1. espiral
Boletim da Associação FRATERNITAS MOVIMENTO – n.º 52 – maio – setembro de 2014
espiral.fraternitas@gmail.com | http://fraternitasmovimento.blogspot.pt
Fraternitas em renovação
FERNANDO FÉLIX, presidente
A Igreja vive dos carismas. Os novos
movimentos eclesiais surgidos na segunda metade
do século XX caracterizam-se sobretudo pelo facto
de dirigir-se principalmente a fiéis leigos para ajudá-los
a viver com plena coerência o seguimento de
Cristo na vida quotidiana ou realidades seculares.
Mas também há movimentos sacerdotais.
A Associação Fraternitas Movimento nasceu há
18 anos. Cumpre, por dom particular do Espírito
Santo, uma missão que nenhum outro organismo
eclesial pode satisfazer.
Em outubro, na Assembleia Geral
Extraordinária, vamos definir os próximos anos.
Uma das tarefas será eleger os corpos sociais. Para
mim, o ponto final deste parágrafo é também o
ponto final na Presidência. Agradeço a Deus o dom
deste ministério, que exerci durante três anos,
agradeço aos colegas e a todos os sócios, e coloco
sob a ação do Espírito Santo aquele(s) que Ele
escolheu para guiar a Fraternitas no próximo triénio.
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A refundação da Fraternitas
ANTÓNIO DUARTE, tesoureiro e vogal
A Assembleia Geral, de 25 de abril passado,
votou para 25 de outubro próximo, a realização
de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE.)
deliberativa bem como a nomeação de uma
Comissão ad hoc para a preparar em ligação com a
Direção. De então para cá, várias coisas
aconteceram com essa finalidade:
– No dia 17 de maio, Comissão e Direção
reuniram-se em Lisboa e, nesse encontro, foi
estabelecido enviar uma carta aos sócios com
quotas em atraso para regularizarem a sua
situação até 30 de junho, a fim de terem direito a
voto na AGE. Essa carta foi enviada no início de
junho.
– No dia 7 de junho, realizou-se no Seminário
Redentorista de Cristo-Rei, em Vila Nova de
Gaia, um Encontro Regional com a presença de
23 associados.
– No dia 12 de julho, teve lugar em Lisboa outro
Encontro Regional com a presença de 12 associados.
– Com data de 1 de maio, chegou à direção da
Fraternitas uma «reflexão sobre a Fraternitas
Movimento», do sócio n.º 1, Francisco Monteiro.
– A Direção contactou com vários sócios por
telefone.
Como preparar a Assembleia Extraordinária?
Proponho quatro passos.
1.º: (Re)lendo textos bíblicos inspiradores. Lendo e
meditando, por exemplo, a eleição do apóstolo Matias
num contexto comunitário de retiro e oração
continuada e intensa, onde estavam presentes cerca de
120 pessoas, entre elas os Apóstolos, algumas mulheres
– incluindo Maria, Mãe de Jesus, e seus familiares.
Pedro dirigiu a assembleia, mas a escolha foi
comunitária (Act 1, 12-26).
Lendo e meditando – segundo exemplo – a
instituição dos sete diáconos (Act 6, 1-6). Quem
convocou esta assembleia dos discípulos foram os
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2. Doze. Quem escolheu os sete diáconos foi a
assembleia, respeitando os critérios definidos
pelos Apóstolos: «Procurai entre vós sete homens
de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de
sabedoria», e nós dar-lhes-emos posse, impondo-lhes
as mãos. Para os Apóstolos ficava a oração e
o serviço da Palavra; para os diáconos, o serviço
quotidiano de servir às mesas. S. Lucas regista
que a proposta agradou a toda a assembleia.
Lendo e meditando – terceiro exemplo – o
sínodo de Jerusalém (Act. 15, 1-35) para resolver
o litígio de cristãos judeus e cristãos gentios. Os
cristãos judeus queriam impor aos cristãos
gentios, para serem salvos, o rito da circuncisão e
as leis de Moisés. Este sínodo envolveu duas
cidades: Antioquia e Jerusalém; vários
protagonistas: Pedro e Tiago, que tomaram a
palavra. Paulo e Bernabé, que defendiam os
gentios e que, com outros, foram a Jerusalém
para os advogar; uma carta apostólica dirigida aos
«irmãos da gentilidade que estão em Antioquia,
na Síria e Cilícia», levada por «Judas, chamado
Barsabás, e Silas, dois líderes entre os irmãos»,
delegados de Jerusalém a Antioquia.
2.º Releitura atenta dos Estatutos da
Associação Fraternitas Movimento, para saber:
a) Quem são os membros efetivos da
Associação: Artigo 1 e Artigo 6, n.º1.
b) Que do pagamento das quotas só estão
dispensados os membros honorários e
beneméritos: Artigo 8.
c) Que só a Assembleia Geral tem
competência para fixar e alterar o valor da quota:
Artigo 11, n.º 8.
d) Que o financiamento básico das Fraternitas
é assegurado através de uma joia de adesão e de
uma quota anual: Artigo 33; e de donativos feitos
pelos sócios: Artigo 33, n.º 1.
e) Que a joia de adesão é paga de uma só vez
no ato da admissão: Artigo 34, n.º 1.
f) Que o pagamento das quotas deverá fazer-se
durante o primeiro trimestre de cada ano civil:
Artigo 34, n.º 2.
3.º Quem tem direito a voto nesta assembleia?
A 1 de setembro, quando foi escrita a carta
convocatória para a Assembleia Geral
Extraordinária, dos 159 sócios da Fraternitas, 96
tinham direito a voto:
a) 33 casais com as quotas todas em dia.
b) 4 casais que pagaram 2014.
c) 9 sócios singles com as quotas todas em dia.
d) 2 sócios singles que pagaram 2014.
e) 7 viúvas pagaram primeira quota em 2014.
4.º Sócios exemplares
Dos sócios que pagam as quotas, 90 % são sócios
com mais de 70 anos.
Caminhando para os 20 anos da Fraternitas
Proponho que se releia um texto vivencial-doutrinário,
escrito em 2008 e publicado no Espiral n.º
31 (abril-junho), da autoria de Pacheco de Andrade.
Para introduzi-lo, vou transcrever uma passagem da
Carta aos Hebreus 13, 7-9a: «Lembrai-vos dos vossos
chefes, que vos anunciaram a Palavra de Deus.
Considerai o êxito da sua conduta e imitai a sua fé.
Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e por toda a
eternidade. Não vos deixeis transviar por doutrinas
incertas e estranhas.»
«Ares da Fraternitas. O nosso matrimónio é um acto
de coragem.
Começo por dizer que não me detenho sobre o que
fui. É um passado que assumo. Mas devo adiantar que,
na minha actual situação, me sinto inteiramente
despreocupado no foro da minha consciência.
Por outro lado, considero que é uma lufada de ar
fresco o facto de entre nós, membros da Fraternitas, no
agradável convívio que todos os anos nos reúne em
Fátima, não nos carpirmos com mornos sentimentos
de culpa por termos tido a coragem, sim a coragem, de
havermos dado o passo que demos. E aqui registe-se
uma palavra de preito e admiração por aquelas que
aceitaram, com a mesma coragem, se não mais ainda,
serem nossas companheiras de vida e mães dos nossos
filhos e suas educadoras admiráveis.
Por detrás de tudo isto, como nuvem cinzenta, está
a milenar lei do celibato (Concílio de Elvira no termo
do primeiro milénio). Isto é, durante os primeiros mil
anos de cristianismo, o celibato foi opção livre e não
obrigação imposta.
Quando no Sínodo de 1971, com atraso de dez
séculos, Roma trouxe a debate o celibato, houve uma
movimentação no mundo católico. Foi feito um
inquérito em cada diocese e alguns resultados que
transpiraram – na Igreja também há fugas de
informação – davam como aprovada maioritariamente
pelo clero de vários países a opcionalidade do celibato.
Estranhamente, Paulo VI, que teve a iniciativa de
abrir esta consulta ao clero de todo o mundo, depois
recuou, não resistiu a fazer uma contraditória pressão,
advertindo quer os bispos quer o clero para não se
deixarem influenciar. Do meu ver pessoal, acho que
esta intervenção foi um desastre, porque inquinou todo
o processo de consulta. Era uma intromissão na
liberdade de cada um, depois de ter reconhecido esta.
E, no entanto, eu nessa altura defendia o celibato. Foi a
partir daí que comecei a achá-lo abusivamente
impositivo como obrigação. Uma lei positiva a
atropelar um direito natural Vem isto a propósito de
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3. quê? Fala-se muito em escassez de vocações.
Penso, às vezes, nos nossos encontros da
Fraternitas, em quantos daqueles que ali vão não
voltariam a exercer, se acontecesse a abertura
que, suponho virá, um dia mais à frente e que
poderá demorar um século, se Roma olhar com
realismo a situação de uma Igreja na qual o
número de padres irá diminuindo.
Pessoalmente, devo dizer que não renego o
meu passado. Mas que não alimento qualquer
nostalgia que me desvie do meu presente. Sinto-me
bem como estou, e a minha consciência
apenas me exige que seja fiel ao meu matrimónio
e ame a minha mulher e o meu filho.
Não sei quantos movimentos, paritários da
Fraternitas, existirão no mundo. De qualquer modo,
não deveria ser indiferente ao Vaticano que os cerca de
150 mil padres impedidos de exercerem o múnus
sacerdotal continuem à margem do altar. Trata-se de
um enorme problema. Para mim, não é problema. Para
Roma, é. Dela depende que deixe de o ser.»
Lembro que Pacheco de Andrade, que, no dia 20 de
novembro atingirá a linda idade de 93 anos, foi um
grande jornalista que escreveu para vários jornais e
publicou um livro sobre o notável bispo do Porto, D.
