
parece fazer mais sentido no contexto histórico, jurídico e social brasileiro.
39

A primeira corrente, a que no presente chamou-se de negativa, atribui rigidez tal à
separação entre Estado e Igrejas que defende que o único modo de a liberdade e a igualdade
religiosa serem de fato atingidas é através de adoção de uma postura negacionista por parte do
Estado. Neste sentido, ao Estado seria negado manter50 qualquer forma de cooperação com ou
reconhecimento de quaisquer Igrejas, ou de todas as Igrejas.
Neste contexto, caberia a adoção de uma postura omissiva, uma atitude “de não fazer”
por parte do Estado. Este abster-se-ia de qualquer pronunciamento acerca da esfera religiosa,
como garantia da igualdade entre as várias religiões, como se “desse as costas” ao fenômeno
religioso, que, inevitavelmente, faz parte dos valores sócio-culturais, justamente para não
privilegiar indevidamente qualquer culto em detrimento de outro.
À luz do entendimento professado por este grupo de pensadores, o ensino religioso
confessional deveria, de qualquer forma ser expurgado do ordenamento jurídico e o próprio
ensino religioso, por si só, poderia ser reputado como incongruente com os demais princípios
resguardados pela Constituição Federal.
À corrente que se contrapõe a esta outra aqui apresentada chamou-se positiva. De
acordo com tal entendimento, o Estado deveria reconhecer a existência da diversidade
religiosa e, intentando garantir a igualdade entre todas as confissões existentes, deveria
efetivamente empreender esforços, atuando proativamente, para esquiparar as condições de
cada credo.
50

Leticia de Campos Velho Martel (conforme referência já apresentada acima), traz o posicionamento
apresentado pelo MEC, acerca do ensino religioso na escolas públicas, posicionamento este que adota o que aqui
se referiu como negacionismo, enaltecendo separação rígida entre o Estado e Igrejas: “Vale lembrar que a
redação original do art.33 da LDB referia-se ao ensino religioso confessional e ao interconfessional. O texto
ora vigente não traz tal definição e exige que os conteúdos e a qualificação dos professores sejam fixados pelos
respectivos sistemas de ensino, ouvida entidade civil composta pelas diferentes denominações religiosas. O
Pleno do Conselho Nacional de Educação apreciou, em parecer homologado pelo Ministro da Educação, o
antigo art.33, concluindo que o ensino poderia ser confessional, ou seja, ministrado por lideranças religiosas na
escola, durante o horário letivo, desde que sem ônus para os cofres públicos. O pleno entendeu que, em razão
do art.19 da CF/88, não poderia o Estado ser onerado por tais aulas. Com a nova redação ofertada ao art.33,
mais uma vez manifestou-se o CNE, que considerou não ser de sua alçada manifestar-se sobre os conteúdos, eis
que especificamente atribuídos os diferentes sistemas de ensino, o mesmo valendo, dentro dos parâmetros
gerais, para a qualificação dos educadores. O excerto final do parecer, além de curioso, ilustra a magnitude do
problema: ―Esta parece ser, realmente, a questão crucial: a imperiosa necessidade, por parte do Estado, de não
interferir e portanto não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou daquela posição religiosa
e, muito menos, de decidir sobre o caráter mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos. Menos ainda deve
ser colocado na posição de arbitrar quando, optando-se por uma posição ecumênica, diferentes seitas ou igrejas
contestem os referidos conteúdos da perspectiva de sua posição religiosa, ou argumentem que elas não estão
contempladas na programação. Por estas razões, parece-nos impossível, sem ferir a necessária independência
entre Igreja e Estado, estabelecer uma orientação nacional uniforme que seria necessária para a observância
dos processos atuais de autorização e reconhecimento‖. BRASIL. MEC. CNE. Parecer nº05/97. BRASIL. MEC.
CNE. Parecer 97/99. Disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/cne. Acesso em: dez.2006‖.
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Ensino religioso confessional nas escolas públicas

  • 1. ENSINO RELIGIOSO CONFESSIONAL NAS ESCOLAS PÚBLICAS Uma análise empírico-teórica acerca de sua constitucionalidade em face dos princípios da laicidade estatal e da liberdade e igualdade religiosas Trabalho de Monografia Jurídica apresentado ao Curso de Graduação, como parte dos requisitos para obtenção do título de bacharel em Direito, na área de Direito Constitucional, sob a orientação do ProfessorOrientador Roberto Dias (agosto/2011) RESUMO O presente trabalho se presta a analisar se o ensino religioso é passível de ser ministrado, nas escolas públicas, na forma confessional, à luz do ordenamento jurídico posto. A aferição acerca de sua constitucionalidade perpassa, preliminarmente, o exame do Texto Constitucional, focada –especialmente - nos artigos 5º, inciso VI, artigo 19, inciso I e artigo 210, parágrafo 1º. Neste mister, o exame da constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas, empreendido nesta pesquisa, faz-se, notadamente, sob o âmbito da liberdade e da igualdade religiosas, assim como da laicidade Estatal e do próprio ensino religioso, tal qual previsto na Carta Magna. O estudo do tema ganhou contornos um tanto mais concretos com o ensejo de questionamentos levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal, por meio de Ações
  • 2. Diretas de Inconstitucionalidade, que, até o momento, não receberam qualquer tratamento por parte dos ministros da Corte. Desta feita, intentou-se nesta monografia (em um segundo momento), a partir da concatenação do entendimento doutrinário a respeito da constitucionalidade do ensino religioso confessional e do posicionamento manifestado pelo Supremo acerca da laicidade Estatal e das liberdade e igualdade religiosas, mapear uma possível resposta às ADIs impetradas. Tendo em vista o cenário em que este instituto (ensino religioso confessional) está sendo debatido, o trabalho - além de surpreendentemente concluir pela tendente atribuição de constitucionalidade do ensino religioso confessional – propõe alguns questionamentos acerca da própria atuação do Supremo Tribunal Federal e da posição política ocupada pelo órgão.
  • 3. SUMÁRIO Noções Introdutórias e Andaimes do Estudo ......................................................................... 4 Tratamento conferido pelo Ordenamento Jurídico – principais diretrizes e análise sistemática do cenário constitucional.................................................................................... 13 Constituição Federal de 1988 ............................................................................................... 13 A Declaração Universal dos Direitos Humanos ................................................................... 21 A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional .............................................................. 23 O Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil ................................................................... 25 A Lei Estadual nº 3.459 do Estado do Rio de Janeiro .......................................................... 26 As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – a materialização da controvérsia que permeia o tema ........................................................................................................................ 28 ADI n° 3.268 – O Caso do Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas do Rio de Janeiro ................................................................................................................................... 29 ADI n° 4.439 – O Caso do Estatuto da Igreja Católica no Brasil ......................................... 34 A manifestação doutrinária acerca do ensino religioso no Brasil ...................................... 38 STF e jurisprudência constitucional - O prisma jurisprudencial acerca da laicidade estatal e da liberdade religiosa e o possível entendimento conferido à questão do ensino religioso confessional nas escolas públicas. .......................................................................... 47 Brinde final e convite à pesquisa ........................................................................................... 60 BIBLIOGRAFIA .................................................................................................................... 64
  • 4. 4 Noções Introdutórias e Andaimes1 do Estudo O presente trabalho se presta a analisar a polêmica questão acerca da compatibilidade do ensino religioso confessional de matrícula facultativa ministrado nas escolas públicas com a Constituição Federal, especialmente no que concerne à cláusula de Estado laico e à liberdade religiosa, controvérsia esta que, inclusive se materializou em forma de Ações Diretas de Inconstitucionalidade impetradas perante o Supremo Tribunal Federal em diversas oportunidades, as quais serão, inclusive, analisadas no decorrer desta pesquisa. A escolha do tema deu-se em função de sua importância interdisciplinar, que esbarra em princípios morais, sociais, filosóficos e políticos - além de jurídicos – e, desde tempos imemoriais, contrapõe valores intrinsecamente imbuídos na sociedade e em cada individuo que a compõe, e, indubitavelmente, suscita grande debate que se encontra longe de ser pacificado e definitivamente resolvido. Para empreender esta jornada acadêmica, faz-se necessária, a priori, a explanação do que aqui se convencionou chamar-se de “ensino religioso confessional” para que, em seguida, se faça possível o perfeito entendimento da profundidade e da complexidade do tema, que, impreterivelmente, envolve o estudo das constitucionalmente garantidas laicidade ou laicismo2 estatal e liberdade religiosa, bem como do igualmente tutelado ensino religioso, valor este que se encontra atualmente elevado à qualidade de valor integrante da formação básica do cidadão. Ensino religioso confessional é o ensino que se contrapõe àquele que é ministrado na modalidade ecumênica. Desta feita, entende-se o primeiro como sendo o ensino conduzido de maneira vinculada à determinada e específica linha religiosa3. Neste diapasão, faz-se interessante, também, apontar que há entendimento doutrinário no sentido de conferir ao termo confessional uma generalidade e abrangência que extrapola o 1 Andaimes é a expressão utilizada pela Professora Ana Lúcia Pastore, no curso de Metodologia e Lógica jurídica, ministrado na Sociedade Brasileira de Direito Público (“SBDP”), para referir-se ao caminho percorrido para se chegar às conclusões da pesquisa: são os andaimes da construção, que são retirados após a conclusão das obras, mas que figuram como peças fundamentais para sua concretização. 2 Embora se reconheça que existam doutrinadores que entendam haver divergências conceituais entre as acepções dos termos laicismo e laicidade, adotar-se-á, no presente trabalho, o mesmo significado para ambos os referidos termos. 3 Acerca do assunto, conferir SANTOS. William Soares. Ensino Religioso em Escolas Públicas: Uma pesquisa etnográfica. Dialogia, São Paulo, v. 8, n.1, p. 109-121, 2009
