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Boletim da Associação FRATERNITAS MOVIMENTO – n.º 52 – maio – setembro de 2014 
espiral.fraternitas@gmail.com | http://fraternitasmovimento.blogspot.pt 
Fraternitas em renovação 
FERNANDO FÉLIX, presidente 
A Igreja vive dos carismas. Os novos 
movimentos eclesiais surgidos na segunda metade 
do século XX caracterizam-se sobretudo pelo facto 
de dirigir-se principalmente a fiéis leigos para ajudá-los 
a viver com plena coerência o seguimento de 
Cristo na vida quotidiana ou realidades seculares. 
Mas também há movimentos sacerdotais. 
A Associação Fraternitas Movimento nasceu há 
18 anos. Cumpre, por dom particular do Espírito 
Santo, uma missão que nenhum outro organismo 
eclesial pode satisfazer. 
Em outubro, na Assembleia Geral 
Extraordinária, vamos definir os próximos anos. 
Uma das tarefas será eleger os corpos sociais. Para 
mim, o ponto final deste parágrafo é também o 
ponto final na Presidência. Agradeço a Deus o dom 
deste ministério, que exerci durante três anos, 
agradeço aos colegas e a todos os sócios, e coloco 
sob a ação do Espírito Santo aquele(s) que Ele 
escolheu para guiar a Fraternitas no próximo triénio. 
____________________________________________________________________________________ 
A refundação da Fraternitas 
ANTÓNIO DUARTE, tesoureiro e vogal 
A Assembleia Geral, de 25 de abril passado, 
votou para 25 de outubro próximo, a realização 
de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE.) 
deliberativa bem como a nomeação de uma 
Comissão ad hoc para a preparar em ligação com a 
Direção. De então para cá, várias coisas 
aconteceram com essa finalidade: 
– No dia 17 de maio, Comissão e Direção 
reuniram-se em Lisboa e, nesse encontro, foi 
estabelecido enviar uma carta aos sócios com 
quotas em atraso para regularizarem a sua 
situação até 30 de junho, a fim de terem direito a 
voto na AGE. Essa carta foi enviada no início de 
junho. 
– No dia 7 de junho, realizou-se no Seminário 
Redentorista de Cristo-Rei, em Vila Nova de 
Gaia, um Encontro Regional com a presença de 
23 associados. 
– No dia 12 de julho, teve lugar em Lisboa outro 
Encontro Regional com a presença de 12 associados. 
– Com data de 1 de maio, chegou à direção da 
Fraternitas uma «reflexão sobre a Fraternitas 
Movimento», do sócio n.º 1, Francisco Monteiro. 
– A Direção contactou com vários sócios por 
telefone. 
Como preparar a Assembleia Extraordinária? 
Proponho quatro passos. 
1.º: (Re)lendo textos bíblicos inspiradores. Lendo e 
meditando, por exemplo, a eleição do apóstolo Matias 
num contexto comunitário de retiro e oração 
continuada e intensa, onde estavam presentes cerca de 
120 pessoas, entre elas os Apóstolos, algumas mulheres 
– incluindo Maria, Mãe de Jesus, e seus familiares. 
Pedro dirigiu a assembleia, mas a escolha foi 
comunitária (Act 1, 12-26). 
Lendo e meditando – segundo exemplo – a 
instituição dos sete diáconos (Act 6, 1-6). Quem 
convocou esta assembleia dos discípulos foram os 
espiral _______________________________________________________________________ 1
Doze. Quem escolheu os sete diáconos foi a 
assembleia, respeitando os critérios definidos 
pelos Apóstolos: «Procurai entre vós sete homens 
de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de 
sabedoria», e nós dar-lhes-emos posse, impondo-lhes 
as mãos. Para os Apóstolos ficava a oração e 
o serviço da Palavra; para os diáconos, o serviço 
quotidiano de servir às mesas. S. Lucas regista 
que a proposta agradou a toda a assembleia. 
Lendo e meditando – terceiro exemplo – o 
sínodo de Jerusalém (Act. 15, 1-35) para resolver 
o litígio de cristãos judeus e cristãos gentios. Os 
cristãos judeus queriam impor aos cristãos 
gentios, para serem salvos, o rito da circuncisão e 
as leis de Moisés. Este sínodo envolveu duas 
cidades: Antioquia e Jerusalém; vários 
protagonistas: Pedro e Tiago, que tomaram a 
palavra. Paulo e Bernabé, que defendiam os 
gentios e que, com outros, foram a Jerusalém 
para os advogar; uma carta apostólica dirigida aos 
«irmãos da gentilidade que estão em Antioquia, 
na Síria e Cilícia», levada por «Judas, chamado 
Barsabás, e Silas, dois líderes entre os irmãos», 
delegados de Jerusalém a Antioquia. 
2.º Releitura atenta dos Estatutos da 
Associação Fraternitas Movimento, para saber: 
a) Quem são os membros efetivos da 
Associação: Artigo 1 e Artigo 6, n.º1. 
b) Que do pagamento das quotas só estão 
dispensados os membros honorários e 
beneméritos: Artigo 8. 
c) Que só a Assembleia Geral tem 
competência para fixar e alterar o valor da quota: 
Artigo 11, n.º 8. 
d) Que o financiamento básico das Fraternitas 
é assegurado através de uma joia de adesão e de 
uma quota anual: Artigo 33; e de donativos feitos 
pelos sócios: Artigo 33, n.º 1. 
e) Que a joia de adesão é paga de uma só vez 
no ato da admissão: Artigo 34, n.º 1. 
f) Que o pagamento das quotas deverá fazer-se 
durante o primeiro trimestre de cada ano civil: 
Artigo 34, n.º 2. 
3.º Quem tem direito a voto nesta assembleia? 
A 1 de setembro, quando foi escrita a carta 
convocatória para a Assembleia Geral 
Extraordinária, dos 159 sócios da Fraternitas, 96 
tinham direito a voto: 
a) 33 casais com as quotas todas em dia. 
b) 4 casais que pagaram 2014. 
c) 9 sócios singles com as quotas todas em dia. 
d) 2 sócios singles que pagaram 2014. 
e) 7 viúvas pagaram primeira quota em 2014. 
4.º Sócios exemplares 
Dos sócios que pagam as quotas, 90 % são sócios 
com mais de 70 anos. 
Caminhando para os 20 anos da Fraternitas 
Proponho que se releia um texto vivencial-doutrinário, 
escrito em 2008 e publicado no Espiral n.º 
31 (abril-junho), da autoria de Pacheco de Andrade. 
Para introduzi-lo, vou transcrever uma passagem da 
Carta aos Hebreus 13, 7-9a: «Lembrai-vos dos vossos 
chefes, que vos anunciaram a Palavra de Deus. 
Considerai o êxito da sua conduta e imitai a sua fé. 
Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e por toda a 
eternidade. Não vos deixeis transviar por doutrinas 
incertas e estranhas.» 
«Ares da Fraternitas. O nosso matrimónio é um acto 
de coragem. 
Começo por dizer que não me detenho sobre o que 
fui. É um passado que assumo. Mas devo adiantar que, 
na minha actual situação, me sinto inteiramente 
despreocupado no foro da minha consciência. 
Por outro lado, considero que é uma lufada de ar 
fresco o facto de entre nós, membros da Fraternitas, no 
agradável convívio que todos os anos nos reúne em 
Fátima, não nos carpirmos com mornos sentimentos 
de culpa por termos tido a coragem, sim a coragem, de 
havermos dado o passo que demos. E aqui registe-se 
uma palavra de preito e admiração por aquelas que 
aceitaram, com a mesma coragem, se não mais ainda, 
serem nossas companheiras de vida e mães dos nossos 
filhos e suas educadoras admiráveis. 
Por detrás de tudo isto, como nuvem cinzenta, está 
a milenar lei do celibato (Concílio de Elvira no termo 
do primeiro milénio). Isto é, durante os primeiros mil 
anos de cristianismo, o celibato foi opção livre e não 
obrigação imposta. 
Quando no Sínodo de 1971, com atraso de dez 
séculos, Roma trouxe a debate o celibato, houve uma 
movimentação no mundo católico. Foi feito um 
inquérito em cada diocese e alguns resultados que 
transpiraram – na Igreja também há fugas de 
informação – davam como aprovada maioritariamente 
pelo clero de vários países a opcionalidade do celibato. 
Estranhamente, Paulo VI, que teve a iniciativa de 
abrir esta consulta ao clero de todo o mundo, depois 
recuou, não resistiu a fazer uma contraditória pressão, 
advertindo quer os bispos quer o clero para não se 
deixarem influenciar. Do meu ver pessoal, acho que 
esta intervenção foi um desastre, porque inquinou todo 
o processo de consulta. Era uma intromissão na 
liberdade de cada um, depois de ter reconhecido esta. 
E, no entanto, eu nessa altura defendia o celibato. Foi a 
partir daí que comecei a achá-lo abusivamente 
impositivo como obrigação. Uma lei positiva a 
atropelar um direito natural Vem isto a propósito de 
espiral _______________________________________________________________________ 2
quê? Fala-se muito em escassez de vocações. 
Penso, às vezes, nos nossos encontros da 
Fraternitas, em quantos daqueles que ali vão não 
voltariam a exercer, se acontecesse a abertura 
que, suponho virá, um dia mais à frente e que 
poderá demorar um século, se Roma olhar com 
realismo a situação de uma Igreja na qual o 
número de padres irá diminuindo. 
Pessoalmente, devo dizer que não renego o 
meu passado. Mas que não alimento qualquer 
nostalgia que me desvie do meu presente. Sinto-me 
bem como estou, e a minha consciência 
apenas me exige que seja fiel ao meu matrimónio 
e ame a minha mulher e o meu filho. 
Não sei quantos movimentos, paritários da 
Fraternitas, existirão no mundo. De qualquer modo, 
não deveria ser indiferente ao Vaticano que os cerca de 
150 mil padres impedidos de exercerem o múnus 
sacerdotal continuem à margem do altar. Trata-se de 
um enorme problema. Para mim, não é problema. Para 
Roma, é. Dela depende que deixe de o ser.» 
Lembro que Pacheco de Andrade, que, no dia 20 de 
novembro atingirá a linda idade de 93 anos, foi um 
grande jornalista que escreveu para vários jornais e 
publicou um livro sobre o notável bispo do Porto, D. 
António Ferreira Gomes. Como seu suporte está a 
professora Maria Da Graça, que ele elogia neste 
depoimento. 
____________________________________________________________________________________ 
Reflexão sobre a Fraternitas Movimento 
FRANCISCO MONTEIRO, sócio n.º 1 
Em resposta ao pedido de sugestões que foi 
feito aos sócios da Fraternitas sobre o tema da 
Fraternitas Movimento e agradecendo esse 
pedido de participação, junto envio algumas 
reflexões que se estendem a algumas outras 
questões abordadas na recente Assembleia Geral. 
1. A Fraternitas, desde o seu início é uma 
“Associação Fraternitas – Movimento”. Está 
nos Estatutos da Fraternitas (título e artº 1), está 
na deliberação de aprovação dos Estatutos pela 
Assembleia Plenária da Conferência Episcopal 
Portuguesa (CEP) de 5 de maio de 2000 (nº 8 do 
Comunicado Final) e está no Anuário Católico de 
Portugal editado pela CEP (2009, pág. 968) com 
o título “Fraternitas Movimento”; logo no início 
desta referência no Anuário da CEP diz-se: 
Perfil: “Fraternitas Movimento” é uma associação 
privada de fiéis, constituída por Padres 
dispensados do exercício do Ministério, casados 
ou não, e suas esposas ou viúvas. Os seus 
estatutos foram aprovados pela CEP em Maio de 
2002. Goza de personalidade jurídica e não tem 
fins lucrativos. 
Conclui-se portanto que a Fraternitas, desde o 
seu início é um Movimento. 
2. O motivo pelo qual a Fraternitas – 
Movimento desde o seu início se ter constituído 
como uma associação foi aquela que acabo de 
citar no Anuário da CEP: para gozar de 
personalidade jurídica, isto é, para existir 
formal e legalmente. 