António Ferreira Gomes. Como seu suporte está a
professora Maria Da Graça, que ele elogia neste
depoimento.
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Reflexão sobre a Fraternitas Movimento
FRANCISCO MONTEIRO, sócio n.º 1
Em resposta ao pedido de sugestões que foi
feito aos sócios da Fraternitas sobre o tema da
Fraternitas Movimento e agradecendo esse
pedido de participação, junto envio algumas
reflexões que se estendem a algumas outras
questões abordadas na recente Assembleia Geral.
1. A Fraternitas, desde o seu início é uma
“Associação Fraternitas – Movimento”. Está
nos Estatutos da Fraternitas (título e artº 1), está
na deliberação de aprovação dos Estatutos pela
Assembleia Plenária da Conferência Episcopal
Portuguesa (CEP) de 5 de maio de 2000 (nº 8 do
Comunicado Final) e está no Anuário Católico de
Portugal editado pela CEP (2009, pág. 968) com
o título “Fraternitas Movimento”; logo no início
desta referência no Anuário da CEP diz-se:
Perfil: “Fraternitas Movimento” é uma associação
privada de fiéis, constituída por Padres
dispensados do exercício do Ministério, casados
ou não, e suas esposas ou viúvas. Os seus
estatutos foram aprovados pela CEP em Maio de
2002. Goza de personalidade jurídica e não tem
fins lucrativos.
Conclui-se portanto que a Fraternitas, desde o
seu início é um Movimento.
2. O motivo pelo qual a Fraternitas –
Movimento desde o seu início se ter constituído
como uma associação foi aquela que acabo de
citar no Anuário da CEP: para gozar de
personalidade jurídica, isto é, para existir
formal e legalmente.
Agora pretende-se alterar a personalidade
jurídica da Fraternitas – Movimento? Com que
finalidade e com que consequências? Deixar de ser uma
IPSS (se é que a Fraternitas o é, i. é se alguma vez o
requereu) é relativamente simples, penso: é só declarar
a cessação de atividade enquanto IPSS na Segurança
Social. Em consequência disso cessarão, penso, as
obrigações perante as Finanças e a própria Segurança
Social. E a Fraternitas – Movimento continuará a sua
existência jurídica, sobretudo perante a CEP. Isto
resolverá a preocupação da última Assembleia Geral
(AG)?
A finalidade será reduzir os Órgãos Sociais da
Fraternitas? Isso também será fácil: basta que na
próxima AG se altere o Artigo 19 dos Estatutos e se
reduza o número de membros da Direção ao mínimo
legalmente possível que são, penso, três. Aliás, a AG
poderá deliberar que a Fraternitas seja dirigida por um
Comissão Executiva de três pessoas, por ex., passando
os restantes titulares dos Órgãos Sociais a desempenhar
uma função meramente perfunctória – nas AG uma
vez por ano.
3. Se bem entendi, há um “movimento” dentro do
Movimento, legítimo, como todos, para que os sócios
ordenados da Fraternitas se virem para a inserção na
Igreja, “esquecendo” o regresso ao exercício do
ministério. Ora, peço desculpa por ser um ancião a
falar, neste caso a escrever, desde o princípio (já lá
vamos ao futuro) que existem, eu diria coexistem em
perfeita paz, as duas tendências: os que desejam
regressar ao exercício do ministério, como eu próprio,
e os que nem querem ouvir falar disso, não estão
interessados. Sempre vivemos as duas tendências com
total respeito mútuo. Porquê agora pretender que a
posição da Fraternitas seja a segunda: revelar claro
repúdio pelo regresso ao exercício do sacerdócio? Não
deverá antes a Fraternitas ser inclusiva de todas as
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4. sensibilidades, tendências, experiências e
perspetivas dos seus membros, como sempre foi?
4. O segredo do nosso futuro enquanto
inseridos na Igreja, quanto a mim, foi-nos
clarissimamente apontado em Outubro de 2012,
em Vila Nova de Gaia, pelo P. Rui Santiago, no
final do retiro da Fraternitas, quando alguém lhe
perguntou precisamente isso: se a Igreja não nos
deveria aproveitar melhor; o P. Rui respondeu
simplesmente que nós podemos sempre e
devemos inserir-nos nas múltiplas atividades da
Igreja. Por mim, e o conselho do P. Rui ajudou-me
muito, isso tenho procurado fazer: trabalhar
na Pastoral dos Ciganos na CEP, aceitar o
convite do meu pároco (Lisboa – S. Francisco
Xavier) para fazer a preparação dos adultos e
jovens para o Crisma ao que se seguiu, no Ano da
Fé e depois, um programa com sessões semanais
a que se chamou DIAF (Diálogos para o
Aprofundamento da Fé) que só agora foi
interrompido com a minha doença, ao fim 40
semanas, mas que vai continuar, e a publicação de
quatro livros de espiritualidade, o último dos
quais intitulado “Deus, o Mundo e a Igreja”
publicado no Kindle da Amazon.
5. Finalmente, como disse há pouco tempo ao
nosso querido irmão Luís Cunha: “quanto à
Fraternitas só lembrava o Sl 133, 1: “Vede como é
bom, como é agradável que os irmãos vivam unidos!”:
o Salmista não acrescenta: “desde que não haja
doenças, desde que ninguém envelheça”… Há padres
dispensados novos que não querem nada com a
Fraternitas? E nós fizemos o marketing da Fraternitas
com eles como o P. Filipe fez connosco? Convidá-los,
falar-lhes, dizermos-lhes quem somos e o que fazemos?
6. Um pouco à margem das questões anteriores, há
que refletir sobre as consequências da eventual inserção
da Fraternitas no Apostolado dos Leigos, se, o que
espero não aconteça, se acabar por optar por
transformar a Fraternitas num movimento laical. Todos
sabemos como a questão do convite dirigido à
Fraternitas pela Associação do Apostolado dos Leigos
que aparentemente é independente daquela que agora
se chama Comissão Episcopal do Laicado e Família,
resultou de um equívoco e da boa vontade de quem
aceitou o convite. O “estado laical” a que os membros
ordenados da Fraternitas foram “reduzidos” não pode
esconder o carácter do sacramento da Ordem. Daí que
a inserção da Fraternitas – Movimento numa estrutura
da Igreja, não seja coisa óbvia: mais fácil será a inserção
dos seus membros nas obras da Igreja. Eu diria que a
Fraternitas – Movimento a pertencer a uma estrutura
da Igreja, essa estrutura é mais única que outra coisa.
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Sínodos diocesanos e algumas “periferias existenciais”
LUÍS CUNHA, sócio n.º 19
Na base e finalidade de qualquer pastoral, estão
as pessoas – agentes e destinatários: homem e
mulher com sua sexualidade, feitos “à imagem e
semelhança de Deus”. Este Criador e Redentor, no
Seu projeto, assim quis o género humano para este
ser feliz na racionalidade, bondade, beleza, amor, em
ordem à formação, desenvolvimento e glorificação
do Seu Povo no Seu Reino.
O pecado, porém, também de cristãos e
estruturas eclesiais, em que se foi amontoando o pó,
transformado em lama de séculos, foi desviando por
ínvios caminhos os desígnios divinos e desfigurando
o rosto belo da Boa Nova do Senhor Jesus. Aliás, já
o próprio Jesus advertia quando falava do
farisaísmo: “Atam fardos pesados e insuportáveis e
colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não
põem nem um dedo para os deslocar” (MTV 23,4).
Felizmente, a renovação da Igreja, tantas vezes
falada, timidamente procurada, sempre in fieri (a
acontecer), está, agora, imparavelmente, na ordem
do dia. Respiram-se ares novos após a entrada do
Papa Francisco para o leme da Igreja Católica e sua
atenção às “periferias existenciais”.
É a hora de lembrar e pôr em prática a
Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen
Gentium. Depois de, no cap. II, a Constituição tratar
do Povo de Deus, o cap. III é especialmente
dedicado ao Colégio Episcopal, terminando o n.º 23
assim: As Conferências episcopais podem hoje
desenvolver uma ação variada e fecunda para que o
espírito colegial encontre aplicações concretas. Diz
no n.º 25: A infalibilidade prometida à Igreja reside
também no corpo episcopal, quando ele exerce o
magistério supremo com o Sucessor de Pedro.
Urge, pois, que, nas Igrejas particulares, as bases
do Povo de Deus, que o Papa tanto gosta de
auscultar, tenham a palavra sobretudo nos
providenciais Sínodos Diocesanos, uns a decorrerem
ou anunciados e outros que se seguirão. Com a
escuta do Espírito Santo e o discernimento
evangélico, estimulem, com as suas propostas, a
Conferência Episcopal Portuguesa. Com pessoas
realizadas segundo a infinita bondade e misericórdia
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5. do Deus Amor colocadas nas estruturas pastorais, as
periferias também serão atingidas. Mencionam-se
algumas situações necessitadas de especial atenção e
que as ditas bases bem conhecem.
O celibato no sacerdote será um carisma, uma
joia quando e enquanto for opcional, assumido em
liberdade. O mesmo se pode dizer da virgindade. De
outra maneira, será fonte de conflitos interiores, de
descalabros morais, de uniões ilícitas, de descrédito
para a Igreja. O exemplo do Mestre, Que chamou
para Apóstolos apenas homens casados, à exceção
de João, é bem significativo. Querer ser mais cristão
do que Jesus Cristo será forte ousadia, pior do que
querer ser mais papista do que o Papa!
É notória a generalizada concordância e aceitação
entre os leigos quando o sacerdote se desliga do
exercício das Ordens para assumir o Matrimónio,
especialmente quando há filhos. Ou não seja o amor
no casal a imagem do amor na Santíssima Trindade!