  • 5. 5 sentido meramente religioso da palavra, compreendendo amplitude que se estende ao campo ético e moral. Assim, qualificam-se como confessionais quaisquer medidas dos poderes públicos que subscrevam conteúdos ético-morais, não somente de raiz religiosa, mas, também, de raiz ideológica4. Ademais do ensino confessional conforme acima aferido, a pesquisa abrangerá o chamado ensino religioso interconfessional, definido tal qual a acepção conferida por Deborah Diniz e Tatiana Lionço5 ao termo. Assim, pretende-se – também - analisar se o ensino que prioriza valores partilhados por uma maioria de confissões religiosas guarda respeito à Constituinte. ―Todo ensino interconfessional é também confessional em seus fundamentos. A diferença entre os dois tipos de ensino estaria na abrangência da confessionalidade: o ensino confessional estaria circunscrito a uma comunidade religiosa específica, ao passo que o interconfessional partiria de consensos entre as religiões, uma estratégia educacional mais facilmente posta em prática pelas religiões cristãs, por exemplo‖ 6. De qualquer forma, o ensino religioso confessional (ou interconfessional, conforme o caso) aqui abraçado, não deve ser confundido com o ensino teológico e desvinculado. Este último compreendido como sendo aquele por meio do qual se leciona as bases éticas, filosóficas e históricas das religiões, e as distinções e semelhanças dos cultos religiosos, sem, no entanto, privilegiar o ensino de uma única corrente religiosa ou das correntes religiosas majoritárias, e sem que haja caracterização de qualquer vinculo entre o Estado, provedor do ensino, e tais correntes. O estudo do ensino religioso confessional deve ser compreendido à luz do que determina a Constituição Federal que dispõe sobre as diretrizes principiológicas que devem nortear o sistema educacional do Brasil. Ademais, tal estudo não pode ser afastado de um viés 4 Para Andres Ollero: “Así, trás de señalar acertadamente que „cuanto digamos de lãs crencias religiosas y de lãs confesiones vale también para cualquier ideologia, sistema filosófico o concepcion ética‟, se há apuntado que um Estado puede ser laico o confessional tanto en relación con un credo religioso como con un credo no religioso”. OLLERO, Andres. Laicidad Y Laicismo. México: Instituto de Investigaciones Jurídicas. Serie Estudios Jurídicos, Num. 163, 2010. 5 DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Unesco / Letras Livres / Unb. 2010, pág. 14. 6 DINIZ, Débora; LIONÇO, Tatiana; CARRIÃO, Vanessa. Laicidade e ensino religioso no Brasil. Brasília: Unesco / Letras Livres / Unb. 2010, pág. 14
  • 6. 6 prático que impreterivelmente envolve a questão da possibilidade de ensino religioso no Brasil, qual seja, a própria existência de grande diversidade religiosa no País. De acordo com o Censo 2000, feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, mais de 40 religiões diferentes são professadas pelos brasileiros (43, especificamente). Este número não inclui aqueles que se declararam sem religião ou de religiosidade indefinida. Além do dado estatístico, que revela a importância da existência de liberdade de crença no Brasil, quando do empreendimento de análise acerca da constitucionalidade do ensino religioso confessional deve-se, em primeiro momento, levar-se em consideração o tratamento constitucional destinado à própria educação. De acordo com o entendimento professado por José Afonso da Silva, ―a educação como processo de reconstrução da experiência é um atributo da pessoa humana, e, por isso, tem que ser comum a todos. É essa concepção que a Constituição agasalha nos arts. 205 a 214, quando declara que ela é um direito de todos e dever do Estado‖ 7 Neste contexto, há que se apontar que para o presente estudo importa somente o ensino religioso confessional nas escolas públicas, descartando-se, portanto, a análise acerca da constitucionalidade das aulas ministradas nas escolas particulares que, de maneira conceitual, não guardam vínculos de dependência com o Estado e que, em assim o sendo, não constituem e não configuram base para a execução de políticas públicas. O ensino aqui contemplado é aquele público, prestado pelo Estado em suas instituições de ensino, tal como concebido pelo mencionado José Afonso, para quem: “a preferência constitucional pelo ensino público importa que o Poder Público organize os sistemas de ensino de modo a cumprir o respectivo dever com a educação, mediante prestações estatais que garantam, no mínimo: ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria; progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio; atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; atendimento em creche e pré-escola às crianças de zero a seis anos de idade; acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; atendimento ao educando, no ensino fundamental, através de programas 7 AFONSO DA SILVA, José. Curso Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 33ª Edição. pag. 840
  • 7. 7 suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde; conteúdo mínimo ao ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais” 8. (Destacou-se) Conforme se pode aferir da passagem acima transcrita, o ensino aqui abrangido é aquele entendido como parte de um processo fomentado, organizado pela Administração Pública, processo este em que ela, Administração Pública, figura como um dos principais atores, responsável por tornar efetivo o mandamento constitucional de acesso à educação. Assim, cabe referir que importa - para esta pesquisa - o ensino religioso compreendido como aquele inserto em uma sistemática regida pelo regime de direito público 9. O ensino religioso que constitui matrícula facultativa (ou até mesmo obrigatória) nas escolas privadas não desperta a mesma apaixonada discussão. Isto se deve ao fato de a relação travada entre a escola particular e o aluno (ou seu responsável) se dar na esfera puramente privada – mesmo sendo a educação, por si só um tema de relevante interesse coletivo, sendo até mesmo considerada como um dos direitos sociais, constitucionalmente garantidos, por meio da expressa proteção conferida por seu artigo 6º10. Tendo sido tal ponto esclarecido, cumpre explanar, de maneira sucinta, os “andaimes”11 do presente estudo, as bases fundantes das conclusões aqui apresentadas. Conforme anteriormente citado, o tema do ensino religioso confessional, de matrícula facultativa, nas escolas públicas, desperta grande debate, que se encontra longe de ser pacificado. A doutrina se debruçou e se debruça sobre a questão, trazendo pensamentos e conclusões nada homogêneos, o que contribui para a demonstração da vastidão e amplitude do tema, e – mais – da complexidade e profundidade das discussões ensejadas pelo assunto. Para contemplar o diálogo doutrinário havido em torno da polêmica acerca da possibilidade de as escolas facultarem aos alunos - da rede pública de ensino - a instrução 8 SILVA, José Afonso da. Comentário Contextual à Constituição. São Paulo: Malheiros Editores. 2005. pag. 790 A respeito da dicotomia entre público e privado, interessante conferir: SUNDFELD, Carlos Ari. Fundamentos do Direito Público. São Paulo: Malheiros Editores. 4ª Ed. 6ª tiragem. 2005. págs. 138 e seguintes 10 Art. 6º da Constituinte: ―São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição‖ (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010) 11 Conforme já referido, Andaimes é a expressão utilizada pela Professora Ana Lúcia Pastore, nas aulas de metodologia e lógica jurídicas ministradas no curso Escola de Formação da Sociedade Brasileira de Direito Público para se referir ao caminho percorrido para a obtenção dos resultados e conclusões da pesquisa. 9
  • 8. 8 religiosa confessional, dedicar-se-á um capítulo do presente estudo para a apresentação do posicionamento da doutrina no que concernente à (in)constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas da rede pública. Conforme já dantes referido, a controvérsia a respeito do tema se materializou em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ou simplesmente “ADI”, ou “ADIs”, quando no plural) – especificamente duas - impetradas perante o Supremo Tribunal Federal. Nenhuma delas, entretanto, recebeu qualquer tratamento por parte do Supremo até a presente data. A primeira das mencionadas ADIs, distribuída em meados de 2004 e numerada 3.268, foi promovida pela Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação e questionava dispositivos da Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, do Estado do Rio de Janeiro. Sob o âmbito de um panorama geral, pode-se dizer que tal Lei Estadual previa a possibilidade de instituição, para as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, de ensino religioso confessional, ministradas por professores específicos, escolhidos de acordo com critérios definidos na referida Lei. A segunda ADI (de número 4439) - mais recente - foi interposta em 2010, pela Procuradoria Geral da República, pleiteando a suspensão da eficácia do Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010, assim como a inconstitucionalidade do artigo 11 de seu anexo que, de acordo com o entendimento manifestado pela Eminente Procuradora Débora Duprat, não se coadunava com o princípio de laicismo Estatal e com o artigo 33, e seus parágrafos, da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Referido Decreto promulgou o Acordo entre o Governo da República Federativa do Brasil e a Santa Sé, relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil e previu, dentre outros, um tratamento específico para o ensino religioso nas escolas. Ambos, o Decreto nº 7.107 e a Lei Estadual nº 3.459, serão oportunamente analisados, no presente trabalho, quando do exame aprofundado das citadas ADIs. A análise destes documentos constituirá parte principal do presente estudo. Importa, a esse respeito, destacar o importante papel que o STF desempenha no deslinde da questão, atuando como “Guardião da Constituição”. Atualmente, devemos
  • 9. 9 compreender a Suprema Corte dentro do chamado Fenômeno Constitucional12. Dentro deste cenário, a função performada pelo Supremo encontra-se bem descrita pelo Ministro Gilmar Mendes, de cujo voto na ADIn n° 3510 se destaca o seguinte trecho para bem ilustrar a condição da Corte Constitucional brasileira: ―Apesar dessa constatação, dentro de sua competência de dar a última palavra sobre quais direitos a Constituição protege, as Cortes Constitucionais, quando chamadas a decidir sobre tais controvérsias, têm exercido suas funções com exemplar desenvoltura, sem que isso tenha causado qualquer ruptura do ponto de vista institucional e democrático. Importantes questões nas sociedades contemporâneas têm sido decididas não pelos representantes do povo reunidos no parlamento, mas pelos Tribunais Constitucionais. Cito, a título exemplificativo, a famosa decisão da Suprema Corte norte-americana no caso Roe VS. Wade, assim como as decisões do Tribunal Constitucional alemão nos casos sobre o aborto (BVerfGE 39, 1, 1975; BverfGE 88, 203, 1993)” Pode-se dizer que a última palavra a respeito de temas política e socialmente relevantes, tal qual este acerca do ensino religioso confessional, acaba por ser sempre proferida pelo Supremo. A este cabe, em última instância, a decisão a respeito de temas que não se restringem à esfera unicamente jurídica. Verificou-se, nos últimos tempos, inúmeras críticas dirigidas à Suprema Corte brasileira, seja por sua atuação pró-ativa, as vezes até usurpando as funções que lhe foram constitucionalmente atribuídas, seja por sua atuação “negativa”, quando a Corte não arca com o papel de guarda da Magna Carta, se furtando a tomar determinadas decisões. Certo é que, atualmente o Supremo desempenha papel determinante no destino de questões que, muitas vezes, extrapolam o limite puramente jurídico. Tal Tribunal é visto, inclusive, sob o foco de parte da doutrina, como um tribunal político justamente pela complexidade interdisciplinar das questões definidas pela Corte Maior. Neste sentido, pode-se dizer que o âmbito de alcance das decisões do STF abrange os mais diversos segmentos da sociedade. Os efeitos das referidas decisões se estendem para além do âmbito jurídico-constitucional e, por diversas vezes, definem os rumos dos debates nacionais. 12 SUNDFELD, Carlos Ari. O Fenômeno Constitucional e suas Três Forças.
