[1] A Eucaristia é um mistério que une os fiéis em comunhão com Deus e uns aos outros, alimentando suas vidas espiritualmente. [2] A Eucaristia fala da existência humana, da vida e da morte, e nos educa para a fraternidade e solidariedade. [3] Embora um mistério, a Eucaristia dá sentido à vida individual e comunitária e é fonte de esperança de um mundo melhor.
1. Eucaristia é Vida
O sentido da Eucaristia em 30 reflexões
Frei Rogério Russo, mercedário.
2. Dedico,
Aos meus pais, Silveira e Iolanda, que leram este livrinho,
gostaram e aprovaram;
Ao Pe. Giovannino Tolu, Mestre geral da Ordem Mercedária,
grande incentivador dessa obra;
A dom Pedro Brito Guimarães, bispo da diocese de São Raimundo
Nonato-PI, pela gentileza e disponilidade em ler estas páginas;
Ao Pe. Mauro Zequin, ex diretor do Programa Brasileiro da Rádio
Vaticano, pelos incentivos e apoio;
Aos meus confrades, frei Emílio Santa Maria, frei Herculano de
Negreiros, frei Reginaldo Roberto, frei Edalan Guedes, frei Paulo
Avelino e frei Marcelo de Sousa, pelas sugestões e críticas;
À irmã Altair Ribeiro Mendes, religiosa mercedária, que deu o toque
feminino;
Ao escritor Salvador de Castro, pela amizade e cumplicidade
literária;
Aos meus confrades mercedários, aos meus parentes e a todos
aqueles(as) que de uma forma ou de outra acompanharam e
acompanham a minha caminhada vocacional.
3. Sumário
Apresentação
Introdução
1 - Eucaristia é Mistério
2 - Cristo: nosso alimento
3 - O Banquete
4 - Sacrifício de amor
5 - Verdade de Criança
6 - Ainda falando da mesa...
7 - Vida e Redenção
8 - A Eucaristia faz comunidade
9 - Espírito de vida
10 - Eucaristia e Família
11 - Partilha é vida
12 - Círculo divino
13 - Nosso corpo espiritualizado
14 - Da morte à vida
15 - Sem o domingo não podemos viver
16 - A comunidade não termina com a bênção final
17 - Eucaristia e casais separados
18 - Maria: no seu corpo, o corpo de Cristo
19 - Uma experiência pessoal, mas universal
20 - Para não dizerem que não falei da mesa
21 – Eucaristia: luz para as contradições humanas
22 - A Primeira Comunhão
23 - Minha vocação, minha vida
24 - O antes e o depois da Missa
25 - Na Eucaristia: o Senhor
26 - Eucaristia e serviço
27 - Eu e o Senhor na Eucaristia
4. 28 - Eucaristia: compromisso de homens e de mulheres
29 - Vários nomes: uma só história
30 - Eucaristia é Mistério
5. Apresentação
Estas páginas foram pensadas e escritas no Ano da Eucaristia (2005), proclamado
por João Paulo II, de feliz memória. Ele quis oferecer, aos fiéis do mundo inteiro, um ano
dedicado inteiramente à Eucaristia, para que as mentes e os corações dos homens e das
mulheres, cada vez mais tristes com a vida, tivessem viva a grande ‘invenção’ do Amor de
Deus: “Eu sou o pão descido do céu” (Jo 6, 41).
São reflexões escritas pelo confrade frei Rogério Russo, que nas vésperas da sua
ordenação sacerdotal, achou por bem oferecer essas páginas aos seus amigos, amigas e
fiéis, como recordação de um dia tão importante para ele. Em geral, como lembrança de
ordenação, se costuma oferecer um santinho com uma frase bíblica e os dados mais
importantes da celebração: bispo ondenante, ordenado e a data. Frei Rogério pensou de
nos presentear este precioso opúsculo. Ótima idéia!
Preparando-se para a ordenação sacerdotal, o jovem autor pôde aprofundar e
descobrir que a Eucaristia é o maior tesouro que Cristo deixou sobre a terra e que a
Igreja, amorosamente, conserva. É por isso que as palavras de Jesus ganham sentido:
“Não vos deixarei órfãos.” (Jo 14, 18). “E eis que eu estou convosco todos os dias, até a
consumação dos séculos!” (Mt 28, 20)
Ser sacerdote significa estar a serviço de Jesus, para assegurar aos homens e
mulheres famintos(as) e sedentos(as) de verdade, o Pão dos peregrinos. Com a força
desse Pão, o homem pode atraversar o deserto da vida e chegar à Terra Prometida.
Entre o sacerdote e o Pão da Eucaristia se estabelece um binômio misterioso,
inexplicável e indizível. A Eucaristia existe por meio da disponibilidade do sacerdote, que
por meio da imposição das mãos do Bispo, torna-se extenção da santíssima humanidade
de Jesus.
Nas reflexões que seguem, percebe-se o êxtase de frei Rogério diante da
grandiosidade do Sacramento do altar e o desejo de comunicar a todos a alegria, a
maravilha e a necessidade de compartilhar ao mundo inteiro o convite de Jesus: “Tomai e
comei, isto é o meu corpo” (Mt 26, 26).
Estou, particularmente, contente por ter acompanhado este livrinho desde o início.
O jovem autor combina muito bem simplicidade e profundidade. Das suas palavras sai a
luz que vem do alto e colore de céu cada realidade humana.
Espero que com igual maravilha e admiração, estas linhas toquem tantos outros
corações, com a convicção de que com Jesus vivo, o sol esplendece, o coração se alegra e
a mente alcança a serenidade.
Pe. Giovannino Tolu
Mestre Geral da Ordem Mercedária
6. Introdução
A Eucaristia é vida na minha vida. Faz parte da minha existência, do meu
ser. É fonte de luz e de paz. A Eucaristia é ponto de contato entre o céu e a terra, o
homem e Deus. Quem nos possibilita essa graça é o próprio Cristo, Deus feito
homem, que se faz presente no pão e no vinho, alimento de redenção para todos.
Compreender o sentido da Eucaristia é entender que necessito desse alimento, para
meu espírito, para minha vida. Ao comungar do corpo e sangue de Cristo, entramos,
misteriosamente, em comunhão com Deus, formamos um só corpo com Jesus Cristo
e nos unimos fraternalmente com os irmãos e irmãs. Tornamo-nos comunidade!
A comunidade, lugar por excelência para a Celebração Eucarística, é a rede
de relações que nos humaniza. Antropologicamente falando, o ser humano é um ser
comunitário. Compartilhar a vida com outras pessoas é uma necessidade vital. É o
modo de ser menos animal e mais pessoa. A experiência comunitária é
humanizadora! A Igreja de Cristo é a comunidade universal que vivifica, alimenta,
congrega e que conduz à salvação. Dessa forma, é o amor de Cristo que fortalece e
confirma a comunidade cada vez que ela vive a Eucaristia, na partilha e na
solidariedade.
A partilha é o fruto mais visível e significativo da Eucaristia. Os primeiros
cristãos descobriram desde o início que a vivência da Eucaristia exige a partilha (cf.
At 2, 44-47). Exige uma consciência que não tem espaço para o egoísmo, para a
exclusão, pois descobrimos que somos todos irmãos. Repartir os bens era uma
prática fraterna das primeiras comunidades. É inconcebível, na vida entre irmãos,
que uns tenham tudo e outros passem fome. A comunidade marcada pela força da
Eucaristia é uma comunidade que ampara os irmãos menos favorecidos. Pois a face
do Senhor é reconhecida no pão partido (cf. Lc 24, 13-33). Seria impossível dar uma
explicação racional para tudo isso, somente a vivência da partilha pode nos garantir
alguma certeza, pois tudo é mistério.
A Eucaristia é mistério. Mas um mistério presente. Que nos faz sentir lá no
íntimo a presença real de nosso Senhor Jesus Cristo. O mistério abre espaço para a
fé. Pelo fato de não sabermos tudo, temos que confiar no Bom Pastor (cf. Jo 10) que
guia suas ovelhas e que diz “Eu sou o caminho, a verdade e a vida, ninguém vem ao
Pai se não por mim” (Jo 14, 6). Eis Jesus, o nosso Guia, que nos conduz por
caminhos seguros. A sua presença no pão e no vinho é a certeza de que não estamos
sós, de que não fomos abandonados neste mundo. Pois o mistério da Eucaristia é a
suave presença de Jesus no seio da humanidade.
Nas 30 reflexões que seguem, procurei transmitir tudo o que a Eucaristia
representa para minha vida. A celebração da Eucaristia sempre foi central para mim.
As grandes respostas para minhas perguntas existenciais foram dadas gradualmente
na vivência eucarística. Desse modo, pensei em não guardar isso só para mim, mas
compartilhar com outras pessoas, que certamente tiveram ou têm interrogações
como as minhas. Evidentemente que não se trata de um manual de Eucaristia, mas
também não é desprovido de bases teológicas, bíblicas e doutrinais. A minha
intenção é mostrar, a partir da minha vida, que a Eucaristia toca os temas essenciais
da existência humana. Quero dizer para as pessoas que o que eu vivo não é uma
ilusão, que não estou entregando a minha vida a uma fantasia, mas ao Senhor que é
real na Eucaristia.
Frei Rogério Russo, mercedário.
7. 1 - Eucaristia é Mistério
Mistério é silêncio. É ausência e presença ao mesmo
tempo. Difícil de entender, mas queiramos ou não, a vida é
feita de mistério. Sentir saudade é mistério. Amar, sorrir,
sofrer, extasiar-se diante do belo, tudo é mistério. Mistério é
pensar numa pessoa, ligar para ela e ela lhe dizer que
também estava pensando em você. Mistério é tudo aquilo
que não se pode explicar, mas nem por isso deixa de existir.
As coisas mais simples e essenciais da vida estão cheias de
mistério.
Mistério é como o horizonte. Quanto mais nos
aproximamos, mais distante ele fica. De qualquer forma, é
importante aproximar, seguir adiante, caminhar na mesma
direção. Pois um novo horizonte se irromperá diante de nós,
cheio de surpresas, encanto e beleza. Mergulhar no mistério
é aceitar, humildemente, esse desafio. É saber que a meta
não está, necessariamente, em encontrar o ponto final, mas na aventura de buscar.
Sabendo que nunca possuiremos o mistério, pois é ele que nos possui.
Deus é mistério. Ele, na sua aparente ausência, faz-se presente no mistério.
Nosso Senhor, por meio do mistério, é a presença-ausente que nos dá segurança e a
garantia de que não estamos sós. Saber relacionar-se com o mistério é saber encontrar-
se com Deus. Para isso, é necessário abertura, vontade, liberdade e fé. Deus está nos
pequenos mistérios da vida. Neles, Ele se revela e se esconde. Criando um amor em
tensão. Deus ama e dá espaço para ser amado. Na vida cristã, o maior de todos os
mistérios é a Eucaristia. Dom de Deus para a humanidade. Comungar do Cristo
Eucarístico é ter um encontro de amor com Deus. Pois Eucaristia é mistério...