Pelas ronceiras e tardias decisões da hierarquia
eclesiástica nem sempre os fiéis, leigos ou
sacerdotes, estão dispostos a esperar, o que, muitas
vezes, faz com que os mesmos reajam com o
afastamento da Igreja.
É evidente que o celibato obrigatório deve ser
abolido e repensado o aproveitamento para o
exercício dos Padres dispensados que ainda
estiverem capazes e disponíveis.
Com efeito, Matrimónio e Sacerdócio Ministerial
(masculino, e porque não feminino?) são duas
vocações possíveis de coexistir nas mesmas pessoas
e verificáveis em todas as Igrejas Cristãs, menos na
Católica de rito latino, mera disciplina por nefasta
influência do Império Romano.
No Matrimónio, Igreja doméstica (LG,11), a
preocupação da regulação da natalidade de acordo
com as complicadas instruções da Humanae Vitae fez
sofrer muitos casais, houve muitas desavenças, tem
dado origem a afastamentos da Igreja.
É tempo de corrigir tais normas, cuja correção,
porém, não deve ser feita e legislada apenas por
gente célibe.
Divorciados recasados, padres casados e
dispensados do exercício das Ordens, padres viúvos,
mulheres, sua ordenação ministerial - Diz-se que o
tempo traz consequências imprevistas no amor e,
por isso, tende-se para a aceitação e acolhimento dos
divorciados recasados na Eucaristia (plenitude da
Igreja). Os padres dispensados, porque tal pediram
ao Papa a fim de se sentirem realizados, a maioria
através do casamento e permanência como
membros da amada Igreja, com muita dificuldade
obtiveram essa graça. O Código de Direito
Canónico de 1917 trata-os de reduzidos ao estado
laical; no renovado Código de 1983, porque foi
reconhecido que aquela redução, no contexto,
inferiorizava e ofendia os leigos, tal designação foi
substituída por perda do estado clerical. É evidente
que estas expressões, como se vê pelo contexto no
rescrito e na doutrina da Igreja, não significam
anulação do sacramento da Ordem em quem o tinha
recebido: continuam padres validamente. Também
comprova esta validade o facto de alguns destes
padres, quando enviuvaram, terem voltado ao
exercício do ministério sacerdotal.
Este facto de padres viúvos voltarem ao exercício
das Ordens e da referida ofensa aos leigos por serem
considerados inferiores fazem-nos pensar na
incoerência da Hierarquia da nossa Igreja, que, desta
maneira, se pode dizer que ofendem as mulheres,
porque, se só os viúvos, não os outros padres
casados, podem voltar ao dito ministério,
algo/alguém motiva esta discriminação: as mulheres,
as leigas, que se enquadram nos leigos do povo de
Deus. Assim, vem mais uma vez à evidência a velha
e repetidíssima acusação da misoginia da Hierarquia
na nossa Igreja. Não só por isto, mas por tantas
outras razões aduzidas pela quase totalidade dos
teólogos, nomeadamente no que se refere ao
Ecumenismo, e pela práxis de outras Igrejas Cristãs,
a mulher, que, no contexto sócio-jurídico de então,
tão revolucionariamente foi acolhida pelo Senhor
Jesus, sim, as mulheres poderão vir a receber o
sacramento da Ordem.
Estão referidas situações em que nitidamente
gente marginalizada sofre e cuja causa faz sofrer o
Papa Francisco e outros pastores, mas há mais
marginalizados. Há que referenciá-los, acolhê-los,
ajudá-los e fazer deles mensageiros felizes da Boa
Nova.
Pobres – Como, aos olhos de Jesus, os últimos
são os primeiros, a quem o Papa Francisco também
reserva, em título, O lugar privilegiado dos pobres
no povo de Deus na sua Exortação Apostólica
Evangelii Gaudium (197-201), sejam, pois, os pobres
tidos na devida conta nas decisões dos Sínodos.
Doutra maneira, qualquer comunidade da Igreja […]
correrá também o risco da sua dissolução (ibidem,
207). Será de pensar nas Eucaristias da primitiva
Igreja e ter os necessitados como primeiros
destinatários das coletas, destinando-lhes
significativa percentagem. Este sair da Igreja de
certeza fará entrar mais pobres para a Igreja e suas
igrejas e evitar a sua permanência com os seus
clamores junto das portas.
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6. «Movimentos são uma riqueza da Igreja que o Espírito
suscita para evangelizar todos os ambientes e sectores», diz
Papa Francisco
São dois trechos breves na longuíssima
exortação Evangelii Gaudium, publicada em
novembro de 2013. O Papa Francisco menciona o
papel dos movimentos eclesiais na Igreja no n.º 29 e,
mais adiante, no n.º 105, refere-se aos movimentos
juvenis: «As outras instituições eclesiais,
comunidades de base e pequenas comunidades,
movimentos e outras formas de associação são uma
riqueza da Igreja que o Espírito suscita para
evangelizar todos os ambientes e sectores.
Frequentemente trazem um novo ardor
evangelizador e uma capacidade de diálogo com o
mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar
que não percam o contacto com esta realidade
muito rica da paróquia local e que se integrem de
bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular.
Esta integração evitará que fiquem só com uma
parte do Evangelho e da Igreja, ou que se
transformem em nómades sem raízes.»
«A pastoral juvenil, tal como estávamos
habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das
mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os
jovens habitualmente não encontram respostas para
as suas preocupações, necessidades, problemas e
feridas. A nós, adultos, custa-nos a ouvi-los com
paciência, compreender as suas preocupações ou as
suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na
linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as
propostas educacionais não produzem os frutos
esperados. A proliferação e o crescimento de
associações e movimentos predominantemente
juvenis podem ser interpretados como uma ação do
Espírito que abre caminhos novos em sintonia com
as suas expectativas e a busca de espiritualidade
profunda e dum sentido mais concreto de pertença.
Todavia é necessário tornar mais estável a
participação destas agregações no âmbito da pastoral
de conjunto da Igreja.»
Meses antes, a 18 de maio, nas Vésperas de
Pentecostes, o Santo Padre dialogou com os
movimentos, comunidades, associações e agregações
laicais reunidas na Praça de S. Pedro.
Primeira pergunta colocada ao Santo Padre
“A verdade cristã é atraente e persuasiva porque
responde à necessidade profunda da existência
humana, anunciando de forma consistente que
Cristo é o único Salvador de cada homem e de todos
os homens”. Santo Padre, estas Vossas palavras
calaram fundo em nós, exprimindo de modo direto
e radical a experiência que cada um de nós deseja
viver sobretudo no Ano da Fé e nesta peregrinação
que esta noite nos trouxe aqui. Estamos diante de
Vós para renovar a nossa fé, para a confirmar e
reforçar. Sabemos que a fé não pode ser de uma vez
por todas. Como dizia Bento XVI na Porta Fidei: “A
fé não é um pressuposto óbvio”. Esta afirmação não
se prende apenas com o mundo, com os outros,
com a tradição de que provimos: esta afirmação
prende-se antes de mais com cada um de nós.
Damo-nos muitas vezes conta de como a fé é um
rebento de novidade, um início de mudança, mas
que depois tem dificuldade em abarcar a totalidade
da vida e não se torna a origem de todo o nosso
conhecer e agir.
Santidade, como conseguiu alcançar na vida a
certeza da fé?
E que caminho nos indicais para que cada um de
nós possa vencer a fragilidade da fé?
Resposta do Papa Francisco
Estou contente por encontrar-vos e pelo facto de
que todos nós nos encontramos nesta praça para
rezarmos, estarmos unidos e esperarmos o dom do
Espírito. Eu conhecia as vossas questões e pensei
nelas – isto não é, pois, insciente! A verdade em
primeiro lugar! Tenho-as escritas aqui. A primeira –
“como pudestes alcançar na vida a certeza da fé e
que caminho indicais para que cada um de nós possa
vencer a fragilidade da fé?” – é uma questão
histórica porque se prende com a minha história, a
história da minha vida!
Tive a graça de crescer no seio de uma família na
qual a fé era ensinada de uma forma simples e
concreta, mas foi sobretudo a minha avó, a mãe do
meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma
mulher que nos explicava, que nos falava de Jesus,
que nos ensinava o catecismo. Lembro-me sempre
de que na Sexta-Feira Santa nos levava à noite à
procissão das velas, que no fim da procissão chegava
o “Cristo jacente” e que a avó nos mandava, a nós
crianças, ajoelhar e dizia: “Olhem, está morto, mas
amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio
cristão justamente desta mulher, a minha avó! Isto é
lindíssimo. O primeiro anúncio em casa, com a
família! E isto leva-me a pensar no amor de tantas
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7. mães e de tantas avós na transmissão da fé. São elas
que transmitem a fé. Isto acontecia também nos
primeiros tempos, porque São Paulo dizia a
Timóteo: “Eu recordo a fé da tua mãe e da tua avó”
(cfr. 2Tm, 1,5). Pensai nisto todas as mães que estão
aqui, todas as avós. Transmitir a fé. Porque Deus
nos coloca junto das pessoas que auxiliam o nosso
caminho de fé. Não encontramos a fé no abstrato,
não! Há sempre alguma pessoa que prega, que nos
diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que nos dá
o primeiro anúncio. E foi esta a primeira experiência
de fé que tive.
Mas há um dia muito importante para mim: 21 de
setembro de 1953. Andava pelos 17 anos. Era o
“Dia do Estudante”, para nós o primeiro dia da
primavera, para vós o do outono. Antes de ir para a
festa, passei pela minha paróquia, encontrei um
padre que não conhecia e senti necessidade de me
confessar. Foi para mim uma experiência de
encontro: encontrei alguém que estava à minha
espera. Mas não sei o que aconteceu, não me
lembro, não sei bem porque estava ali aquele padre
que eu não conhecia, não sei porque sentira aquela
necessidade de me confessar, mas o certo é que
alguém estava à minha espera. À minha espera há
muito. Depois da confissão senti que algo mudara.