  • 10. 10 Pensando no papel correntemente desempenhado pelo STF na atual ordem jurídicopolítica, pretendeu-se aqui entender o possível tratamento conferido pela Corte Suprema à questão do ensino religioso confessional, de matrícula obrigatória, nas escolas públicas. Tendo em vista o silêncio – que perdura até o presente momento - do Supremo Tribunal Federal acerca da questão (mesmo tendo sido este provocado a se pronunciar a respeito do tema), tentou-se aqui prever um possível tratamento a respeito da compatibilidade de matéria religiosa confessional nas escolas da rede pública de ensino com a Constituição Federal. Para tanto, fez-se um levantamento de todos os precedentes em que o Supremo Tribunal brasileiro abordou a laicidade do Estado13 e a questão da liberdade religiosa. A partir da leitura dos argumentos dos ministros nos diversos julgados encontrados, fez-se um delineamento do possível entendimento que pode ser dado quanto à constitucionalidade da confessionalidade do ensino religioso à luz da interpretação conferida pelo próprio Guardião da Constituição. Considerando-se que o julgamento da ADI 4.439 encontra-se atualmente na pauta do STF, e que a ADI 3.268 não foi julgada, a previsão aqui apresentada não guarda qualquer distanciamento temporal dos fatos e, portanto, reveste-se de juízos pautados na grande repercussão gerada pelo tema abordado no presente trabalho. Assim, deve-se ponderar que as conclusões e avaliações aqui feitas são prematuras e podem (e devem) ser futuramente repensadas. Ainda assim, cabe salientar que as reflexões apresentadas estão longe de ser inconseqüentes e irresponsáveis. Por fim, para justificar a possibilidade de elaboração desta análise (também com intuito de afastar que seja atribuída a esta pesquisa o caráter de “futurologia”) faz-se interessante apontar a noção do que se adotou como “precedente” no presente trabalho. O termo relação de precedente deve se entendido da seguinte maneira, tal qual explicitado por Flávia Annemberg: 13 Para a composição da amostra de precedentes, foi empreendida pesquisa no campo “Busca de Jurisprudência” do portal virtual do STF (http://www.stf.jus.br/portal/jurisprudencia/pesquisarJurisprudencia.asp). Os seguintes critérios de busca foram utilizados, intentando-se a maior abrangência possível de resultados: (i) “Estado Laico”; (ii) Laicismo; (iii) Laicidade; (iv) “Liberdade Religiosa”; (v) Separação Estado Igreja; (vi) Deus; (vii) Ateu ou Ateísmo; (viii) Religião; (ix) Religiosidade; e (x) “Igualdade Religiosa”. Importante salientar que não houve qualquer corte temporal para o estabelecimento da amostra final de julgados.
  • 11. 11 ―(...) o termo relação de precedente não tem uma conotação de vinculação direta entre os resultados. O termo diz respeito, na realidade, à análise do processo de argumentação que foi desenrolado em um caso tendo em vista o potencial de que ele venha a surgir de forma semelhante no outro caso. Assim, pretendo constatar a existência de uma lógica que possibilite a conexão entre os casos por meio do tipo de discurso desenvolvido, seja ele jurídico ou político‖14. Desta feita, entende-se que há uma relação lógica entre o que fora anteriormente, em julgados passados, entendido como sendo “Estado laico” na visão do Supremo Tribunal Federal, bem como o entendimento acerca da liberdade e da igualdade religiosa, e o atual entendimento professado pelos ministros. Este entendimento será considerado como elemento influenciador do possível tratamento a ser destinado à questão do ensino religioso confessional nas escolas públicas. Faz-se importante referir que o presente trabalho será – em grande parte – descritivo, de maneira a apresentar contexto legal e constitucional em que o tema se insere, bem como um panorama atual, jurídico-político, que envolve a questão do ensino religioso confessional no Brasil. Ressalve-se que, embora o trabalho forneça, principalmente, uma apresentação do cenário que abraça a polêmica no Brasil, não se desincumbiu de emitir eventuais opiniões que, juntamente com a exposição factual e legal acerca do tema, tem por objetivo fomentar o debate que já existe acerca da constitucionalidade do ensino religioso confessional no Brasil. O caráter eminentemente opinativo do estudo revela-se, somente, a partir da proposição de deslindes futuros acerca da controvérsia. Tais opiniões encontram-se, entretanto, vinculadas ao entendimento já proferido pelo Supremo Tribunal Federal acerca da laicidade Estatal, conforme já se aduziu anteriormente, buscando guardar relação de conexão lógica entre o posicionamento já adotado pelo STF e aquele que se pretende prever. 14 ANNEMBERG, Flávia. A posição do Supremo Tribunal Federal nos casos de pesquisa com células-tronco embrionárias e da interrupção da gravidez do feto anencéfalo. Existe relação de precedente entre eles? Monografia apresentada à Sociedade Brasileira de Direito Público – SBDP, como exigência para conclusão do curso da Escola de Formação do ano de 2008. Disponível no link http://www.sbdp.org.br/arquivos/material/581_Monografia%20Flavia.PDF.
  • 12. 12 Mais uma vez, salienta-se aqui, que a presente pesquisa não ambiciona trazer conclusões inquestionáveis ou definitivas, ensejando, até mesmo, o surgimento de mais perguntas do que respostas a respeito da controvérsia.
  • 13. 13 Tratamento conferido pelo Ordenamento Jurídico – principais diretrizes e análise sistemática do cenário constitucional Para o perfeito entendimento a respeito da questão, impossível não apresentar o panorama legislativo constitucional no qual a controvérsia - acerca da possibilidade de se lecionar matéria religiosa nas escolas públicas - está inserida. Para isso, analisar-se-á o tratamento designado pela Constituição Federal ao tema da educação, bem como o tratamento conferido às liberdades (mais especialmente à liberdade de crença) e o que a Carta dispõe a respeito da desvinculação entre Estado e Igrejas de todos os tipos. Adicionalmente, os dispositivos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, relevantes para o presente estudo, serão trazidos à tela, já que tal texto inquestionavelmente representa um balizador principiológico para a interpretação de tudo quanto pertinente aos direitos humanos, sendo que a matéria do ensino, da educação, deve ser compreendida como conteúdo destes direitos humanos. Analisar-se-á, ainda, a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, dada sua inevitável pertinência temática. Para o presente trabalho, importará, também, apresentar os atos normativos atacados pelas Ações Diretas de Inconstitucionalidade retro citadas. Assim, o Decreto n° 7.107, de 11 de fevereiro de 2011, e a Lei Estadual nº 3.459, de 14 de setembro de 2000, do Estado do Rio de Janeiro, serão aqui descritos. Constituição Federal de 1988 A Magna Carta de 1988 trata, em seus artigos 205 e seguintes15, do tema da educação no Brasil. 15 Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Art. 206. O ensino será ministrado com base nos seguintes princípios: I - igualdade de condições para o acesso e permanência na escola; II - liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber; III - pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas e privadas de ensino; IV - gratuidade do ensino público em estabelecimentos oficiais;
  • 14. 14 V - valorização dos profissionais da educação escolar, garantidos, na forma da lei, planos de carreira, com ingresso exclusivamente por concurso público de provas e títulos, aos das redes públicas; VI - gestão democrática do ensino público, na forma da lei; VII - garantia de padrão de qualidade. VIII - piso salarial profissional nacional para os profissionais da educação escolar pública, nos termos de lei federal. Parágrafo único. A lei disporá sobre as categorias de trabalhadores considerados profissionais da educação básica e sobre a fixação de prazo para a elaboração ou adequação de seus planos de carreira, no âmbito da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Art. 207. As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão. § 1º É facultado às universidades admitir professores, técnicos e cientistas estrangeiros, na forma da lei. § 2º O disposto neste artigo aplica-se às instituições de pesquisa científica e tecnológica. Art. 208. O dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: I - educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria; II - progressiva universalização do ensino médio gratuito; III - atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino; IV - educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até 5 (cinco) anos de idade; V - acesso aos níveis mais elevados do ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um; VI - oferta de ensino noturno regular, adequado às condições do educando; VII - atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde. § 1º - O acesso ao ensino obrigatório e gratuito é direito público subjetivo. § 2º - O não-oferecimento do ensino obrigatório pelo Poder Público, ou sua oferta irregular, importa responsabilidade da autoridade competente. § 3º - Compete ao Poder Público recensear os educandos no ensino fundamental, fazer-lhes a chamada e zelar, junto aos pais ou responsáveis, pela freqüência à escola. Art. 209. O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes condições: I - cumprimento das normas gerais da educação nacional; II - autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público. Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental. § 2º - O ensino fundamental regular será ministrado em língua portuguesa, assegurada às comunidades indígenas também a utilização de suas línguas maternas e processos próprios de aprendizagem. Art. 211. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios organizarão em regime de colaboração seus sistemas de ensino. § 1º A União organizará o sistema federal de ensino e o dos Territórios, financiará as instituições de ensino públicas federais e exercerá, em matéria educacional, função redistributiva e supletiva, de forma a garantir equalização de oportunidades educacionais e padrão mínimo de qualidade do ensino mediante assistência técnica e financeira aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios; § 2º Os Municípios atuarão prioritariamente no ensino fundamental e na educação infantil. § 3º Os Estados e o Distrito Federal atuarão prioritariamente no ensino fundamental e médio. § 4º Na organização de seus sistemas de ensino, a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios definirão formas de colaboração, de modo a assegurar a universalização do ensino obrigatório. § 5º A educação básica pública atenderá prioritariamente ao ensino regular. Art. 212. A União aplicará, anualmente, nunca menos de dezoito, e os Estados, o Distrito Federal e os Municípios vinte e cinco por cento, no mínimo, da receita resultante de impostos, compreendida a proveniente de transferências, na manutenção e desenvolvimento do ensino. § 1º - A parcela da arrecadação de impostos transferida pela União aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, ou pelos Estados aos respectivos Municípios, não é considerada, para efeito do cálculo previsto neste artigo, receita do governo que a transferir. § 2º - Para efeito do cumprimento do disposto no "caput" deste artigo, serão considerados os sistemas de ensino federal, estadual e municipal e os recursos aplicados na forma do art. 213.
  • 15. 15 Para o desenvolvimento do presente estudo, faz-se indispensável a análise mais aprofundada do artigo 210, especificamente de seu parágrafo primeiro, a seguir transcrito: ―Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. § 1º - O ensino religioso, de matrícula facultativa, constituirá disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental‖. Durante quase toda a história republicana brasileira, o tema do ensino religioso foi matéria prevista pela Constituição Federal, com exceção da Carta de 1891, a primeira das Constituições da República. A partir do Estado Novo, com o Texto de 1934, a previsão de ensino religioso sempre foi repetida nos enunciados constitucionais seguintes. § 3º A distribuição dos recursos públicos assegurará prioridade ao atendimento das necessidades do ensino obrigatório, no que se refere a universalização, garantia de padrão de qualidade e equidade, nos termos do plano nacional de educação § 4º - Os programas suplementares de alimentação e assistência à saúde previstos no art. 208, VII, serão financiados com recursos provenientes de contribuições sociais e outros recursos orçamentários. § 5º A educação básica pública terá como fonte adicional de financiamento a contribuição social do salárioeducação, recolhida pelas empresas na forma da lei. § 6º As cotas estaduais e municipais da arrecadação da contribuição social do salário-educação serão distribuídas proporcionalmente ao número de alunos matriculados na educação básica nas respectivas redes públicas de ensino. Art. 213. Os recursos públicos serão destinados às escolas públicas, podendo ser dirigidos a escolas comunitárias, confessionais ou filantrópicas, definidas em lei, que: I - comprovem finalidade não-lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação; II - assegurem a destinação de seu patrimônio a outra escola comunitária, filantrópica ou confessional, ou ao Poder Público, no caso de encerramento de suas atividades. § 1º - Os recursos de que trata este artigo poderão ser destinados a bolsas de estudo para o ensino fundamental e médio, na forma da lei, para os que demonstrarem insuficiência de recursos, quando houver falta de vagas e cursos regulares da rede pública na localidade da residência do educando, ficando o Poder Público obrigado a investir prioritariamente na expansão de sua rede na localidade. § 2º - As atividades universitárias de pesquisa e extensão poderão receber apoio financeiro do Poder Público. Art. 214. A lei estabelecerá o plano nacional de educação, de duração decenal, com o objetivo de articular o sistema nacional de educação em regime de colaboração e definir diretrizes, objetivos, metas e estratégias de implementação para assegurar a manutenção e desenvolvimento do ensino em seus diversos níveis, etapas e modalidades por meio de ações integradas dos poderes públicos das diferentes esferas federativas que conduzam a: I - erradicação do analfabetismo; II - universalização do atendimento escolar; III - melhoria da qualidade do ensino; IV - formação para o trabalho; V - promoção humanística, científica e tecnológica do País. VI - estabelecimento de meta de aplicação de recursos públicos em educação como proporção do produto interno bruto.