Um mistério que cria comunidade. Une-nos com todos os santos, anjos,
arcanjos, homens e mulheres, queridos falecidos, e com todo ser vivo da face da terra.
Um mistério que fala da existência. Da vida e da morte. A cada celebração
morremos com Cristo e ressuscitamos com Ele. Morre o pecado e vive o homem novo.
Um mistério que exige justiça. Diante da Eucaristia, somos todos filhos no Filho,
sem classes, sem títulos. No entanto uns morrem pela miséria e outros pela opulência de
seus bens.
Um mistério de paz, diálogo e amizade. A nossa arma é o pão partido. Cristo é a
vítima. Não precisamos mais de sangue inocente.
Um mistério de amor. Que nos abraça com ternura e que nos faz sentir pessoa.
Amados e amadas por Deus.
Um mistério que educa: para a vida, para a ética. Educa em direção à
fraternidade e à solidariedade. Educa para sermos mais humanos.
Um mistério de libertação. Que proclama liberdade aos cativos. Que anuncia um
mundo sem escravidão.
Um mistério de Esperança. Que indica um horizonte. Que garante um futuro:
sem ódio, rancor, violência, vingança, desespero, morte, guerra...
Enfim, um mistério que permanece mistério. Não é para ser compreendido, é
para ser vivido. É para dar sentido a minha e a sua vida, a nossa vida em comunidade.
“Em verdade, em verdade, vos digo: não foi Moisés quem vos deu o pão do céu,
mas é meu Pai que vos dá o verdadeiro pão do céu; porque o pão de Deus é aquele que
desce do céu e dá vida ao mundo” ( Jo 6, 32-33).
8. 2 - Cristo: nosso alimento
Hoje, de maneira muito forte, veio a minha mente
uma simples jaculatória que sempre faço quando estou
diante do Santíssimo: “Na simplicidade do pão, na
importância do pão, tu te fazes presente, Senhor”.
Jesus quis se fazer alimento para continuar no
nosso meio. Escolheu o que há de mais comum e universal
para ser sua morada: o pão. E como todo bom alimento vem
sempre acompanhado de uma bebida, Jesus escolhe o vinho,
tão corriqueiro e natural para as pessoas do seu tempo. No
pão está nosso trabalho, sacrifício, motivo pelo qual
gastamos nossa vida. No vinho está a alegria, com ele
compartilhamos vida com outras pessoas.
A Palavra, que teve o poder de criar o mundo e tudo
o que nele existe, agora, pela boca do sacerdote e a força do
Espírito Santo, tem o poder de transformar o pão e o vinho
no corpo e sangue de nosso Senhor Jesus Cristo.
Eis o grande mistério: Cristo é nosso alimento! O
alimento tem duas características interessantes. A primeira é que toda comida gostosa
deixa um sabor delicioso na nossa boca, dando-nos prazer, fazendo-nos sentir bem.
Assim é a Eucaristia, dá um sabor especial a nossa vida, dá sentido a nossa existência,
faz-nos sentir bem com nós mesmos e com os outros. A segunda característica é que o
alimento tem a função de nos saciar. Claro que depois sentimos fome outra vez e é
necessário nos alimentar novamente e muitas outras vezes. Na Eucaristia, somos
alimentados espiritualmente. Também somos saciados, mas, como ainda não vivemos na
plenitude, precisamos comungar do corpo de Cristo várias outras vezes. Assim como o
corpo precisa do alimento para se manter, o espírito precisa da Eucaristia para se
fortalecer. Por isso, como nos lembra os mandamentos da Igreja, todo cristão é convidado
a participar do Banquete da Vida pelo menos aos domingos e dias de festa.
“Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim, nunca mais terá fome, e o que crê em
mim nunca mais terá sede” (Jo 6, 34).
9. 3 - O Banquete
Exatamente hoje que eu havia programado para
falar da Eucaristia como banquete, não pude descer para
jantar com meus irmãos de comunidade por causa de um
forte resfriado, seguido de febre. Falo isso, porque para
nós, religiosos, a mesa é sagrada. É o espaço do estarmos
juntos, da convivência, do diálogo, da partilha.
A mesa nos humaniza. Olhamos olho no olho,
compartilhamos o dia, as derrotas e vitórias, a vida. Na
mesa nos damos conta da nossa impotência. Precisamos
da ajuda de alguém para nos alcançar o pão que está do
outro lado. Na mesa, exercitamos a nossa sensibilidade
frente às necessidades do outro. Antes que meu
companheiro manifeste que quer água, dou-me conta que seu copo está vazio e lhe sirvo
água. Na mesa, posso ouvir e ser ouvido, falar e desabafar, posso brincar e recordar as
belas coisas do passado. A mesa mostra que não posso me humanizar sozinho, mas
sempre em comunhão com outras pessoas.
Não é por acaso que Jesus reúne seus discípulos em torno à mesa e institui a
Eucaristia. Naquela inesquecível quinta-feira, faltando apenas um dia para que Ele fosse
entregue, Jesus celebra a Páscoa com seus seguidores. Como aquele pai de família que
às vésperas da morte chama sua mulher e filhos e diz o que há de mais importante no
seu coração. Assim fez Jesus, prestes a ser crucificado, diz o que há de mais importante
em seu coração: “Isto é meu corpo que será entregue por vós, fazei isto em memória de
mim. Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que será derramado em favor de vós”
(Lc 22, 19-20). Aqui Jesus antecipa sua morte, se entrega totalmente a seus discípulos e
a toda humanidade. O que seria o banquete da morte, Cristo transforma no Banquete da
Vida. A Ressurreição confirma isso.
A cada missa que ‘concelebramos’, devemos entendê-la como um grande
banquete, no qual não apenas fazemos memória da morte de Jesus, mas também da sua
vida. Um banquete do qual todos são convidados a participar. Um banquete de encontro,
de partilha, de escuta da Palavra, nele se come e se bebe em fraternidade. A cada missa
antecipamos o banquete eterno quando estaremos todos juntos em torno à mesa celeste
com Jesus Cristo.
“Em verdade, em verdade, vos digo: aquele que crê tem a vida eterna. Eu sou o
pão da vida. Vossos pais no deserto comeram o maná e morreram. Este pão é o que desce
do céu para que não pereça quem dele comer. Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem
comer desde pão viverá eternamente. O pão que eu darei é a minha carne para a vida do
mundo” (Jo 6, 47-51).
10. 4 - Sacrifício de amor
Todos os anos os israelitas sacrificavam um
cordeiro para a festa da Páscoa (Ex 12, 1-14). Nesse
dia, faziam memória da libertação do povo eleito que
era cativo dos Egípcios. Um dia antes da saída do
Egito, Deus quis que o povo celebrasse uma ceia.
Seria a última ceia antes da libertação definitiva. Com
o sangue do cordeiro imolado, o povo deveria
assinalar suas portas, para quando passasse o
‘Exterminador’, nada acontecesse àquela família. É
graças ao sangue do cordeiro que o povo experimenta
a salvação. É assim antecipada a libertação. O povo
se sente seguro e pronto para atravessar o Mar
Vermelho. Teologicamente falando, a última ceia no
Egito e a travessia do Mar Vermelho formam ‘um
único e indivisível intervento salvífico’ da parte de Deus (GIRAUDO, Cesare. In unum
corpus: trattato mistagogico sull’eucaristia.2001, p. 31).
Um dia antes da sua morte, Jesus quis celebrar sua última ceia com seus
discípulos (Lc 22, 14-15). Nela anuncia que o cordeiro que será sacrificado é Ele mesmo.
O sangue que será derramado para a redenção de todos será seu próprio sangue. Como
vemos, o pobre animal da tradição hebraica sai de cena e entra o Cordeiro de Deus (Jo 1,
29). Com seu sangue todos foram marcados com o sinal da libertação.
A Última Ceia, portanto, é o evento fundador. Nela, Jesus antecipa sua morte,
antecipa o calvário e anuncia a libertação. Nesse dia, os discípulos experimentam a
salvação, vivem a redenção. Dessa forma, a Última Ceia está intimamente ligada ao
túmulo vazio, a ressurreição. Os dois momentos formam ‘um único e indivisível
intervento salvífico’ (Mt 26, 26-29).
Na celebração da Eucaristia, todos nós somos convidados(s) a experimentar os
mesmos sentimentos vividos pelos discípulos na Última Ceia. Tal experiência não foi um
privilégio isolado, reservado apenas aos apóstolos. Também hoje, Jesus continua a se
entregar por nós, a derramar seu sangue pela remissão dos pecados. A Eucaristia tem o
poder de tornar presente aquela Última Ceia e nós, pela fé, experimentamos a mesma
eficácia de outrora.
Para nós, cristãos e cristãs, a Páscoa de Cristo plenificou a Páscoa Hebraica. Da
primeira aliança que Deus fez com o povo de Israel, passamos à Nova Aliança que Deus
fez com toda humanidade. Com sua Páscoa, Cristo nos tirou da escravidão do pecado e
nos introduziu na Nova Vida, na ‘Terra Prometida’.
“Quando Jesus terminou essas palavras todas, disse aos discípulos: ‘Sabeis que
daqui a dois dias será a Páscoa, e o Filho do Homem será entregue para ser crucificado’”
(Mt 26, 1-2).
11. 5 - Verdade de Criança
Quando eu era criança, na minha cidadezinha,
perguntei ao Pároco da minha comunidade o que eu deveria
pensar na hora da comunhão. Ele me respondeu com muita
convicção: “Pense nos pobres, nos miseráveis, nos necessitados,
naqueles que não têm o pão de cada dia em casa, pense na
partilha...”. Isso tem me acompanhado por todos esses anos.
Onde falta pão, falta também paz, dignidade, respeito,
solidariedade, amor, amizade. Valores que Cristo pregou. Onde
falta pão, reina a violência, a desordem, o roubo, a escravidão,
a morte. Todos os contra-valores que Cristo condenou. Onde
falta pão, falta consciência eucarística.
Falta consciência eucarística num país onde milhões
morrem de fome, enquanto os desperdícios são exageradamente
grandes.
Falta consciência eucarística nas nações que gastam parte dos seus orçamentos
com armas de fogo e deixam suas crianças à mercê da desnutrição.
Falta consciência eucarística nos governantes que negociam altos acordos
comerciais e são incapazes de tomarem decisões eficazes contra a miséria.
Falta consciência eucarística nas paróquias que se orgulham da arrecadação
mensal, mas pouco fazem pelos indigentes que batem nas suas portas.
Falta consciência eucarística nas famílias que vivem para si, buscam a riqueza a
qualquer custo e não se importam com aquelas famílias que não têm como sobreviver.
Falta consciência eucarística em cada um de nós que estamos tão preocupados
conosco mesmos, com o nosso sucesso e não nos importamos com o pedido de socorro
do faminto que pede pão.
Certamente um dos motivos das grandes desgraças do mundo é a falta de pão, a
falta de consciência eucarística. Diante da multidão faminta, Cristo multiplica o pão (Mc
6, 30-44). Na desolação dos discípulos de Emaús, Cristo é reconhecido no pão partido (Lc
24, 28-32). Num mundo onde falta pão, Cristo faz do pão seu corpo, alimento para todos.