Agora pretende-se alterar a personalidade 
jurídica da Fraternitas – Movimento? Com que 
finalidade e com que consequências? Deixar de ser uma 
IPSS (se é que a Fraternitas o é, i. é se alguma vez o 
requereu) é relativamente simples, penso: é só declarar 
a cessação de atividade enquanto IPSS na Segurança 
Social. Em consequência disso cessarão, penso, as 
obrigações perante as Finanças e a própria Segurança 
Social. E a Fraternitas – Movimento continuará a sua 
existência jurídica, sobretudo perante a CEP. Isto 
resolverá a preocupação da última Assembleia Geral 
(AG)? 
A finalidade será reduzir os Órgãos Sociais da 
Fraternitas? Isso também será fácil: basta que na 
próxima AG se altere o Artigo 19 dos Estatutos e se 
reduza o número de membros da Direção ao mínimo 
legalmente possível que são, penso, três. Aliás, a AG 
poderá deliberar que a Fraternitas seja dirigida por um 
Comissão Executiva de três pessoas, por ex., passando 
os restantes titulares dos Órgãos Sociais a desempenhar 
uma função meramente perfunctória – nas AG uma 
vez por ano. 
3. Se bem entendi, há um “movimento” dentro do 
Movimento, legítimo, como todos, para que os sócios 
ordenados da Fraternitas se virem para a inserção na 
Igreja, “esquecendo” o regresso ao exercício do 
ministério. Ora, peço desculpa por ser um ancião a 
falar, neste caso a escrever, desde o princípio (já lá 
vamos ao futuro) que existem, eu diria coexistem em 
perfeita paz, as duas tendências: os que desejam 
regressar ao exercício do ministério, como eu próprio, 
e os que nem querem ouvir falar disso, não estão 
interessados. Sempre vivemos as duas tendências com 
total respeito mútuo. Porquê agora pretender que a 
posição da Fraternitas seja a segunda: revelar claro 
repúdio pelo regresso ao exercício do sacerdócio? Não 
deverá antes a Fraternitas ser inclusiva de todas as 
espiral _______________________________________________________________________ 3
sensibilidades, tendências, experiências e 
perspetivas dos seus membros, como sempre foi? 
4. O segredo do nosso futuro enquanto 
inseridos na Igreja, quanto a mim, foi-nos 
clarissimamente apontado em Outubro de 2012, 
em Vila Nova de Gaia, pelo P. Rui Santiago, no 
final do retiro da Fraternitas, quando alguém lhe 
perguntou precisamente isso: se a Igreja não nos 
deveria aproveitar melhor; o P. Rui respondeu 
simplesmente que nós podemos sempre e 
devemos inserir-nos nas múltiplas atividades da 
Igreja. Por mim, e o conselho do P. Rui ajudou-me 
muito, isso tenho procurado fazer: trabalhar 
na Pastoral dos Ciganos na CEP, aceitar o 
convite do meu pároco (Lisboa – S. Francisco 
Xavier) para fazer a preparação dos adultos e 
jovens para o Crisma ao que se seguiu, no Ano da 
Fé e depois, um programa com sessões semanais 
a que se chamou DIAF (Diálogos para o 
Aprofundamento da Fé) que só agora foi 
interrompido com a minha doença, ao fim 40 
semanas, mas que vai continuar, e a publicação de 
quatro livros de espiritualidade, o último dos 
quais intitulado “Deus, o Mundo e a Igreja” 
publicado no Kindle da Amazon. 
5. Finalmente, como disse há pouco tempo ao 
nosso querido irmão Luís Cunha: “quanto à 
Fraternitas só lembrava o Sl 133, 1: “Vede como é 
bom, como é agradável que os irmãos vivam unidos!”: 
o Salmista não acrescenta: “desde que não haja 
doenças, desde que ninguém envelheça”… Há padres 
dispensados novos que não querem nada com a 
Fraternitas? E nós fizemos o marketing da Fraternitas 
com eles como o P. Filipe fez connosco? Convidá-los, 
falar-lhes, dizermos-lhes quem somos e o que fazemos? 
6. Um pouco à margem das questões anteriores, há 
que refletir sobre as consequências da eventual inserção 
da Fraternitas no Apostolado dos Leigos, se, o que 
espero não aconteça, se acabar por optar por 
transformar a Fraternitas num movimento laical. Todos 
sabemos como a questão do convite dirigido à 
Fraternitas pela Associação do Apostolado dos Leigos 
que aparentemente é independente daquela que agora 
se chama Comissão Episcopal do Laicado e Família, 
resultou de um equívoco e da boa vontade de quem 
aceitou o convite. O “estado laical” a que os membros 
ordenados da Fraternitas foram “reduzidos” não pode 
esconder o carácter do sacramento da Ordem. Daí que 
a inserção da Fraternitas – Movimento numa estrutura 
da Igreja, não seja coisa óbvia: mais fácil será a inserção 
dos seus membros nas obras da Igreja. Eu diria que a 
Fraternitas – Movimento a pertencer a uma estrutura 
da Igreja, essa estrutura é mais única que outra coisa. 
____________________________________________________________________________________ 
Sínodos diocesanos e algumas “periferias existenciais” 
LUÍS CUNHA, sócio n.º 19 
Na base e finalidade de qualquer pastoral, estão 
as pessoas – agentes e destinatários: homem e 
mulher com sua sexualidade, feitos “à imagem e 
semelhança de Deus”. Este Criador e Redentor, no 
Seu projeto, assim quis o género humano para este 
ser feliz na racionalidade, bondade, beleza, amor, em 
ordem à formação, desenvolvimento e glorificação 
do Seu Povo no Seu Reino. 
O pecado, porém, também de cristãos e 
estruturas eclesiais, em que se foi amontoando o pó, 
transformado em lama de séculos, foi desviando por 
ínvios caminhos os desígnios divinos e desfigurando 
o rosto belo da Boa Nova do Senhor Jesus. Aliás, já 
o próprio Jesus advertia quando falava do 
farisaísmo: “Atam fardos pesados e insuportáveis e 
colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não 
põem nem um dedo para os deslocar” (MTV 23,4). 
Felizmente, a renovação da Igreja, tantas vezes 
falada, timidamente procurada, sempre in fieri (a 
acontecer), está, agora, imparavelmente, na ordem 
do dia. Respiram-se ares novos após a entrada do 
Papa Francisco para o leme da Igreja Católica e sua 
atenção às “periferias existenciais”. 
É a hora de lembrar e pôr em prática a 
Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen 
Gentium. Depois de, no cap. II, a Constituição tratar 
do Povo de Deus, o cap. III é especialmente 
dedicado ao Colégio Episcopal, terminando o n.º 23 
assim: As Conferências episcopais podem hoje 
desenvolver uma ação variada e fecunda para que o 
espírito colegial encontre aplicações concretas. Diz 
no n.º 25: A infalibilidade prometida à Igreja reside 
também no corpo episcopal, quando ele exerce o 
magistério supremo com o Sucessor de Pedro. 
Urge, pois, que, nas Igrejas particulares, as bases 
do Povo de Deus, que o Papa tanto gosta de 
auscultar, tenham a palavra sobretudo nos 
providenciais Sínodos Diocesanos, uns a decorrerem 
ou anunciados e outros que se seguirão. Com a 
escuta do Espírito Santo e o discernimento 
evangélico, estimulem, com as suas propostas, a 
Conferência Episcopal Portuguesa. Com pessoas 
realizadas segundo a infinita bondade e misericórdia 
espiral _______________________________________________________________________ 4
do Deus Amor colocadas nas estruturas pastorais, as 
periferias também serão atingidas. Mencionam-se 
algumas situações necessitadas de especial atenção e 
que as ditas bases bem conhecem. 
O celibato no sacerdote será um carisma, uma 
joia quando e enquanto for opcional, assumido em 
liberdade. O mesmo se pode dizer da virgindade. De 
outra maneira, será fonte de conflitos interiores, de 
descalabros morais, de uniões ilícitas, de descrédito 
para a Igreja. O exemplo do Mestre, Que chamou 
para Apóstolos apenas homens casados, à exceção 
de João, é bem significativo. Querer ser mais cristão 
do que Jesus Cristo será forte ousadia, pior do que 
querer ser mais papista do que o Papa! 
É notória a generalizada concordância e aceitação 
entre os leigos quando o sacerdote se desliga do 
exercício das Ordens para assumir o Matrimónio, 
especialmente quando há filhos. Ou não seja o amor 
no casal a imagem do amor na Santíssima Trindade! 
Pelas ronceiras e tardias decisões da hierarquia 
eclesiástica nem sempre os fiéis, leigos ou 
sacerdotes, estão dispostos a esperar, o que, muitas 
vezes, faz com que os mesmos reajam com o 
afastamento da Igreja. 
É evidente que o celibato obrigatório deve ser 
abolido e repensado o aproveitamento para o 
exercício dos Padres dispensados que ainda 
estiverem capazes e disponíveis. 
Com efeito, Matrimónio e Sacerdócio Ministerial 
(masculino, e porque não feminino?) são duas 
vocações possíveis de coexistir nas mesmas pessoas 
e verificáveis em todas as Igrejas Cristãs, menos na 
Católica de rito latino, mera disciplina por nefasta 
influência do Império Romano. 
No Matrimónio, Igreja doméstica (LG,11), a 
preocupação da regulação da natalidade de acordo 
com as complicadas instruções da Humanae Vitae fez 
sofrer muitos casais, houve muitas desavenças, tem 
dado origem a afastamentos da Igreja. 
É tempo de corrigir tais normas, cuja correção, 
porém, não deve ser feita e legislada apenas por 
gente célibe. 
Divorciados recasados, padres casados e 
dispensados do exercício das Ordens, padres viúvos, 
mulheres, sua ordenação ministerial - Diz-se que o 
tempo traz consequências imprevistas no amor e, 
por isso, tende-se para a aceitação e acolhimento dos 
divorciados recasados na Eucaristia (plenitude da 
Igreja). Os padres dispensados, porque tal pediram 
ao Papa a fim de se sentirem realizados, a maioria 
através do casamento e permanência como 
membros da amada Igreja, com muita dificuldade 
obtiveram essa graça. O Código de Direito 
Canónico de 1917 trata-os de reduzidos ao estado 
laical; no renovado Código de 1983, porque foi 
reconhecido que aquela redução, no contexto, 
inferiorizava e ofendia os leigos, tal designação foi 
substituída por perda do estado clerical. É evidente 
que estas expressões, como se vê pelo contexto no 
rescrito e na doutrina da Igreja, não significam 
anulação do sacramento da Ordem em quem o tinha 
recebido: continuam padres validamente. Também 
comprova esta validade o facto de alguns destes 
padres, quando enviuvaram, terem voltado ao 
exercício do ministério sacerdotal. 
Este facto de padres viúvos voltarem ao exercício 
das Ordens e da referida ofensa aos leigos por serem 
considerados inferiores fazem-nos pensar na 
incoerência da Hierarquia da nossa Igreja, que, desta 
maneira, se pode dizer que ofendem as mulheres, 
porque, se só os viúvos, não os outros padres 
casados, podem voltar ao dito ministério, 
algo/alguém motiva esta discriminação: as mulheres, 
as leigas, que se enquadram nos leigos do povo de 
Deus. Assim, vem mais uma vez à evidência a velha 
e repetidíssima acusação da misoginia da Hierarquia 
na nossa Igreja. Não só por isto, mas por tantas 
outras razões aduzidas pela quase totalidade dos 
teólogos, nomeadamente no que se refere ao 
Ecumenismo, e pela práxis de outras Igrejas Cristãs, 
a mulher, que, no contexto sócio-jurídico de então, 
tão revolucionariamente foi acolhida pelo Senhor 
Jesus, sim, as mulheres poderão vir a receber o 
sacramento da Ordem. 
Estão referidas situações em que nitidamente 
gente marginalizada sofre e cuja causa faz sofrer o 
Papa Francisco e outros pastores, mas há mais 
marginalizados. Há que referenciá-los, acolhê-los, 
ajudá-los e fazer deles mensageiros felizes da Boa 
Nova. 
Pobres – Como, aos olhos de Jesus, os últimos 
são os primeiros, a quem o Papa Francisco também 
reserva, em título, O lugar privilegiado dos pobres 
no povo de Deus na sua Exortação Apostólica 
Evangelii Gaudium (197-201), sejam, pois, os pobres 
tidos na devida conta nas decisões dos Sínodos. 