Eu não era a mesma pessoa. Sentira justamente
como que uma voz, um chamamento: estava
convencido de que devia ser sacerdote.
Esta experiência na fé é importante. Dizemos
que devemos procurar a Deus, ir ao Seu encontro
pedir perdão, mas, quando não vamos, Ele espera.
Ele está primeiro! Nós temos uma palavra espanhola
que explica bem tudo isto: “O Senhor sempre nos
primerea”, está primeiro, está à nossa espera! Esta é
de facto uma grade graça: encontrar alguém que está
à nossa espera. Tu, pecador, vais, mas Ele está à tua
espera para te perdoar. É esta a experiência que os
profetas de Israel descreviam dizendo que o Senhor
é como a flor da amendoeira, a primeira flor da
Primavera (cfr. Jr 1, 11-12). Antes que desabrochem
as outras flores, ei-lo, ei-lo que nos espera. O Senhor
espera-nos. E, quando o buscamos, deparamos com
esta realidade: que é Ele quem nos espera para nos
acolher, para nos dar o Seu amor. E isto causa em ti
uma estupefação tal que não acreditas, e assim vai
nascendo a fé! Com o encontro de uma pessoa, com
o encontro com o Senhor. Alguém dirá: “Não, eu
prefiro estudar a fé nos livros!” É importante
estudá-la, mas olha que isso não chega!
O que importa é o encontro com Jesus, o
encontro com Ele, e isto dá-te a fé, porque é
justamente Ele quem ta dá! Também faláveis da
fragilidade da fé, no que fazer para a vencer. O
maior inimigo que a fragilidade tem é – curioso, hã?
– o medo. Mas não tenhais medo! Somos frágeis e
sabemos disso. Mas Ele é mais forte! Se fores com
Ele, não há problema! Uma criança é fragilíssima –
muitas vi hoje - , mas estava com o pai e com a mãe,
estava a salvo! Com o Senhor estamos a salvo. A fé
cresce com o Senhor, precisamente da mão do
Senhor e isto faz-nos crescer e torna-nos fortes.
Mas, se pensarmos que nos podemos desenvencilhar
sozinhos… pensemos no que aconteceu a Pedro:
“Senhor, nunca te renegarei!” (cfr. Mt 26, 33-35), e
depois o galo cantou e renegara-o três vezes! (cfr.
vv. 69-75). Pensemos: quando temos demasiada
confiança em nós próprios, somos mais frágeis, mais
frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer com o
Senhor significa dizer com a Eucaristia, com a
Bíblia, com a oração… Mas também em família,
com a Mãe, também com Ela, porque é Ela que nos
leva ao Senhor; é a Mãe, é Ela que tudo sabe.
Portanto rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que,
como Mãe, nos torne fortes. Eis o que penso sobre
a fragilidade, é pelo menos esta a minha experiência.
Uma coisa que todos os dias me fortalece é rezar o
Rosário a Nossa Senhora. Sinto uma força tão
grande porque vou ao Seu encontro e sinto-me
forte.
Segunda pergunta colocada ao Santo Padre
Santo Padre, a minha experiência é uma
experiência de vida quotidiana como tantas outras.
Procuro viver a fé no meio de trabalho em contacto
com os outros como testemunho sincero de ser bem
recebido no encontro com o Senhor. Eu sou, nós
somos “pensamentos de Deus” investidos de um
Amor misterioso que nos deu a vida. Eu dou aulas
numa escola e esta consciência dá-me um motivo
para me apaixonar pelos meus rapazes e também
pelos seus colegas. Verifico muitas vezes que muitos
buscam a felicidade em inúmeros itinerários
individuais onde a vida e as suas grandes questões se
reduzem muitas vezes ao materialismo de quem
tudo quer e continua permanentemente insatisfeito
ou ao niilismo para o qual nada tem sentido.
Pergunto a mim mesmo como a proposta da fé, que
consiste num encontro pessoal, de uma
comunidade, de um povo, pode alcançar o coração
do homem e da mulher do nosso tempo. Fomos
feitos para o infinito – “jogai a vida para as grandes
coisas!”, dissestes recentemente -, e no entanto tudo
à nossa volta e dos nossos jovens parece dizer que
devemos contentar-nos com respostas medíocres,
imediatas e que o homem deve adaptar-se ao finito
sem nada mais buscar. Estamos por vezes
intimidados como os discípulos na véspera do
Pentecostes.
espiral _______________________________________________________________________ 7
8. A Igreja convida-nos à Nova Evangelização.
Penso que todos nós aqui presentes sentimos
fortemente este desafio que está no íntimo das
nossas experiências. Queria, pois, pedir-Vos, Santo
Padre, que me ajudásseis a mim e a todos nós a
saber como viver este desafio do nosso tempo. Qual
é para Vós a coisa mais importante na qual todos os
nossos movimentos, associações e comunidades
devemos ter os olhos postos para pôr em prática
aquilo a que fomos chamados? Como podemos
comunicar hoje eficazmente a fé?
Resposta do Papa Francisco
A primeira: Jesus. O que é mais importante?
Jesus. Se não avançarmos com a organização, com
outras coisas, coisas belas, mas sem Jesus, não
avançamos, não adianta. Jesus é mais importante.
Agora queria fazer uma pequena censura, mas
fraternamente, cá para nós. Todos vós gritastes na
praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco!”. Mas
onde estava Jesus? Eu quereria que vós gritásseis:
“Jesus, Jesus e o Senhor e está justamente entre
nós!” Daqui para a frente nada de “Francisco”, mas
“Jesus”!
A segunda questão é a oração. Olhar o rosto de
Deus, mas sobretudo – e isto prende-se com o que
disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos:
olha-nos primeiro. A minha experiência é o que
experimento diante do sacrário quando vou rezar à
noitinha diante do Senhor. Por vezes adormeço um
pouquito, é certo, porque um pouco da fadiga do dia
nos faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E
sinto tanto conforto quando me olha. Pensamos que
devemos rezar, falar, falar, falar… Não! Deixai-vos
olhar pelo Senhor. Quando Ele nos olha, dá-nos
força e ajuda-nos a testemunhá-Lo – porque a
questão versava sobre a fé, não? Primeiro “Jesus”,
depois “oração” – sentimos que Deus está sempre a
amparar-nos com a mão. Sublinho agora a
importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é
mais importante do que qualquer cálculo. Somos
verdadeiros evangelizadores deixando-nos guiar por
ele. Pensemos em Pedro; talvez estivesse a fazer a
sesta depois de almoço e tivesse uma visão, a visão
do lençol com todos os animais, e sentisse que Jesus
lhe dizia algo, mas não compreendia. Nesse
momento alguns não-hebreus vieram chamá-lo para
ir a uma casa e viu como o Espírito Santo ali estava.
Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar à
primeira evangelização dos gentios, que não eram
hebreus: coisa inimaginável naquele tempo (cfr. Act
10, 9-33). E assim a história toda, toda a história!
Deixar-se guiar por Jesus. É justamente o líder; o
nosso líder é Jesus.
E terceira: o testemunho. Jesus, oração – oração,
esse deixar-se olhar por Ele – e depois o
testemunho. Mas eu queria acrescentar algo. Este
deixar-se guiar por Jesus leva-nos às surpresas de
Jesus. Podemos pensar que devemos programar a
evangelização num tabuleiro, pensando nas
estratégias, fazendo planos. Mas isto são
instrumentos, pequenos instrumentos. O importante
é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Depois podemos
fazer estratégias, mas isto é secundário.
Testemunho: a comunicação da fé só pode ser
feita com o testemunho e isto é o amor. Não com as
nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na nossa
existência e que o Espírito Santo faz viver em nós. É
como que uma sinergia entre nós e o Espírito Santo,
e isto conduz ao testemunho. A Igreja é levada
adiante pelos Santos, que são justamente os que dão
este testemunho. Como disse João Paulo II e
também Bento XVI, o mundo de hoje precisa de
muitos testemunhos. Não tanto de mestres, mas de
testemunhos. Não falar muito, mas falar com a vida
toda: a coerência de vida, precisamente a coerência
de vida! Uma coerência de vida que é viver o
cristianismo como um encontro com Jesus que me
conduz junto dos outros e não como um facto
social. Socialmente somos assim, somos cristãos
fechados em nós. Não, isto não! O testemunho!
Terceira pergunta colocada ao Santo Padre
Santo Padre, ouvi como emoção as palavras da
Vossa audiência aos jornalistas após a Vossa eleição.
“Como eu quisera uma Igreja pobre e para os
pobres.” Muitos de nós estão empenhados em obras
de caridade e justiça: somos parte ativa na presença
enraizada da Igreja onde o homem sofre. Sou uma
empregada, tenho a minha família e empenho-me
pessoalmente como posso junto dos vizinhos e na
ajuda aos pobres. Mas nem por isso me sinto
satisfeito. Queria dizer como Madre Teresa de
Calcutá: tudo é por Cristo. O que muito me ajuda a
viver esta experiência são os irmãos e as irmãs da
minha comunidade que se empenham no mesmo
fito. E neste empenhamento somos sustidos pela fé
e a oração. A necessidade é grande. Vós o
recordastes: “Quantos pobres há ainda no mundo e
quanto sofrimento encontram estas pessoas”. E a
crise agravou tudo. Penso na pobreza que aflige
tantos países e que também no mundo do bem-estar
se veio juntar à falta de trabalho, aos movimentos
migratórios de massa, às novas escravidões, ao
abandono e à solidão de tantas famílias, de tantos
anciãos e de tantas pessoas sem casa ou sem
trabalho.