Hoje, depois de crescido, cada vez que penso na Eucaristia, lembro dos pobres; e
cada vez que penso nos pobres, lembro da Eucaristia. A partilha tornou-se uma
exigência diária.
“Todos os que tinham abraçado a fé reuniam-se e punham tudo em comum:
vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos entre todos, segundo as necessidades
de cada um” (At 2, 44-45).
12. 6 - Ainda falando da mesa...
A mesa é o espaço relacional por excelência. Ela
nos coloca em relação com muitas pessoas. Primeiro,
com aqueles(as) que nos acompanham durante a
refeição. Depois, com todos os que fizeram com que o
alimento chegasse até a nossa mesa. Coloca-nos em
relação com o agricultor que cultivou a semente, com o
motorista que transportou a colheita, com os
trabalhadores que industrializaram o produto, com os
comerciantes que colocaram a mercadoria à disposição
do consumidor. Queiramos ou não, alimentamo-nos com
o fruto do trabalho de todas essas pessoas. São rostos
que não conhecemos ou histórias distantes ou nomes
esquecidos. Mesmo sem conhecê-los, a mesa tem o
poder de estabelecer essa relação entre nós.
Assim é a ‘mesa’ da Eucaristia. Estamos em
relação direta com aqueles(as) que celebram conosco e em relação com todos os outros
que celebram a mesma Eucaristia em outras partes do mundo. O altar nos une com
cristãos(ãs) do mundo inteiro. Pode ele (ela) estar na África, na Ásia, na Europa, nas
Américas... A missa pode ser celebrada numa Igreja grande, bonita, imponente ou numa
capela de palha de chão batido... Não importa! A ‘mesa’ tem o poder de nos unir, de nos
colocar em relação com todos. Comungamos para nos tornar um só corpo no corpo de
Cristo.
Existe maravilha mais bela e preciosa que essa? Todo(a) cristão(ã) tem um
encontro marcado com outros cristãos na celebração da Eucaristia. Isso nos faz irmãos,
família! Isso faz a Igreja, missionária, peregrina, espalhada pelo mundo. A Mesa
Eucarística liga milhares de pessoas todos os dias nos quatro cantos do mundo. Quem
disse que a Internet foi o primeiro meio de comunicação com tal poder?
“Quando chegou a hora, ele se pôs a mesa com seus apóstolos e disse-lhes:
‘Desejei ardentemente comer esta páscoa convosco antes de sofrer; pois eu vos digo que já
não comerei até que ela se cumpra no Reino de Deus’” (Lc 22, 14-16).
13. 7 - Vida e Redenção
Experimento, muitas vezes, na celebração da
santa Missa, a força redentora da Eucaristia. Como
humanos, somos pessoas vulneráveis, facilmente nos
deixamos escravizar pela tristeza, angústia, sofrimento,
medo, depressão, perda de sentido, pior ainda, somos
escravizados pelo pecado. Todos nós passamos por isso.
Faz parte da nossa frágil condição humana. Mas não
devemos nos acomodar diante de tal situação. Cristo
pagou com seu sangue o preço do nosso resgate.
Nosso Senhor, com seu precioso sangue, redimiu
toda humanidade. Nas nossas celebrações eucarísticas
celebramos essa verdade. Cristo continua a se entregar por
todos nós, todos os dias nos nossos altares. Continua a
redimir. Devemos participar da Missa com essa consciência, sabendo que podemos ser
curados das nossas fraquezas. Podemos ser resgatados das nossas pequenas
escravidões. Cristo nos resgatou no passado e continua a nos resgatar hoje.
Não tenhamos medo de participar da Eucaristia com o coração suplicando por
redenção. De pedir a Cristo cura e libertação para nossos males. Quantas vezes fui à
Missa cabisbaixo, angustiado e saí redimido, regenerado. Quantas vezes a minha tristeza
foi transformada em alegria, o meu medo, em coragem para enfrentar a vida. Quantas
pessoas Cristo tirou do fundo do poço e as devolveu à vida. Foi isso que nosso Senhor fez
durante sua vida terrena e é isso que Ele continua a fazer por meio do Santo Sacrifício.
É magnífico o mistério que celebramos na Missa: a passagem de uma situação
de morte para uma situação de vida, de um estado de escravidão para um estado de
liberdade. Cristo morre para que tenhamos vida e vida em abundância (Jo 10, 10).
“... Jesus Cristo, o Justo. Ele é a vítima de expiação pelos nossos pecados. E não
somente pelos nossos, mas também pelos de todo o mundo” (1Jo 2,1-2).
14. 8 - A Eucaristia faz comunidade
Todos os domingos, os(as) imigrantes
brasileiros(as), que vivem em Roma, celebram a Eucaristia.
São trabalhadores(as) que passam a semana trabalhando
duro e, no Dia do Senhor, se reúnem num encontro de
amor com Jesus e com os irmãos. Ali, todos(as) se sentem
membros da comunidade. Existe um sentimento de
pertença incrível. É comum escutar da boca deles(as): “a
nossa comunidade”, como querendo dizer, esta é nossa
casa, nossa família. É exatamente isso que a comunidade
é, uma família. Todos se conhecem. O Padre conhece o
nome e a história de cada um(a). No final da missa, ele faz
questão de acolher e apresentar os visitantes aos demais.
É aquela festa! Mas o ponto alto da comunidade é, sem dúvida nenhuma, a Eucaristia.
Se não fosse a Eucaristia, essa comunidade seria apenas um grupo de amigos,
um clube, onde pessoas se encontram apenas para conversar e se divertir. Mas a
Eucaristia faz desse grupo uma comunidade. Uma comunidade que reza, louva o Senhor,
suplica, chora suas dores, alivia seu cansaço. Uma comunidade que celebra com alegria
o casamento, o batizado, o aniversário de seus membros. Uma comunidade que se une
em oração com a família que perdeu um ente querido. Enfim, uma comunidade de amor
onde Cristo é o Senhor.
A celebração da Eucaristia deve levar as pessoas a fazerem uma experiência
forte de Deus. A Bíblia nos mostra que a experiência de Deus se faz em comunidade.
Junto com outras pessoas. É claro que onde há relações humanas, há atritos, brigas,
invejas. Mas surpreendentemente é nessas fraquezas que Deus gosta de se manifestar.
A comunidade é um espaço de oração fraterna. Fico triste, quando uma pessoa
me diz que não precisa ir à Igreja para falar com Deus, basta rezar sozinha em casa.
Concordo que a oração pessoal é importante, mas não basta. A oração comunitária é
necessária. Gosto de comparar essas pessoas a um passarinho de apenas uma asa. Ele
consegue viver, andar, se alimentar, mas vive uma vida rasteira. Não consegue fazer a
experiência extraordinária de todo passarinho que é voar, ver o mundo do alto, sentir o
vento, pousar em galhos firmes, fazer seu ninho em lugar tranqüilo, ou seja, o
passarinho de uma asa só vive pela metade. Por outro lado, o passarinho com suas duas
asas goza de todos os benefícios que a natureza lhe concede. Assim somos nós, quando
usamos somente a asa da oração pessoal. Vivemos. É possível até que Deus nos escute.
Mas se usarmos as duas asas, a da oração pessoal e da oração comunitária, voaremos
mais alto, descobriremos o amor de Cristo de uma forma especial: nos irmãos.
“Eles mostravam-se assíduos ao ensinamento dos apóstolos, à comunhão
fraterna, à fração do pão e às orações” (At 2,42).
15. 9 - Espírito de vida
“Através da comunhão do seu corpo e do seu
sangue, Cristo nos dá também seu Espírito”. Assim se
expressa João Paulo II no documento Ecclesia de
Eucharistia (n.17). Certamente que o dinamismo do
Espírito Santo está presente na Eucaristia. O Espírito,
que impulsiona a vida e anima nossa existência, se faz
‘corpo’ no corpo de Cristo. Na comunhão recebemos, pela
fé, o dom do Espírito Santo.
Jesus Cristo, antes de despedir-se dos seus
discípulos, anuncia a chegada e a presença do Espírito
Santo (At 1,6-11). Em cada celebração da Eucaristia essa
presença se faz real. Quem recebe Cristo, recebe também
seu Espírito. Muitas vezes esquecemos desse grande presente que Deus nos dá. Tão
necessário e central no nosso dia-a-dia.
O Espírito de Cristo renova, dinamiza e vivifica a nossa existência. A pessoa,
cheia do Espírito, é cheia de Deus, de Cristo. O seu semblante é vivo e alegre. Os seus
gestos falam de paz. Os seus olhos comunicam serenidade e esperança. Seu sorriso
cativa pela simplicidade. Todo seu corpo reflete o amor de Deus. Não é em vão que ele é
templo do Espírito Santo.
Ao comungar, pense nisso, esteja aberto(a) a ser transformado(a) pelo Espírito de
amor. Para que você possa transformar, de forma positiva, suas relações pessoais, sua
relação com o mundo e consigo mesmo. O Espírito dá vida, esperança, novo vigor. Faz
comprometer-nos com o próximo, com sua situação, com sua história. Dá-nos uma
sensibilidade fraterna, de querer bem, de estar junto, de caminhar numa mesma direção.
Ao comungar o corpo e o sangue de Cristo, recebemos o dom do Espírito.
“Todos os que são conduzidos pelo Espírito de Deus são filhos de Deus. Com
efeito, não recebestes um espírito de escravos, para recair no temor, mas recebestes um
espírito de filhos adotivos, pelo qual chamamos: Abba! Pai! O próprio Espírito se une ao
nosso espírito para testemunhar que somos filhos de Deus. E se somos filhos, somos
também herdeiros; herdeiros de Deus e co-herdeiros de Cristo, pois sofremos com ele para
também com ele sermos glorificados” (Rm 8,14-17).
16. 10 - Eucaristia e Família
Todos os domingos, numa paróquia de Brasília-DF,
encantava-me ver um casal com seis filhos participarem da
missa juntos. Os dois maiores cantavam e animavam a
liturgia, os menores sentavam ao lado dos pais e o
menorzinho brincava de subir nos bancos. Era interessante
ver a intensidade com que eles celebravam a Eucaristia. Eles
haviam entendido a importância de Cristo Eucarístico na
vida familiar. O casal conseguiu passar para os filhos que a
celebração dominical deveria ser central na vida deles. Eles
entenderam que a igreja também é a casa deles.
Eucaristia tem tudo a ver com família, com casa.
Jesus celebra a Última Ceia numa casa, como diz Marcos no
seu Evangelho: “... no andar superior, uma grande sala
arrumada com almofadas” (Mc 14,15). O Evangelista fala também que os discípulos
deveriam perguntar onde estava a sala ao dono da casa. Supõe-se que este dono da casa
tinha uma família. Outro dado importante é que Jesus celebrou a Páscoa Hebraica e,
como sabemos, essa festa sempre foi celebrada em âmbito familiar, portanto é bem
provável que estivessem presentes Maria, a mãe de Jesus, juntamente com outras
mulheres, pois segundo a tradição judaica são as mulheres que se encarregam dos
preparativos para a festa.