Doutra maneira, qualquer comunidade da Igreja […] 
correrá também o risco da sua dissolução (ibidem, 
207). Será de pensar nas Eucaristias da primitiva 
Igreja e ter os necessitados como primeiros 
destinatários das coletas, destinando-lhes 
significativa percentagem. Este sair da Igreja de 
certeza fará entrar mais pobres para a Igreja e suas 
igrejas e evitar a sua permanência com os seus 
clamores junto das portas. 
espiral _______________________________________________________________________ 5
«Movimentos são uma riqueza da Igreja que o Espírito 
suscita para evangelizar todos os ambientes e sectores», diz 
Papa Francisco 
São dois trechos breves na longuíssima 
exortação Evangelii Gaudium, publicada em 
novembro de 2013. O Papa Francisco menciona o 
papel dos movimentos eclesiais na Igreja no n.º 29 e, 
mais adiante, no n.º 105, refere-se aos movimentos 
juvenis: «As outras instituições eclesiais, 
comunidades de base e pequenas comunidades, 
movimentos e outras formas de associação são uma 
riqueza da Igreja que o Espírito suscita para 
evangelizar todos os ambientes e sectores. 
Frequentemente trazem um novo ardor 
evangelizador e uma capacidade de diálogo com o 
mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar 
que não percam o contacto com esta realidade 
muito rica da paróquia local e que se integrem de 
bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. 
Esta integração evitará que fiquem só com uma 
parte do Evangelho e da Igreja, ou que se 
transformem em nómades sem raízes.» 
«A pastoral juvenil, tal como estávamos 
habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das 
mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os 
jovens habitualmente não encontram respostas para 
as suas preocupações, necessidades, problemas e 
feridas. A nós, adultos, custa-nos a ouvi-los com 
paciência, compreender as suas preocupações ou as 
suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na 
linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as 
propostas educacionais não produzem os frutos 
esperados. A proliferação e o crescimento de 
associações e movimentos predominantemente 
juvenis podem ser interpretados como uma ação do 
Espírito que abre caminhos novos em sintonia com 
as suas expectativas e a busca de espiritualidade 
profunda e dum sentido mais concreto de pertença. 
Todavia é necessário tornar mais estável a 
participação destas agregações no âmbito da pastoral 
de conjunto da Igreja.» 
Meses antes, a 18 de maio, nas Vésperas de 
Pentecostes, o Santo Padre dialogou com os 
movimentos, comunidades, associações e agregações 
laicais reunidas na Praça de S. Pedro. 
Primeira pergunta colocada ao Santo Padre 
“A verdade cristã é atraente e persuasiva porque 
responde à necessidade profunda da existência 
humana, anunciando de forma consistente que 
Cristo é o único Salvador de cada homem e de todos 
os homens”. Santo Padre, estas Vossas palavras 
calaram fundo em nós, exprimindo de modo direto 
e radical a experiência que cada um de nós deseja 
viver sobretudo no Ano da Fé e nesta peregrinação 
que esta noite nos trouxe aqui. Estamos diante de 
Vós para renovar a nossa fé, para a confirmar e 
reforçar. Sabemos que a fé não pode ser de uma vez 
por todas. Como dizia Bento XVI na Porta Fidei: “A 
fé não é um pressuposto óbvio”. Esta afirmação não 
se prende apenas com o mundo, com os outros, 
com a tradição de que provimos: esta afirmação 
prende-se antes de mais com cada um de nós. 
Damo-nos muitas vezes conta de como a fé é um 
rebento de novidade, um início de mudança, mas 
que depois tem dificuldade em abarcar a totalidade 
da vida e não se torna a origem de todo o nosso 
conhecer e agir. 
Santidade, como conseguiu alcançar na vida a 
certeza da fé? 
E que caminho nos indicais para que cada um de 
nós possa vencer a fragilidade da fé? 
Resposta do Papa Francisco 
Estou contente por encontrar-vos e pelo facto de 
que todos nós nos encontramos nesta praça para 
rezarmos, estarmos unidos e esperarmos o dom do 
Espírito. Eu conhecia as vossas questões e pensei 
nelas – isto não é, pois, insciente! A verdade em 
primeiro lugar! Tenho-as escritas aqui. A primeira – 
“como pudestes alcançar na vida a certeza da fé e 
que caminho indicais para que cada um de nós possa 
vencer a fragilidade da fé?” – é uma questão 
histórica porque se prende com a minha história, a 
história da minha vida! 
Tive a graça de crescer no seio de uma família na 
qual a fé era ensinada de uma forma simples e 
concreta, mas foi sobretudo a minha avó, a mãe do 
meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma 
mulher que nos explicava, que nos falava de Jesus, 
que nos ensinava o catecismo. Lembro-me sempre 
de que na Sexta-Feira Santa nos levava à noite à 
procissão das velas, que no fim da procissão chegava 
o “Cristo jacente” e que a avó nos mandava, a nós 
crianças, ajoelhar e dizia: “Olhem, está morto, mas 
amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio 
cristão justamente desta mulher, a minha avó! Isto é 
lindíssimo. O primeiro anúncio em casa, com a 
família! E isto leva-me a pensar no amor de tantas 
espiral _______________________________________________________________________ 6
mães e de tantas avós na transmissão da fé. São elas 
que transmitem a fé. Isto acontecia também nos 
primeiros tempos, porque São Paulo dizia a 
Timóteo: “Eu recordo a fé da tua mãe e da tua avó” 
(cfr. 2Tm, 1,5). Pensai nisto todas as mães que estão 
aqui, todas as avós. Transmitir a fé. Porque Deus 
nos coloca junto das pessoas que auxiliam o nosso 
caminho de fé. Não encontramos a fé no abstrato, 
não! Há sempre alguma pessoa que prega, que nos 
diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que nos dá 
o primeiro anúncio. E foi esta a primeira experiência 
de fé que tive. 
Mas há um dia muito importante para mim: 21 de 
setembro de 1953. Andava pelos 17 anos. Era o 
“Dia do Estudante”, para nós o primeiro dia da 
primavera, para vós o do outono. Antes de ir para a 
festa, passei pela minha paróquia, encontrei um 
padre que não conhecia e senti necessidade de me 
confessar. Foi para mim uma experiência de 
encontro: encontrei alguém que estava à minha 
espera. Mas não sei o que aconteceu, não me 
lembro, não sei bem porque estava ali aquele padre 
que eu não conhecia, não sei porque sentira aquela 
necessidade de me confessar, mas o certo é que 
alguém estava à minha espera. À minha espera há 
muito. Depois da confissão senti que algo mudara. 
Eu não era a mesma pessoa. Sentira justamente 
como que uma voz, um chamamento: estava 
convencido de que devia ser sacerdote. 
Esta experiência na fé é importante. Dizemos 
que devemos procurar a Deus, ir ao Seu encontro 
pedir perdão, mas, quando não vamos, Ele espera. 
Ele está primeiro! Nós temos uma palavra espanhola 
que explica bem tudo isto: “O Senhor sempre nos 
primerea”, está primeiro, está à nossa espera! Esta é 
de facto uma grade graça: encontrar alguém que está 
à nossa espera. Tu, pecador, vais, mas Ele está à tua 
espera para te perdoar. É esta a experiência que os 
profetas de Israel descreviam dizendo que o Senhor 
é como a flor da amendoeira, a primeira flor da 
Primavera (cfr. Jr 1, 11-12). Antes que desabrochem 
as outras flores, ei-lo, ei-lo que nos espera. O Senhor 
espera-nos. E, quando o buscamos, deparamos com 
esta realidade: que é Ele quem nos espera para nos 
acolher, para nos dar o Seu amor. E isto causa em ti 
uma estupefação tal que não acreditas, e assim vai 
nascendo a fé! Com o encontro de uma pessoa, com 
o encontro com o Senhor. Alguém dirá: “Não, eu 
prefiro estudar a fé nos livros!” É importante 
estudá-la, mas olha que isso não chega! 
O que importa é o encontro com Jesus, o 
encontro com Ele, e isto dá-te a fé, porque é 
justamente Ele quem ta dá! Também faláveis da 
fragilidade da fé, no que fazer para a vencer. O 
maior inimigo que a fragilidade tem é – curioso, hã? 
– o medo. Mas não tenhais medo! Somos frágeis e 
sabemos disso. Mas Ele é mais forte! Se fores com 
Ele, não há problema! Uma criança é fragilíssima – 
muitas vi hoje - , mas estava com o pai e com a mãe, 
estava a salvo! Com o Senhor estamos a salvo. A fé 
cresce com o Senhor, precisamente da mão do 
Senhor e isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. 
Mas, se pensarmos que nos podemos desenvencilhar 
sozinhos… pensemos no que aconteceu a Pedro: 
“Senhor, nunca te renegarei!” (cfr. Mt 26, 33-35), e 
depois o galo cantou e renegara-o três vezes! (cfr. 
vv. 69-75). Pensemos: quando temos demasiada 
confiança em nós próprios, somos mais frágeis, mais 
frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer com o 
Senhor significa dizer com a Eucaristia, com a 
Bíblia, com a oração… Mas também em família, 
com a Mãe, também com Ela, porque é Ela que nos 
leva ao Senhor; é a Mãe, é Ela que tudo sabe. 
Portanto rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que, 
como Mãe, nos torne fortes. Eis o que penso sobre 
a fragilidade, é pelo menos esta a minha experiência. 
Uma coisa que todos os dias me fortalece é rezar o 
Rosário a Nossa Senhora. Sinto uma força tão 
grande porque vou ao Seu encontro e sinto-me 
forte. 
Segunda pergunta colocada ao Santo Padre 
Santo Padre, a minha experiência é uma 
experiência de vida quotidiana como tantas outras. 
Procuro viver a fé no meio de trabalho em contacto 
com os outros como testemunho sincero de ser bem 
recebido no encontro com o Senhor. Eu sou, nós 
somos “pensamentos de Deus” investidos de um 
Amor misterioso que nos deu a vida. Eu dou aulas 
numa escola e esta consciência dá-me um motivo 
para me apaixonar pelos meus rapazes e também 
pelos seus colegas. Verifico muitas vezes que muitos 
buscam a felicidade em inúmeros itinerários 
individuais onde a vida e as suas grandes questões se 
reduzem muitas vezes ao materialismo de quem 
tudo quer e continua permanentemente insatisfeito 
ou ao niilismo para o qual nada tem sentido. 
Pergunto a mim mesmo como a proposta da fé, que 
consiste num encontro pessoal, de uma 
comunidade, de um povo, pode alcançar o coração 
do homem e da mulher do nosso tempo. Fomos 
feitos para o infinito – “jogai a vida para as grandes 
coisas!”, dissestes recentemente -, e no entanto tudo 
à nossa volta e dos nossos jovens parece dizer que 
devemos contentar-nos com respostas medíocres, 
imediatas e que o homem deve adaptar-se ao finito 
sem nada mais buscar. Estamos por vezes 
intimidados como os discípulos na véspera do 
Pentecostes. 
espiral _______________________________________________________________________ 7
A Igreja convida-nos à Nova Evangelização. 
Penso que todos nós aqui presentes sentimos 
fortemente este desafio que está no íntimo das 
nossas experiências. Queria, pois, pedir-Vos, Santo 
Padre, que me ajudásseis a mim e a todos nós a 
saber como viver este desafio do nosso tempo. Qual 
é para Vós a coisa mais importante na qual todos os 
nossos movimentos, associações e comunidades 
devemos ter os olhos postos para pôr em prática 
aquilo a que fomos chamados? Como podemos 
comunicar hoje eficazmente a fé? 
Resposta do Papa Francisco 
A primeira: Jesus. O que é mais importante? 
Jesus. Se não avançarmos com a organização, com 
outras coisas, coisas belas, mas sem Jesus, não 
avançamos, não adianta. Jesus é mais importante. 
Agora queria fazer uma pequena censura, mas 
fraternamente, cá para nós. Todos vós gritastes na 
praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco!”. Mas 
onde estava Jesus? Eu quereria que vós gritásseis: 
“Jesus, Jesus e o Senhor e está justamente entre 
nós!” Daqui para a frente nada de “Francisco”, mas 
“Jesus”! 
