Este soneto de Camões narra poeticamente a história bíblica de Jacob e suas filhas Raquel e Lia em três frases:
1) Jacob serviu durante sete anos o pai de Raquel, Labão, na esperança de se casar com a bela Raquel.
2) Quando o prazo terminou, Labão deu-lhe Lia em vez de Raquel, decepcionando profundamente Jacob.
3) Apesar da decepção, Jacob concordou em servir mais sete anos por amor a Raquel, demonstrando a força do seu sentimento.
2. Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela,
E a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
Passava, contentando-se com vê-la;
Porém o pai, usando de cautela,
Em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
Lhe fora assim negada a sua pastora,
Como se a não tivera merecida,
Começa de servir outros sete anos,
Dizendo: — Mais servira, se não fora
Pera tão longo amor tão curta a vida!
3. Tema:
A FIDELIDADE E CONSTÂNCIA AMOROSAS
Este soneto tem uma estrutura quase narrativa e é o tratamento poético da história
bíblica de Jacob.
Faz a apologia da constância amorosa e do amor eterno, num ambiente pastoril
idealizado.
A história de Jacob e Raquel não é o essencial deste soneto, mas o pretexto para
mostrar a força de um sentimento, a capacidade humana para sofrer e lutar por quem
que se ama.
4.
5. Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
1ª parte - Durante 7 anos o pastor
Jacob esteve ao serviço de Labão. Como mas não servia ao pai, servia a ela,
única recompensa de tantos anos de e a ela só por prémio pretendia.
trabalho, pretendia que Labão lhe desse
a filha em casamento. Os dias, na esperança de um só dia,
Concluído o prazo, o pai não cumpriu o passava, contentando se com vê-la;
que fora combinado. porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
2ª parte - Apesar da injustiça de que se
sentia vítima, apesar da desilusão e lhe fora assi negada a sua pastora,
tristeza, Jacob não desistiu dos seus como se a não tivera merecida;
intentos. Por amor a Raquel começou
um novo período de 7 anos de serviço a começa de servir outros sete anos,
Labão, frisando que não renunciaria a dizendo: - Mais servira, se não fora
um amor mais duradouro que a vida para tão longo amor tão curta a vida.
6. Repare-se que, inicialmente, a Sete anos de pastor Jacob servia
tristeza de Jacob se dá por não Labão, pai de Raquel, serrana bela;
haver recebido a moça
mas não servia ao pai, servia a ela,
pretendida, mas também pelo
e a ela só por prémio pretendia.
facto de ser ludibriado, após sete
anos de labores e de esperanças.
Os dias, na esperança de um só dia,
O que se aguardaria, pois, seria passava, contentando se com vê-la;
seu desesperançar; contudo, e aí porém o pai, usando de cautela,
está o grande momento do em lugar de Raquel lhe dava Lia.
soneto, não apenas o jovem
reafirma sua fé no amor, mas Vendo o triste pastor que com enganos
propicia seu acrescentamento lhe fora assi negada a sua pastora,
com a renovada promessa de como se a não tivera merecida;
duplicação do tempo de espera:
começa de servir outros sete anos,
“Começa de servir outros sete dizendo: - Mais servira, se não fora
anos,/ Dizendo: – Mais servira, se para tão longo amor tão curta a vida.
não fora/ pera tão longo amor tão
curta a vida.”
7. Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela; O que confere a este soneto uma dimensão
mas não servia ao pai, servia a ela, narrativa é o facto de haver uma acção
e a ela só por prémio pretendia. protagonizada por personagens, num
determinado espaço e tempo. O episódio é
contado poeticamente por um narrador.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela, Jacob revela pelo seu comportamento um
em lugar de Raquel lhe dava Lia. carácter determinado, perseverante. Sabe
o que quer e tem a força de enfrentar
qualquer obstáculo, qualquer
Vendo o triste pastor que com enganos
sacrifício, para alcançar o que pretende.