Não podemos esquecer também que as primeiras comunidades cristãs
celebravam a ‘fração do pão’ na domus, ou seja, na casa dos primeiros cristãos. Naquela
época ainda não havia igrejas, como temos hoje. A Eucaristia era celebrada no seio
familiar. Todos participavam, tanto os pais quanto os filhos. A ‘fração do pão’ era a festa
da casa, do aconchego, da partilha, da intimidade, da convivência e do amor fraterno.
Hoje, a Eucaristia continua tendo o mesmo significado: é a festa da casa, na
casa do Senhor, casa de todos. Que bom seria se todas as famílias descobrissem o
quanto é belo e importante participar da missa juntos. Fazer da igreja o andar superior
das suas casas. Que os filhos se sentissem em casa, na igreja. Que o amor do lar tivesse
o mesmo sabor do amor de Cristo.
“Então, do monte chamado das Oliveiras, voltaram a Jerusalém. A distância é
pequena: a de uma caminhada de sábado. Tendo entrado na cidade, subiram ao andar
superior, onde costumavam ficar. Eram Pedro e João, Tiago e André, Filipe e Tomé,
Bartolomeu e Mateus; Tiago, filho de Alfeu, e Simão, o Zeolota; e Judas, filho de Tiago.
Todos estes, unânimes, perseveravam na oração com algumas mulheres, entre as quais
Maria, a mãe de Jesus, e com os irmãos dele” (At 1,12-14).
17. 11 - Partilha é vida
Jesus partilhou sua vida com a humanidade, para
que a humanidade tivesse vida (Jo 10,10). Partilha é
sinônimo de vida. Nosso Senhor Jesus, durante a sua
existência terrena, compartilhou coisas boas com as
pessoas que o rodeavam. Partilhou esperança, amor,
ensinamento, amizade, curas, pão. Por fim, chegou ao
ápice da sua entrega, sacrificou sua própria vida para a
salvação do gênero humano. Foi no partir do pão que
Jesus revelou que sua vida seria dada, partilhada com
todos.
Naquela última quinta-feira da sua vida, Jesus
quis dizer para o mundo que o homem, a mulher, foram
feitos para a partilha. Pois é partilhando que nos
humanizamos. Cada um dá um pouco de si ao outro. A simples presença de uma pessoa
ao nosso lado já é uma forma de partilha. Essa é uma condição existencial do ser
humano. Compartilhamos continuamente palavras, apertos de mão, abraços, cultura,
histórias de vida e nos sentimos gente, aceitos(as), queridos(as), pessoa. E porque
fazemos esse inter-relacionamento, nos tornamos felizes e amados(as) por Deus.
É exatamente isso que aprendemos na Eucaristia. A comunidade eclesial que faz
do seu centro a Eucaristia deve ser transformada numa verdadeira escola de partilha.
Pensemos agora no ofertório das nossas missas. Nele oferecemos o pão e o vinho, que
serão transformados no corpo e sangue do nosso Senhor e depois partilhado com todos.
Oferecemos a nossa vida que será elevada e transformada juntamente com o pão e o
vinho. Somos convidados também a oferecer algo de material como gesto concreto de
compromisso com a comunidade. O ofertório é, portanto, a grande partilha de amor. Nós
nos oferecemos a Cristo juntamente com os dons, para que Cristo se ofereça a nós em
forma de vida e amor.
“Com efeito, eu mesmo recebi do Senhor o que vos transmito: na noite em que foi
entregue, o Senhor Jesus tomou o pão e, depois de dar graças, partiu-o e disse: ‘Isto é o
meu corpo, que é para vós; fazei isto em memória de mim’. Do mesmo modo, após a ceia,
também tomou o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a nova Aliança em meu sangue; todas as
vezes que dele beberdes, fazei-o em memória de mim”. Todas as vezes, pois, que comeis
desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,
23-26).
18. 12 - Círculo divino
Como sabemos, na liturgia hebraica, o sacerdote
do templo era aquele que oferecia em nome de todos, o
cordeiro sacrificado a Deus. É importante saber, também,
que com a centralização do culto os sacrifícios só poderiam
ser oferecidos no Templo de Jerusalém, ao qual somente o
sacerdote tinha acesso. Ao sacerdote era conferido o poder
de se apresentar diante de Deus para fazer as orações e
apresentar as ofertas. Um dos sacrifícios praticados se
chamava sacrifício expiatório, no qual se dava grande
importância ao sangue da vítima e era oferecido para
conseguir o perdão dos pecados.
Com Jesus Cristo, toda essa prática ganhou um
novo sentido e sofreu algumas modificações. Segundo São
João, Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo (Jo 1,29). Ainda de acordo com o Evangelista, Jesus morre na cruz na mesma
hora em que o cordeiro era degolado para o sacrifício pascal. Portanto, nosso Senhor é o
Cordeiro por excelência, o Cordeiro de Deus. O mais interessante é que Jesus é sacerdote
e vítima ao mesmo tempo. É aquele que oferece e é oferecido em expiação dos pecados da
humanidade. Jesus, como sumo Sacerdote, não oferece um animal, mas oferece a si
mesmo para a redenção do ser humano.
Por meio do batismo, nós, cristãos(ãs), fazemos parte do sacerdócio de Cristo.
Assim diz São Pedro: “Do mesmo modo, também vós, como pedras vivas, constituí-vos em
um edifício espiritual, dedicai-vos a um sacerdócio santo, a fim de oferecerdes sacrifícios
espirituais aceitáveis a Deus por Jesus Cristo”. (1Pd 2,5). Mais adiante complementa:
“Mas vós sois uma raça eleita, um sacerdócio real, uma nação santa...” (1Pd 2,9). Dessa
forma, todos nós somos sacerdotes alicerçados no sacerdócio de Cristo por meio do
batismo. Dentro do sacerdócio universal dos fiéis, temos o sacerdócio ministerial, que
corresponde ao ministro ordenado, com a função de celebrar o culto e oferecer os dons
em nome de todos.
Ontem, na aula de Moral Especial, o professor nos falou de uma dimensão muito
importante da nossa missa, a qual muitas vezes não damos valor porque não sabemos a
sua importância. Ele dizia que assim como Cristo é sacerdote e vítima, nós também
somos sacerdotes e vítimas. Cristo oferece a si mesmo como vítima e oferece a pessoa
batizada como vítima. Cada cristão deve aceitar isso, estar disposto a que Cristo o
ofereça. Por outro lado, a pessoa batizada, como sacerdote, oferece Cristo como vítima e
depois se oferece a si mesma como vítima. As vítimas são santificadas pelo Espírito
Santo e oferecidas ao Pai. Depois, no grande momento da comunhão, o Pai nos restitui
as vítimas, ou seja, as ofertas transformadas. Nós recebemos Cristo e, de certa forma,
recebemos também o nosso corpo transformado no corpo de Cristo. Somos cristificados,
santificados e sacramentalizados em Cristo Jesus. O Professor chama tudo isso de
Círculo Divino.
“Era já mais ou menos a hora sexta quando houve treva sobre a terra inteira até à
hora nona, tendo desaparecido o sol. O véu do Santuário rasgou-se ao meio, e Jesus deu
um grande grito: ‘Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito’. Dizendo isso, expirou” (Lc 23,
44-46).
19. 13 - Nosso corpo espiritualizado
Vivemos no nosso mundo ocidental um
verdadeiro culto ao corpo. Dietas e mais dietas aparecem
nas revistas e jornais para que as pessoas se submetam
a orientações rígidas a fim de entrarem nos padrões
estabelecidos de beleza. Outra característica do nosso
tempo é a auto-erotização do corpo, que deve passar
constantemente uma mensagem sexual. O erotismo
entrou de forma tão forte na vida de muitos
adolescentes, jovens e adultos que passou a ser um
estilo de vida. O corpo deve ser cuidado, mantido em
forma, retocado constantemente, para não sofrer
demasiadamente os efeitos do tempo. Com isso, quero
dizer que o corpo tem uma centralidade muito grande na
nossa cultura.
Certamente que essa maneira de conceber o
corpo não é totalmente errada. Realmente o corpo deve
ser valorizado, mas sem exageros. O corpo é tão
importante que Jesus Cristo quis dar seu corpo como
expressão máxima do seu amor. No Gólgota, seu corpo é crucificado e naquele primeiro
dia da semana, que habitualmente chamamos domingo, Cristo ressuscita com seu corpo
glorioso. Na Eucaristia celebramos essas verdades.
Jesus na sua vida terrena fez muitas coisas louváveis e interessantes, mas foi
por meio do seu corpo que Ele fez a coisa mais importante da sua missão: salvar o
mundo. Com isso, nosso Senhor nos ensina que nosso corpo está aí para fazer coisas
importantes. Para se relacionar com o mundo, fazer amizades, trabalhar, descansar,
acolher pessoas. Por outro lado, não podemos esquecer que é nosso espírito que mantém
o nosso corpo assim dinâmico. É impossível separar corpo e espírito, somos uma
unidade!
O corpo é templo do Espírito. Essa é uma verdade incontestável. Temos um
espírito corporeizado ou um corpo espiritualizado. Não existe dualismo, é uma coisa só.
Devemos aprender a expressar com o nosso corpo a vivacidade do espírito. Para isso,
devemos ter um cuidado especial também com o espírito. O grande pecado das pessoas
que exaltam o corpo é que esquecem do espírito.
É na Eucaristia que lembramos que nosso corpo é espiritualizado. Não é pura
matéria, é também espírito e precisa ser alimentado com alimento espiritual. Devemos
colocar nosso corpo ‘sobre o altar’, para se unir ao corpo de Cristo e ser transformado
pelo fogo do seu amor. No quotidiano, por meio dos nossos gestos, nosso corpo deve
evangelizar, falar de amor e de paz. Ao invés de gestos imorais, devemos habituar-nos
com gestos decentes que transmitam serenidade. Quando entendemos que na Eucaristia
temos a fonte de um ‘corpo saudável’, percebemos o quanto é pobre reduzir o nosso
corpo ao erotismo ou a padrões de beleza que passam como o vento.
“Não sabeis que os vossos corpos são membros de Cristo? Tomarei então os
membros de Cristo para fazê-los membros de uma prostituta? Por certo, não! Não sabeis
que aquele que se une a uma prostituta constitui com ela um só corpo? Pois está dito:
‘Serão dois em uma só carne’. Ao contrário, aquele que se une ao Senhor, constitui com ele
um só espírito” (1Cor 6,15-17).
20. 14 - Da morte à vida
Só começaremos a viver realmente, quando
aceitarmos pacificamente que um dia morreremos. Há
alguns anos, medito sobre essa questão existencial. A
morte dá sentido a nossa vida terrena como também é
a porta para uma outra vida. Vivo intensamente cada
vez que penso que um dia morrerei. Sem a morte, a
vida não teria sentido. Seria como um passeio sem
fim, em pouco tempo já não seria mais passeio e se
tornaria um tédio. Por outro lado, quando saímos
para passear e sabemos que dentro de poucos dias
voltaremos para casa, aproveitamos ao máximo o
passeio. Dessa forma, tanto o passeio é maravilhoso,
como o voltar para casa. Assim é a nossa vida, um
maravilhoso passeio, mas um dia terá seu fim e
voltaremos para a casa do Pai. Aceitar a morte é
aceitar esses dois momentos com alegria.