  • 16. 16 Conforme se infere da leitura do artigo destacado, o Texto Maior prevê a possibilidade de constituição do ensino religioso nas escolas públicas, desde que seja ele de matéria facultativa e contanto que respeitadas as demais liberdades públicas, importando para o presente, especialmente, a liberdade de culto religioso e a previsão do laicismo do Brasil, valores adiante explicados. Deve-se ponderar, ainda, que todos os artigos constitucionais citados no presente devem ser entendidos de forma sistêmica, compreendidos como parte integrante do ordenamento jurídico, tal como concebido por Norberto Bobbio. Bem assim, há que se tomar por dito ordenamento aquele composto por normas de primeiro grau, normas de segundo grau, normas-preceitos e normas-princípios. Sob esta perspectiva, faz-se necessário conferir destaque ao artigo 205 da Carta Maior, que estabelece ser a educação um dever do Estado, sim, mas – igualmente – um dever da família, devendo esta zelar pelo atendimento do fim maior da própria educação, qual seja, o de promover pleno desenvolvimento do indivíduo, almejando seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Não menos importante, o artigo 206 do referido texto constitucional, estatui as bases principiológicas que regem o ensino, dentre as quais não se pode deixar de mencionar – como um importante highlight para a presente pesquisa – a garantia de pluralismo de idéias e de concepções pedagógicas, e coexistência de instituições públicas de ensino. A respeito destes dois destacados mandamentos jurídicos – artigos 205 e 206 da Carta Política – cabe um adendo doutrinário bastante pertinente, reproduzido do texto do eminente Procurador do Estado de São Paulo, Nilton de Freitas Monteiro, que asseverou o quanto a seguir: ―O artigo 205 da Constituição estabelece que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família, e que será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. O ensino será ministrado com base em vários princípios, um deles o princípio do pluralismo das idéias (art. 206, III) — trata-se daquilo que, na Constituição Portuguesa, é chamado de não-confessionalidade de ensino público. Reitere-se, aqui, que a palavra "confessional", embora tenha uma origem vinculada a questões religiosas (retorno às grandes declarações de princípios contidas nas "Confissões", de Agostinho, para garantir a fidelidade
  • 17. 17 doutrinária pura do cristianismo, sem interferência racionalista), a palavra "confessional", dizíamos, hoje pode ser empregada em sentido mais amplo, abrangendo orientações religiosas ou orientações ideológicas‖16. Claramente os demais artigos constitucionais, em especial àqueles pautadores da educação nas escolas brasileiras, influenciam na correta interpretação a ser dada ao tema do ensino religioso facultativo nas escolas públicas. Não obstante, os artigos acima marcados guardam maior pertinência com o tema aqui abordado, tendo sido, por isso, destacados. Em continuidade àquilo referido acima, o ensino religioso nas escolas públicas brasileiras deve, ademais, resguardar as demais liberdades constitucionalmente garantidas. A primeira das referidas liberdades, a religiosa, encontra fulcro no artigo 5º da Carta Constituinte, que trata dos direitos e garantias fundamentais de cada indivíduo. Seu inciso VI assim dispõe: ―Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes (...) VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias‖. À luz do caput do artigo em comento, deve-se compreender a liberdade de crença como conteúdo do princípio da isonomia, um dos valores fundamentais de todo ordenamento jurídico posto17. Vê-se, da interpretação do transcrito artigo VI, que a Carta Fundamental garante tanto a liberdade de consciência, quanto a liberdade de crença. É importante referir que a garantia da liberdade de crença assegura que qualquer religião poderá ser professada, e ninguém será 16 FREITAS MONTEIRO, Nilton de. Parâmetros Constitucionais do Ensino Religioso nas Escolas Públicas. O texto encontra-se acessível na página virtual da procuradoria geral do Estado de São Paulo, por meio do link http://www.pge.sp.gov.br/centrodeestudos/revistaspge/revista3/rev11.htm 17 Acerca do tema, vide o seguinte trabalho, em que os professores discorrem, de maneira didática e clara, acerca das nuances do princípio da isonomia: DAVID ARAÚJO, Luiz Alberto e JÚNIOR, Vidal Serrano Nunes. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 4ª Edição. 2001. pág. 88 e seguintes.
  • 18. 18 impedido de crer naquilo que bem entender. Igualmente assegurado é o direito de não crer em nada. “Deflui, pois, da liberdade de consciência uma proteção jurídica que incluí os próprios ateus e os agnósticos”18 Além destas – liberdade de crença e de consciência – o inciso em comento possibilitou a liberdade de exercício de culto, o que significa dizer que pode tal liberdade ser exercida (a princípio19) em qualquer lugar, não sendo restringida a sua celebração nos templos destinados especificamente a isto. Saliente-se que tal dispositivo constitucional representa, por si só, uma grande evolução histórica e social. Nem sempre se garantiu no Brasil a liberdade religiosa (compreendendo as três liberdades acima referidas: culto, crença e consciência). A Constituição de 1824 dispunha, em seu artigo 5º, ser a religião “Catholica Apostolica Romana” a religião oficial do Império. As demais religiões somente eram permitidas em cultos domésticos, sendo vedada qualquer manifestação ou exteriorização a elas relacionadas20. Com o advento do Decreto n° 119-A, de 7 de janeiro de 1890, proibiu-se, de vez, a ―intervenção da autoridade federal e dos Estados federados em matéria religiosa‖21, assim como consagrou-se a plena liberdade de cultos, extinguindo-se, ademais, o padroado, até então vigente no Brasil. A separação entre Estado e Igreja e a reafirmação de inexistência de religião oficial do Brasil encontra-se consignada na redação do artigo 19 da Constituição Federal, que em seu inciso I aponta o quanto a seguir versado. Esta é a chamada “Cláusula de Estado Laico” para fins do presente trabalho: ―Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: 18 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição. 1997. pág. 190 19 Importante atentar para o fato de que o exercício de culto não pode ofender a moral e os bons costumes e deve se coadunar com os demais mandamentos do ordenamento jurídico. à liberdade de culto, assim como qualquer outro princípio, não pode adquirir valor absoluto. A esse respeito, conferir BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Editora Saraiva, 18ª Edição. 1997. pág. 191 20 A respeito da evolução histórica e social da Constituição neste sentido, vide MORAES, Alexandre. Direito Constitucional. São Paulo: Editora Atlas. 9ª Edição. 2001. pág. 71 21 Redação do preâmbulo do Decreto 119-A
  • 19. 19 I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas, subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público‖ Tal dispositivo, como se vê, configura-se como um dos princípios e uma das garantias do próprio Estado Democrático de Direito. Não obstante, pode-se verificar antinomia aparente quando em comparação com outros dispositivos da própria Constituição de 1988. Aí, mais uma vez, se revela a importância de se proceder à análise sistemática de todo ordenamento jurídico para se interpretar adequadamente a redação de cada um dos artigos que se encontram em aparente conflito. A esse respeito é possível indagar o motivo pelo qual a Carta estabelece a separação entre Igreja e Estado e, ao mesmo tempo, garante como função do próprio Estado a disponibilização de ensino religioso em suas escolas. Ainda, outras questões, neste mesmo sentido, surgem acerca de qual o mais correto entendimento sobre a abrangência e, porque não, acerca da própria aplicabilidade do laicismo Estatal, uma vez que a Constituinte garante alguns tratamentos privilegiados às Igrejas. Ainda que estes “tratamentos privilegiados” não constituam parte fulcral do tema deste trabalho, faz-se relevante apresentá-los para o enriquecimento do debate sobre o ensino religioso nas escolas da rede pública e, até mesmo, para contribuir para a tão reiterada análise sistemática dos artigos constitucionais aqui apresentados como centrais para o entendimento do objeto da presente pesquisa. Neste sentido, porque não se perguntar o por quê de haver garantia constitucional da separação entre Estado e Igreja e, ao mesmo passo, haver previsão constitucional de assistência religiosa nas entidades civis e militares de internação coletiva (conforme disposto no art. 5º, VII)? Além disso, como a previsão de destinação de recursos públicos às escolas confessionais e filantrópicas, em conformidade com lei que assim o preveja (art. 213), bem assim a concessão de efeitos civis aos casamentos religiosos (art. 226, § 2º) e imunidade de impostos de templos de qualquer culto (art. 150, VI, b) se coadunam com a Cláusula de Estado Laico?
  • 20. 20 Os questionamentos ficam ainda mais interessantes quando analisados sob o enfoque do preâmbulo da Magna Carta brasileira de 1988. A Constituição fora promulgada “sob a proteção de Deus”, conforme se lê no enunciado preambular constitucional, a seguir trazido à baila: ―Nós, representantes do povo brasileiro, reunidos em Assembléia Nacional Constituinte para instituir um Estado Democrático, destinado a assegurar o exercício dos direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade, e a justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos, fundada na harmonia social e comprometida, na ordem interna e internacional, com a solução pacífica das controvérsias, promulgamos, sob a proteção de Deus, a seguinte CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL‖ A doutrina muito divergiu acerca da “força normativa” do preâmbulo e de seu eventual caráter vinculante22. De fato, impossível não se perguntar qual o real significado impresso pelo preâmbulo e a que título tal enunciado figura no texto constitucional. A questão ganhou contornos (um pouco) mais bem definidos no Brasil quando o Supremo Tribunal Federal enfrentou o assunto, na Ação de Direta de Inconstitucionalidade nº 2.076., cuja ementa encontra-se a seguir reproduzida. Nesta oportunidade, a Corte entendeu não se tratar o preâmbulo de norma, conforme adiante se verifica: ―EMENTA: CONSTITUCIONAL. CONSTITUIÇÃO: PREÂMBULO. NORMAS CENTRAIS. Constituição do Acre. I. - Normas centrais da Constituição Federal: essas normas são de reprodução obrigatória na Constituição do Estado-membro, mesmo porque, reproduzidas, ou não, incidirão sobre a ordem local. Reclamações 370-MT e 383-SP (RTJ 147/404). II. - Preâmbulo da Constituição: não constitui norma central. Invocação da proteção de Deus: não se trata de norma de 22 A respeito da problemática, alguns dos maiores expoentes do direito constitucional contemporâneo já se pronunciaram contrariamente à atribuição de caráter normativo ao preâmbulo constitucional. Neste sentido, vide CANOTILHO J. J. Gomes; MOREIRA, Vital. Fundamentos da Constituição. Coimbra: Coimbra Editora, 1991. pág. 45; MELLO FILHO, José Celso. Constituição Federal anotada. 2 Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 1986. pág. 20; BASTOS, Celso; MARTINS, Ives Gandra da Silva. Comentários à Constituição do Brasil. São Paulo: Editora Saraiva. 1988. V-1, pág. 409 e seguintes. Em sentido contrário, entendendo pela atribuição de valor normativo para o enunciado preambular da Constituição, vide: NASCIMENTO, Tupinambá Miguel Castro. Comentários à Constituição Federal. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1997. pág. 134. Ademais, interessante notar, a respeito dos diversos posicionamentos acerca do caráter normativo do preâmbulo, o voto do ministro Carlos Velloso na Adin nº 2.076/AC, da qual ele mesmo fora relator. Ainda, no campo jurisprudencial, interessante destacar a decisão 71-44DC, de 16.07.1971, proferida pelo Conselho Constitucional francês que atribuiu força normativa ao preâmbulo.