A segunda questão é a oração. Olhar o rosto de 
Deus, mas sobretudo – e isto prende-se com o que 
disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: 
olha-nos primeiro. A minha experiência é o que 
experimento diante do sacrário quando vou rezar à 
noitinha diante do Senhor. Por vezes adormeço um 
pouquito, é certo, porque um pouco da fadiga do dia 
nos faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E 
sinto tanto conforto quando me olha. Pensamos que 
devemos rezar, falar, falar, falar… Não! Deixai-vos 
olhar pelo Senhor. Quando Ele nos olha, dá-nos 
força e ajuda-nos a testemunhá-Lo – porque a 
questão versava sobre a fé, não? Primeiro “Jesus”, 
depois “oração” – sentimos que Deus está sempre a 
amparar-nos com a mão. Sublinho agora a 
importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é 
mais importante do que qualquer cálculo. Somos 
verdadeiros evangelizadores deixando-nos guiar por 
ele. Pensemos em Pedro; talvez estivesse a fazer a 
sesta depois de almoço e tivesse uma visão, a visão 
do lençol com todos os animais, e sentisse que Jesus 
lhe dizia algo, mas não compreendia. Nesse 
momento alguns não-hebreus vieram chamá-lo para 
ir a uma casa e viu como o Espírito Santo ali estava. 
Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar à 
primeira evangelização dos gentios, que não eram 
hebreus: coisa inimaginável naquele tempo (cfr. Act 
10, 9-33). E assim a história toda, toda a história! 
Deixar-se guiar por Jesus. É justamente o líder; o 
nosso líder é Jesus. 
E terceira: o testemunho. Jesus, oração – oração, 
esse deixar-se olhar por Ele – e depois o 
testemunho. Mas eu queria acrescentar algo. Este 
deixar-se guiar por Jesus leva-nos às surpresas de 
Jesus. Podemos pensar que devemos programar a 
evangelização num tabuleiro, pensando nas 
estratégias, fazendo planos. Mas isto são 
instrumentos, pequenos instrumentos. O importante 
é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Depois podemos 
fazer estratégias, mas isto é secundário. 
Testemunho: a comunicação da fé só pode ser 
feita com o testemunho e isto é o amor. Não com as 
nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na nossa 
existência e que o Espírito Santo faz viver em nós. É 
como que uma sinergia entre nós e o Espírito Santo, 
e isto conduz ao testemunho. A Igreja é levada 
adiante pelos Santos, que são justamente os que dão 
este testemunho. Como disse João Paulo II e 
também Bento XVI, o mundo de hoje precisa de 
muitos testemunhos. Não tanto de mestres, mas de 
testemunhos. Não falar muito, mas falar com a vida 
toda: a coerência de vida, precisamente a coerência 
de vida! Uma coerência de vida que é viver o 
cristianismo como um encontro com Jesus que me 
conduz junto dos outros e não como um facto 
social. Socialmente somos assim, somos cristãos 
fechados em nós. Não, isto não! O testemunho! 
Terceira pergunta colocada ao Santo Padre 
Santo Padre, ouvi como emoção as palavras da 
Vossa audiência aos jornalistas após a Vossa eleição. 
“Como eu quisera uma Igreja pobre e para os 
pobres.” Muitos de nós estão empenhados em obras 
de caridade e justiça: somos parte ativa na presença 
enraizada da Igreja onde o homem sofre. Sou uma 
empregada, tenho a minha família e empenho-me 
pessoalmente como posso junto dos vizinhos e na 
ajuda aos pobres. Mas nem por isso me sinto 
satisfeito. Queria dizer como Madre Teresa de 
Calcutá: tudo é por Cristo. O que muito me ajuda a 
viver esta experiência são os irmãos e as irmãs da 
minha comunidade que se empenham no mesmo 
fito. E neste empenhamento somos sustidos pela fé 
e a oração. A necessidade é grande. Vós o 
recordastes: “Quantos pobres há ainda no mundo e 
quanto sofrimento encontram estas pessoas”. E a 
crise agravou tudo. Penso na pobreza que aflige 
tantos países e que também no mundo do bem-estar 
se veio juntar à falta de trabalho, aos movimentos 
migratórios de massa, às novas escravidões, ao 
abandono e à solidão de tantas famílias, de tantos 
anciãos e de tantas pessoas sem casa ou sem 
trabalho. 
Queria perguntar-Vos, Santo Padre: como 
podemos eu e nós viver uma Igreja pobre e para os 
espiral _______________________________________________________________________ 8
pobres? De que modo o homem que sofre é uma 
questão para a nossa fé? Que contributo concreto e 
eficaz podemos nós, movimentos e associações 
laicas, fornecer à Igreja e à sociedade para enfrentar 
esta grave crise que atinge a ética pública, o modelo 
de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova 
maneira de ser dos homens e das mulheres? 
Resposta do Papa Francisco 
Volto ao testemunho. Antes de mais viver o 
Evangelho é o principal contributo que podemos 
dar. A Igreja não é um movimento político nem 
uma estrutura bem organizada: não é isto. Nós não 
somos uma ONG, e, quando a Igreja se torna uma 
ONG, perde o sal, não tem sabor, é apenas uma 
organização vazia. E nisto sede astuciosos porque o 
diabo nos engana, porque o perigo do 
“eficientismo” existe. Uma coisa é pregar Jesus, 
outra é a eficácia, é ser eficiente. Não, isso é outro 
valor. O valor da Igreja é fundamentalmente viver o 
Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é 
o sal da terra e a luz do mundo, é chamada a manter 
presente na sociedade o fermento do Reino de Deus 
e fá-lo antes demais com o testemunho, o 
testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da 
condivisão. Quando ouvimos alguém dizer que a 
solidariedade não é um valor, mas uma “atitude 
primária” que deve desaparecer… não dá! Está a 
pensar-se numa eficácia meramente mundana. 
Os momentos de crise, como os que estamos a 
viver – mas dissestes antes que “estamos num 
mundo de mentiras” – este momento de crise não 
consiste, estejamos atentos, a uma mera crise 
económica; não é uma crise cultural. É uma crise do 
homem: o que está em crise é o homem! Mas o 
homem é imagem de Deus! Por isso há uma crise 
profunda! Neste momento de crise não nos 
podemos preocupar apenas connosco, fechar-nos na 
solidão, no desânimo, no sentimento de impotência 
perante os problemas. Não vos fechais por favor! 
Isso é um Jesus perigo: fechamo-nos na paróquia, 
com os amigos, nos movimentos, com os que 
partilham as mesmas coisas connosco… Mas sabeis 
o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece cada 
vez mais. Pensai num quarto fechado durante um 
ano; quando lá fordes, há um cheiro a bafio, há tanta 
coisa errada. Uma Igreja fechada é a mesma coisa: é 
uma Igreja doente. A Igreja tem de sair de si mesma. 
Para onde? Para as periferias existenciais sejam elas 
quais forem, mas sair. Diz-nos Jesus: “Ide por todo 
o mundo! Andai! Pregai! Dai testemunho do 
Evangelho!” (cfr. Mc 16, 15). 
E o que sucede se não sai de dentro de si mesma? 
Pode dar-se o que sucede a todos aqueles que saem 
de casa e andam na rua: um acidente. Mas eu digo-vos: 
prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, que 
sofreu um acidente, a uma Igreja doente de clausura! 
Saí, saí! Pensai no que diz o Apocalipse. Diz uma 
coisa bela: que Jesus está à porta e chama, chama 
para entrar no nosso coração (cfr. Ap 3,20). É este o 
sentido do Apocalipse. Mas perguntai isto a vós 
mesmos: quantas vezes Jesus está dentro e bate para 
sair e nós não O deixamos sair para nossa segurança, 
porque muitas vezes estamos fechados em 
estruturas caducas que só servem para fazer de nós 
escravos e não livres filhos de Deus? É importante ir 
ao encontro nesta livre “saída”; esta palavra pareceu-me 
muito importante: o encontro com os outros. 
Vivemos uma cultura do desencontro, uma cultura 
da fragmentação, uma cultura na qual deitamos fora 
o que não nos interessa, e todos sem negociar a 
nossa pertença. E há ou uma cultura do deitar fora. 
Mas convido-vos a pensar neste ponto – e faz 
parte da crise – nos anciãos que são a sabedoria de 
um povo, nas crianças… A cultura do deitar fora! 
Mas devemos ir ao encontro e criar com a nossa fé 
uma “cultura do encontro”, uma cultura da amizade, 
uma cultura onde encontremos irmãos, onde 
possamos falar também com os que a não pensam 
como nós, com os que têm outra fé, que não têm a 
mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: 
são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao 
encontro de todos sem negociar a nossa fé. E outro 
ponto importante: com os pobres. Hoje – e dói 
ouvi-lo – encontrar um vagabundo morto de frio 
não é novidade. Hoje um escândalo é talvez notícia. 
Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que 
tantas crianças não têm comida não é notícia. Isto é 
grave, isto é grave! Não podemos ficar tranquilos! 
Ora… Mas é assim. Nós não podemos ser cristãos 
imaculados, esses cristãos demasiado educados, que 
falam de assuntos enquanto tomam chá 
tranquilamente. Não! Devemos tornar-nos cristãos 
corajosos e ir em busca dos que são a própria carne 
de Cristo! 
Quando vou confessar – ainda não posso, 
porque sair para me confessar… daqui não se pode 
sair, mas isto é outro problema – quando eu ia 
confessar na diocese precedente, apareciam uns 
quantos a quem perguntava sempre: “Mas dá 
esmola?” – “Sim, padre!”. “Ah, bom, bom”. E fazia 
outras duas perguntas: “Diga-me: quando dá esmola 
olha para aquele ou aquela a quem a dá?” – “Ah, 
não, não pensei nisso”. Segunda pergunta: “E 
quando dá a esmola, toca na mão daquele a quem a 
dá ou atira a moeda?” Eis o problema: a carne de 
Cristo, tocar na carne de Cristo, assumir esta dor 
dos pobres. A piedade não é para nós cristãos uma 
categoria sociológica, filosófica ou cultural: não, é 
uma categoria teologal. Eu diria que é talvez a 
espiral _______________________________________________________________________ 9
primeira categoria, porque esse Deus, o Filho de 
Deus, se baixou, se fez pobre para caminhar 
connosco. E é esta a nossa pobreza: a pobreza da 
carne de Cristo, a pobreza que o Filho de Deus nos 
trouxe com a Sua Encarnação. 
Uma Igreja pobre para os pobres começa por ir 
ao encontro da carne de Cristo. Se vamos ao 
encontro da carne de Cristo, começamos a 
compreender algo, a compreender o que é esta 
pobreza, a pobreza do Senhor. E isto não é fácil. 
Mas há um problema que não faz bem ao espírito 
dos cristãos: o espírito mundano, a mundanidade 
espiritual. Isto leva-nos a uma suficiência, a viver o 
espírito do mundo e não o de Jesus. A questão que 
colocáveis: como se deve viver para enfrentar esta 
crise que atinge a ética pública, o modelo de 
desenvolvimento, a política. Como se trata de uma 
crise do homem, uma crise que destrói o homem, é 
uma crise que despoja o homem da ética. Se, na vida 
pública, na política, não houver ética, uma ética de 
referência, tudo é possível e tudo pode ser feito. E, 
quando lemos os jornais, vemos como a falta de 
ética na vida pública faz tão mal à humanidade 
inteira. 
Queria contar-vos uma história. Já o fiz duas 
vezes esta semana, mas fá-lo-ei uma terceira vez a 
vós. É a história que conta um midrash bíblico de um 
rabino do século XII. Ele conta-nos a história da 
construção da Torre de Babel e diz-nos que, para a 
construir eram preciso fazer tijolos. O que significa 
isto? Ir, misturar a lama, transportar a palha, fazer 
tudo e depois… ao forno. E, uma vez feito, o tijolo 
era levado para cima, para a construção da torre de 
Babel. Um tijolo era um tesouro por causa do 
trabalho todo que dava fazê-lo. Quando um tijolo 
caía, era uma tragédia nacional e o operário culpado 
era castigado; um tijolo era tão preciso que era um 
drama quando caía. Mas se um operário caía, não 
acontecia nada, era uma coisa totalmente diferente. 