Aceitar a morte é aceitar também as nossas
pequenas mortes do dia a dia. Quantas pessoas sofrem porque são incapazes de aceitar
uma derrota, uma oportunidade perdida, um amor que não deu certo. Aceitar a morte é
aceitar que somos limitados, que não podemos tudo. Muitas pessoas se desesperam,
porque se sentem impotentes diante de um problema que gostariam de resolver. Aceitar
a morte é aceitar que nada neste mundo é absoluto. Muitos se angustiam porque não
podem se casar com a pessoa dos seus sonhos ou não podem morar na cidade tal, ou
não podem ter a profissão que sempre quiseram. Aceitar a morte é aceitar
tranqüilamente o envelhecimento do nosso corpo. Milhares de pessoas entram em pânico
quando se dão conta que seus corpos estão envelhecendo. Aceitar a morte é aceitar com
uma certa paz a morte de um ente querido. Quantos perderam o sentido da vida porque
perderam a pessoa que amavam. Aceitar a morte é aceitar a vida como ela é.
Na pedagogia da Eucaristia, vivemos o mistério da morte e da vida. Jesus na
Última Ceia, quando instituiu a Eucaristia, não celebrou um banquete de despedida.
Celebrou sua vida que se aproximava da morte. Nosso Senhor aceitou publicamente sua
morte para que a vida florescesse. Antes que alguém tirasse sua vida, Ele a entregou
para a salvação do mundo. Quando Jesus aceitou a morte, aceitou também todas as
conseqüências que essa decisão lhe traria. Por isso suportou todo sofrimento
pacificamente. Jesus era consciente de que, aceitando a morte, estava aceitando a vida;
aceitando a morte, estava aceitando a ressurreição.
Procuremos nas nossas celebrações viver esse mistério da morte e da vida. Na
consagração, cada vez que nos ajoelharmos, vivamos a nossa morte na morte de Cristo e,
cada vez que nos levantarmos, saboreemos a grandeza da ressurreição.
“Então Jesus lhes respondeu: ‘Em verdade, em verdade, vos digo: se não
comerdes a carne do Filho do Homem e não beberdes o seu sangue, não tereis a vida em
vós. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue tem vida eterna, e eu o ressuscitarei
no último dia. Pois a minha carne é verdadeiramente uma comida e o meu sangue é
verdadeiramente uma bebida. Quem come a minha carne e bebe o meu sangue permanece
em mim e eu nele” (Jo 6,53-56).
21. 15 - Sem o domingo não podemos viver
No tempo da minha adolescência e juventude vivi uma
experiência muito forte de Deus com meus amigos e amigas.
Fizemos juntos uma linda caminhada na Igreja. Encontrávamo-
nos praticamente todos os dias. Parece exagero, mas tínhamos
necessidade de nos ver, nos cumprimentar, nos amar. O
sábado era um dia especial para ler a Bíblia, rezar,
compartilhar nossas dúvidas e esperanças. Mas, sem dúvida
nenhuma, o dia mais esperado era o domingo. Ah! Aquelas
missas de domingo na catedral, como esquecer! Era o nosso
encontro com o Senhor na Eucaristia. Ali nos fortalecíamos e
nos tornávamos mais amigos, mais família. O Padre nos
conhecia muito bem. Sabia, quando um faltava, quando outro
chegava um pouco atrasado. Quando terminava a celebração,
íamos todos para frente da catedral conversar, nos querer bem, brincar. Era impossível
viver sem o domingo! Já fazia parte das nossas vidas.
Essa minha humilde experiência nos reporta ao ano 304 d.C., quando o
Imperador Deocleciano baixou um decreto proibindo os cristãos de lerem a Bíblia, de
construírem igrejas e o mais terrível, de se reunirem no domingo para celebrar a
Eucaristia. Numa pequena localidade da atual Tunísia, chamada Abitene, um grupo de
49 cristãos desafiou as ordens do Imperador e se reuniu na casa do senhor Otavio Feliz
para celebrar a Eucaristia. Era um domingo. De repente foram surpreendidos com a
presença dos soldados que os conduziram a Cartagine para serem interrogados pelo
Procônsul Anulino. No momento do interrogatório, ele perguntou aos 49 cristãos, por que
eles tinham desrespeitado as ordens do Imperador. Emerito tomou a palavra e
respondeu: Sine dominico non possumus, ou seja, sem o domingo não podemos viver.
Com isso ele queria dizer que sem a celebração dominical, o encontro com o Senhor, a
vida não tinha sentido. Logo depois, os 49 foram torturados violentamente e mortos.
Como sabemos, a palavra domingo significa “Dia do Senhor”. Quando fazemos
de Cristo o Senhor da nossa vida, também o seu dia passa a ser o nosso dia. O dia em
que a comundade se encontra para proclamar que Jesus é o Senhor. O dia em que
restabelecemos nossas forças e entramos em comunhão com Deus e com os irmãos e
irmãs. Quando entendemos isso, fica impossível viver sem o domingo. Para muitos o
domingo se tornou o dia da praia, o dia da cerveja, o dia do shopping. Mas nós cristãos
devemos continuar afirmando que o domingo é o dia do Senhor e que Sine dominico non
possumus.
“Passado o sábado, Maria Madalena e Maria, mãe de Tiago, e Salomé compraram
aromas para ir ungi-lo. De madrugada, no primeiro dia da semana, elas foram ao
túmulo ao nascer do sol (...) Tendo entrado no túmulo, elas viram um jovem sentado à
direita, vestido com uma túnica branca, e ficaram cheias de espanto. Ele, porém, lhe disse:
‘Não vos espanteis! Estais procurando Jesus de Nazaré, o Crucificado. Ressuscitou, não
está aqui” (Mc 16,1-2; 5-6).
22. 16 - A comunidade não termina com a bênção final
Ano passado, tive o privilégio de conhecer uma
simpática comunidade paroquial que fica numa das tantas
cidadezinhas italianas. Lá, o Pároco havia conseguido
realizar um bonito trabalho de conscientização sobre a
importância e o sentido da comunidade. Com esse
trabalho, a paróquia ganhou uma cara nova, os fiéis
ficaram mais comprometidos e entusiasmados, a auto-
estima era visível no rosto de cada um. Surpreendeu-me
muito o testemunho simples de uma paroquiana que dizia:
“Depois que entendemos o significado de nos reunir em
comunidade, o bom dia que damos uns aos outros passou a
ser diferente”. Ali, entendi que a força da comunidade se
estendia no dia a dia das pessoas. Os relacionamentos se tornaram mais estreitos e
verdadeiros. Os fiéis se sentiam comunidade na igreja e também na vida social.
Algo parecido acontecia nas primeiras comunidades cristãs. Os Atos dos
Apóstolos nos relata uma experiência extraordinária: “Todos os que tinham abraçado a fé
reuniam-se e punham tudo em comum: vendiam suas propriedades e bens, e dividiam-nos
entre todos, segundo a necessidade de cada um. Dia após dia, unânimes, mostravam-se
assíduos no Templo e partiam o pão pelas casas, tomando o alimento com alegria e
simplicidade de coração. Louvavam a Deus e gozavam da simpatia de todo o povo...” (At 2,
44-47). Eis que os primeiros cristãos nos dão um grande exemplo de como viver em
comunidade. Eram assíduos nas celebrações litúrgicas e ao mesmo tempo partiam o pão
pelas casas, ou seja, compartilhavam vida, esperanças, visitas e fraternidade pela
vizinhança.
Jesus Cristo institui a Eucaristia para ser celebrada em comunidade, para fazer
comunidade, para que os membros se tornassem um só corpo no corpo místico de
Cristo. Da mesma forma que a família se senta em torno a mesa para se sentir mais
família, assim também a comunidade cristã se senta em torno ao altar eucarístico para
se sentir mais comunidade. Deus age na vida das pessoas através da comunidade. Por
meio da experiência comunitária inserimo-nos no projeto de salvação de Deus para cada
um de nós. Por isso é tão sério esse tema de comunidade na vida da gente. É esforço
perdido buscar a salvação sozinho. Devemos buscá-la junto com outras pessoas. Na
comunidade, a medida que nos humanizamos, nos divinizamos e à medida que nos
divinizamos, nos humanizamos e nos salvamos.
“Vede: como é bom, como é agradável sentar-se todos juntos, como irmãos. É como
óleo fino sobre a cabeça, descendo pela barba, a barba de Aarão, descendo sobre a gola
de suas vestes. É como o orvalho do Hermon, descendo sobre o monte de Sião; porque aí
manda Iahweh a benção, a vida para sempre” (Sl 133).
23. 17 - Eucaristia e casais separados
Outro dia tive uma longa conversa com uma pessoa querida, que hoje vive
separada do marido. Ela compartilhava comigo sua
imensa tristeza de participar da missa e não poder
comungar do corpo de Cristo. Dizia-me também que se
sentia mal cada vez que ouvia aquele trecho de São João
que diz: “Quem come a minha carne e bebe o meu sangue
tem vida eterna, e eu o ressuscitarei no último dia” (Jo 6,
54).
Diante dessas palavras, senti-me comovido e
procurei ajudá-la. Disse, em primeiro lugar, que ela
ficasse tranqüila, pois Cristo está presente em toda a
Missa. Está presente, por exemplo, além do pão e do
vinho, na Palavra, ou seja, nas leituras, no Evangelho e na própria comunidade. Vejamos
o que diz a própria Igreja sobre isso: “Pois nas leituras explanadas pela homilia Deus fala
ao seu povo, revela o mistério da redenção e da salvação, e oferece alimento espiritual; e o
próprio Cristo, por sua palavra, se acha presente no meio dos fiéis” (Instrução Geral ao
Missal Romano). Na Sacrosanctum Concilium, documento do Concílio Vaticano II, a Igreja
se expressa de forma ainda mais clara, vejamos: “Para realizar tão grande obra, Cristo
está sempre presente na sua igreja, especialmente nas ações litúrgicas. Está presente no
sacrifício da Missa, quer na pessoa do ministro – “O que se oferece agora pelo ministério
sacerdotal é o mesmo que se ofereceu na Cruz” (20) - quer e sobretudo sob as espécies
eucarísticas. (...). Está presente na sua palavra, pois é Ele que fala ao ser lida na Igreja a
Sagrada Escritura. Está presente, enfim, quando a Igreja reza e canta, Ele que prometeu:
‘Onde estiverem dois ou três reunidos em meu nome, Eu estou no meio deles” (Mt 18,20)
(Sacrosanctum Concilium 7)”. Portanto, se Cristo está presente na Palavra e na
comunidade celebrante, e se nós com os nossos ouvidos atentos ouvimos com veneração
o que Deus tem a nos dizer e participamos ativamente da sua Igreja, estaremos
certamente entrando em comunhão com Cristo. Entre outras coisas, disse-lhe também,
que ela procurasse viver a partilha, pois vivendo a partilha estaria vivendo a Eucaristia.