  • 21. 21 reprodução obrigatória na Constituição estadual, não tendo força normativa. III. - Ação direta de inconstitucionalidade julgada improcedente23‖ (Destacou-se) Cumpre esclarecer que, ainda que adotemos o posicionamento compatível com o entendimento jurisprudencial pacificado pelo STF, de que o preâmbulo da Constituição não possui força normativa, não podemos nos eximir de mencionar que tal enunciado assinala a matriz política da Constituição. É, como diria Alexandre de Moraes - apresentando os ensinamentos dos doutrinadores Jorge Miranda e Juan Bautista Alberdi – um documento de intenções do diploma constitucional, e se presta a duas finalidades básicas: fundamentar a legitimidade de nova ordem constitucional e explicar as grandes finalidades da nova Constituição24. Conforme se verifica deste breve apanhado de artigos e princípios constitucionais, a Carta Magna, por si só, alberga diversas possibilidades de entendimento e suscita diversas dúvidas acerca da acertada interpretação que deve ser dada à questão principal do presente estudo. Afinal, pode a disciplina religiosa confessional, de matrícula facultativa, ser lecionada nas escolas públicas, à luz da liberdade religiosa e da Cláusula de Estado Laico constitucionalmente garantidas? A Declaração Universal dos Direitos Humanos Indubitavelmente este é um dos mais importantes textos normativos do século XX. Digno de enaltecimentos por parte da comunidade jurídica e pela própria sociedade civil, a Declaração Universal de Direitos Humanos representou um marco histórico de respeito à dignidade humana desde 1948, quando de sua aprovação unânime pelos 48 países presentes na Assembléia Geral da ONU. 23 STF – Pleno – Adin nº 2.076/AC – Rel. Min Carlos Velloso, decisão 15.08.2002 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e legislação constitucional. 5ª Edição. São Paulo: Editora Atlas. 2005. pág. 119 à 121. 24
  • 22. 22 A renomada professora Flávia Piovesan, citando Muylaert Antunes, bem ressalta que “A Declaração dos Direitos Humanos se impões como ‗valor da afirmação de uma ética universal‘ e conservará sempre seu lugar de símbolo ideal‖25. Já que aqui não cabe um aprofundamento delongado acerca de tal Declaração, salienta-se, somente, que de acordo com o entendimento da mesma referida doutrinadora, Flávia Piovesan, “a Declaração se impõe como um código de atuação e de conduta para os Estados integrantes da comunidade internacional. Seu principal significado é consagrar o reconhecimento universal dos direitos humanos pelos Estados, consolidando um parâmetro internacional para a proteção desses direitos”26 Ainda, entende que mesmo não sendo a Declaração Universal de 1948 um tratado internacional de direitos humanos, deve ser recebida pelo ordenamento jurídico como texto de força jurídica obrigatória e vinculante27. Tendo em vista a noção acima exposta, acerca da representatividade da Declaração e da proteção jurídica a ela atribuída, não se poderia deixar de mencionar o tratamento dispensado pelo texto em comento à questão fulcral do presente trabalho. Neste sentido, devem ser destacados os seguintes artigos do texto analisado: ―Artigo 2o I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição‖ ―Artigo 18 Todo o homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, isolada ou coletivamente, em público ou em particular‖ 25 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond. 2002. pág. 145 26 PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond. 2002. pág. 155 27 Neste sentido, conferir: PIOVESAN, Flávia. Direitos Humanos e o Direito Constitucional Internacional. São Paulo: Max Limond. 2002. pág. 154
  • 23. 23 ―Artigo 26 I) Todo o homem tem direito à instrução. A instrução será gratuita, pelo menos nos graus elementares e fundamentais. A instrução elementar será obrigatória. A instrução técnico-profissional será acessível a todos, bem como a instrução superior, esta baseada no mérito II) A instrução será orientada no sentido do pleno desenvolvimento da personalidade humana e do fortalecimento do respeito pelos direitos do homem e pelas liberdades fundamentais. A instrução promoverá a compreensão, a tolerância e amizade entre todas as nações e grupos raciais ou religiosos, e coadjuvará as atividades das Nações Unidas em prol da manutenção da paz. III) Os pais têm prioridade de direito na escolha do gênero de instrução que será ministrada a seus filhos‖ Tendo em vista que a Declaração dos Direitos Humanos configura-se como texto principiológico de balizamento ético, que deve pautar o tratamento jurídico destinado a um e outro assunto, nada mais justo do que o destaque dos “princípios” acima transcritos, pertinentes à educação e às igualdade e liberdade religiosas. O intuito da apresentação de tais artigos é fomentar o debate a respeito da possibilidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas, bem como melhor delimitar a “esfera jurídica” em que tal debate encontra-se inserido. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional Um dos elementos norteadores das conclusões obtidas a partir da analisa do problema enfrentado na presente pesquisa, é a Lei n° 9.394, de 20 de dezembro de 1996, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional ou, simplesmente, “LDB”. Referida Lei nº 9.394 estatui, em seu artigo 33: ―Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, vedadas quaisquer formas de proselitismo.
  • 24. 24 § 1º Os sistemas de ensino regulamentarão os procedimentos para a definição dos conteúdos do ensino religioso e estabelecerão as normas para a habilitação e admissão dos professores. § 2º Os sistemas de ensino ouvirão entidade civil, constituída pelas diferentes denominações religiosas, para a definição dos conteúdos do ensino religioso‖ Conforme se verifica, a LDB assegurou como principio orientador do ensino religioso o respeito à diversidade religiosa e vedou quaisquer formas de proselitismo. Cumpre ressaltar, no entanto, que nem sempre foi assim. A redação atual do dispositivo legal acima transcrito foi conferida pela Lei nº 9.475, de 22 de julho de 1997. Anteriormente à promulgação desta referida Lei, a LDB dispunha sobre a possibilidade de as escolas públicas oferecerem, como grade curricular facultativa, o ensino religioso confessional ou interconfessional, na forma do anterior artigo 33. ―Art. 33. O ensino religioso, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, sendo oferecido, sem ônus para os cofres públicos, de acordo com as preferências manifestadas pelos alunos ou por seus responsáveis, em caráter: I - confessional, de acordo com a opção religiosa do aluno ou do seu responsável, ministrado por professores ou orientadores religiosos preparados e credenciados pelas respectivas igrejas ou entidades religiosas; ou II - interconfessional, resultante de acordo entre as diversas entidades religiosas, que se responsabilizarão pela elaboração do respectivo programa‖. Interessante notar a evolução normativa do dispositivo sub judice. A Lei nº 9.475 suprimiu qualquer menção ao caráter confessional (ou interconfessional) e, ainda, incluiu a previsão de vedação a quaisquer formas de doutrinação pela escola pública, imprimindo um caráter de maior neutralidade religiosa e de maior compatibilidade com a Cláusula de Estado Laico.
  • 25. 25 Neste sentido, não se pode deixar de ponderar que eventual estabelecimento de ensino confessional poderia, ao menos a priori, ser considerado como “contra-evolutivo”, uma vez que reverteria a mudança história e social que pautou a modificação do artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases, de forma a fazer com que sua redação passasse a não mais fazer menção a qualquer forma de confessionalidade (ou interconfessionalidade). O Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil Em 13 de Novembro de 2008, a República Federativa do Brasil celebrou, com a Santa Sé, Acordo relativo ao Estatuto Jurídico da Igreja Católica no Brasil. Tal acordo foi recebido em nosso ordenamento jurídico pátrio, primeiramente por meio de Decreto Legislativo, de número 698/2009, e, em seguida, promulgado pelo Presidente da República através do Decreto nº 7.107, de 11 de fevereiro de 2010. O Decreto, como um todo, movimentou a opinião pública, sendo objeto de inúmeras críticas e comentários. Um dos pontos que mais apresentou divergência e polêmica foi o artigo 11 de seu anexo. ―Artigo 11. A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa. §1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação‖ Pode-se dizer – ao menos a princípio – que o Estatuto da Igreja Católica no Brasil conferiu tratamento “inovador” em comparação com aquele apresentado pelos dispositivos legais e constitucionais até agora analisados.
  • 26. 26 Ao estabelecer, em seu parágrafo primeiro, o ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, o artigo 11 do Decreto em pauta denomina uma religião (a católica) dentre as muitas religiões professadas no Brasil – o que até então não tinha sido verificado nos aqui reproduzidos artigos da Constituição Federal, da Declaração Universal e da LDB, que – em momento algum – denotaram qualquer forma de estabelecimento ou citação de uma única religião. Para parte dos críticos, a menção à religião católica, pura e simplesmente, já denota certo favoritismo que deve ser expurgado sob a égide da laicidade Estatal. Para outros, entretanto, o Decreto não confere tratamento privilegiado, uma vez que em seguida garante ―o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação‖. Haveria, assim, o estabelecimento do chamado ensino religioso confessional por parte do Estatuto Jurídico da Igreja no Brasil? E, em havendo, deveria este ser tratado como inconstitucional, uma vez que concedeu tratamento “diferenciado” daquele estabelecido pela Carta Maior? Estas são questões que deverão ser enfrentadas pelo Supremo Tribunal Federal, conforme adiante se discorrerá. A Lei Estadual nº 3.459 do Estado do Rio de Janeiro Inicialmente, cabe referir que o presente trabalho não se propôs a analisar eventuais leis de diversos Estados ou Municípios que tratassem do tema. Assim, cumpre salientar que a presente lei somente configura objeto do estudo aqui proposto por ter sido ela questionada perante o Supremo Tribunal Federal. A Lei Estadual nº 3.459 dispõe sobre o ensino religioso confessional nas escolas da rede pública de ensino do Estado do Rio de Janeiro. Tal Lei, de autoria do Deputado Carlos Dias, foi publicada em 15 de setembro de 2000 e foi alvo de grande repercussão midiática, constituindo, conforme acima já referido, objeto de ADI interposta perante o Supremo.