Isto acontece hoje: se os investimentos nos bancos 
descem um pouco… tragédia… o que fazer? Mas se 
as pessoas morrem de fome, se não têm comida, se 
não têm saúde, não se faz nada! Eis a nossa crise 
atual! E o testemunho de uma Igreja pobre para os 
pobres vai ao encontro desta mentalidade. 
Quarta pergunta colocada ao Santo Padre 
Caminhar, construir, confessar. Este Vosso 
“programa” para uma Igreja-movimento, pelo 
menos tal como a entendi ao ouvir a Vossa homilia 
no início do Pontificado, confortou-nos e animou-nos. 
Confortou-nos porque nos encontrámos numa 
experiência profunda com os amigos da comunidade 
cristã e com toda a Igreja universal. Animou-nos 
porque de certa forma Vós obrigaste-nos a sacudir o 
pó do tempo e da superficialidade da nossa adesão a 
Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o 
sentimento de perturbação que uma destas palavras 
causa em mim: confessar. Confessar, ou seja, 
testemunhar a fé. Pensamos em tantos dos nossos 
irmãos que sofrem por causa dela como ainda há 
pouco ouvimos. Nos que ao domingo de manhã 
têm de decidir se vão à Missa porque sabem que 
indo à Missa põem a vida em risco. Nos que se 
sentem cercados e discriminados pela fé cristã em 
muitos, em demasiados cantos do nosso mundo. 
Perante estas situações parece-nos que o meu 
confessar, o nosso testemunho é tímido e tem peias. 
Queríamos fazer outra coisa, mas o quê? E como 
ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar os seus 
sofrimentos nada podendo fazer ou bem pouco para 
mudar o seu contexto político e social? 
Resposta do Papa Francisco 
Para anunciar o Evangelho são necessárias duas 
virtudes: a coragem e a paciência. Eles (os cristãos 
que sofrem) são a Igreja da paciência. Sofrem e são 
mais mártires 
hoje que nos primeiros séculos da Igreja, são 
mais mártires! São nossos irmãos e irmãs. Sofrem! 
Levam a fé ao martírio. Mas o martírio nunca é uma 
derrota; o martírio é o mais alto grau do testemunho 
que devemos dar. Estamos no caminho do martírio, 
dos pequenos martírios; renunciar a isto, fazer 
aquilo… mas estamos no caminho. E eles, os 
pobrezinhos, dão a vida, mas dão-na – como 
sentimos a situação no Paquistão – por amor a 
Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter 
sempre esta atitude de amor a Jesus, testemunhando 
Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de 
mansidão, de humildade, a mesma atitude que eles 
têm confiando em Jesus, entregando-se a Jesus. 
É bom precisar que muitas vezes estes conflitos 
não têm uma origem religiosa; há amiúde outras 
causas de tipo social e político, e infelizmente as 
pertenças religiosas são utilizadas como achas na 
fogueira. Um cristão deve sempre saber responder 
ao mal com o bem, mesmo que isto seja muitas 
vezes difícil. Nós procuramos fazer sentir a estes 
irmãos e a estas irmãs que estamos profundamente 
unidos – profundamente unidos! – à sua situação, 
que sabemos que eles são cristãos “entrados na 
paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, 
entra na paciência. Eles entraram na paciência: dai-lo 
a saber, mas também dai-lo a saber ao senhor. 
Pergunto-vos: vós rezais e por estes irmãos e estas 
irmãs? Rezais por eles? Não vou agora pedir que 
quem reza levante a mão: não. Não o perguntarei 
agora. Mas pensai bem nisso. Na oração quotidiana, 
dizemos a Jesus: “Senhor, olha para este irmão, olha 
espiral _______________________________________________________________________ 10
para esta irmã que tanto sofre, que tanto sofre!” Eles 
experimentam o limite, justamente o limite entre a 
vida e a morte. E também para nós: esta experiência 
deve levar-nos a promover a liberdade religiosa para 
todos, para todos! Todos os homens e todas as 
mulheres devem ser livres na sua confissão religiosa 
seja ela qual for. Porquê? Porque esses homens e 
essas mulheres são filhos de Deus. 
E assim creio ter dito algo acerca das vossas 
questões, peço desculpa se me alonguei demais. 
Obrigado e não esqueçais: nada de Igreja fechada, 
mas sim uma Igreja que sai para fora, para as 
periferias da existência. Que aí o Senhor nos guie. 
____________________________________________________________________________________ 
Espiritualidade dos movimentos eclesiais 
Na sua primeira homilia, a 14 de março de 2013, 
o Papa Francisco aponta três marcas dos 
movimentos: caminhar, edificar e confessar. 
O movimento no caminho 
Caminhar. «Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à 
luz do Senhor» (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa 
que Deus disse a Abraão: caminha na minha 
presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida 
é um caminho e, quando nos detemos, está errado. 
Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do 
Senhor, procurando viver com aquela 
irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua 
promessa. 
O movimento na edificação da Igreja 
Edificar. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as 
pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras 
ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a 
Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é 
o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da 
nossa vida: edificar. 
O movimento na confissão 
Terceiro, confessar. Podemos caminhar o que 
quisermos, podemos edificar um monte de coisas, 
mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. 
Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas 
não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se 
caminha, ficamos parados. Quando não se edifica 
sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo 
que às crianças na praia quando fazem castelos de 
areia: tudo se desmorona, não tem consistência. 
Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar 
nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao 
Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus 
Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o 
mundanismo do demónio. 
Sem Cruz, não somos discípulos do Senhor 
Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a 
realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se 
caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há 
movimentos que não são os movimentos próprios 
do caminho, mas movimentos que nos puxam para 
trás. 
O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com 
estas palavras «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo», 
diz-lhe «Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso 
não vem a propósito». Sigo-Te com outras 
possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos 
sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos 
um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do 
Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, 
cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor. 
Eu queria que, depois destes dias de graça, todos 
nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de 
caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do 
Senhor; de edificar a Igreja sobre o sangue do 
Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar 
como nossa única glória Cristo Crucificado. E assim 
a Igreja vai para diante. 
____________________________________________________________________________________ 
Os movimentos no Magistério da Igreja 
No Pentecostes de 1998, realizou-se no 
Vaticano o congresso mundial de movimentos 
eclesiais. O Papa João Paulo II dirigiu um discurso 
aos congressistas. 
«Subitamente ressoou, vindo do céu, um som 
comparável ao de forte rajada de vento, que encheu 
toda a casa onde se encontravam. Viram, então, 
aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam 
dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos 
ficaram cheios de Espírito Santo» (Act 2, 2-3). 
1. Com estas palavras os Actos dos Apóstolos 
introduzem-nos no coração do evento do 
Pentecostes; apresentam-nos os discípulos que, 
reunidos com Maria no Cenáculo, recebem o dom 
espiral _______________________________________________________________________ 11
do Espírito. Realiza-se assim a promessa de Jesus e 
inicia o tempo da Igreja. A partir daquele momento 
o vento do Espírito levará os discípulos de Cristo 
até aos extremos confins da terra. Levá-los-á até ao 
martírio para o intrépido testemunho do Evangelho. 
[…] 4. À Igreja que, segundo os Padres, é o lugar 
«onde floresce o Espírito» (Catecismo da Igreja 
Católica, n. 749), o Consolador deu recentemente 
com o Concílio Ecuménico Vaticano II um 
renovado Pentecostes, suscitando um dinamismo 
novo e imprevisto. 
Sempre, quando intervém, o Espírito nos deixa 
maravilhados. Suscita eventos cuja novidade causa 
admiração; muda radicalmente as pessoas e a 
história. Esta foi a experiência inesquecível do 
Concílio Ecuménico Vaticano II, durante o qual, 
sob a guia do mesmo Espírito, a Igreja redescobriu 
como constitutiva de si mesma a dimensão 
carismática: «O Espírito Santo não só santifica e 
conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos 
e ministérios e o adorna com virtudes, mas 
“distribuindo a cada um os Seus dons como Lhe 
apraz” (1 Cor 12, 11), distribui também graças 
especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os 
tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e 
encargos, proveitosos para a renovação e cada vez 
mais ampla edificação da Igreja» (Lumen gentium, 12). 
Os aspetos institucional e carismático são como 
que coessenciais à constituição da Igreja e 
concorrem, ainda que de modo diverso, para a sua 
vida, a sua renovação e a santificação do Povo de 
Deus. É desta providencial redescoberta da 
dimensão carismática da Igreja foi que, antes e 
depois do Concílio, se consolidou uma singular linha 
de desenvolvimento dos movimentos eclesiais e das 
novas comunidades. 
5. Hoje, a Igreja alegra-se ao constatar o 
renovado cumprimento das palavras do profeta Joel, 
que há pouco escutámos: «Derramarei o Meu 
Espírito sobre toda a criatura...» (Act 2, 17). Vós 
aqui presentes sois a prova palpável desta «efusão» 
do Espírito. Cada movimento difere do outro, mas 
todos estão unidos na mesma comunhão e para a 
mesma missão. Alguns carismas suscitados pelo 
Espírito irrompem como vento impetuoso, que 
arrebata e atrai as pessoas para novos caminhos de 
empenho missionário ao serviço radical do 
Evangelho, proclamando sem temor as verdades da 
fé, acolhendo como dom o fluxo vivo da tradição e 
suscitando em cada um o ardente desejo da 
santidade. 
Hoje, a todos vós reunidos aqui na Praça de São 
Pedro e a todos os cristãos, quero bradar: Abri-vos 
com docilidade aos dons do Espírito! Acolhei com 
gratidão e obediência os carismas que o Espírito não 
cessa de dispensar! Não esqueçais que cada carisma 
é dado para o bem comum, isto é, em benefício de 
toda a Igreja! 
6. Pela sua natureza, os carismas são 
comunicativos e fazem nascer aquela «afinidade 
espiritual entre as pessoas» (cf. Christifideles laici, 24) e 
aquela amizade em Cristo que dá origem aos 
«movimentos». A passagem do carisma originário ao 
movimento acontece pela misteriosa atracão 
exercida pelo Fundador sobre quantos se deixam 
envolver na sua experiência espiritual. Desse modo, 
os movimentos reconhecidos oficialmente pelas 
autoridades eclesiásticas propõem-se como formas 
de autorrealização e reflexos da única Igreja. 
O seu nascimento e a sua difusão trouxeram à 
vida da Igreja uma novidade inesperada, e por vezes 
até explosiva. Isto não deixou de suscitar 
interrogativos, dificuldades e tensões; às vezes 
comportou, por um lado, presunções e 
intemperanças e, por outro, não poucos 
preconceitos e reservas. Foi um período de prova 
para a sua fidelidade, uma ocasião importante para 
verificar a genuinidade dos seus carismas. 
Hoje, diante de vós, abre-se uma etapa nova, a da 
maturidade eclesial. Isto não quer dizer que todos os 
problemas tenham sido resolvidos. É, antes, um 
desafio. Uma via a percorrer. A Igreja espera de vós 
frutos «maduros» de comunhão e de empenho. 
7. No nosso mundo, com frequência dominado 
por uma cultura secularizada que fomenta e difunde 
modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é posta à 
dura prova e, não raro, é sufocada e extinta. 
Percebe-se, então, com urgência a necessidade de 
um anúncio forte e de uma sólida e aprofundada 
formação cristã. Como é grande, hoje, a necessidade 
de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes 
da própria identidade batismal, da própria vocação e 
missão na Igreja e no mundo! E eis, então, os 
movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles 
são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este 
dramático desafio do final de milénio. Vós sois esta 
resposta providencial. 
Os verdadeiros carismas não podem senão tender 
para o encontro com Cristo nos Sacramentos. As 
verdades eclesiais a que aderis ajudaram-vos a 
redescobrir a vocação batismal, a valorizar os dons 
do Espírito recebidos na Confirmação, a confiar-vos 
à misericórdia de Deus no Sacramento da 
Reconciliação e a reconhecer na Eucaristia a fonte e 
o ápice da inteira vida cristã. E de igual modo, 
graças a essa forte experiência eclesial, surgiram 
esplêndidas famílias cristãs abertas à vida, 
verdadeiras «igrejas domésticas», desabrocharam 
muitas vocações ao sacerdócio ministerial e à vida 
religiosa, assim como novas formas de vida laical 
espiral _______________________________________________________________________ 12
inspiradas nos conselhos evangélicos. Nos 
movimentos e nas novas comunidades aprendestes 
que a fé não é questão abstrata, nem vago 
sentimento religioso, mas vida nova em Cristo, 
suscitada pelo Espírito Santo. 