Uma semana depois, recebi um e-mail dessa pessoa. Sua experiência me
emocionou muito. Estas foram suas palavras: “... eu fui à missa quinta-feira, foi dia de
Nossa Senhora da Conceição, e pela primeira vez consegui comungar da Palavra, não foi
fácil, mas me concentrei, ajoelhei e pedi que Deus me acolhesse naquele momento, pois aí
senti um arrepio tão forte, uma vontade de chorar, mas me contive, esperei a B. comungar
e como faço sempre, coloquei minhas mãos sobre a cabeça dela e pedi que Nossa Senhora
nunca deixasse minha filha cometer o mesmo erro que eu, e que ela sempre pudesse
participar desse momento tão especial para nós católicos.”.
Creio que esse testemunho dispensa conclusão. Só quero que as pessoas
separadas e aquelas de segunda união saibam que Deus ama e abraça a todas com
ternura e amor. Não é intenção da Igreja julgar ou excluir ninguém, pelo contrário, a
Igreja é Mãe: há lugar para todos. Por outro lado, cada caso é um caso, não podemos
generalizar e não seremos nós a julgar a conciência dos nossos irmãos e irmãs.
Independentemente da nossa situação, somos filhos de um mesmo Pai, amoroso e
misericordioso, estamos reunidos num mesmo Espírito e somos membros de um mesmo
corpo.
“Com efeito, o corpo é um e, não obstante, tem muitos membros, mas todos os
membros do corpo, apesar de serem muitos, formam um só corpo. Assim também acontece
com Cristo. Pois fomos todos batizados num só Espírito para ser um só corpo, judeus e
gregos, escravos e livres, e todos bebemos de um só Espírito” (1Cor 12,12-13).
24. 18 - Maria: no seu corpo, o corpo de Cristo
Maria que teve a graça de ter o corpo de Cristo no
seu corpo indica-nos que também nós somos dignos de
receber o corpo eucarístico de Cristo no nosso corpo.
Maria foi a escolhida entre milhares de mulheres para
gerar o Filho de Deus. Do corpo franzino da Menina de
Nazaré o Verbo se fez carne. A infinitude do Deus-Infinito
fez morada na finitude corporal de uma mulher. Mais
uma vez a onipotência do Pai se manifesta na fragilidade
humana. Maria, a mulher-débil traz consigo o corpo-
poderoso do Salvador do mundo. Nós, na nossa
fragilidade, temos a capacidade de participar da fortaleza
contida na Eucaristia.
Eis o mistério que Maria, nossa mãe, nos ajuda a
viver: seres limitados capazes de mergulhar, ainda nesta
vida, na glória ilimitada de Deus. Como vemos no canto
do Magnificat, Maria reconhece sua pequenez, mas ao
mesmo tempo se dá conta das maravilhas que Deus opera
na sua vida: “Minha alma engrandece o Senhor, e meu
espírito exulta em Deus meu Salvador, porque olhou para a
humildade da sua serva. Sim! Doravante as gerações todas me chamarão de bem-
aventurada, pois o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor...” (Lc 1, 46-49). Com
esse testemunho temos a certeza de que Deus pode realizar coisas magníficas nas nossas
vidas. Somos pequenos sim, mas grandes o bastante para que Deus faça morada em nós
e encha nossa fraqueza com seu poder.
Maria, a mulher que gerou o Homem-Deus, possibilitou que a humanidade
decaída se reerguesse no Cristo morto e ressuscitado. Cada vez que celebramos a
Eucaristia, revivemos e reafirmamos essa verdade. A Mãe de Jesus que esteve sempre ao
seu lado, do começo ao fim, da concepção à cruz, da ressurreição à ascensão, está
também ao nosso lado nas celebrações eucarísticas nas nossas comunidades.
Maria se fez santa tendo o corpo santo de Jesus no seu corpo. Deus a escolheu
para essa missão. Hoje, somos nós os escolhidos para que por meio da Eucaristia
tenhamos o corpo de Cristo no nosso corpo. Tendo o corpo de Cristo, entramos em
comunhão com Deus, com Maria, com a comunidade dos nossos irmãos falecidos, com
os anjos e santos e com nossos semelhantes. Formamos um só corpo no corpo de Cristo.
“O Anjo, porém, acrescentou: ‘Não temas, Maria! Encontraste graça junto de Deus.
Eis que conceberás no teu seio e darás à luz um filho, e tu o chamarás com o nome de
Jesus” (Lc 1,30-31).
25. 19 - Uma experiência pessoal, mas universal
No dia 17 de outubro de 2004, tive a felicidade de participar da Missa de
abertura do Ano da Eucaristia, presidida pelo Papa João Paulo II. Foi um domingo muito
especial. Todos nós no convento estávamos animados para participar dessa santa
Eucaristia. Colocamos os nossos hábitos e seguimos para a Basílica São Pedro no
Vaticano. Chegando lá, nos deparamos com uma bonita multidão que esperava a hora da
entrada. Nós, sem esperar muito, nos inserimos no meio do povo.
Não tardou e começaram a aparecer os nossos amigos e amigas da Universidade.
De longe avistei Francesco que nos acenava com um acolhedor sorriso. Nos vários
ângulos da Praça começamos a perceber mais amigos, todos contentes por aquele dia. Já
na Basílica, depois de alguns minutos, vimos Ir. Sofia que, com sua sensibilidade de
mulher, demonstra sua surpresa em rever-nos. Em seguida, aproxima-se de mim,
Michele, um amigo suíço que me cumprimenta com um fraterno aperto de mão. Logo,
dei-me conta que estava cercado de amigos e amigas, ou melhor, de irmãos e irmãs.
Outra coisa que me chamou muito a atenção foi a presença de pessoas de vários
países. Escutava-se uma variedade imensa de línguas. Ao meu lado esquerdo estava um
grupo de jovens alemães que ansiosos esperavam a entrada do Santo Padre; ao meu lado
direito, estava um grupo de senhoras italianas que, enquanto aguardavam o início da
Missa, rezavam o rosário; à minha frente havia um casal de franceses que demonstravam
muito afeto um para com o outro. A Missa foi celebrada em italiano e em latim, muitos
certamente não compreendiam, mas quando o pão e o vinho foram levantados, nessa
hora, uma só língua nos unia: Cristo que se dava inteiramente por todos e a cada um de
nós.
Creio ter vivido mais uma Eucaristia inesquecível. Aprendi que participar da
Eucaristia é entrar em comunhão com Cristo e conseqüentemente com os irmãos e
irmãs. Não se pode participar da Missa sem saber quem é a pessoa que está ao nosso
lado, de onde veio. Aprendi que a Eucaristia é universal. Une muitos povos, línguas,
hábitos e costumes. Sempre que participamos de uma Missa, no lugar mais longínquo
que seja, lá está presente Cristo, lá está presente a Igreja Católica. Aprendi que o
Domingo, dia do Senhor, deve ser sempre especial. Devemos colocar a melhor roupa e
saber que a Eucaristia começa já do lado de fora da Igreja, dando-se conta da presença
de cada um(a) que veio celebrar conosco o grande Mistério.
“Falo a vós como pessoas sensatas; julgai vós mesmos o que digo. O cálice de
benção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo? O pão que partimos não
é comunhão com o Corpo de Cristo? Já que há um único pão, nós, embora muitos, somos
um só corpo, visto que todos participamos desse único pão” (1Cor 10,14-17).
26. 20 - Para não dizerem que não falei da mesa
A estrutura da nossa missa é formada por duas
partes: a Liturgia da Palavra e a Liturgia Eucarística. Estes
dois momentos acontecem em duas mesas: na mesa da
Palavra e na mesa da Eucaristia, que liturgicamente
chamamos de Ambão e Altar. Toda a celebração litúrgica
gira em torno desses dois pólos. Para compreendermos a
missa, temos que compreender o sentido e a importância
dessas duas mesas.
Da primeira mesa, é o próprio Deus que fala ao
seu povo por meio da Sagrada Escritura e do leitor. Essa é,
portanto, a Liturgia da Palavra que tem como finalidade,
nos transformar em pessoas novas para que estejamos
preparados para o segundo momento, ou seja, para a
Liturgia Eucarística, que acontece na segunda mesa. Nessa, é o sacerdote que fala e
dessa forma se dirige, em nome do povo, a Deus e pede que Ele transforme os dons do
pão e do vinho, em corpo e sangue do Senhor, para que sejamos alimentados e
transformados num só corpo por meio da comunhão com Cristo. O povo, no amém final,
diz que é totalmente de acordo com o que o sacerdote disse na Oração Eucarística.
Como vemos, o Rito Romano, é muito simples e muito rico, pois é fiel às
primeiras comunidades cristãs. Sabemos que os primeiros cristãos, antes de celebrar a
Ceia do Senhor, escutavam a Palavra de Deus e certamente escutavam também os ditos
e feitos de Jesus. Passaram-se dois mil anos. A liturgia passou por algumas evoluções,
mas os dois momentos foram preservados até os nossos dias. A Igreja sabiamente
transmitiu de geração em geração essa riqueza espiritual.
Cada vez que participarmos da missa estejamos conscientes do que estamos
celebrando. A primeira coisa a fazer é abrir o nosso coração para acolher o que Deus tem
para nos dizer por meio da sua Palavra. Depois devemos acompanhar com atenção o
oferecimento do pão e do vinho e a petição do sacerdote ao Pai para que estes dons sejam
transformados no corpo e sangue do Senhor. A mesma Palavra que escutamos no início
será a mesma Palavra que operará esse milagre para nós.
Eis, portanto, a grandeza e a importância da mesa na nossa celebração. Como
vimos antes, a mesa é lugar de encontro e partilha, de amor e fraternidade. Na primeira
mesa, partilhamos a Palavra de Deus. Na segunda mesa, partilhamos o corpo de Cristo.
Ambos momentos estão intimamente ligados, formam um único ato de louvor e
agradecimento a Deus. Em torno às duas mesas, somos um só povo em Cristo Jesus.
“E tomou um pão, deu graças, partiu e distribuiu-o a eles, dizendo: ‘Isto é o meu
corpo que será dado por vós. Fazei isto em minha memória’. E, depois de comer, fez o
mesmo com o cálice, dizendo: ‘Este cálice é a Nova Aliança em meu sangue, que será
derramado em favor de vós” (Lc 22, 19-20).
27. 21 – Eucaristia: luz para as contradições humanas
A nossa condição humana é cheia de contradições.
Temos dentro de nós uma voz que nos convida para o bem e
uma outra voz que nos empurra para o mal. A voz que nos
conduz à perdição insiste em falar mais alto e em ser mais
sedutora. Nós, como seres frágeis e muitas vezes sem uma
vida espiritual sólida, caímos facilmente nas ciladas do
inimigo. Essa realidade nos impede de sermos
verdadeiros(as), autênticos(as) e felizes.