Queria perguntar-Vos, Santo Padre: como
podemos eu e nós viver uma Igreja pobre e para os
espiral _______________________________________________________________________ 8
9. pobres? De que modo o homem que sofre é uma
questão para a nossa fé? Que contributo concreto e
eficaz podemos nós, movimentos e associações
laicas, fornecer à Igreja e à sociedade para enfrentar
esta grave crise que atinge a ética pública, o modelo
de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova
maneira de ser dos homens e das mulheres?
Resposta do Papa Francisco
Volto ao testemunho. Antes de mais viver o
Evangelho é o principal contributo que podemos
dar. A Igreja não é um movimento político nem
uma estrutura bem organizada: não é isto. Nós não
somos uma ONG, e, quando a Igreja se torna uma
ONG, perde o sal, não tem sabor, é apenas uma
organização vazia. E nisto sede astuciosos porque o
diabo nos engana, porque o perigo do
“eficientismo” existe. Uma coisa é pregar Jesus,
outra é a eficácia, é ser eficiente. Não, isso é outro
valor. O valor da Igreja é fundamentalmente viver o
Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é
o sal da terra e a luz do mundo, é chamada a manter
presente na sociedade o fermento do Reino de Deus
e fá-lo antes demais com o testemunho, o
testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da
condivisão. Quando ouvimos alguém dizer que a
solidariedade não é um valor, mas uma “atitude
primária” que deve desaparecer… não dá! Está a
pensar-se numa eficácia meramente mundana.
Os momentos de crise, como os que estamos a
viver – mas dissestes antes que “estamos num
mundo de mentiras” – este momento de crise não
consiste, estejamos atentos, a uma mera crise
económica; não é uma crise cultural. É uma crise do
homem: o que está em crise é o homem! Mas o
homem é imagem de Deus! Por isso há uma crise
profunda! Neste momento de crise não nos
podemos preocupar apenas connosco, fechar-nos na
solidão, no desânimo, no sentimento de impotência
perante os problemas. Não vos fechais por favor!
Isso é um Jesus perigo: fechamo-nos na paróquia,
com os amigos, nos movimentos, com os que
partilham as mesmas coisas connosco… Mas sabeis
o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece cada
vez mais. Pensai num quarto fechado durante um
ano; quando lá fordes, há um cheiro a bafio, há tanta
coisa errada. Uma Igreja fechada é a mesma coisa: é
uma Igreja doente. A Igreja tem de sair de si mesma.
Para onde? Para as periferias existenciais sejam elas
quais forem, mas sair. Diz-nos Jesus: “Ide por todo
o mundo! Andai! Pregai! Dai testemunho do
Evangelho!” (cfr. Mc 16, 15).
E o que sucede se não sai de dentro de si mesma?
Pode dar-se o que sucede a todos aqueles que saem
de casa e andam na rua: um acidente. Mas eu digo-vos:
prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, que
sofreu um acidente, a uma Igreja doente de clausura!
Saí, saí! Pensai no que diz o Apocalipse. Diz uma
coisa bela: que Jesus está à porta e chama, chama
para entrar no nosso coração (cfr. Ap 3,20). É este o
sentido do Apocalipse. Mas perguntai isto a vós
mesmos: quantas vezes Jesus está dentro e bate para
sair e nós não O deixamos sair para nossa segurança,
porque muitas vezes estamos fechados em
estruturas caducas que só servem para fazer de nós
escravos e não livres filhos de Deus? É importante ir
ao encontro nesta livre “saída”; esta palavra pareceu-me
muito importante: o encontro com os outros.
Vivemos uma cultura do desencontro, uma cultura
da fragmentação, uma cultura na qual deitamos fora
o que não nos interessa, e todos sem negociar a
nossa pertença. E há ou uma cultura do deitar fora.
Mas convido-vos a pensar neste ponto – e faz
parte da crise – nos anciãos que são a sabedoria de
um povo, nas crianças… A cultura do deitar fora!
Mas devemos ir ao encontro e criar com a nossa fé
uma “cultura do encontro”, uma cultura da amizade,
uma cultura onde encontremos irmãos, onde
possamos falar também com os que a não pensam
como nós, com os que têm outra fé, que não têm a
mesma fé. Todos têm algo em comum connosco:
são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao
encontro de todos sem negociar a nossa fé. E outro
ponto importante: com os pobres. Hoje – e dói
ouvi-lo – encontrar um vagabundo morto de frio
não é novidade. Hoje um escândalo é talvez notícia.
Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que
tantas crianças não têm comida não é notícia. Isto é
grave, isto é grave! Não podemos ficar tranquilos!
Ora… Mas é assim. Nós não podemos ser cristãos
imaculados, esses cristãos demasiado educados, que
falam de assuntos enquanto tomam chá
tranquilamente. Não! Devemos tornar-nos cristãos
corajosos e ir em busca dos que são a própria carne
de Cristo!
Quando vou confessar – ainda não posso,
porque sair para me confessar… daqui não se pode
sair, mas isto é outro problema – quando eu ia
confessar na diocese precedente, apareciam uns
quantos a quem perguntava sempre: “Mas dá
esmola?” – “Sim, padre!”. “Ah, bom, bom”. E fazia
outras duas perguntas: “Diga-me: quando dá esmola
olha para aquele ou aquela a quem a dá?” – “Ah,
não, não pensei nisso”. Segunda pergunta: “E
quando dá a esmola, toca na mão daquele a quem a
dá ou atira a moeda?” Eis o problema: a carne de
Cristo, tocar na carne de Cristo, assumir esta dor
dos pobres. A piedade não é para nós cristãos uma
categoria sociológica, filosófica ou cultural: não, é
uma categoria teologal. Eu diria que é talvez a
espiral _______________________________________________________________________ 9
10. primeira categoria, porque esse Deus, o Filho de
Deus, se baixou, se fez pobre para caminhar
connosco. E é esta a nossa pobreza: a pobreza da
carne de Cristo, a pobreza que o Filho de Deus nos
trouxe com a Sua Encarnação.
Uma Igreja pobre para os pobres começa por ir
ao encontro da carne de Cristo. Se vamos ao
encontro da carne de Cristo, começamos a
compreender algo, a compreender o que é esta
pobreza, a pobreza do Senhor. E isto não é fácil.
Mas há um problema que não faz bem ao espírito
dos cristãos: o espírito mundano, a mundanidade
espiritual. Isto leva-nos a uma suficiência, a viver o
espírito do mundo e não o de Jesus. A questão que
colocáveis: como se deve viver para enfrentar esta
crise que atinge a ética pública, o modelo de
desenvolvimento, a política. Como se trata de uma
crise do homem, uma crise que destrói o homem, é
uma crise que despoja o homem da ética. Se, na vida
pública, na política, não houver ética, uma ética de
referência, tudo é possível e tudo pode ser feito. E,
quando lemos os jornais, vemos como a falta de
ética na vida pública faz tão mal à humanidade
inteira.
Queria contar-vos uma história. Já o fiz duas
vezes esta semana, mas fá-lo-ei uma terceira vez a
vós. É a história que conta um midrash bíblico de um
rabino do século XII. Ele conta-nos a história da
construção da Torre de Babel e diz-nos que, para a
construir eram preciso fazer tijolos. O que significa
isto? Ir, misturar a lama, transportar a palha, fazer
tudo e depois… ao forno. E, uma vez feito, o tijolo
era levado para cima, para a construção da torre de
Babel. Um tijolo era um tesouro por causa do
trabalho todo que dava fazê-lo. Quando um tijolo
caía, era uma tragédia nacional e o operário culpado
era castigado; um tijolo era tão preciso que era um
drama quando caía. Mas se um operário caía, não
acontecia nada, era uma coisa totalmente diferente.
Isto acontece hoje: se os investimentos nos bancos
descem um pouco… tragédia… o que fazer? Mas se
as pessoas morrem de fome, se não têm comida, se
não têm saúde, não se faz nada! Eis a nossa crise
atual! E o testemunho de uma Igreja pobre para os
pobres vai ao encontro desta mentalidade.
Quarta pergunta colocada ao Santo Padre
Caminhar, construir, confessar. Este Vosso
“programa” para uma Igreja-movimento, pelo
menos tal como a entendi ao ouvir a Vossa homilia
no início do Pontificado, confortou-nos e animou-nos.
Confortou-nos porque nos encontrámos numa
experiência profunda com os amigos da comunidade
cristã e com toda a Igreja universal. Animou-nos
porque de certa forma Vós obrigaste-nos a sacudir o
pó do tempo e da superficialidade da nossa adesão a
Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o
sentimento de perturbação que uma destas palavras
causa em mim: confessar. Confessar, ou seja,
testemunhar a fé. Pensamos em tantos dos nossos
irmãos que sofrem por causa dela como ainda há
pouco ouvimos. Nos que ao domingo de manhã
têm de decidir se vão à Missa porque sabem que
indo à Missa põem a vida em risco. Nos que se
sentem cercados e discriminados pela fé cristã em
muitos, em demasiados cantos do nosso mundo.
Perante estas situações parece-nos que o meu
confessar, o nosso testemunho é tímido e tem peias.
Queríamos fazer outra coisa, mas o quê? E como
ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar os seus
sofrimentos nada podendo fazer ou bem pouco para
mudar o seu contexto político e social?
Resposta do Papa Francisco
Para anunciar o Evangelho são necessárias duas
virtudes: a coragem e a paciência. Eles (os cristãos
que sofrem) são a Igreja da paciência. Sofrem e são
mais mártires
hoje que nos primeiros séculos da Igreja, são
mais mártires! São nossos irmãos e irmãs. Sofrem!