8. Como conservar e garantir a autenticidade do 
carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada 
movimento se submeta ao discernimento da 
Autoridade eclesiástica competente. Por esta razão, 
nenhum carisma dispensa da referência e da 
submissão aos Pastores da Igreja. Com palavras 
claras o Concílio escreve: «O juízo acerca da sua 
autenticidade e reto uso pertence àqueles que 
presidem na Igreja e aos quais compete de modo 
especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e 
conservar o que é bom (cf. 1 Ts 5, 12.19-21)» 
(Lumen gentium, 12). Esta é a necessária garantia de 
que a estrada que percorreis é justa! 
Assim, na confusão que reina no mundo de hoje 
é fácil errar, ceder às ilusões. Na formação cristã 
cuidada pelos movimentos jamais falte o elemento 
desta confiante obediência aos Bispos, sucessores 
dos Apóstolos, em comunhão com o Sucessor de 
Pedro! Conheceis os critérios de eclesialidade das 
agregações laicais, presentes na Exortação 
Apostólica Christifideles laici (cf. n. 30). Peço-vos que 
lhes deis adesão sempre com generosidade e 
humildade, inserindo as vossas experiências nas 
Igrejas locais e nas paróquias, sempre permanecendo 
em comunhão com os Pastores e atentos às suas 
indicações. 
O ensinamento de Bento XVI 
Na vigília de Pentecostes de 2006, o Papa Bento 
XVI encontrou-se com os movimentos eclesiais e 
dirigiu-se a eles na celebração das primeiras vésperas 
da vigília. 
«[…] Pertencentes a diversos povos e culturas, 
vós representais aqui todos os membros dos 
movimentos eclesiais e das novas comunidades, 
espiritualmente reunidos em redor do Sucessor de 
Pedro para proclamar a alegria de crer em Jesus 
Cristo, e renovar o compromisso de lhe serdes 
discípulos fiéis neste nosso tempo. 
[…] Os Movimentos nasceram precisamente da 
sede da vida verdadeira; são Movimentos pela vida 
sob todos os aspetos. 
[…] Na Carta aos Efésios, São Paulo diz-nos que 
este Corpo de Cristo, que é a Igreja, contém junturas 
(cf. 4, 16), e chega a enumerá-las: são os Apóstolos, 
os Profetas, os Evangelistas, os Pastores e os 
Mestres (cf. 4, 11). Nos seus dons o Espírito é 
multiforme. […] Se consideramos a história, […] 
então compreendemos como Ele suscita sempre 
novas dádivas; observamos como são diferentes os 
órgãos que Ele cria; e como, sempre de novo, age 
corporalmente. No entanto, nele a multiplicidade e a 
unidade caminham juntas. Ele sopra onde quer. E 
fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos 
e de maneiras precedentemente inimagináveis. E 
com que multiformidade e corporeidade o faz! É 
também precisamente aqui que a multiplicidade e a 
unidade são inseparáveis entre si. Ele quer a vossa 
multiformidade, e deseja que sejais o seu único 
corpo, na união com as ordens duradouras as 
junturas da Igreja, com os sucessores dos Apóstolos 
e com o Sucessor de São Pedro. 
Ele não nos poupa o cansaço de aprender o 
modo de nos relacionarmos uns com os outros; mas 
demonstra-nos também que age em vista do único 
corpo e na unidade do único corpo. É exclusiva e 
precisamente assim que a unidade alcança a sua 
força e a sua beleza. Participai na edificação do 
único corpo! Os pastores estarão atentos a não 
apagar o Espírito (cf. 1 Ts 5, 19), e vós não cessareis 
de oferecer as vossas dádivas à comunidade inteira. 
[…] Estimados amigos, peço-vos que sejais ainda 
mais, muito mais, colaboradores no ministério 
apostólico universal do Papa, abrindo as portas a 
Cristo. Este é o melhor serviço da Igreja aos 
homens e, de maneira totalmente particular, aos 
pobres, a fim de que a vida da pessoa, uma ordem 
mais justa na sociedade e a convivência pacífica 
entre as nações encontrem em Cristo a "pedra 
angular" sobre a qual construir a autêntica 
civilização, a civilização do amor. O Espírito Santo 
oferece aos fiéis uma visão superior do mundo, da 
vida e da história, fazendo deles guardiães da 
esperança que não engana. 
____________________________________________________________________________________ 
«Bento XVI disse aos bispos: “Vão ao encontro dos movimentos com 
muito amor”», entrevista a Arturo Cattaneo, professor de Direito Canónico 
De 15 a 17 de maio de 2008, celebrou-se em 
Rocca di Papa, perto de Roma, o II Seminário de 
estudo para os bispos sobre o tema dos movimentos 
eclesiais, tendo como tema uma frase do Papa Bento 
XVI “Vão ao encontro dos movimentos com muito 
amor”. Padre Cattaneo, um dos oradores, concedeu 
uma entrevista à Agência Zenit. 
espiral _______________________________________________________________________ 13
No Pentecostes de 1998, João Paulo II 
dirigia-se aos movimentos eclesiais recordando 
que o seu nascimento «ofereceu à vida da Igreja 
uma novidade inesperada, inclusive fraturante. 
Hoje, que nos pode dizer a respeito? 
Após um «período de prova» e de verificação, 
abriu-se uma etapa nova: a da maturidade eclesial. 
Aprecia-se especialmente isso quanto à sua inserção 
nas Igrejas particulares. 
O que torna difícil a solução dos problemas? 
As dificuldades derivam frequentemente dos 
preconceitos, incompreensões por parte dos fiéis da 
comunidade local, por um lado, e de imprudência, 
inexperiência ou exuberância por parte dos 
membros dos movimentos, por outro. Também – 
como observou o P.e Jesús Castellano – «os 
carismas não existem em estado puro, e às vezes em 
nome dos carismas podem se realizar abusos». É 
necessário, portanto, uma contínua obra de 
purificação e, por parte do bispo, precisa-se não só 
de promoção das riquezas carismáticas, mas também 
discernimento, vigilância e correção de eventuais 
abusos. 
Como superar as dificuldades e tensões? 
Principalmente com o diálogo animado pela 
caridade, com um pouco de paciência e de boa 
vontade para compreender e fazer-se compreender. 
Qual a missão dos bispos? 
Eu sintetizo em quatro pontos, em 
correspondência com as características essenciais da 
Igreja: ser una, santa, católica e apostólica. Cada 
bispo diocesano deve promover na Igreja a ele 
confiada a unidade na pluralidade, a catolicidade no 
senso de abertura à Igreja universal, assim como a 
apostolicidade que implica a complementaridade 
entre instituição e carisma. Atuando assim, o bispo 
contribuirá para a santidade de sua Igreja particular 
como primeiro servidor do Espírito. 
Em que sentido isso garantiria a integração 
dos movimentos eclesiais? 
O serviço do bispo à unidade deve ser realizado 
na consciência de que a diversidade de ministérios, 
carismas, formas de vida e de apostolado não é um 
obstáculo para a unidade da Igreja particular, mas 
uma riqueza. Deve-se considerar que o caráter de 
comunhão, precisamente da Igreja, comporta, por 
uma parte, a mais sólida unidade e, por outra, uma 
pluralidade e uma diversificação que não são 
obstáculos para a unidade. Uma compreensão 
limitada da unidade levaria a uma uniformidade 
pastoral que tornaria difícil a inserção e a ação 
apostólica dos diversos movimentos. 
Por outra parte, uma das características 
predominantes dos novos movimentos eclesiais é 
sua dimensão universal. Como realidade da Igreja 
universal, em virtude da mútua interioridade entre 
Igreja universal e particular, os movimentos estão 
chamados a atuar nas Igrejas particulares, 
enriquecendo-as e preservando-as do perigo do 
«particularismo» e do «localismo». 
Não há também um perigo oposto, o de um 
movimento não se radicar na Igreja local? 
Certamente, a característica universalidade dos 
movimentos não deve fazê-los esquecer que a Igreja 
possui também uma dimensão particular essencial. 
Os movimentos serão, portanto, plenamente 
eclesiais também na medida em que se radiquem nas 
diversas Igrejas particulares. A visão universal da 
Igreja, que representa uma das contribuições 
valiosas dos movimentos às Igrejas particulares, se 
deformaria, convertendo-se em uma visão 
platonicamente ‘universalista’, e isso deteria a 
atenção à realidade e os problemas da Igreja 
particular. Também isso é amor pela Igreja. Os 
membros dos movimentos, permanecendo fiéis ao 
próprio carisma, deverão procurar inseri-lo 
criativamente na vida da respetiva Igreja particular, 
sem limitar-se a estar presentes nos organismos 
diocesanos. O campo de ação eclesial próprio dos 
fiéis leigos é o da vida familiar, social, profissional, 
política, cultural, esportiva, etc. Com esta presença 
capilar na vida da diocese, evitarão que o carisma do 
movimento possa aparecer nela como um corpo 
estranho. É algo análogo à inserção em uma 
orquestra de um novo instrumento musical que, 
ainda conservando suas características, se adapta às 
particularidades que lá encontra, com o fim de 
produzir uma verdadeira sinfonia, e isso graças à 
ação do diretor da orquestra, que, em nosso caso, é 
o bispo. 
Afirma que o bispo é servidor do Espírito. 
Em que sentido? 
O bispo é o primeiro ministro do Espírito 
Santificador. Exerce uma função de moderador, de 
episkpé, o serviço do Espírito de Cristo, velando para 
que as diversas iniciativas apostólicas originadas 
pelos carismas sejam desenvolvidas na concórdia e 
contribuam para a edificação da Igreja, na fidelidade 
à tradição apostólica. Sua potestade não é entendida 
como o centro de cuja plenitude saem todos os 
ministérios e as iniciativas apostólicas em sua Igreja, 
mas como o centro que unifica, coordena, anima, 
promove e modera, sempre consciente da 
responsabilidade de seguir a ação multiforme do 
Espírito. 
espiral _______________________________________________________________________ 14
«Com os Movimentos na Igreja», por D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu 
O texto seguinte foi publicado na Agência Ecclesia, 
em 15 de junho de 2010. 
“Os Movimentos na Igreja. Presença do Espírito 
e Esperança para os Homens” – é o título da 
tradução portuguesa de uma pequena reflexão sobre 
este tema, feita pelo Papa Bento XVI, no 
Pentecostes de 2006. Gosto deste título – traduz o 
que penso dos Movimentos, aponta, com clareza, o 
lugar que lhes pertence na Igreja e o que podem 
significar, olhando o futuro de uma Igreja que quer 
anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. 
Os Movimentos na Igreja podem ler-se e 
interpretar-se à luz do capítulo XII da Primeira 
Carta de S. Paulo aos Coríntios. Procedem, todos, 
do Espírito Santo; orientam-se, todos, para o bem 
da Igreja; estão na Igreja como os membros no 
corpo humano. Estes são critérios que ajudam ao 
seu discernimento – missão dos Pastores nas 
Comunidades Cristãs. Aliás, o Papa Bento XVI, 
aquando da sua visita a Portugal, em Fátima, no dia 
13 de Maio passado, aponta aos Bispos uma nota 
importantíssima: «Os portadores de um carisma 
particular devem sentir-se fundamentalmente 
responsáveis pela comunhão, pela fé comum da 
Igreja e devem submeter-se à guia dos Pastores. São 
estes que devem garantir a eclesialidade dos 
Movimentos. Os Pastores não são apenas pessoas 
que ocupam um cargo, mas eles próprios são 
carismáticos, são responsáveis pela abertura da 
Igreja à ação do Espírito Santo». 