Jesus Cristo, o Verbo de Deus que se fez homem,
conheceu profundamente essa condição contraditória do
homem. Tanto que se lermos com atenção a narração da
instituição da Eucaristia nos quatro evangelhos, nos
daremos conta que Jesus celebrou a Última Ceia em meio a
duas terríveis traições e a grandes contradições. A primeira,
a traição de Judas, anunciada pelo próprio Jesus diante dos demais discípulos e a
segunda, a negação de Pedro, também prevista por Jesus. Dois discípulos que sempre
prometeram fidelidade ao seu Senhor, mesmo assim, exatamente no momento mais
delicado da sua vida, são os primeiros a traírem a confiança do amigo.
O Evangelista Lucas nos relata dois outros episódios que também estão no
contexto da instituição da Eucaristia e que mostram claramente a miséria humana. O
primeiro é Lc 22,2 onde diz: “...E os chefes dos sacerdotes e os escribas procuravam de
que modo eliminá-lo, pois temiam o povo”. Aqueles que eram os representantes da Palavra
de Deus procuravam eliminar um inocente. O segundo episódio está em Lc 22, 24:
“...Houve também uma discussão entre eles: qual será o maior?” Jesus estava prestes a
ser crucificado e os seus discípulos caíram na tentação de discutir sobre quem seria o
maior entre eles, justo diante do Mestre que havia ensinado a igualdade, o serviço e a
humildade.
No meio de toda essa escuridão, Jesus acende uma luz instituindo a Eucaristia.
Entre tanta desgraça e contradições: a traição de Judas, a negação de Pedro, a
perseguição dos chefes dos sacerdotes e escribas e a questão de quem seria o maior,
Jesus dá uma única resposta: seu corpo e seu sangue como fonte de verdade e como
redenção a essa condição decaída do ser humano.
Cada vez que participarmos da Santa Missa, recordemos que a Eucaristia é a voz
que nos leva ao bem, é a resposta amorosa de Jesus às nossas traições, negações,
infidelidades, egoísmos... Dessa forma somos conduzidos a uma vida coerente, humilde,
verdadeira... Somos conduzidos a Deus.
“Ora, não quero que entreis em comunhão com os demônios. Não podeis beber o
cálice do Senhor e o cálice dos demônios. Não podeis participar da mesa do Senhor e da
mesa dos demônios. Ou queremos provocar o ciúme do Senhor? Seríamos mais fortes do
que ele? (1Cor 10, 20b-22).
28. 22 - A Primeira Comunhão
Quem não se recorda do dia da sua primeira
comunhão, do primeiro encontro com Cristo eucarístico!
Tudo tinha um toque de mistério, nos perguntávamos:
como será? Que sabor sentirei? Que coisa mudará na
minha vida? Ficarei nervoso? Estou realmente preparado
para receber o corpo e sangue de Jesus? Éramos
crianças, mas de uma forma ou de outra estas questões
vinham à nossa cabeça, justamente por causa da
importância que dávamos a esse momento.
E hoje, depois que nos tornamos jovens ou
adultos, continuamos a experimentar a Eucaristia como
mistério? Perguntamos se realmente estamos
preparados, se mudará algo na nossa vida? Que sabor sentiremos? Qual a relação temos
hoje com a Eucaristia? É um ato litúrgico a mais ou é verdadeiramente o centro da nossa
vida?
Não digo que devemos voltar a ser como crianças, mas devemos resgatar vários
elementos desse tempo. Sobretudo a inocência e a confiança diante do mistério. A
importância que demos a Eucaristia na nossa primeira comunhão deve ser resgatada
cada vez que nos aproximarmos da mesa eucarística para comungar. Aquela sensação de
expectativa e respeito que sentimos na primeira vez que recebemos Cristo deve voltar a
fazer parte da nossa vida.
Cada Eucaristia que celebramos deve ser como se fosse a nossa primeira
comunhão. Uma experiência passada, mas sempre nova. Jesus Cristo se entregou por
cada um de nós há dois mil anos, porém em cada celebração eucarística Ele se dá de
novo sacramentalmente. Por isso a Eucaristia é a atualização daquele Evento redentor
operado por Cristo Senhor na Última Ceia. Façamos da Eucaristia a nossa eterna
primeira comunhão, voltemos a ser pequenos diante do grande mistério.
“Traziam-lhe crianças para que as tocasse, mas os discípulos as repreendiam.
Vendo isso, Jesus ficou indignado e disse: ‘Deixai as crianças virem a mim. Não as
impeçais, pois delas é o Reino de Deus. Em verdade vos digo: aquele que não receber o
Reino de Deus como uma criança, não entrará nele’. Então, abraçando-as, abençoou-as,
impondo as mãos sobre elas” (Mc 10,13-16).
29. 23 - Minha vocação, minha vida
Sou um frade mercedário, faço parte da Ordem
de Nossa Senhora das Mercês, fundada em 1218 por
são Pedro Nolasco, na Espanha. A nossa missão é
visitar e libertar o ser humano de qualquer forma de
escravidão. Somos chamados, se necessário for, a
darmos a vida para que tal libertação aconteça. É
portanto uma missão difícil que implica risco e
heroísmo. Do século XIII ao século XV, muitos de
nossos confrades deram a vida em prol da liberdade de
milhares cristãos feitos escravos pelos muçulmanos. E
também hoje, com as novas formas de escravidão,
seguimos lutando para que o homem tenha sua
dignidade respeitada.
Se você me perguntar onde esses nossos
irmãos encontraram coragem para chegar a esse extremo de arriscar a vida na libertação
de cristãos e onde nós, hoje, encontramos força para continuarmos acreditando e vendo
sentido nessa missão, a resposta é uma só: na Eucaristia. É na Eucaristia que
alimentamos a esperança, a fraternidade e o desejo de liberdade. É na Eucaristia que
entendemos que Jesus é a visita de Deus que liberta o homem da escravidão do pecado.
Nós, mercedários e mercedárias, somos chamados a continuar essa missão de Jesus no
mundo. Dessa forma, é na Eucaristia que buscamos a possibilidade de nos sentirmos
mais irmãos, confrades, amigos e promotores de liberdade numa realidade cheia de
adversidades e novas formas de cativeiro.
Temos três personagens importantes na nossa Família Mercedária que nos
animam nessa missão, justamente porque são conhecidos como santos da Eucaristia. O
Primeiro é São Raimundo Nonato, mercedário do século XIII. O segundo personagem é
uma leiga mercedária chamada Beata Mariana de Jesus, do século XVI. O terceiro é o
venerável Juan Falconi, século XVII. Eles entenderam desde cedo que a Eucarístia,
compreendida a partir da figura do Cristo Redentor, estava no centro da vocação de cada
mercedário. Esses três religiosos nos recordam que também hoje a missão dos
mercedários e das mercedárias tem como estímulo e fonte de espiritualidade a
Eucaristia, que nos anima a vivermos com fidelidade, o carisma de nosso Pai São Pedro
Nolasco.
Eis, portanto, a minha vocação e minha vida, como é também a vocação de
muitos leigos, religiosos e religiosas. Somos impulsionados pelo Cristo Redendor a
sermos sinal de libertação no mundo, tendo como fonte inesgotável a Eucaristia.
“O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me
a anunciar a boa nova aos pobres, a curar os quebrantados de coração e proclamar a
liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos...” (Is 61,1).
30. 24 - O antes e o depois da Missa
Cada detalhe na preparação da Missa é uma
ação de graças a Deus. O abrir as portas da Igreja. O
tocar os sinos. A preparação do altar e dos objetos
litúrgicos. O acender as velas. A distribuição das
leituras. O ensaio dos cantos. A entrega dos folhetos
para os fiéis. Cada pessoa responsável por essas
funções está exercendo o seu sacerdócio de povo de
Deus, pois oferece um pouco do seu tempo para o
Senhor e para a comunidade, para que na hora da
Missa esteja tudo pronto para que o sacerdote, junto
com o Povo de Deus, celebre o Santo Sacrifício.
Como vemos, a celebração da Eucaristia é a
festa da comunidade, preparada pela comunidade para
a comunidade. Todos são envolvidos num único
mistério. As funções são várias e diversificadas, mas uma só finalidade: celebrar a
Páscoa do Senhor.
É necessário compreender a importância e a sacralidade de cada um desses
serviços. Tudo deve ser feito para que o Senhor apareça e seja glorificado o seu nome,
evitando todo tipo de exibicionismo pessoal. Deve-se ter uma postura humilde e espírito
serviçal. É um trabalho gratuito feito com amor e dedicação.
Terminada a Missa, deve-se recolher os folhetos. Guardar os instrumentos
musicais. Levar o livro das leituras (Lecionário) para a Sacristia. Apagar as velas.
Reorganizar o altar e guardar os objetos litúrgicos. Depois que todo o povo saiu, é hora
de fechar as portas e esperar um novo dia para repetir todos os gestos novamente.
Muitas vezes participamos da Missa e não nos damos conta desses detalhes.
Mas é importante saber que há sempre um grupo de pessoas que se doa para que
possamos ter a celebração Eucarística diariamente nas nossas igrejas. Quando eu fazia
parte da equipe litúrgica da minha Paróquia, o nosso Pároco nos dizia que a função do
sacerdote na Missa é a de celebrar o Mistério Pascal e a comunidade deve se preocupar
com os demais detalhes. Dessa forma, o sacerdote faz sua parte e a comunidade faz a
sua. Certamente que no fundo é um só serviço. Todos unidos num só mistério. Em graus
diferentes, porém cada um exerce seu sacerdócio em Cristo.
“Portanto, quer comais, quer bebais, quer façais qualquer outra coisa, fazei tudo
para a glória de Deus... assim como eu mesmo me esforço por agradar a todos em todas as
coisas, não procurando os meus interesses pessoais, mas os do maior número, a fim de
que sejam salvos” (1Cor 10,31;33).
31. 25 - Na Eucaristia: o Senhor
A Eucaristia é fonte de água viva. É vida, é
ressurreição. Nela temos Cristo, amor e perdão. A Eucaristia
é aliança e reconciliação.
Na Eucaristia buscamos paz e harmonia, um sentido
para o dia-a-dia. Na Eucaristia temos o remédio para o
espírito enfraquecido. É o próprio Cristo que vem em nosso
auxílio, animando-nos, dando-nos um amor não merecido.
A Eucarístia nos faz irmãos e irmãs, nos faz
comunidade, compromisso que exige igualdade. Realidade
que anuncia justiça e fraternidade.
O pobre e o rico, o patrão e o empregado, o velho e a
criança, todos convidados a comungar da mesma mesa e do
mesmo pão, sem diferenças e sem classes.
A Eucaristia é luz para o caminho. Alegria para os
infelizes. Alento para os que choram. Força para os fracos.
A Eucaristia é partilha. Pão repartido, vinho
compartilhado. Fome e sede saciadas. Vidas resgatadas.
Na Eucaristia, a comunhão com Deus e com os
nossos semelhantes. Comunhão de amor, de amigos entre amigos, de Jesus com a
humanidade.