Levam a fé ao martírio. Mas o martírio nunca é uma
derrota; o martírio é o mais alto grau do testemunho
que devemos dar. Estamos no caminho do martírio,
dos pequenos martírios; renunciar a isto, fazer
aquilo… mas estamos no caminho. E eles, os
pobrezinhos, dão a vida, mas dão-na – como
sentimos a situação no Paquistão – por amor a
Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter
sempre esta atitude de amor a Jesus, testemunhando
Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de
mansidão, de humildade, a mesma atitude que eles
têm confiando em Jesus, entregando-se a Jesus.
É bom precisar que muitas vezes estes conflitos
não têm uma origem religiosa; há amiúde outras
causas de tipo social e político, e infelizmente as
pertenças religiosas são utilizadas como achas na
fogueira. Um cristão deve sempre saber responder
ao mal com o bem, mesmo que isto seja muitas
vezes difícil. Nós procuramos fazer sentir a estes
irmãos e a estas irmãs que estamos profundamente
unidos – profundamente unidos! – à sua situação,
que sabemos que eles são cristãos “entrados na
paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão,
entra na paciência. Eles entraram na paciência: dai-lo
a saber, mas também dai-lo a saber ao senhor.
Pergunto-vos: vós rezais e por estes irmãos e estas
irmãs? Rezais por eles? Não vou agora pedir que
quem reza levante a mão: não. Não o perguntarei
agora. Mas pensai bem nisso. Na oração quotidiana,
dizemos a Jesus: “Senhor, olha para este irmão, olha
espiral _______________________________________________________________________ 10
11. para esta irmã que tanto sofre, que tanto sofre!” Eles
experimentam o limite, justamente o limite entre a
vida e a morte. E também para nós: esta experiência
deve levar-nos a promover a liberdade religiosa para
todos, para todos! Todos os homens e todas as
mulheres devem ser livres na sua confissão religiosa
seja ela qual for. Porquê? Porque esses homens e
essas mulheres são filhos de Deus.
E assim creio ter dito algo acerca das vossas
questões, peço desculpa se me alonguei demais.
Obrigado e não esqueçais: nada de Igreja fechada,
mas sim uma Igreja que sai para fora, para as
periferias da existência. Que aí o Senhor nos guie.
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Espiritualidade dos movimentos eclesiais
Na sua primeira homilia, a 14 de março de 2013,
o Papa Francisco aponta três marcas dos
movimentos: caminhar, edificar e confessar.
O movimento no caminho
Caminhar. «Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à
luz do Senhor» (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa
que Deus disse a Abraão: caminha na minha
presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida
é um caminho e, quando nos detemos, está errado.
Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do
Senhor, procurando viver com aquela
irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua
promessa.
O movimento na edificação da Igreja
Edificar. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as
pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras
ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a
Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é
o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da
nossa vida: edificar.
O movimento na confissão
Terceiro, confessar. Podemos caminhar o que
quisermos, podemos edificar um monte de coisas,
mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado.
Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas
não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se
caminha, ficamos parados. Quando não se edifica
sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo
que às crianças na praia quando fazem castelos de
areia: tudo se desmorona, não tem consistência.
Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar
nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao
Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus
Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o
mundanismo do demónio.
Sem Cruz, não somos discípulos do Senhor
Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a
realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se
caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há
movimentos que não são os movimentos próprios
do caminho, mas movimentos que nos puxam para
trás.
O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com
estas palavras «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo»,
diz-lhe «Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso
não vem a propósito». Sigo-Te com outras
possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos
sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos
um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do
Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres,
cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor.
Eu queria que, depois destes dias de graça, todos
nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de
caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do
Senhor; de edificar a Igreja sobre o sangue do
Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar
como nossa única glória Cristo Crucificado. E assim
a Igreja vai para diante.
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Os movimentos no Magistério da Igreja
No Pentecostes de 1998, realizou-se no
Vaticano o congresso mundial de movimentos
eclesiais. O Papa João Paulo II dirigiu um discurso
aos congressistas.
«Subitamente ressoou, vindo do céu, um som
comparável ao de forte rajada de vento, que encheu
toda a casa onde se encontravam. Viram, então,
aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam
dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos
ficaram cheios de Espírito Santo» (Act 2, 2-3).
1. Com estas palavras os Actos dos Apóstolos
introduzem-nos no coração do evento do
Pentecostes; apresentam-nos os discípulos que,
reunidos com Maria no Cenáculo, recebem o dom
espiral _______________________________________________________________________ 11
12. do Espírito. Realiza-se assim a promessa de Jesus e
inicia o tempo da Igreja. A partir daquele momento
o vento do Espírito levará os discípulos de Cristo
até aos extremos confins da terra. Levá-los-á até ao
martírio para o intrépido testemunho do Evangelho.
[…] 4. À Igreja que, segundo os Padres, é o lugar
«onde floresce o Espírito» (Catecismo da Igreja
Católica, n. 749), o Consolador deu recentemente
com o Concílio Ecuménico Vaticano II um
renovado Pentecostes, suscitando um dinamismo
novo e imprevisto.
Sempre, quando intervém, o Espírito nos deixa
maravilhados. Suscita eventos cuja novidade causa
admiração; muda radicalmente as pessoas e a
história. Esta foi a experiência inesquecível do
Concílio Ecuménico Vaticano II, durante o qual,
sob a guia do mesmo Espírito, a Igreja redescobriu
como constitutiva de si mesma a dimensão
carismática: «O Espírito Santo não só santifica e
conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos
e ministérios e o adorna com virtudes, mas
“distribuindo a cada um os Seus dons como Lhe
apraz” (1 Cor 12, 11), distribui também graças
especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os
tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e
encargos, proveitosos para a renovação e cada vez
mais ampla edificação da Igreja» (Lumen gentium, 12).
Os aspetos institucional e carismático são como
que coessenciais à constituição da Igreja e
concorrem, ainda que de modo diverso, para a sua
vida, a sua renovação e a santificação do Povo de
Deus. É desta providencial redescoberta da
dimensão carismática da Igreja foi que, antes e
depois do Concílio, se consolidou uma singular linha
de desenvolvimento dos movimentos eclesiais e das
novas comunidades.
5. Hoje, a Igreja alegra-se ao constatar o
renovado cumprimento das palavras do profeta Joel,
que há pouco escutámos: «Derramarei o Meu
Espírito sobre toda a criatura...» (Act 2, 17). Vós
aqui presentes sois a prova palpável desta «efusão»
do Espírito. Cada movimento difere do outro, mas
todos estão unidos na mesma comunhão e para a
mesma missão. Alguns carismas suscitados pelo
Espírito irrompem como vento impetuoso, que
arrebata e atrai as pessoas para novos caminhos de
empenho missionário ao serviço radical do
Evangelho, proclamando sem temor as verdades da
fé, acolhendo como dom o fluxo vivo da tradição e
suscitando em cada um o ardente desejo da
santidade.
Hoje, a todos vós reunidos aqui na Praça de São
Pedro e a todos os cristãos, quero bradar: Abri-vos
com docilidade aos dons do Espírito! Acolhei com
gratidão e obediência os carismas que o Espírito não
cessa de dispensar! Não esqueçais que cada carisma
é dado para o bem comum, isto é, em benefício de
toda a Igreja!
6. Pela sua natureza, os carismas são
comunicativos e fazem nascer aquela «afinidade
espiritual entre as pessoas» (cf. Christifideles laici, 24) e
aquela amizade em Cristo que dá origem aos
«movimentos». A passagem do carisma originário ao
movimento acontece pela misteriosa atracão
exercida pelo Fundador sobre quantos se deixam
envolver na sua experiência espiritual. Desse modo,
os movimentos reconhecidos oficialmente pelas
autoridades eclesiásticas propõem-se como formas
de autorrealização e reflexos da única Igreja.
O seu nascimento e a sua difusão trouxeram à
vida da Igreja uma novidade inesperada, e por vezes
até explosiva. Isto não deixou de suscitar
interrogativos, dificuldades e tensões; às vezes
comportou, por um lado, presunções e
intemperanças e, por outro, não poucos
preconceitos e reservas. Foi um período de prova
para a sua fidelidade, uma ocasião importante para
verificar a genuinidade dos seus carismas.
Hoje, diante de vós, abre-se uma etapa nova, a da
maturidade eclesial. Isto não quer dizer que todos os
problemas tenham sido resolvidos. É, antes, um
desafio. Uma via a percorrer. A Igreja espera de vós
frutos «maduros» de comunhão e de empenho.
7. No nosso mundo, com frequência dominado
por uma cultura secularizada que fomenta e difunde
modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é posta à
dura prova e, não raro, é sufocada e extinta.
Percebe-se, então, com urgência a necessidade de
um anúncio forte e de uma sólida e aprofundada
formação cristã. Como é grande, hoje, a necessidade
de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes
da própria identidade batismal, da própria vocação e
missão na Igreja e no mundo! E eis, então, os
movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles
são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este
dramático desafio do final de milénio. Vós sois esta
resposta providencial.
Os verdadeiros carismas não podem senão tender
para o encontro com Cristo nos Sacramentos. As
verdades eclesiais a que aderis ajudaram-vos a
redescobrir a vocação batismal, a valorizar os dons
do Espírito recebidos na Confirmação, a confiar-vos
à misericórdia de Deus no Sacramento da
Reconciliação e a reconhecer na Eucaristia a fonte e
o ápice da inteira vida cristã. E de igual modo,
graças a essa forte experiência eclesial, surgiram
esplêndidas famílias cristãs abertas à vida,
verdadeiras «igrejas domésticas», desabrocharam
muitas vocações ao sacerdócio ministerial e à vida
religiosa, assim como novas formas de vida laical
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13. inspiradas nos conselhos evangélicos. Nos
movimentos e nas novas comunidades aprendestes
que a fé não é questão abstrata, nem vago
sentimento religioso, mas vida nova em Cristo,
suscitada pelo Espírito Santo.