Todos, de alguma forma, sabíamos isto: os 
Bispos e os Responsáveis e seguidores de um 
Movimento. Penso que, nem uns nem outros temos 
tido coragem e consciência para reconhecer e, 
sobretudo, atuar de que é nesta abertura, nesta 
clareza e nesta confiança que, para bem e fidelidade 
ao Espírito e à Igreja devemos agir. Tudo isto, numa 
docilidade, simples e obediente, ao Espírito Santo. 
No mesmo discurso, dizia Bento XVI: «A propósito, 
confesso-vos a agradável surpresa que tive ao 
contactar com os Movimentos e novas 
Comunidades Eclesiais. Observando-os, tive a 
alegria e a graça de ver como, num momento de 
fadiga da Igreja, num momento em que se falava de 
«Inverno da Igreja», o Espírito Santo criava uma 
nova primavera, fazendo despertar nos jovens e 
adultos a alegria de serem cristãos, de viverem na 
Igreja que é o Corpo vivo de Cristo. Graças aos 
carismas, a radicalidade do Evangelho, o conteúdo 
objetivo da fé, o fluxo vivo da sua tradição 
comunicam-se persuasivamente e são acolhidos 
como experiência pessoal, como adesão da liberdade 
ao evento presente de Cristo». 
Está aqui, no meu entendimento, a doutrina 
fundamental sobre a sua importância, o seu lugar e a 
sua missão na Igreja. Ainda, o tempo da sua vigência 
e atualidade. De facto, não são “eternos”, no sentido 
de cada um ser indispensável. Indispensável é a 
presença do Espírito Santo que suscita, em cada 
tempo, a forma concreta de ser ação e força 
renovadora e transformadora, ao serviço da 
salvação. Em cada tempo, surgem outros novos, 
com novas expressões, com nova vitalidade e 
provocando novo entusiasmo. Tenhamos a 
consciência e a certeza de uma coisa importante: o 
Espírito Santo não se repete, não envelhece, não 
para na Sua missão e não desiste de renovar a face 
da terra. 
Creio firmemente que, enquanto manifestação do 
Espírito em cada tempo, os Movimentos são 
indispensáveis à vida da Igreja e têm um lugar 
insubstituível na Iniciação Cristã de muitos 
batizados, levando-os ao encontro pessoal com 
Jesus Cristo. É o que Bento XVI disse aos Bispos 
Portugueses. A “agradável surpresa”, atrás citada e 
que o Papa partilhou, estava na sequência de um 
desejo de João Paulo II que citou no discurso. O seu 
Antecessor falava da necessidade que a Igreja tem de 
“grandes correntes, movimentos e testemunhos de 
santidade entre os fiéis”, acrescentando Bento XVI 
que poderia alguém dizer: «É certo que a Igreja tem 
necessidade de grandes correntes, movimentos e 
testemunhos de santidade…, mas não os há»! 
Porque os Movimentos são essenciais e 
indispensáveis à Igreja e porque o Espírito Santo 
não para e não desiste, não O extingamos, com a 
nossa inação, com a nossa intolerância ou vontade 
de controlo ou com a nossa falta de discernimento 
positivo, exigente e responsável, no amor e serviço à 
mesma Igreja!... 
Tudo o que o Papa disse aos Bispos, no mesmo 
discurso, parece ter em pensamento esta mesma 
ideia. Enuncio, apenas, alguns pontos concretos em 
que o Papa parece apontar, ainda que não 
expressamente, a importância dos Movimentos: a 
Iniciação Cristã, “exigente e atrativa”; a “necessidade 
de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, 
sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé 
é mais amplo e profundo”; o apelo a que se 
continuem a estimular os que, nos lugares ‘difíceis’, 
“defendem com coragem um pensamento católico 
vigoroso e fiel ao Magistério”; a urgência de 
espiral _______________________________________________________________________ 15
“inculcar em todos os agentes evangelizadores um 
verdadeiro ardor de santidade”; a certeza de que 
“aquilo que fascina é sobretudo o encontro com 
pessoas crentes que, pela sua fé, atraem para a graça 
de Cristo dando testemunho d’Ele”, etc. 
Na Pastoral da Igreja e, no momento em que a 
Conferência Episcopal Portuguesa está apostada em 
“repensar a Igreja em Portugal”, os Movimentos e as 
novas Comunidades Eclesiais são chamados a ter 
um lugar muito importante neste caminho. Há 
aspetos na renovação da Igreja e na sinodalidade que 
se sente urgente incrementar nas Dioceses do nosso 
País e que são já prática de ação de muitos carismas 
e de muitas experiências que muitos Movimentos 
vão fazendo. Precisamos de contar mais uns com os 
outros e de praticar o acolhimento, o diálogo e a 
comunhão, de forma concreta, aceitando que é o 
mesmo Espírito a conduzir a Igreja onde todos nos 
situamos. 
Neste caminho, verdadeiramente iluminadora e 
orientadora é a “condição necessária” apontada por 
Bento XVI aos Bispos: «que estas novas realidades 
queiram viver na Igreja comum, embora com 
espaços de algum modo reservados para a sua vida, 
de maneira que esta se torne depois fecunda para 
todos os outros». Entender esta condição é decisivo 
– para os Bispos e Sacerdotes e para todas estas 
“novas realidades”. Há que fazer caminho, com 
muita humildade, conhecendo-nos e escutando-nos 
mutuamente, prosseguindo este necessário e urgente 
equilíbrio. 
Uma nota final: ninguém deverá invocar que o 
‘seu’ é o melhor e que os outros são dispensáveis… 
S. Paulo, com a imagem do corpo humano, explica a 
hierarquia, o lugar e a necessidade de todos para o 
bem comum. Bento XVI dizia, no Pentecostes de 
2006, que os Movimentos na Igreja contribuíam 
para “proclamar a alegria de crer em Jesus Cristo e 
renovar o compromisso de Lhe ser discípulo fiel 
neste nosso tempo” (cf Os Movimentos na Igreja, p. 
7). Este nosso tempo não pode nem deve perder as 
oportunidades do Espírito. 
___________________________________________________________________________________ 
Relação entre a paróquia e os movimentos eclesiais 
Entrevista da Agência Zenit a Arturo Cattaneo, 
professor de Direito Canónico em Veneza. 
Os movimentos eclesiais acabarão por 
substituir as paróquias? 
Não, porque a paróquia desempenhará sempre 
um papel fundamental e insubstituível. Há que 
pensar na paróquia como a «casa comum dos fiéis», 
o «primeiro lugar de encarnação do Evangelho», e 
não se pode substituir com movimentos. 
Então, porque é tão positivo e promissor o 
desenvolvimento dos movimentos? 
É evidente que a paróquia não é o único meio 
com o que a Igreja responde às exigências da 
evangelização. A paróquia não pode conter toda 
forma possível de vida cristã, seja individual ou de 
grupo, como se fosse uma diocese em miniatura. 
Que contributo oferecem às paróquias? 
João Paulo II manifestou com frequência a sua 
confiança na capacidade dos movimentos para 
renovar a ação apostólica da Igreja e, em especial, a 
das paróquias. Às vezes, vemos paróquias que 
enfraquecem, convertidas em meras «distribuidoras 
de serviços pastorais». 
Neste caso, o papel dos movimentos é 
especialmente importante e providencial, ante o 
desafio da descristianização, e a resposta às 
demandas de religiosidade, cada vez mais urgentes 
no Ocidente. 
Cada movimento tem um carisma próprio e os 
que participam são chamados e ajudados a vivê-lo 
na vida familiar, social, profissional, política, cultural, 
esportiva etc., justamente esta presença capilar de 
vida cristã é a principal contribuição dos 
movimentos à paróquia. 
Como observou recentemente o professor 
Giorgio Feliciani: «A primeira e mais importante 
contribuição que os movimentos podem dar a uma 
comunidade paroquial é a presença em seu âmbito 
territorial daquelas que João Paulo II definiu 
“personalidades cristãs maduras, conscientes de sua 
própria identidade batismal, sua própria vocação e 
missão na Igreja e no mundo”. E, pelo mesmo, 
capazes de oferecer a todos que encontrem um 
testemunho de vida cristã significativo». 
Às vezes fala-se do perigo de que os 
movimentos constituam uma Igreja paralela. 
A autoridade eclesiástica, que aprova os estatutos 
e vigia a atuação destes movimentos, é a instância 
competente para evitar que cresçam como uma 
Igreja paralela. 
Os movimentos, por sua vez, devem ter a 
capacidade de fazer que o próprio carisma se integre 
na Igreja local. Os membros dos movimentos, 
permanecendo fiéis ao próprio carisma, deverão 
tratar de inseri-lo criativamente na vida da Igreja 
local. 
espiral _______________________________________________________________________ 16

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  • 1. espiral Boletim da Associação FRATERNITAS MOVIMENTO – n.º 52 – maio – setembro de 2014 espiral.fraternitas@gmail.com | http://fraternitasmovimento.blogspot.pt Fraternitas em renovação FERNANDO FÉLIX, presidente A Igreja vive dos carismas. Os novos movimentos eclesiais surgidos na segunda metade do século XX caracterizam-se sobretudo pelo facto de dirigir-se principalmente a fiéis leigos para ajudá-los a viver com plena coerência o seguimento de Cristo na vida quotidiana ou realidades seculares. Mas também há movimentos sacerdotais. A Associação Fraternitas Movimento nasceu há 18 anos. Cumpre, por dom particular do Espírito Santo, uma missão que nenhum outro organismo eclesial pode satisfazer. Em outubro, na Assembleia Geral Extraordinária, vamos definir os próximos anos. Uma das tarefas será eleger os corpos sociais. Para mim, o ponto final deste parágrafo é também o ponto final na Presidência. Agradeço a Deus o dom deste ministério, que exerci durante três anos, agradeço aos colegas e a todos os sócios, e coloco sob a ação do Espírito Santo aquele(s) que Ele escolheu para guiar a Fraternitas no próximo triénio. ____________________________________________________________________________________ A refundação da Fraternitas ANTÓNIO DUARTE, tesoureiro e vogal A Assembleia Geral, de 25 de abril passado, votou para 25 de outubro próximo, a realização de uma Assembleia Geral Extraordinária (AGE.) deliberativa bem como a nomeação de uma Comissão ad hoc para a preparar em ligação com a Direção. De então para cá, várias coisas aconteceram com essa finalidade: – No dia 17 de maio, Comissão e Direção reuniram-se em Lisboa e, nesse encontro, foi estabelecido enviar uma carta aos sócios com quotas em atraso para regularizarem a sua situação até 30 de junho, a fim de terem direito a voto na AGE. Essa carta foi enviada no início de junho. – No dia 7 de junho, realizou-se no Seminário Redentorista de Cristo-Rei, em Vila Nova de Gaia, um Encontro Regional com a presença de 23 associados. – No dia 12 de julho, teve lugar em Lisboa outro Encontro Regional com a presença de 12 associados. – Com data de 1 de maio, chegou à direção da Fraternitas uma «reflexão sobre a Fraternitas Movimento», do sócio n.º 1, Francisco Monteiro. – A Direção contactou com vários sócios por telefone. Como preparar a Assembleia Extraordinária? Proponho quatro passos. 1.º: (Re)lendo textos bíblicos inspiradores. Lendo e meditando, por exemplo, a eleição do apóstolo Matias num contexto comunitário de retiro e oração continuada e intensa, onde estavam presentes cerca de 120 pessoas, entre elas os Apóstolos, algumas mulheres – incluindo Maria, Mãe de Jesus, e seus familiares. Pedro dirigiu a assembleia, mas a escolha foi comunitária (Act 1, 12-26). Lendo e meditando – segundo exemplo – a instituição dos sete diáconos (Act 6, 1-6). Quem convocou esta assembleia dos discípulos foram os espiral _______________________________________________________________________ 1