A Eucaristia é profecia. Em favor dos pobres e desfavorecidos. Profecia que
denuncia a guerra, diz não à violência e à dominação. Profecia que anuncia um reino de
justiça e concórdia.
Na Eucaristia, divindade e humanidade se encontram. Céu e terra se tocam.
Cristo, o Homem-Deus, faz morada no homem-pecador. O humano se reconcilia com o
divino.
A Eucaristia é alimento e sustento. Durante a semana nos enfraquecemos. É no
domingo ou em qualquer outro dia da semana recompomos nossas forças e energias, na
participação comunitária da Eucaristia.
Na Eucaristia: a esperança. Esperança de um mundo novo. Vida nova.
Esperança que o mundo melhore e acredite em Deus. Esperança na unidade: cristão com
cristão e cristãos com outras religiões.
Acima de tudo, na Eucaristia: o Senhor. Eis o único motivo pelo qual
comungamos. Tudo o mais vem por acréscimo, por graça de Deus. Aproximamo-nos da
Eucaristia para nos encontrarmos com o Senhor. Para entrarmos em comunhão com Ele.
Queremos intimidade com Deus. Não buscamos interesses pessoais ou vantagens
terrenas. Queremos experimentar Deus. Só Ele basta. O Senhor na sua infinita bondade
provê aquilo que temos necessidade para sermos felizes.
“Buscai, em primeiro lugar, o Reino de Deus e a sua justiça, e todas essas coisas
vos serão acrescentadas. Não vos preocupeis, portanto, com o dia de amanhã, pois o dia
de amanhã se preocupará consigo mesmo...” (Mt 6,33-34).
32. 26 - Eucaristia e serviço
O Evangelista João coloca o lava-pés no contexto da
Última Ceia. Assim lemos em Jo 13, 2-4: “Durante a ceia...,
(Jesus) levanta-se da mesa, depõe o manto e tomando uma
toalha, cinge-se com ela. Depois coloca água numa bacia e
começa a lavar os pés dos discípulos e a enxugá-los com a
toalha com que estava cingido.” Como sabemos, na tradição
semita, o lava-pés era um afazer reservado aos escravos. Só
eles poderiam submeter-se a tal humilhação. No entanto,
Jesus, sendo Ele o Senhor, diante dos seus discípulos, com
o gesto do lava-pés se faz escravo, ou seja, servo de todos.
Dessa forma, entendemos a reação de Pedro que diz:
“Senhor, tu, lavar-me os pés?!”
Realmente com esse gesto Jesus cumpre um ato
extraordinário: torna-se servidor dos seus servos. Mas por
que Jesus esperou a Última Ceia para fazer tal ação? O que
Ele queria ensinar aos seus discípulos, fazendo-se escravo?
A resposta é o próprio Jesus que a dá. Depois que lavou os pés de todos, Ele retorna à
mesa e diz: “Compreendeis o que vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor e dizeis
bem, pois eu o sou. Portanto, se eu, o Mestre e Senhor, vos lavo os pés, também deveis
lavar-vos os pés uns aos outros. Dei-vos o exemplo para que como eu vos fiz, também vós o
façais”. (Jo 13, 12-15). Jesus ensinou muitas coisas aos seus discípulos, inclusive já
havia falado de serviço e de fazer-se o menor entre os demais. Mas como a Última Ceia
era o último momento que Jesus teria com eles antes de ser crucificado, o Mestre quis
enfatizar um dos ensinamentos mais importantes para quem quisesse ser seu seguidor.
Portanto, com aquele gesto surpreendente e inesperado do lava-pés, o Senhor diz aos
seus discípulos que de agora em diante eles deveriam ser servidores, deveriam doar a
própria vida pelos demais.
Nesse mesmo dia do lava-pés, Jesus institui a Eucaristia. Quando Ele consagra
o pão e o vinho, dizendo que era seu corpo e sangue que seriam entregues pela remissão
dos pecados, o “Servo Sofredor” se doa totalmente à humanidade. O Senhor se faz servo
do gênero humano, para que cada homem e cada mulher, redentos em Cristo, se
tornassem servo dos seus semelhentes.
Ainda hoje, na nossa tradição litúrgica, conservamos o gesto do lava-pés,
realizado na quinta-feira santa, para que não esqueçamos que Eucaristia tem a ver com
serviço. Que Cristo continua se doando no pão e no vinho para que sejamos livres e
servos um dos outros. Que o Mestre, o Senhor, continua a lavar os nossos pés, para que
aprendamos que o(a) verdadeiro(a) seguidor(a) de Cristo é aquele(a) que sabe ser
servidor(a).
Em cada Eucaristia, recordemos o gesto do lava-pés e, ao comungarmos,
assumamos o compromisso do serviço.
“Nós, os fortes, devemos carregar as debilidades dos fracos e não buscar a nossa
própria satisfação. Cada um de nós procure agradar ao próximo, em vista do bem, para
edificar. Pois também Cristo não buscou a sua própria satisfação, mas, conforme está
escrito: Os insultos dos que te injuriaram caíram sobre mim” (Rom 15,1-3).
33. 27 - Eu e o Senhor na Eucaristia
Como já mencionei antes, sempre participei
ativamente da comunidade. Na minha Paróquia, entre
outras coisas, colaborava com a aquipe de liturgia da
missa dominical. Juntamente com meus amigos e
amigas do grupo juvenil, formávamos essa equipe.
Tínhamos que chegar sempre um pouco mais cedo para
organizar os leitores, distribuir os livrinhos de canto,
preparar os comentários e a procissão das oferendas.
Procurei sempre fazer esse serviço com zelo,
disponibilidade e entusiasmo. Um certo domingo
encontrava-me triste, angustiado e abatido. Tão mal
comigo mesmo que eu não queria que meus amigos me
vissem daquele jeito. Pois sempre procurei ser uma
presença alegre no meio deles.
A única pessoa que eu queria encontrar
naquele dia era com o Senhor. Para evitar de encontrar meus amigos, entrei por outra
porta e fui para o outro lado da igreja. Queria, na minha intimidade e solidão, abrir meu
coração para Deus e que Ele estivesse próximo de mim naquele momento difícil. Eu
sentia medo, por isso eu buscava amparo no Senhor. Eu confiava no Jesus que acalmou
a água e o vento enquanto os discípulos estavam aflitos (cf. Lc 8, 22-24). No Jesus que
caminhou sobre as águas e disse aos seus discípulos atormentados: “Tende confiança.
Sou eu. Não tenhais medo”. (Mt 6, 50).
Acima de tudo, eu acreditava na presença real de Jesus na Eucaristia. Por isso
eu estava ali, para ter um encontro pessoal com Cristo. Com Ele eu não tinha vergonha
de apresentar-me como eu era, como me encontrava naquele momento. Buscava sua
misericórdia e consolo. Na comunhão, queria alimentar-me com um pouco de ânimo e
paz, para assim, voltar a encontrar-me com meus amigos e amigas e ser a presença
alegre que sempre fui no meio deles.
No domingo seguinte, estava eu novamente distribuindo os livrinhos de canto e
naquele dia, cabia a mim, fazer o comentário inicial da celebração. Como sempre, dei
calorosas boas-vindas aos fiéis e os convidei a confiar sempre no Senhor presente na
Eucaristia, a participar da Santa Missa com o coração aberto e disponível para dialogar
com Deus. Meus amigos nunca souberam o porquê da minha ausência do domingo
anterior...
“Iahweh é meu pastor, nada me falta. Em verdes pastagens me faz repousar.
Para águas tranqüilas me conduz e restaura minhas forças; ele me guia por caminhos
justos, por causa do seu nome” (Sl 23,1-3).
34. 28 - Eucaristia: compromisso de homens e de mulheres
Outro dia, participei de uma missa
dominical numa cidadezinha no sul da Itália. Era
uma Igreja grande e espaçosa. Estava
completamente cheia de fiéis. Tinha uma boa
quantidade de crianças, que entusiasmadas
cantavam, mas as mulheres eram a grande maioria.
Surpreendentemente havia apenas uma meia dúzia
de homens, uns três sentados nos últimos bancos e
alguns outros em pé perto da porta de saída.
Aquela cena chamou-me a atenção. Em
primeiro lugar interrogava-me: onde estão os
homens desta cidade? Essas mulheres não têm
maridos? Essas crianças não têm pais? O que fazem
os homens numa manhã de domingo que não
podem vir à igreja? Em segundo lugar, não era para eu estranhar tanto, pois no meu
País, o Brasil, acontece a mesma coisa. As nossas igrejas estão sempre cheias e a imensa
maioria são mulheres. Graças a Deus que as mulheres mantêm essa fé viva e
comprometida. Mas, e os homens? Não têm fé? Não precisam ir à igreja? Não necessitam
escutar a Palavra e ter um encontro pessoal com o Senhor?
Sabemos por meio da Bíblia e de forma especial pelo Novo Testamento, que as
mulheres desempenharam um papel decisivo na história da salvação e tiveram uma
presença significativa na trajetória da vida pública de Jesus. Elas acompanharam o
Mestre como seguidoras e discípulas. Foram elas que estiveram ao lado de Jesus no
momento da sua crucificação. Essas mesmas mulheres foram as primeiras a
testemunharem a ressurreição do Senhor. Quando os apóstolos se reuniam para orar,
elas também estavam presentes, inclusive Maria, a mãe de Jesus.
Como vemos, as mulheres desde o tempo de Jesus e atravessando os séculos,
sempre fizeram a sua parte. Estiveram sempre com o Senhor Jesus, e hoje, de forma
particular por meio da Eucaristia. E nós homens? Por que nesses últimos anos estamos
nos afastando da Igreja de Cristo? Também nós tivemos uma presença central no projeto
de amor de Deus. Jesus Cristo convocou doze apóstolos, doze homens para segui-lo mais
de perto. Deu as chaves da Igreja a Pedro. Fez de Paulo, antes perseguidor dos cristãos,
um seguidor seu...
Jesus quis homens e mulheres na sua Igreja. Uma Igreja masculina e feminina.
Uma Igreja de todos. Membros distintos e diferentes unidos num mesmo corpo, o Corpo
de Cristo.
Precisamos ver o protagonismo dos homens na Igreja novamente. Certamente
que temos homens engajados de corpo e alma nas nossas comunidades, mas são poucos.
Temos muitas mulheres trabalhando o dobro por falta de homens comprometidos. Não
basta sentar nos últimos bancos ou perto da porta de saída. É necessário vir para frente,
participar! Cantar junto com as crianças e as mulheres. Dar um rosto novo a nossa
Igreja. Um rosto colorido, onde todos reunidos alimentemos a esperança de sermos um
dia salvos no amor misericordioso de Cristo.
“Depois disso, ele andava por cidades e povoados, pregando e anunciando a Boa
Nova do Reino de Deus. Os Doze o acompanhavam, assim como algumas mulheres que
haviam sido curadas de espíritos malignos e doenças: Maria, chamada Madalena, da qual
haviam saído sete demônios, Joana, mulher de Cuza, o procurador de Herodes, Susana e
várias outras, que o serviam com seus bens” (Lc 8,1-3).