  • 27. 27 Logo em seu artigo 1º28, a Lei Estadual estabelece a possibilidade de o ensino religioso ser lecionado em sua forma confessional e – mais – disciplina a sua obrigatoriedade nos colégios públicos do Rio de Janeiro. Engraçado notar que, embora estabeleça o ensino religioso confessional nas escolas públicas, a mesma Lei, no mesmíssimo citado artigo 1º, veda quaisquer formas de proselitismo. Além de estabelecer carga horária mínima da disciplina do ensino religioso 29 e estabelecer regras específicas de concurso público para os professores de ensino religioso30, a Lei Estadual nº 3.459 constrange, no artigo 2º31, a atuação do professor de ensino religioso, estabelecendo critérios arbitrários de escolha dos professores capacitados a ministrar aulas de tal matéria. Por fim, a Lei em apreço estatui, em seu artigo 3º32, ser de atribuição específica das autoridades religiosas a determinação do conteúdo do ensino religioso nas escolas públicas, enaltecendo, inclusive, o desejável papel do Estado, que – de acordo com esta Lei Fluminense – deverá apoiar integralmente o conteúdo determinado pelas autoridades religiosas mencionadas na Lei n° 3.459. 28 Art. 1º - O Ensino Religioso, de matrícula facultativa, é parte integrante da formação básica do cidadão e constitui disciplina obrigatória dos horários normais das escolas públicas, na Educação Básica, sendo disponível na forma confessional de acordo com as preferências manifestadas pelos responsáveis ou pelos próprios alunos a partir de 16 anos, inclusive, assegurado o respeito à diversidade cultural e religiosa do Rio de Janeiro, vedadas quaisquer formas de proselitismo. Parágrafo único – No ato da matrícula, os pais, ou responsáveis pelos alunos deverão expressar, se desejarem, que seus filhos ou tutelados freqüentem as aulas de Ensino Religioso 29 Art. 4º - A carga horária mínima da disciplina de Ensino Religioso será estabelecida pelo Conselho Estadual de Educação, dentro das 800 (oitocentas) horas-aulas anuais. 30 Art. 5º - Fica autorizado o Poder Executivo a abrir concurso público específico para a disciplina de Ensino Religioso para suprir a carência de professores de Ensino Religioso para a regência de turmas na educação básica, especial, profissional e na reeducação, nas unidades escolares da Secretaria de Estado de Educação, de Ciência e Tecnologia e de Justiça, e demais órgãos a critério do Poder Executivo Estadual. Parágrafo Único – A remuneração dos professores concursados obedecerá aos mesmos padrões remuneratórios de pessoal do quadro permanente do Magistério Público Estadual 31 Art. 2º - Só poderão ministrar aulas de Ensino Religioso nas escolas oficiais, professores que atendam às seguintes condições: I – Que tenham registro no MEC, e de preferência que pertençam aos quadros do Magistério Público Estadual; II – tenham sido credenciados pela autoridade religiosa competente, que deverá exigir do professor, formação religiosa obtida em Instituição por ela mantida ou reconhecida. 32 Art. 3º - Fica estabelecido que o conteúdo do ensino religioso é atribuição específica das diversas autoridades religiosas, cabendo ao Estado o dever de apoiá-lo integralmente.
  • 28. 28 As Ações Diretas de Inconstitucionalidade – a materialização da controvérsia que permeia o tema Consoante já anteriormente aludido, a questão do ensino religioso confessional nas escolas públicas constitui controvérsia que se materializou em forma de duas Ações Diretas de Inconstitucionalidades impetradas perante o Supremo Tribunal Federal33. Interessante notar que o próprio canal escolhido para discutir a questão da congruência da disciplina religiosa confessional nos colégios da rede pública, qual seja, o próprio STF, já denota em si uma constatação curiosa. Os setores da sociedade civil passam cada vez mais a perceber o Supremo como uma instância não somente decisória, mas também como um “palco de visibilidade” para questões que envolvem os mais diversos âmbitos sócioorganizacionais. O que se denota é que a Corte passa a atuar politicamente, não estando adstrita tão somente à esfera jurídica, estabelecendo-se, de fato, como definidor de algumas políticas públicas – tal qual o estabelecimento de diretrizes para a educação nacional -, em vista da inexecução (ou da execução ineficaz) de tais políticas pelos poderes eleitos, a quem precipuamente incumbe o dever de efetivá-las. Neste sentido, figura a ADI como verdadeira motriz de execução de políticas públicas, não devendo tal motor ser compreendido como mero remédio constitucional. Sua propositura – e nestes dois casos, inclusive – deve ser tida como importante material definidor das estruturas mais básicas e basilares de toda uma ordem que muito importa à sociedade como um todo. Conclusivamente, deve-se enaltecer o papel democrático da Ação Direta, que cada vez mais adquire importância que extrapola o caráter jurídico de instrumento que se presta a sanar vícios legislativos, e atinge a função de “protesto”, por meio do qual, representantes das minorias (na maior parte das vezes), demonstram seu descontentamento com a realidade posta. 33 Cabe salientar, mais uma vez, que nenhuma das Ações Diretas de Inconstitucionalidade foi decidida pela Corte. Assim sendo, deve ser feito somente um breve esclarecimento metodológico acerca da obtenção do material pertinente para a análise acurada acerca das ADIs. O sítio eletrônico do STF (www.stf.gov.br) disponibiliza a ferramenta “Petições ADI, ADC e ADPF”, que faz parte da opção “processos”, por meio da qual se fez possível obter as petições iniciais já distribuídas.
  • 29. 29 À luz deste entendimento, justifica-se a importância do estudo acerca da materialização da controvérsia em forma de ADI, bem como do estudo empírico a respeito da questão da constitucionalidade do ensino religioso confessional nas escolas públicas. Através de constatações práticas, intenta-se chegar mais próximo de uma possível solução para os chamados hard cases constitucionais34. Claro que as digressões teórico-doutrinárias são importantíssimas e contribuem muito para o debate a respeito do tema. E é por isso que a análise acerca da questão será desenvolvida em ambos os planos (teórico e prático, doutrinário e jurisprudencial), sem que haja prejuízo ou desmerecimento de um ou de outro. ADI n° 3.268 – O Caso do Ensino Religioso Confessional nas Escolas Públicas do Rio de Janeiro Conforme anteriormente se aludiu, de maneira rasa, a ADI n° 3.268 questionou, perante o Supremo Tribunal Federal os dispositivos da Lei Fluminense n° 3.459/2000, Lei esta que já fora oportunamente apresentada no presente trabalho, no tópico desenvolvido acima. Por meio da ADI em referência, a Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – “CNTE”, impugnou os artigos 1º, 2º e 3º da Lei Estadual do Rio de Janeiro (conforme já anteriormente explicados em capítulo anterior), por cabal violação aos artigos 5º, VIII. 22, XXIV, 37 caput e 210 da Constituição Federal, e formulou pedido de concessão de liminar. De acordo com a inicial, os comandos normativos impugnados (i) usurpam competência legislativa da União35, vez que lei de iniciativa estadual indevidamente estabeleceu diretrizes e bases da educação nacional; (ii) violam o artigo 210 caput e § 1º da Constituição, já que estabelecem a forma confessional de ensino religioso e atribui às 34 Acerca da classificação do tema do ensino religioso confessional nas escolas públicas como um hard case constitucional, conferir: MARTEL, Leticia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira, in Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, págs. 11-57, ago./set., 2007. Disponível, também, no endereço eletrônico do Planalto do Governo, no link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf 35 Conforme dispõe o artigo 22 da Constituição Federal: Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXIV - diretrizes e bases da educação nacional
  • 30. 30 autoridades religiosas a definição de conteúdos a serem ministrados em sala de aula; (iii) afrontam a Cláusula de Estado Laico ao estabelecerem insofismável aliança entre o Estado do Rio de Janeiro e as entidades religiosas36; e (iv) ferem o Princípio da Impessoalidade da Administração Pública, traduzido pelo artigo 3737 da Magna Carta, à medida em que a Lei atacada estabelece privilégios entre integrantes de específicos segmentos religiosos. A Ação Direta de Inconstitucionalidade ora em comento, embora não tenha sido ainda julgada (mesmo tendo sido proposta no ano de 2004), teve grande repercussão, ensejando debates interessantes que contrapuseram argumentos defensivos e combativos da constitucionalidade da Lei Fluminense. É relevante apontar que em virtude da complexidade e da grande discussão gerada em razão do assunto, o relator, Ministro Celso de Mello, requereu a participação de amicus curiae38 no processo. A Conectas Direitos Humanos e o Centro de Direitos Humanos – CDH, instados a se manifestar nesta condição, se posicionaram em favor da declaração de inconstitucionalidades dos artigos impugnados pela CNTE. A justificativa da participação de amicus no processo, atenta para a abrangência e para a dificuldade de resolução da controvérsia, e foi assim proferida pelo mencionado Ministro: ―a razão de ser que primordialmente justifica a intervenção do "amicus curiae" apóia-se na necessidade de pluralizar o debate em torno da constitucionalidade, ou não, de determinado ato estatal, em ordem a conferir maior coeficiente de legitimidade democrática ao julgamento a ser proferido, pelo Supremo Tribunal Federal, em sede de fiscalização normativa abstrata‖39 36 Trecho retirado da Petição Inicial da ADI 3.268, disponível no sítio eletrônico do Supremo Tribunal Federal. De acordo com o caput do artigo 37 da CF, A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (...) 38 A figura do amicus curiae representa intervenção de terceiros no processo de decisão da Ação de Inconstitucionalidade, para auxiliar a Corte, fornecendo argumentos acerca da constitucionalidade ou da inconstitucionalidade do dispositivo atacado. Esta intervenção é permitida, em conformidade com o artigo 7º, § 2 da Lei 9.868/99, cuja redação encontra-se a seguir transcrita: Art. 7o Não se admitirá intervenção de terceiros no processo de ação direta de inconstitucionalidade. (...) § 2o O relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá, por despacho irrecorrível, admitir, observado o prazo fixado no parágrafo anterior, a manifestação de outros órgãos ou entidades. 39 ADI 3268 MC / RJ - Rio de Janeiro. Relator(a): Min. Celso de Mello. Julgamento em 20.10.2004 37