8. Como conservar e garantir a autenticidade do
carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada
movimento se submeta ao discernimento da
Autoridade eclesiástica competente. Por esta razão,
nenhum carisma dispensa da referência e da
submissão aos Pastores da Igreja. Com palavras
claras o Concílio escreve: «O juízo acerca da sua
autenticidade e reto uso pertence àqueles que
presidem na Igreja e aos quais compete de modo
especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e
conservar o que é bom (cf. 1 Ts 5, 12.19-21)»
(Lumen gentium, 12). Esta é a necessária garantia de
que a estrada que percorreis é justa!
Assim, na confusão que reina no mundo de hoje
é fácil errar, ceder às ilusões. Na formação cristã
cuidada pelos movimentos jamais falte o elemento
desta confiante obediência aos Bispos, sucessores
dos Apóstolos, em comunhão com o Sucessor de
Pedro! Conheceis os critérios de eclesialidade das
agregações laicais, presentes na Exortação
Apostólica Christifideles laici (cf. n. 30). Peço-vos que
lhes deis adesão sempre com generosidade e
humildade, inserindo as vossas experiências nas
Igrejas locais e nas paróquias, sempre permanecendo
em comunhão com os Pastores e atentos às suas
indicações.
O ensinamento de Bento XVI
Na vigília de Pentecostes de 2006, o Papa Bento
XVI encontrou-se com os movimentos eclesiais e
dirigiu-se a eles na celebração das primeiras vésperas
da vigília.
«[…] Pertencentes a diversos povos e culturas,
vós representais aqui todos os membros dos
movimentos eclesiais e das novas comunidades,
espiritualmente reunidos em redor do Sucessor de
Pedro para proclamar a alegria de crer em Jesus
Cristo, e renovar o compromisso de lhe serdes
discípulos fiéis neste nosso tempo.
[…] Os Movimentos nasceram precisamente da
sede da vida verdadeira; são Movimentos pela vida
sob todos os aspetos.
[…] Na Carta aos Efésios, São Paulo diz-nos que
este Corpo de Cristo, que é a Igreja, contém junturas
(cf. 4, 16), e chega a enumerá-las: são os Apóstolos,
os Profetas, os Evangelistas, os Pastores e os
Mestres (cf. 4, 11). Nos seus dons o Espírito é
multiforme. […] Se consideramos a história, […]
então compreendemos como Ele suscita sempre
novas dádivas; observamos como são diferentes os
órgãos que Ele cria; e como, sempre de novo, age
corporalmente. No entanto, nele a multiplicidade e a
unidade caminham juntas. Ele sopra onde quer. E
fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos
e de maneiras precedentemente inimagináveis. E
com que multiformidade e corporeidade o faz! É
também precisamente aqui que a multiplicidade e a
unidade são inseparáveis entre si. Ele quer a vossa
multiformidade, e deseja que sejais o seu único
corpo, na união com as ordens duradouras as
junturas da Igreja, com os sucessores dos Apóstolos
e com o Sucessor de São Pedro.
Ele não nos poupa o cansaço de aprender o
modo de nos relacionarmos uns com os outros; mas
demonstra-nos também que age em vista do único
corpo e na unidade do único corpo. É exclusiva e
precisamente assim que a unidade alcança a sua
força e a sua beleza. Participai na edificação do
único corpo! Os pastores estarão atentos a não
apagar o Espírito (cf. 1 Ts 5, 19), e vós não cessareis
de oferecer as vossas dádivas à comunidade inteira.
[…] Estimados amigos, peço-vos que sejais ainda
mais, muito mais, colaboradores no ministério
apostólico universal do Papa, abrindo as portas a
Cristo. Este é o melhor serviço da Igreja aos
homens e, de maneira totalmente particular, aos
pobres, a fim de que a vida da pessoa, uma ordem
mais justa na sociedade e a convivência pacífica
entre as nações encontrem em Cristo a "pedra
angular" sobre a qual construir a autêntica
civilização, a civilização do amor. O Espírito Santo
oferece aos fiéis uma visão superior do mundo, da
vida e da história, fazendo deles guardiães da
esperança que não engana.
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«Bento XVI disse aos bispos: “Vão ao encontro dos movimentos com
muito amor”», entrevista a Arturo Cattaneo, professor de Direito Canónico
De 15 a 17 de maio de 2008, celebrou-se em
Rocca di Papa, perto de Roma, o II Seminário de
estudo para os bispos sobre o tema dos movimentos
eclesiais, tendo como tema uma frase do Papa Bento
XVI “Vão ao encontro dos movimentos com muito
amor”. Padre Cattaneo, um dos oradores, concedeu
uma entrevista à Agência Zenit.
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14. No Pentecostes de 1998, João Paulo II
dirigia-se aos movimentos eclesiais recordando
que o seu nascimento «ofereceu à vida da Igreja
uma novidade inesperada, inclusive fraturante.
Hoje, que nos pode dizer a respeito?
Após um «período de prova» e de verificação,
abriu-se uma etapa nova: a da maturidade eclesial.
Aprecia-se especialmente isso quanto à sua inserção
nas Igrejas particulares.
O que torna difícil a solução dos problemas?
As dificuldades derivam frequentemente dos
preconceitos, incompreensões por parte dos fiéis da
comunidade local, por um lado, e de imprudência,
inexperiência ou exuberância por parte dos
membros dos movimentos, por outro. Também –
como observou o P.e Jesús Castellano – «os
carismas não existem em estado puro, e às vezes em
nome dos carismas podem se realizar abusos». É
necessário, portanto, uma contínua obra de
purificação e, por parte do bispo, precisa-se não só
de promoção das riquezas carismáticas, mas também
discernimento, vigilância e correção de eventuais
abusos.
Como superar as dificuldades e tensões?
Principalmente com o diálogo animado pela
caridade, com um pouco de paciência e de boa
vontade para compreender e fazer-se compreender.
Qual a missão dos bispos?
Eu sintetizo em quatro pontos, em
correspondência com as características essenciais da
Igreja: ser una, santa, católica e apostólica. Cada
bispo diocesano deve promover na Igreja a ele
confiada a unidade na pluralidade, a catolicidade no
senso de abertura à Igreja universal, assim como a
apostolicidade que implica a complementaridade
entre instituição e carisma. Atuando assim, o bispo
contribuirá para a santidade de sua Igreja particular
como primeiro servidor do Espírito.
Em que sentido isso garantiria a integração
dos movimentos eclesiais?
O serviço do bispo à unidade deve ser realizado
na consciência de que a diversidade de ministérios,
carismas, formas de vida e de apostolado não é um
obstáculo para a unidade da Igreja particular, mas
uma riqueza. Deve-se considerar que o caráter de
comunhão, precisamente da Igreja, comporta, por
uma parte, a mais sólida unidade e, por outra, uma
pluralidade e uma diversificação que não são
obstáculos para a unidade. Uma compreensão
limitada da unidade levaria a uma uniformidade
pastoral que tornaria difícil a inserção e a ação
apostólica dos diversos movimentos.
Por outra parte, uma das características
predominantes dos novos movimentos eclesiais é
sua dimensão universal. Como realidade da Igreja
universal, em virtude da mútua interioridade entre
Igreja universal e particular, os movimentos estão
chamados a atuar nas Igrejas particulares,
enriquecendo-as e preservando-as do perigo do
«particularismo» e do «localismo».
Não há também um perigo oposto, o de um
movimento não se radicar na Igreja local?
Certamente, a característica universalidade dos
movimentos não deve fazê-los esquecer que a Igreja
possui também uma dimensão particular essencial.
Os movimentos serão, portanto, plenamente
eclesiais também na medida em que se radiquem nas
diversas Igrejas particulares. A visão universal da
Igreja, que representa uma das contribuições
valiosas dos movimentos às Igrejas particulares, se
deformaria, convertendo-se em uma visão
platonicamente ‘universalista’, e isso deteria a
atenção à realidade e os problemas da Igreja
particular. Também isso é amor pela Igreja. Os
membros dos movimentos, permanecendo fiéis ao
próprio carisma, deverão procurar inseri-lo
criativamente na vida da respetiva Igreja particular,
sem limitar-se a estar presentes nos organismos
diocesanos. O campo de ação eclesial próprio dos
fiéis leigos é o da vida familiar, social, profissional,
política, cultural, esportiva, etc. Com esta presença
capilar na vida da diocese, evitarão que o carisma do
movimento possa aparecer nela como um corpo
estranho. É algo análogo à inserção em uma
orquestra de um novo instrumento musical que,
ainda conservando suas características, se adapta às
particularidades que lá encontra, com o fim de
produzir uma verdadeira sinfonia, e isso graças à
ação do diretor da orquestra, que, em nosso caso, é
o bispo.
Afirma que o bispo é servidor do Espírito.
Em que sentido?
O bispo é o primeiro ministro do Espírito
Santificador. Exerce uma função de moderador, de
episkpé, o serviço do Espírito de Cristo, velando para
que as diversas iniciativas apostólicas originadas
pelos carismas sejam desenvolvidas na concórdia e
contribuam para a edificação da Igreja, na fidelidade
à tradição apostólica. Sua potestade não é entendida
como o centro de cuja plenitude saem todos os
ministérios e as iniciativas apostólicas em sua Igreja,
mas como o centro que unifica, coordena, anima,
promove e modera, sempre consciente da
responsabilidade de seguir a ação multiforme do
Espírito.