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida; Neste episódio essa determinação revela-
se numa fidelidade amorosa inabalável.
começa de servir outros sete anos, Nem a injustiça, nem a mágoa, nem a longa
espera o fazem desistir de ter a sua amada.
dizendo: - Mais servira, se não fora
Só a morte será o limite da sua luta em
para tão longo amor tão curta a vida. busca da felicidade, que, para ele, só tem
um nome – Raquel.
8. Labão tinha duas filhas: Leia (a mais velha) e Raquel.
Mas Jacob amava Raquel. De modo que ele dispôs-se
a servir Labão durante sete anos por Raquel; mas
estes anos passaram como sete dias, por causa do seu
Sete anos de pastor Jacob servia amor por ela.
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
Mas não servia ao pai, servia a ela, No soneto, há referência não apenas à beleza de
E a ela só por prémio pretendia. Raquel (“serrana bela”), realçando-se também o
sentimento amoroso de maneira enfática. Por essa
Os dias, na esperança de um só dia, razão, ressalta-se a servidão amorosa de Jacob de
Passava, contentando-se com vê-la; uma forma mais tipicamente medieval no modo como
Porém o pai, usando de cautela, o soneto se inicia e se fecha, ou seja, com os sete
Em lugar de Raquel lhe dava Lia. anos da espera, que se renova de forma cíclica:
Vendo o triste pastor que com enganos “Sete anos de pastor Jacob servia/ Labão /..../”; “/..../
Lhe fora assim negada a sua pastora, Começa de servir outros sete anos”, apontando-
Como se a não tivera merecida, se, ainda, para uma posterior renovação da espera
nos dois últimos versos: “/..../ Dizendo: – Mais
Começa de servir outros sete anos, servira, se não fora/ Pera tão longo amor tão curta a
Dizendo: — Mais servira, se não fora vida”.
Pera tão longo amor tão curta a vida!
A servidão amorosa também é assinalada pela grande
recorrência do verbo “servir” no poema (levando-se
em conta sua extensão), o qual chega a aparecer duas
vezes no mesmo verso “mas não servia ao pai, servia
a ela”.
9. Há claramente uma oposição do desejado (Raquel) e do obtido (Lia).
Na primeira estrofe constrói-se o argumento de que Jacob desejava e servia a
Raquel, na segunda vemos a ansiedade da espera, na terceira o encaminhamento para
a conclusão com a tristeza e a decepção pelo “prémio de consolação” (Lia) e a “chave
de ouro” que fecha afirmando que Jacob servirá, se necessário, mais que sete anos por
Raquel “se não fora / Para tão longo amor tão curta a vida”.
Este texto é um soneto que, embora original de Camões, estabelece diálogo com dois
outros textos: um bíblico do Génesis e outro de Francisco Petrarca. A imitação foi
estímulo à criação de uma obra pessoal bastante bela.
O texto bíblico caracteriza as duas moças: “Lia de olhos enfermos, enquanto que
Raquel era formosa de porte e de semblante”; Camões aproveitou-se desta descrição e
fez análogo chamando Raquel de “serrana bela”. No génesis também se encontra a
promessa inicial de Jacob a Labão: “Sete anos te servirei para ter a Raquel, tua filha
mais moça”; os sete anos para Jacob foram “poucos dias, pelo muito que a amava”. É
no génesis que também entendemos a cautela do pai, pois não deseja dar a menor
antes da primogénita e romper com o costume da terra.
11. Sete anos de pastor Jacob servia
Labão, pai de Raquel, serrana bela;
mas não servia ao pai, servia a ela,
e a ela só por prémio pretendia.
Os dias, na esperança de um só dia,
passava, contentando se com vê-la;
porém o pai, usando de cautela,
em lugar de Raquel lhe dava Lia.
Vendo o triste pastor que com enganos
lhe fora assi negada a sua pastora,
como se a não tivera merecida;
começa de servir outros sete anos,
dizendo: - Mais servira, se não fora
para tão longo amor tão curta a vida.