  • 31. 31 Dentre os argumentos mais relevantes, os amici curiae levantam que a disponibilização do ensino religioso, na modalidade confessional, viola uma série de mandamentos constitucionais, afrontando, em especial o artigo 19, I e o artigo 5º, incisos VI e VIII. Ainda, apontam a incompatibilidade do ensino confessional com relação ao artigo 33 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, vez que a própria evolução do referido artigo 33, introduzida pela lei 9.475/1999, vem justamente sanar inconstitucionalidade anterior, que previa a forma confessional de ensino religioso.40 Os amici classificam a Lei Estadual impugnada como uma forma de tornar o ensino religioso – que, de acordo com a Conectas e o CDH, deve ser entendido como ensino de cunho antropológico e filosófico – um meio de efetivação de catequese e arrebanhamento de fiéis41, constituindo-se verdadeira deformidade do Estado Democrático de Direito. Neste contexto, afirmam os colaboradores da Corte, ser a Lei atacada um propulsor da confusão indevida entre o divino e o secular, já que a propositura de ensino confessional, de matéria obrigatória, nas escolas públicas geraria a subvenção de religiões, o que é vedado pela Cláusula de Estado Laico, e promoveria violação à liberdade de crença e consciência, já que estabeleceria relação de preferências entre credos e crentes a serem congratulados com as aulas-culto de ensino religioso.42 O diploma atacado também violaria, na visão dos amici, o artigo 19, inciso I, vez que promoveria a transformação do público-estatal em local de pregação, cultos e liturgias. Os autores do amicus curiae denunciam o que eles denominam de “paradoxo” gerado pelo diploma. Neste sentido, explicam que a vedação expressa feita pela Lei a quaisquer formas de proselitismo, em nada ameniza a clara afronta que esta promove à ordem constitucional, e constitui, na realidade, uma hipocrisia legislativa tendo em vista que o ensino confessional é, ele próprio, inerente ao proselitismo. Apontam, ademais, para a inconstitucionalidade da Lei do Rio de Janeiro, pelo fato de esta afrontar à liberdade de profissão e a igualdade resguardadas pelo Texto Maior, 40 Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH, disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal 41 Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH, disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal 42 Trecho extraído do corpo da peça processual produzida pela Conectas Direitos Humanos e pelo CDH, disponível no endereço eletrônico do Supremo Tribunal Federal
  • 32. 32 salientando que somente seriam aceitos para ministrar aulas na Rede Pública, os professores que professassem determinada (ou determinadas) fé(s). Adicionalmente, a Conectas e o CDH ressaltam o fato de a Lei Fluminense estabelecer, como elemento qualificador dos professores habilitados a lecionar disciplina religiosa confessional, o reconhecimento e credenciamento de tais professores pela autoridade religiosa competente, nos termos da atacada lei. O estabelecimento deste critério, além de vincular Estado e Igrejas, traz em si a necessária afronta à igualdade entre as religiões professadas no Brasil, dado o simples fato de nem todas as religiões possuírem uma autoridade religiosa. A peça traz, ainda, interessantes considerações acerca das dificuldades de implantação do ensino religioso confessional, tal qual concebido pela Lei questionada. Nesse sentido, constituiria um problema prático-administrativo a disponibilização de ensino religioso confessional para as mais de 40 religiões professadas no Brasil. Na visão dos colaboradores, não sendo possível atender o ensino confessional a cada uma das mais de 40 crenças religiosas - por não estar o Estado aparelhado para disponibilização de todas as manifestas religiosidades -, haveria conseqüente violação dos citados incisos do artigo 5º. Curioso notar que tal ADI, conforme já se referiu acima, não recebeu qualquer tratamento por parte dos ministros do Supremo. A intervenção de terceiros – os amigos da Corte – reafirma a profundidade da questão e confere força ao debate que se instaura no palco no plenário, em que os ministros deveriam figurar como atores principais e, até agora, não o fizeram. Denota, ainda, a urgência de definição acerca do assunto, definição tal que constitui a função precípua dos juízes e que o Tribunal Maior está falhando ao não desempenhar. Em consulta empreendida na home page da Assembléia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro43, fez-se possível a constatação de que a Lei Estadual, que fora promulgada no ano de 2000, e que até hoje figura como cerne da polêmica acerca da validade da modalidade de ensino religioso por ela implementado, encontra-se ainda em vigor. É interessante apontar que a Lei Estadual n° 3.459/2000 já havia sido questionada em instância recursal anterior (“inferior”)44. Na ocasião, o então deputado Carlos Minc atacou a 43 http://www.alerj.rj.gov.br/ 44 Conferir, neste sentido o processo 0036642-70.2000.8.19.0000 (2000.007.00141), disponível para consulta no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro http://www.tjrj.jus.br/scripts/weblink.mgw
  • 33. 33 constitucionalidade da Lei Fluminense perante o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, sustentando que a forma confessional de ensino ensejaria indissociável proselitismo e acarretaria intolerância religiosa, bem como atacou os critérios estabelecidos pela Lei quanto à formação e admissão dos professores e a definição do conteúdo a ser lecionado. Distribuído o pleito, tanto a Procuradoria do Estado quanto a Procuradoria de Justiça manifestaram entendimento pelo não reconhecimento do pedido. Quando do julgamento da representação por inconstitucionalidade, os desembargadores, por unanimidade, indeferiram o pedido, acatando o entendimento dos Procuradores e posicionando-se em favor da constitucionalidade da Lei que estabeleceu a forma confessional de ensino para as escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro45. O entendimento pela constitucionalidade, deu-se em virtude da proibição expressa constante do enunciado normativo da Lei Fluminense a quaisquer formas de proselitismo e do entendimento do termo confessional como não excludente do ecumenismo. Naquela assentada o Tribunal de Justiça entendeu, também, que o fato de a Lei exigir credenciamento por autoridade competente não feriria o respeito constitucional à diversidade religiosa, asseverando que as agremiações que não possuem organização hierárquica formal, devem – certamente – possuir estrutura organizacional que possibilita a indicação de alguém que faça as vezes de autoridade religiosa. Embora se possa dizer - a partir do exame dos votos – que os desembargadores fizeram uma leitura simplória do termo confessional e julgaram a questão de maneira descompromissada com os reais problemas que se verificavam na prática, em virtude da adoção do ensino religioso confessional nas escolas públicas do Rio de Janeiro46, a decisão proferida traz à tona uma importante contribuição para o debate. 45 Tal decisão encontra-se assim ementada: Representação de Inconstitucionalidade contra dispositivos da lei estadual n.º 3459/2000, que dispõe sobre o Ensino Religioso Confessional nas escolas da rede Pública de Ensino do Estado do Rio de Janeiro - Argüição de vícios materiais e formais -- A expressão confessional nada mais significa do que crença religiosa - O ecumenismo é forma de convivência e colaboração interconfessional, em nada se opondo ao confessionalismo religioso - A lei, especialmente, em seu artigo 1º, preservou o princípio fundamental da liberdade de religião. O artigo da Lei que se limita a indicar as condições necessárias para que uma pessoa seja habilitada a ministrar aulas, dando preferência aos que pertençam ao Magistério Estadual, que possuam habilitação específica, guarda consonância com a Lei Maior do Estado - Inexistência de qualquer discriminação entre adeptos de, religiões diversas -- Acolhimento parcial da representação, quanto ao artigo 5º, do Diploma impugnado, eis que criou função pública, independentemente de iniciativa do Governador do Estado. (Ementário: 36/2001 - N. 32 - 22/11/2001 REV. DIREITO DO T.J.E.R.J., vol 51, pag 178) 46 Neste sentido, Letica Martel apresenta a seguinte conclusão quanto ao julgamento da representação de inconstitucionalidade apresentado pelo deputado Carlos Minc: Ao passo que os especialistas em educação
  • 34. 34 A partir da comparação entre o resultado da decisão proferida pelo TJRJ, que entendeu pela constitucionalidade da Lei Estadual n° 3.459/2000, em relação aos argumentos apresentados no amicus curiae, que levaram à conclusão de inconstitucionalidade da mesma Lei, mais uma vez se verifica a falta de consenso entre as posições manifestadas acerca do tema do ensino religioso confessional nas escolas públicas. A contraposição de opiniões revela, antes de tudo, o terreno fértil em que a discussão encontra-se inserida e o quão difícil é se chegar a qualquer conclusão acerca do assunto. Os valores aqui ponderados inserem-se, sim, em um contexto público, coletivo, mas – impreterivelmente – perpassam pela esfera privada, individual de cada ator que participa do debate, já que a religião diz respeito ao foro íntimo de cada indivíduo, sendo quase que impossível que cada debatedor se dispa de suas crenças e convicções mais arraigadas no âmago do próprio ser – espaço este que é ocupado pelos valores confessionais de cada ser humano. ADI n° 4.439 – O Caso do Estatuto da Igreja Católica no Brasil A Ação Direta de Inconstitucionalidade em apreço, numerada 4.439, foi proposta, em 30 de julho de 2010 pela Procuradora Geral da República, Debora Duprat, em face do Decreto n 7.107, cuja evolução histórica e principais nuances já foram acima explicitados. A dita afronta aos preceitos constitucionais se dá especificamente pelo artigo 1147 do Estatuto da Igreja Católica no Brasil, que com o advento de sua promulgação por meio do Decreto acima mencionado, passou a figurar como Anexo ao corpo do texto do ato normativo. demonstram cruciais diferenças entre o ensino religioso confessional, interconfessional e não-confessional, os julgadores consideraram a palavra confessional em um contexto léxico simplista (desvinculado, até mesmo, de sentidos que lhe são conferidos juridicamente) e declararam a constitucionalidade da norma. Esse fato demonstra um absoluto distanciamento dos problemas reais que estavam em pauta, pois toda a arquitetura legal foi desenhada segundo uma leitura técnica da qual não seria possível desvencilhar-se. A ausência de maiores discussões sobre a aplicação da lei sugere que os magistrados não estavam plenamente cientes do impacto e dos desdobramentos futuros da sua decisão, o que leva a crer que os fundamentos adotados possam ser tarjados de subminimalistas. Conferir: MARTEL, Leticia de Campos Velho. “Laico, mas nem tanto”: cinco tópicos sobre liberdade religiosa e laicidade estatal na jurisdição constitucional brasileira, in Revista Jurídica. Brasília, v. 9, n. 86, págs. 11-57, ago./set., 2007. Disponível, também, no endereço eletrônico do Planalto do Governo, no link http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/revista/Rev_86/Artigos/PDF/LeticiaCampos_rev86.pdf 47 ―Artigo 11 A República Federativa do Brasil, em observância ao direito de liberdade religiosa, da diversidade cultural e da pluralidade confessional do País, respeita a importância do ensino religioso em vista da formação integral da pessoa.
  • 35. 35 A Procuradoria apresenta uma série de motivos pelos quais o texto impugnado deveria ser considerado como contrário à Magna Carta, por afronta à liberdade de crença e consciência e por desrespeito à laicidade Estatal. Não obstante a apresentação dos argumentos em favor da inconstitucionalidade do artigo 11, a Procuradora Geral sugere que seja concedida, pelo Supremo Tribunal, interpretação conforme a Constituição ao referido artigo. O objeto principal contestado por Debora Duprat é a expressão ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, que, de acordo com o entendimento da autora, constitui estabelecimento indevido de caráter confessional ao ensino religioso, o que acaba por ferir os preceitos constitucionais retro citados. Assim sendo, a Procuradoria provê um relato acerca da laicidade do Brasil, salientando que este princípio representa a possibilidade de o Estado adotar uma postura bidirecional: salvaguardando tanto as diversas confissões religiosas existentes no Brasil de qualquer intervenção indevida por parte do Estado, e, de outro lado, prevenindo qualquer forma de influência proveniente de qualquer Igreja que tente afetar o Estado, protegendo a necessária separação entre o poder secular e o democrático. A laicidade compreendida na peça elaborada pela Procuradoria representa a adoção de postura neutra por parte do Estado, de maneira que não haja favorecimento ou embaraço de qualquer crença ou fé, sendo certo que a interpretação dada ao artigo 11 em comento deve se coadunar com o contexto principiológico constitucional. Desta feita, deve ser levando em consideração o fato de o Estado ser laico - neutro, bem como a garantia da liberdade de crença e consciência e, de mesma forma, a relação com o princípio da igualdade. A exposição feita pela Procuradoria na ADI 4.439, traz à tona não somente questionamento de ordem jurídica acerca do tema, mas adicionalmente apresenta preocupações eminentemente sociológicas que se verificam da prática do ensino religioso nas escolas públicas do Brasil. Neste sentido, afirma ser tênue a linha de separação entre o confessional e o não confessional e alerta para os perigos de um indesejável e inevitável doutrinamento às crianças e adolescentes (que são mais facilmente influenciáveis pela figura §1º. O ensino religioso, católico e de outras confissões religiosas, de matrícula facultativa, constitui disciplina dos horários normais das escolas públicas de ensino fundamental, assegurado o respeito à diversidade cultural religiosa do Brasil, em conformidade com a Constituição e as outras leis vigentes, sem qualquer forma de discriminação‖
  • 36. 36 do mestre e do professor), suscetível a acontecer mesmo quando em pauta o ensino religioso facultativo, que dirá quando lecionado o ensino manifestamente confessional. No cenário do questionamento acerca da constitucionalidade do Estatuto da Igreja Católica no Brasil, faz-se bastante interessante a leitura do parecer da Comissão de Constituição e Justiça e Cidadania (“CCJC”)48, quando da aprovação do Acordo celebrado entre a Santa Sé e a República Federativa do Brasil para o estabelecimento do referido Estatuto. Na oportunidade, a CCJC defendeu a constitucionalidade do Acordo e aprovou sua conversão em Decreto Legislativo, alegando ser o Estatuto da Igreja Católica juridicamente compatível com o ordenamento jurídico brasileiro, se coadunando com os princípios constitucionais expressos e implícitos, além de possuir substrato de coerência lógica, bom senso e razoabilidade. Especialmente acerca do artigo 11 (que segundo a Procuradora Deborah Duprat estabelece a confessionalidade do ensino religioso, violando assim a laicidade Estatal e a liberdade religiosa), a CCJC profere o seguinte entendimento: ―Nesse sentido, por exemplo, o Acordo não atenta contra a „liberdade de consciência e de crença‟ nem mesmo contra o „livre exercício dos cultos religiosos‟, tal como estabelece o inciso VI do art. 5º da Constituição. Pelo contrário, o Acordo consagra a liberdade religiosa, a diversidade cultural e a pluralidade confessional em nosso país, manifestando-se, aliás, contra qualquer forma de discriminação (art. 11 do Acordo)‖49 (Destacou-se) A CCJC reputa o Acordo como constitucional, uma vez que – de acordo com o parecer – as diretrizes centrais do Estatuto em apreço preservam as disposições do ordenamento jurídico acerca do caráter laico do Estado brasileiro, da liberdade religiosa e do tratamento equitativo estabelecido no Brasil. No entendimento prolatado pela CCJC, o Estatuto da Igreja Católica, e neste contexto compreendido o ensino religioso católico, nada mais é do que a manifestação de um dos 48 49 Texto contido no Projeto de Decreto Legislativo n. 1.736, de 2009 (Mensagem 134/2009) Texto contido no Projeto de Decreto Legislativo n. 1.736, de 2009 (Mensagem 134/2009)
  • 37. 37 credos religiosos que tem lugar no País, sendo certo que a todas as outras religiosidades também é permitida e franqueada a mesma manifestação, não havendo, por tanto, qualquer afronta à garantia de pluralidade religiosa. Neste sentido - por não constituir exclusividade da Igreja Católica a celebração do Acordo, sendo permitida a qualquer outra confissão fazê-lo - haveria, aí sim, afronta à Magna Carta, se houvesse recusa por parte do Estado brasileiro em receber o Estatuto, vez que não é defeso ao Estado constranger a manifestação de qualquer crença e a própria negativa à possibilidade de tal manifestação caracterizaria embaraço jurídico discorde com o caráter laico do Estado. Por fim, a Comissão de Constituição e Justiça faz um paralelo entre o Acordo celebrado no Brasil com a Igreja Católica e a Lei Italiana que regulamenta a relação travada entre a República Italiana – que também é constitucionalmente laica – e as Assembléias Evangélicas de Deus, no que concernente ao estabelecimento do ensino religioso, tal qual previsto no artigo 11 do Estatuto da Igreja Católica no Brasil. De acordo com a comparação estabelecida, a CCJC esclarece que, tal qual estabelecido na citada Lei Italiana, o ensino religioso católico no Brasil deve ser compreendido como aquele respaldado pela liberdade de consciência de todos. Assim, o ensino religioso católico a ser ministrado nas escolas públicas não deve dar espaço à causa de efeitos discriminatórios, e, ainda, deve ser concedido a quaisquer alunos o direito de não se valerem do ensino religioso. Mais uma vez, a análise aprofundada da discussão ensejada na Ação Direta de Inconstitucionalidade que questiona o ensino religioso estabelecido pelo Estatuto da Igreja Católica no Brasil, imputado constitucional pela CCJC, transparece a intensa refrega que se já havia instalado no campo doutrinário a respeito do tema e que não encontrou eco na jurisprudência constitucional Brasileira.
  • 38. 38 A manifestação doutrinária acerca do ensino religioso no Brasil O estudo do posicionamento da doutrina a respeito do tema, antes de tudo, reiterou as preocupações já aqui manifestadas: não há como chegar a qualquer conclusão sem se considerar – principalmente – as garantias constitucionais à liberdade e igualdade religiosa e, da mesma forma, a Cláusula de Estado Laico. Estas preocupações constitucionais, elas mesmas, já configuram ponto controvertido entre os diversos doutrinadores que se dispuseram a escrever sobre os temas das garantias de liberdade e igualdade religiosa e de laicidade Estatal acima referidas. Não é demais recapitular que a idéia de Estado laico, conforme já anteriormente se referiu quando da explanação do panorama constitucional aplicável, ocupa uma dimensão questionável e controversa para a compreensão da relação estabelecida entre Estado e Igrejas. Talvez por ser esta noção tão debatida, a discussão referente à compreensão do significado atribuído ao ensino religioso ainda esteja em curso. Verificou-se que há relação lógica direta entre a maneira como são concebidos a liberdade religiosa e o laicismo Estatal e a atribuição de constitucionalidade ou inconstitucionalidade quanto ao ensino religioso confessional nas escolas públicas. À luz dos citados princípios norteadores do entendimento acerca do ensino religioso nas escolas públicas, fez-se possível classificar os doutrinadores estudados em três distintos grupos, de acordo com os pensamentos por eles manifestados. No presente estudo serão atribuídas as classificações e denominações a cada um dos três grupos doutrinários acima referidos, que se julgou ser a mais acertada correlação entre nome e conteúdo. Há que se ressalvar, porém, que a própria doutrina se incumbe de atribuir nomes às diversas correntes doutrinárias que se apresentam acerca do tema do ensino religioso, não sendo a própria classificação das distintas linhas de pensamento matéria de consenso entre todos os doutrinadores. Tendo isto sido esclarecido, cumpre ressaltar que aqui se convencionou subdividir a doutrina, de acordo com cada uma das linhas de posicionamento emanadas, nas seguintes correntes: negativa, positiva e neutra, sendo esta última a mais aceita pela doutrina e a que parece fazer mais sentido no contexto histórico, jurídico e social brasileiro.
  • 39. 39 A primeira corrente, a que no presente chamou-se de negativa, atribui rigidez tal à separação entre Estado e Igrejas que defende que o único modo de a liberdade e a igualdade religiosa serem de fato atingidas é através de adoção de uma postura negacionista por parte do Estado. Neste sentido, ao Estado seria negado manter50 qualquer forma de cooperação com ou reconhecimento de quaisquer Igrejas, ou de todas as Igrejas. Neste contexto, caberia a adoção de uma postura omissiva, uma atitude “de não fazer” por parte do Estado. Este abster-se-ia de qualquer pronunciamento acerca da esfera religiosa, como garantia da igualdade entre as várias religiões, como se “desse as costas” ao fenômeno religioso, que, inevitavelmente, faz parte dos valores sócio-culturais, justamente para não privilegiar indevidamente qualquer culto em detrimento de outro. À luz do entendimento professado por este grupo de pensadores, o ensino religioso confessional deveria, de qualquer forma ser expurgado do ordenamento jurídico e o próprio ensino religioso, por si só, poderia ser reputado como incongruente com os demais princípios resguardados pela Constituição Federal. À corrente que se contrapõe a esta outra aqui apresentada chamou-se positiva. De acordo com tal entendimento, o Estado deveria reconhecer a existência da diversidade religiosa e, intentando garantir a igualdade entre todas as confissões existentes, deveria efetivamente empreender esforços, atuando proativamente, para esquiparar as condições de cada credo. 50 Leticia de Campos Velho Martel (conforme referência já apresentada acima), traz o posicionamento apresentado pelo MEC, acerca do ensino religioso na escolas públicas, posicionamento este que adota o que aqui se referiu como negacionismo, enaltecendo separação rígida entre o Estado e Igrejas: “Vale lembrar que a redação original do art.33 da LDB referia-se ao ensino religioso confessional e ao interconfessional. O texto ora vigente não traz tal definição e exige que os conteúdos e a qualificação dos professores sejam fixados pelos respectivos sistemas de ensino, ouvida entidade civil composta pelas diferentes denominações religiosas. O Pleno do Conselho Nacional de Educação apreciou, em parecer homologado pelo Ministro da Educação, o antigo art.33, concluindo que o ensino poderia ser confessional, ou seja, ministrado por lideranças religiosas na escola, durante o horário letivo, desde que sem ônus para os cofres públicos. O pleno entendeu que, em razão do art.19 da CF/88, não poderia o Estado ser onerado por tais aulas. Com a nova redação ofertada ao art.33, mais uma vez manifestou-se o CNE, que considerou não ser de sua alçada manifestar-se sobre os conteúdos, eis que especificamente atribuídos os diferentes sistemas de ensino, o mesmo valendo, dentro dos parâmetros gerais, para a qualificação dos educadores. O excerto final do parecer, além de curioso, ilustra a magnitude do problema: ―Esta parece ser, realmente, a questão crucial: a imperiosa necessidade, por parte do Estado, de não interferir e portanto não se manifestar sobre qual o conteúdo ou a validade desta ou daquela posição religiosa e, muito menos, de decidir sobre o caráter mais ou menos ecumênico de conteúdos propostos. Menos ainda deve ser colocado na posição de arbitrar quando, optando-se por uma posição ecumênica, diferentes seitas ou igrejas contestem os referidos conteúdos da perspectiva de sua posição religiosa, ou argumentem que elas não estão contempladas na programação. Por estas razões, parece-nos impossível, sem ferir a necessária independência entre Igreja e Estado, estabelecer uma orientação nacional uniforme que seria necessária para a observância dos processos atuais de autorização e reconhecimento‖. BRASIL. MEC. CNE. Parecer nº05/97. BRASIL. MEC. CNE. Parecer 97/99. Disponíveis em: http://portal.mec.gov.br/cne. Acesso em: dez.2006‖.