  • 2. Doze. Quem escolheu os sete diáconos foi a assembleia, respeitando os critérios definidos pelos Apóstolos: «Procurai entre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito Santo e de sabedoria», e nós dar-lhes-emos posse, impondo-lhes as mãos. Para os Apóstolos ficava a oração e o serviço da Palavra; para os diáconos, o serviço quotidiano de servir às mesas. S. Lucas regista que a proposta agradou a toda a assembleia. Lendo e meditando – terceiro exemplo – o sínodo de Jerusalém (Act. 15, 1-35) para resolver o litígio de cristãos judeus e cristãos gentios. Os cristãos judeus queriam impor aos cristãos gentios, para serem salvos, o rito da circuncisão e as leis de Moisés. Este sínodo envolveu duas cidades: Antioquia e Jerusalém; vários protagonistas: Pedro e Tiago, que tomaram a palavra. Paulo e Bernabé, que defendiam os gentios e que, com outros, foram a Jerusalém para os advogar; uma carta apostólica dirigida aos «irmãos da gentilidade que estão em Antioquia, na Síria e Cilícia», levada por «Judas, chamado Barsabás, e Silas, dois líderes entre os irmãos», delegados de Jerusalém a Antioquia. 2.º Releitura atenta dos Estatutos da Associação Fraternitas Movimento, para saber: a) Quem são os membros efetivos da Associação: Artigo 1 e Artigo 6, n.º1. b) Que do pagamento das quotas só estão dispensados os membros honorários e beneméritos: Artigo 8. c) Que só a Assembleia Geral tem competência para fixar e alterar o valor da quota: Artigo 11, n.º 8. d) Que o financiamento básico das Fraternitas é assegurado através de uma joia de adesão e de uma quota anual: Artigo 33; e de donativos feitos pelos sócios: Artigo 33, n.º 1. e) Que a joia de adesão é paga de uma só vez no ato da admissão: Artigo 34, n.º 1. f) Que o pagamento das quotas deverá fazer-se durante o primeiro trimestre de cada ano civil: Artigo 34, n.º 2. 3.º Quem tem direito a voto nesta assembleia? A 1 de setembro, quando foi escrita a carta convocatória para a Assembleia Geral Extraordinária, dos 159 sócios da Fraternitas, 96 tinham direito a voto: a) 33 casais com as quotas todas em dia. b) 4 casais que pagaram 2014. c) 9 sócios singles com as quotas todas em dia. d) 2 sócios singles que pagaram 2014. e) 7 viúvas pagaram primeira quota em 2014. 4.º Sócios exemplares Dos sócios que pagam as quotas, 90 % são sócios com mais de 70 anos. Caminhando para os 20 anos da Fraternitas Proponho que se releia um texto vivencial-doutrinário, escrito em 2008 e publicado no Espiral n.º 31 (abril-junho), da autoria de Pacheco de Andrade. Para introduzi-lo, vou transcrever uma passagem da Carta aos Hebreus 13, 7-9a: «Lembrai-vos dos vossos chefes, que vos anunciaram a Palavra de Deus. Considerai o êxito da sua conduta e imitai a sua fé. Jesus Cristo é o mesmo, ontem, hoje e por toda a eternidade. Não vos deixeis transviar por doutrinas incertas e estranhas.» «Ares da Fraternitas. O nosso matrimónio é um acto de coragem. Começo por dizer que não me detenho sobre o que fui. É um passado que assumo. Mas devo adiantar que, na minha actual situação, me sinto inteiramente despreocupado no foro da minha consciência. Por outro lado, considero que é uma lufada de ar fresco o facto de entre nós, membros da Fraternitas, no agradável convívio que todos os anos nos reúne em Fátima, não nos carpirmos com mornos sentimentos de culpa por termos tido a coragem, sim a coragem, de havermos dado o passo que demos. E aqui registe-se uma palavra de preito e admiração por aquelas que aceitaram, com a mesma coragem, se não mais ainda, serem nossas companheiras de vida e mães dos nossos filhos e suas educadoras admiráveis. Por detrás de tudo isto, como nuvem cinzenta, está a milenar lei do celibato (Concílio de Elvira no termo do primeiro milénio). Isto é, durante os primeiros mil anos de cristianismo, o celibato foi opção livre e não obrigação imposta. Quando no Sínodo de 1971, com atraso de dez séculos, Roma trouxe a debate o celibato, houve uma movimentação no mundo católico. Foi feito um inquérito em cada diocese e alguns resultados que transpiraram – na Igreja também há fugas de informação – davam como aprovada maioritariamente pelo clero de vários países a opcionalidade do celibato. Estranhamente, Paulo VI, que teve a iniciativa de abrir esta consulta ao clero de todo o mundo, depois recuou, não resistiu a fazer uma contraditória pressão, advertindo quer os bispos quer o clero para não se deixarem influenciar. Do meu ver pessoal, acho que esta intervenção foi um desastre, porque inquinou todo o processo de consulta. Era uma intromissão na liberdade de cada um, depois de ter reconhecido esta. E, no entanto, eu nessa altura defendia o celibato. Foi a partir daí que comecei a achá-lo abusivamente impositivo como obrigação. Uma lei positiva a atropelar um direito natural Vem isto a propósito de espiral _______________________________________________________________________ 2
  • 3. quê? Fala-se muito em escassez de vocações. Penso, às vezes, nos nossos encontros da Fraternitas, em quantos daqueles que ali vão não voltariam a exercer, se acontecesse a abertura que, suponho virá, um dia mais à frente e que poderá demorar um século, se Roma olhar com realismo a situação de uma Igreja na qual o número de padres irá diminuindo. Pessoalmente, devo dizer que não renego o meu passado. Mas que não alimento qualquer nostalgia que me desvie do meu presente. Sinto-me bem como estou, e a minha consciência apenas me exige que seja fiel ao meu matrimónio e ame a minha mulher e o meu filho. Não sei quantos movimentos, paritários da Fraternitas, existirão no mundo. De qualquer modo, não deveria ser indiferente ao Vaticano que os cerca de 150 mil padres impedidos de exercerem o múnus sacerdotal continuem à margem do altar. Trata-se de um enorme problema. Para mim, não é problema. Para Roma, é. Dela depende que deixe de o ser.» Lembro que Pacheco de Andrade, que, no dia 20 de novembro atingirá a linda idade de 93 anos, foi um grande jornalista que escreveu para vários jornais e publicou um livro sobre o notável bispo do Porto, D. António Ferreira Gomes. Como seu suporte está a professora Maria Da Graça, que ele elogia neste depoimento. ____________________________________________________________________________________ Reflexão sobre a Fraternitas Movimento FRANCISCO MONTEIRO, sócio n.º 1 Em resposta ao pedido de sugestões que foi feito aos sócios da Fraternitas sobre o tema da Fraternitas Movimento e agradecendo esse pedido de participação, junto envio algumas reflexões que se estendem a algumas outras questões abordadas na recente Assembleia Geral. 1. A Fraternitas, desde o seu início é uma “Associação Fraternitas – Movimento”. Está nos Estatutos da Fraternitas (título e artº 1), está na deliberação de aprovação dos Estatutos pela Assembleia Plenária da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) de 5 de maio de 2000 (nº 8 do Comunicado Final) e está no Anuário Católico de Portugal editado pela CEP (2009, pág. 968) com o título “Fraternitas Movimento”; logo no início desta referência no Anuário da CEP diz-se: Perfil: “Fraternitas Movimento” é uma associação privada de fiéis, constituída por Padres dispensados do exercício do Ministério, casados ou não, e suas esposas ou viúvas. Os seus estatutos foram aprovados pela CEP em Maio de 2002. Goza de personalidade jurídica e não tem fins lucrativos. Conclui-se portanto que a Fraternitas, desde o seu início é um Movimento. 2. O motivo pelo qual a Fraternitas – Movimento desde o seu início se ter constituído como uma associação foi aquela que acabo de citar no Anuário da CEP: para gozar de personalidade jurídica, isto é, para existir formal e legalmente. Agora pretende-se alterar a personalidade jurídica da Fraternitas – Movimento? Com que finalidade e com que consequências? Deixar de ser uma IPSS (se é que a Fraternitas o é, i. é se alguma vez o requereu) é relativamente simples, penso: é só declarar a cessação de atividade enquanto IPSS na Segurança Social. Em consequência disso cessarão, penso, as obrigações perante as Finanças e a própria Segurança Social. E a Fraternitas – Movimento continuará a sua existência jurídica, sobretudo perante a CEP. Isto resolverá a preocupação da última Assembleia Geral (AG)? A finalidade será reduzir os Órgãos Sociais da Fraternitas? Isso também será fácil: basta que na próxima AG se altere o Artigo 19 dos Estatutos e se reduza o número de membros da Direção ao mínimo legalmente possível que são, penso, três. Aliás, a AG poderá deliberar que a Fraternitas seja dirigida por um Comissão Executiva de três pessoas, por ex., passando os restantes titulares dos Órgãos Sociais a desempenhar uma função meramente perfunctória – nas AG uma vez por ano. 3. Se bem entendi, há um “movimento” dentro do Movimento, legítimo, como todos, para que os sócios ordenados da Fraternitas se virem para a inserção na Igreja, “esquecendo” o regresso ao exercício do ministério. Ora, peço desculpa por ser um ancião a falar, neste caso a escrever, desde o princípio (já lá vamos ao futuro) que existem, eu diria coexistem em perfeita paz, as duas tendências: os que desejam regressar ao exercício do ministério, como eu próprio, e os que nem querem ouvir falar disso, não estão interessados. Sempre vivemos as duas tendências com total respeito mútuo. Porquê agora pretender que a posição da Fraternitas seja a segunda: revelar claro repúdio pelo regresso ao exercício do sacerdócio? Não deverá antes a Fraternitas ser inclusiva de todas as espiral _______________________________________________________________________ 3
  • 4. sensibilidades, tendências, experiências e perspetivas dos seus membros, como sempre foi? 4. O segredo do nosso futuro enquanto inseridos na Igreja, quanto a mim, foi-nos clarissimamente apontado em Outubro de 2012, em Vila Nova de Gaia, pelo P. Rui Santiago, no final do retiro da Fraternitas, quando alguém lhe perguntou precisamente isso: se a Igreja não nos deveria aproveitar melhor; o P. Rui respondeu simplesmente que nós podemos sempre e devemos inserir-nos nas múltiplas atividades da Igreja. Por mim, e o conselho do P. Rui ajudou-me muito, isso tenho procurado fazer: trabalhar na Pastoral dos Ciganos na CEP, aceitar o convite do meu pároco (Lisboa – S. Francisco Xavier) para fazer a preparação dos adultos e jovens para o Crisma ao que se seguiu, no Ano da Fé e depois, um programa com sessões semanais a que se chamou DIAF (Diálogos para o Aprofundamento da Fé) que só agora foi interrompido com a minha doença, ao fim 40 semanas, mas que vai continuar, e a publicação de quatro livros de espiritualidade, o último dos quais intitulado “Deus, o Mundo e a Igreja” publicado no Kindle da Amazon. 5. Finalmente, como disse há pouco tempo ao nosso querido irmão Luís Cunha: “quanto à Fraternitas só lembrava o Sl 133, 1: “Vede como é bom, como é agradável que os irmãos vivam unidos!”: o Salmista não acrescenta: “desde que não haja doenças, desde que ninguém envelheça”… Há padres dispensados novos que não querem nada com a Fraternitas? E nós fizemos o marketing da Fraternitas com eles como o P. Filipe fez connosco? Convidá-los, falar-lhes, dizermos-lhes quem somos e o que fazemos? 6. Um pouco à margem das questões anteriores, há que refletir sobre as consequências da eventual inserção da Fraternitas no Apostolado dos Leigos, se, o que espero não aconteça, se acabar por optar por transformar a Fraternitas num movimento laical. Todos sabemos como a questão do convite dirigido à Fraternitas pela Associação do Apostolado dos Leigos que aparentemente é independente daquela que agora se chama Comissão Episcopal do Laicado e Família, resultou de um equívoco e da boa vontade de quem aceitou o convite. O “estado laical” a que os membros ordenados da Fraternitas foram “reduzidos” não pode esconder o carácter do sacramento da Ordem. Daí que a inserção da Fraternitas – Movimento numa estrutura da Igreja, não seja coisa óbvia: mais fácil será a inserção dos seus membros nas obras da Igreja. Eu diria que a Fraternitas – Movimento a pertencer a uma estrutura da Igreja, essa estrutura é mais única que outra coisa. ____________________________________________________________________________________ Sínodos diocesanos e algumas “periferias existenciais” LUÍS CUNHA, sócio n.º 19 Na base e finalidade de qualquer pastoral, estão as pessoas – agentes e destinatários: homem e mulher com sua sexualidade, feitos “à imagem e semelhança de Deus”. