O documento descreve o período Pré-Modernista da literatura brasileira entre 1902-1922. Este período foi caracterizado por obras que buscavam interpretar a realidade brasileira e posicionar-se sobre problemas socio-políticos da época, embora não tivessem o caráter revolucionário do Modernismo. Alguns dos principais autores deste período foram Euclides da Cunha, Lima Barreto e Monteiro Lobato.
2. PRÉ-MODERNISMO
(1902-1922)
O que costumamos chamar de Pré-Modernismo são as obras de alguns escritores
que, no início do século XX, apesar de não constituírem propriamente uma
“escola literária”, destacaram-se do marasmo literário do período constituído
pela predominância do Parnasianismo.
Tais escritores procuraram, antes de tudo, evitar o conservadorismo dos estilos
passados e, além disso, buscavam interpretar a realidade brasileira, revelar
suas tensões e posicionar-se diante dos problemas sócio-políticos da época.
Por outro lado, tais obras, embora tivessem lançado as sementes de muitas das
principais buscas do Modernismo, não tinham o teor revolucionário das
propostas que passaram a vigorar a partir da Semana de Arte Moderna
(1922).
Sendo assim, devemos considerar o Pré-Modernismo a LITERATURA DE
TRANSIÇÃO do início do século XX. A prosa, de um modo geral,
acrescentou ao Realismo/Parnasianismo a busca de interpretação da
realidade nacional, tanto urbana quanto regional. A poesia, por sua vez,
oscilou entre o Parnasianismo e o Simbolismo na busca de novos caminhos.
De qualquer modo, o escritor pré-modernista procurou romper com a
literatura oficial e acadêmica.
3. PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS
Apesar de tratarmos o Pré-Modernismo como um estilo, é importante
entender que os autores aqui estudados não apresentam um conjunto
de características comuns, muitos dos quais possuíam
individualidades até mesmo antagônicas. Euclides da Cunha, Lima
Barreto, por exemplo, são bastante diferentes: aquele, preso a dogmas
cientificistas herdados do Naturalismo; este, por sua vez, procurou
recusar frontalmente estes mesmos parâmetros. Os pontos em comum
que podemos perceber entre as principais obras são:
Caráter renovador: apesar de alguns conservadorismos (sobretudo se
confrontarmos com as propostas de 22), há a ruptura com o passado e
o academicismo. Augusto dos Anjos, por exemplo, implementou uma
linguagem considerada inovadora mesmo vista dos dias atuais.
4. Denúncia da realidade brasileira: não há dúvida de que nesse
período foi produzida uma literatura com teor ideológico jamais
visto anteriormente. Lima Barreto, Euclides da Cunha e Monteiro
Lobato foram escritores que viram com olhos críticos a realidade
nacional. Deve-se lembrar que nesse período vigorava um modelo
republicano preso às oligarquias rurais (“República do café com
leite”), insensível às camadas pobres da população. Nascia, naquele
instante, a burguesia industrial e, em consequência, o proletariado
que formaria o contingente de mão de obra das grandes cidades.
Por último, deve-se ressaltar a série de revoltas, sintomas das
disparidades regionais (Guerra de Canudos (1896-1897), Revolta da
Vacina (1903), Revolta da Chibata (1910)). Ideologicamente, o
escritor colocará sua obra sempre ao lado das forças populares.
Redescoberta do Brasil (o regionalismo): não é exagero creditar aos
escritores pré-modernistas o primeiro retrato de um Brasil real,
através do qual tivemos um vasto painel de nossa realidade: o Norte
e o Nordeste foram fotografados por Euclides da Cunha; o Vale do
Paraíba e o interior paulista, com Monteiro Lobato; o Espírito Santo,
com Graça Aranha; o subúrbio carioca, com Lima Barreto.