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15. «Com os Movimentos na Igreja», por D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu
O texto seguinte foi publicado na Agência Ecclesia,
em 15 de junho de 2010.
“Os Movimentos na Igreja. Presença do Espírito
e Esperança para os Homens” – é o título da
tradução portuguesa de uma pequena reflexão sobre
este tema, feita pelo Papa Bento XVI, no
Pentecostes de 2006. Gosto deste título – traduz o
que penso dos Movimentos, aponta, com clareza, o
lugar que lhes pertence na Igreja e o que podem
significar, olhando o futuro de uma Igreja que quer
anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo.
Os Movimentos na Igreja podem ler-se e
interpretar-se à luz do capítulo XII da Primeira
Carta de S. Paulo aos Coríntios. Procedem, todos,
do Espírito Santo; orientam-se, todos, para o bem
da Igreja; estão na Igreja como os membros no
corpo humano. Estes são critérios que ajudam ao
seu discernimento – missão dos Pastores nas
Comunidades Cristãs. Aliás, o Papa Bento XVI,
aquando da sua visita a Portugal, em Fátima, no dia
13 de Maio passado, aponta aos Bispos uma nota
importantíssima: «Os portadores de um carisma
particular devem sentir-se fundamentalmente
responsáveis pela comunhão, pela fé comum da
Igreja e devem submeter-se à guia dos Pastores. São
estes que devem garantir a eclesialidade dos
Movimentos. Os Pastores não são apenas pessoas
que ocupam um cargo, mas eles próprios são
carismáticos, são responsáveis pela abertura da
Igreja à ação do Espírito Santo».
Todos, de alguma forma, sabíamos isto: os
Bispos e os Responsáveis e seguidores de um
Movimento. Penso que, nem uns nem outros temos
tido coragem e consciência para reconhecer e,
sobretudo, atuar de que é nesta abertura, nesta
clareza e nesta confiança que, para bem e fidelidade
ao Espírito e à Igreja devemos agir. Tudo isto, numa
docilidade, simples e obediente, ao Espírito Santo.
No mesmo discurso, dizia Bento XVI: «A propósito,
confesso-vos a agradável surpresa que tive ao
contactar com os Movimentos e novas
Comunidades Eclesiais. Observando-os, tive a
alegria e a graça de ver como, num momento de
fadiga da Igreja, num momento em que se falava de
«Inverno da Igreja», o Espírito Santo criava uma
nova primavera, fazendo despertar nos jovens e
adultos a alegria de serem cristãos, de viverem na
Igreja que é o Corpo vivo de Cristo. Graças aos
carismas, a radicalidade do Evangelho, o conteúdo
objetivo da fé, o fluxo vivo da sua tradição
comunicam-se persuasivamente e são acolhidos
como experiência pessoal, como adesão da liberdade
ao evento presente de Cristo».
Está aqui, no meu entendimento, a doutrina
fundamental sobre a sua importância, o seu lugar e a
sua missão na Igreja. Ainda, o tempo da sua vigência
e atualidade. De facto, não são “eternos”, no sentido
de cada um ser indispensável. Indispensável é a
presença do Espírito Santo que suscita, em cada
tempo, a forma concreta de ser ação e força
renovadora e transformadora, ao serviço da
salvação. Em cada tempo, surgem outros novos,
com novas expressões, com nova vitalidade e
provocando novo entusiasmo. Tenhamos a
consciência e a certeza de uma coisa importante: o
Espírito Santo não se repete, não envelhece, não
para na Sua missão e não desiste de renovar a face
da terra.
Creio firmemente que, enquanto manifestação do
Espírito em cada tempo, os Movimentos são
indispensáveis à vida da Igreja e têm um lugar
insubstituível na Iniciação Cristã de muitos
batizados, levando-os ao encontro pessoal com
Jesus Cristo. É o que Bento XVI disse aos Bispos
Portugueses. A “agradável surpresa”, atrás citada e
que o Papa partilhou, estava na sequência de um
desejo de João Paulo II que citou no discurso. O seu
Antecessor falava da necessidade que a Igreja tem de
“grandes correntes, movimentos e testemunhos de
santidade entre os fiéis”, acrescentando Bento XVI
que poderia alguém dizer: «É certo que a Igreja tem
necessidade de grandes correntes, movimentos e
testemunhos de santidade…, mas não os há»!
Porque os Movimentos são essenciais e
indispensáveis à Igreja e porque o Espírito Santo
não para e não desiste, não O extingamos, com a
nossa inação, com a nossa intolerância ou vontade
de controlo ou com a nossa falta de discernimento
positivo, exigente e responsável, no amor e serviço à
mesma Igreja!...
Tudo o que o Papa disse aos Bispos, no mesmo
discurso, parece ter em pensamento esta mesma
ideia. Enuncio, apenas, alguns pontos concretos em
que o Papa parece apontar, ainda que não
expressamente, a importância dos Movimentos: a
Iniciação Cristã, “exigente e atrativa”; a “necessidade
de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo,
sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé
é mais amplo e profundo”; o apelo a que se
continuem a estimular os que, nos lugares ‘difíceis’,
“defendem com coragem um pensamento católico
vigoroso e fiel ao Magistério”; a urgência de
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16. “inculcar em todos os agentes evangelizadores um
verdadeiro ardor de santidade”; a certeza de que
“aquilo que fascina é sobretudo o encontro com
pessoas crentes que, pela sua fé, atraem para a graça
de Cristo dando testemunho d’Ele”, etc.
Na Pastoral da Igreja e, no momento em que a
Conferência Episcopal Portuguesa está apostada em
“repensar a Igreja em Portugal”, os Movimentos e as
novas Comunidades Eclesiais são chamados a ter
um lugar muito importante neste caminho. Há
aspetos na renovação da Igreja e na sinodalidade que
se sente urgente incrementar nas Dioceses do nosso
País e que são já prática de ação de muitos carismas
e de muitas experiências que muitos Movimentos
vão fazendo. Precisamos de contar mais uns com os
outros e de praticar o acolhimento, o diálogo e a
comunhão, de forma concreta, aceitando que é o
mesmo Espírito a conduzir a Igreja onde todos nos
situamos.
Neste caminho, verdadeiramente iluminadora e
orientadora é a “condição necessária” apontada por
Bento XVI aos Bispos: «que estas novas realidades
queiram viver na Igreja comum, embora com
espaços de algum modo reservados para a sua vida,
de maneira que esta se torne depois fecunda para
todos os outros». Entender esta condição é decisivo
– para os Bispos e Sacerdotes e para todas estas
“novas realidades”. Há que fazer caminho, com
muita humildade, conhecendo-nos e escutando-nos
mutuamente, prosseguindo este necessário e urgente
equilíbrio.
Uma nota final: ninguém deverá invocar que o
‘seu’ é o melhor e que os outros são dispensáveis…
S. Paulo, com a imagem do corpo humano, explica a
hierarquia, o lugar e a necessidade de todos para o
bem comum. Bento XVI dizia, no Pentecostes de
2006, que os Movimentos na Igreja contribuíam
para “proclamar a alegria de crer em Jesus Cristo e
renovar o compromisso de Lhe ser discípulo fiel
neste nosso tempo” (cf Os Movimentos na Igreja, p.
7). Este nosso tempo não pode nem deve perder as
oportunidades do Espírito.
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Relação entre a paróquia e os movimentos eclesiais
Entrevista da Agência Zenit a Arturo Cattaneo,
professor de Direito Canónico em Veneza.
Os movimentos eclesiais acabarão por
substituir as paróquias?
Não, porque a paróquia desempenhará sempre
um papel fundamental e insubstituível. Há que
pensar na paróquia como a «casa comum dos fiéis»,
o «primeiro lugar de encarnação do Evangelho», e
não se pode substituir com movimentos.
Então, porque é tão positivo e promissor o
desenvolvimento dos movimentos?
É evidente que a paróquia não é o único meio
com o que a Igreja responde às exigências da
evangelização. A paróquia não pode conter toda
forma possível de vida cristã, seja individual ou de
grupo, como se fosse uma diocese em miniatura.
Que contributo oferecem às paróquias?
João Paulo II manifestou com frequência a sua
confiança na capacidade dos movimentos para
renovar a ação apostólica da Igreja e, em especial, a
das paróquias. Às vezes, vemos paróquias que
enfraquecem, convertidas em meras «distribuidoras
de serviços pastorais».
Neste caso, o papel dos movimentos é
especialmente importante e providencial, ante o
desafio da descristianização, e a resposta às
demandas de religiosidade, cada vez mais urgentes
no Ocidente.
Cada movimento tem um carisma próprio e os
que participam são chamados e ajudados a vivê-lo
na vida familiar, social, profissional, política, cultural,
esportiva etc., justamente esta presença capilar de
vida cristã é a principal contribuição dos
movimentos à paróquia.
Como observou recentemente o professor
Giorgio Feliciani: «A primeira e mais importante
contribuição que os movimentos podem dar a uma
comunidade paroquial é a presença em seu âmbito
territorial daquelas que João Paulo II definiu
“personalidades cristãs maduras, conscientes de sua
própria identidade batismal, sua própria vocação e
missão na Igreja e no mundo”. E, pelo mesmo,
capazes de oferecer a todos que encontrem um
testemunho de vida cristã significativo».
Às vezes fala-se do perigo de que os
movimentos constituam uma Igreja paralela.
A autoridade eclesiástica, que aprova os estatutos
e vigia a atuação destes movimentos, é a instância
competente para evitar que cresçam como uma
Igreja paralela.
Os movimentos, por sua vez, devem ter a
capacidade de fazer que o próprio carisma se integre
na Igreja local. Os membros dos movimentos,
permanecendo fiéis ao próprio carisma, deverão
tratar de inseri-lo criativamente na vida da Igreja
local.
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