5. PRINCIPAIS AUTORES
Euclides da Cunha (1886-1909)
Formado em Engenharia Militar e Ciências Naturais pela Escola Superior de
Guerra, afasta-se do Exército por discordar dos rumos tomados pela República
e vai trabalhar no jornal O Estado de São Paulo. É enviado como
correspondente a Canudos, onde eclodira uma revolta, e ao retornar compõe
sua principal obra, Os sertões, que retrata a Guerra de Canudos.
Os sertões são uma obra monumental, que abriu nova fase de estudos sobre o
Brasil, revelando com violência e pessimismo o contraste de culturas que
marca o nosso país. Seguindo o esquema positivista da sociologia da época,
Euclides da Cunha divide o livro em três partes : A Terra, as condições
geográficas; O Homem, a sociedade mestiça, seus costumes e o guia religioso
que ela emergia, Antônio Conselheiro; A Luta, depois de descrever o cenário e
os personagens, o autor relata o conflito.
6. Lima Barreto (1881-1922)
Escritor essencialmente carioca, não teve sua obra reconhecida em vida, por ser
considerado sem estilo. Hoje é tido como um dos grandes de nossa literatura.
Começou escrevendo crônicas nos jornais da época, depois produziu contos e
romances. Seu estilo caracterizava-se por uma linguagem simples e
comunicativa, longe de rebuscamento e do rigor gramatical dominante.
Foi um escritor nacionalista que não valorizava apenas os grandes temas
nacionais, mas aqueles desprezados por seus contemporâneos e que eram
experimentados pela grade maioria da população: o preconceito de cor de
classes, a educação das mulheres – foi um dos primeiros a defender o voto
feminino – e a crítica à República militarista instaurada por aqui. Em suma,
Lima Barreto assumiu uma postura crítica em relação a nossa sociedade e
procurou ironizar os políticos e literatos de seus tempo, motivos pelos quais
foi muito criticado à época.
7. Monteiro Lobato (1868-1931)
Teve uma vida intelectual participante, lutando pelo melhoramento social e
cultural do brasileiro. Sua obra encontra-se na tradição pós-romântica,
mostrando costumes interioranos e intenção satírica, numa prosa agradável e
convencional.
As histórias de Lobato nos dão a dimensão exata do modo de vida e da gente do
Vale do Paraíba paulista, de onde se desdobra o traço mais importante de sua
obra: a descrição do “Jeca Tatu” – a partir do qual procura demonstrar a
marginalização sofrida pelo trabalhado rural.
Nos romances ou contos de Lobato não há profundidade que configura dramas
morais ou existenciais, mas sim a narrativa brilhante de uma anedota, de um
caso e principalmente de um desfecho de acaso e violência.
Contrariamente, Lobato que sempre buscou a transformação, voltou-se contra o
Modernismo, criticando-o duramente. Produziu literatura adulta e infantil, em
que o autor alia a preocupação pedagógica e moralista, típicas desse gênero,
com sua luta pelos interesses nacionais.
8. Augusto dos Anjos (1884-1914)
Situado entre Cruz e Sousa e os
modernistas, a sua poesia apresenta um
caráter original e paradoxal, tecida com
palavras esdrúxulas e animada de uma
virulência pessimista sem igual na
literatura brasileira. Poemas eloquentes,
radicais e de grande musicalidade,
marcados pela retórica científica dos
fins do século XIX e pela poesia
simbolista.
Enfim, a crueza dos temas – que giram em
torno da morte e da doença; ambientes
como hospitais, necrotérios, hospícios;
cadáveres e micróbios – é a principal
característica de Augusto dos Anjos. Foi
publicado em vida Eu (1912) e, após a
morte, Outras poesias (1920).
Graça Aranha (1868-1931)
Sua principal obra, Canaã, é fruto da
experiência de alguns anos vividos no
Espírito Santo, de onde tirou o enredo de
sua história, em cujo bojo procurou
retratar os contrastes entre a vida dos
colonos alemães e o sertanejo brasileiro –
um confronto entre o viver rústico,
tropical e outro mais adiantado, europeu.
O livro de Graça Aranha tem um sentido
universal que transcende as circunstâncias
regionais da história.
9. João Simões Lopes Neto (1865 – 1916)
O escritor João Simões Lopes Neto é o primeiro grande literato do Rio Grande
do Sul. Sua arte retrata de forma realista os costumes gaúchos, valorizando a
vida no campo através de uma literatura que demonstra sensivelmente a
paisagem, o folclore e a história do estado. A linguagem adotada pelo autor
se confunde com esses elementos, pois apresenta as marcas de oralidade do
homem que vive na campanha, evidenciando uma composição singular da
relação do gaúcho com o seu espaço e a sua maneira de ver o mundo.
O livro Contos Gauchescos é um belo exemplo dessa literatura. A obra se constitui
de narrativas curtas, muito próximas do causo do gaúcho. Quem apresenta
essas estórias é Blau Nunes, um homem totalmente identificado com as
cores riograndenses. Com oitenta e oito anos, ele possui a experiência
necessária para lembrar fatos que ocorreram consigo ou que escutou pelas
andanças da campanha. Essa estratégia de Simões Lopes Neto de criar um
narrador, contador de estórias, oferece um realismo que da credibilidade ao
que está sendo apresentado.
O regionalismo da arte de Lopes atinge um sentido universal, pois trata sobre
eventos humanos acima de tudo. São narrativas que abordam a solidão, o
amor, a maldade, o ódio e a solidariedade, formando um mosaico de
sentimentos que atingem um aspecto abrangente que rompe as barreiras
regionais.
11. Patrício, apresento-te Blau, o vaqueano.
− Eu tenho cruzado o nosso Estado em caprichoso ziguezigue. Já senti a
ardentia das areias desoladas do litoral; já me recreei nas encantadoras ilhas da
lagoa Mirim; fatiguei-me na extensão da coxilha de Santana; molhei as mãos no
soberbo Uruguai; tive o estremecimento do medo nas ásperas penedias do
Caverá; já colhi malmequeres nas planícies do Saicã, oscilei sobre as águas
grandes do Ibicuí; palmilhei os quatro ângulos da derrocada fortaleza de Santa
Tecla, pousei em São Gabriel, a forja rebrilhante que tantas espadas valorosas
temperou, e, arrastado no turbilhão das máquinas possantes, corri pelas
paragens magníficas de Tupaceretã, o nome doce, que no lábio ingênuo dos
caboclos quer dizer os campos onde repousou a mãe de Deus...
(...)
E, do trotar sobre tantíssimos rumos; das pousadas pelas estâncias; dos fogões a
que se aqueceu; dos ranchos em que cantou, dos povoados que atravessou; das
cousas que ele compreendia e das que eram-lho vedadas ao singelo
entendimento; do pêlo-a-pêlo com os homens, das erosões da morte e das
eclosões da vida, entre o Blau — moço, militar — e o Blau — velho, paisano —,
ficou estendida uma longa estrada semeada de recordações — casos, dizia, que
de vez em quando o vaqueano recontava, como quem estende, ao sol,para
arejar, roupas guardadas ao fundo de uma arca.
Querido digno velho!
Saudoso Blau!
Patrício, escuta-o.
(LOPES NETO, João Simões. Contos Gauchescos. Porto Alegre: Martins, 1999 [1ª ed. 1912])
13. BIBLIOGRAFIA
BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. São Paulo: Cultrix,
1994.
LOPES NETO, João Simões. Contos Gauchescos. Porto Alegre: Martins, 1999
[1ª ed. 1912]SEVERO, Cristine. Os Contos Gauchescos e a construção
mitológica do gaúcho. Disponível em:
http://www.wwlivros.com.br/IIjornadaestlit/artigos/port_bras/SEVEROCristineZirbes.pdf
SILVIA, Angelise. O mito do gaúcho e seu redimensionamento em
“Trezentas onças”, de Simões Lopes Neto. Disponível em:
http://www.unisc.br/portal/images/stories/mestrado/letras/coloquios/ii/mito_do_gaucho.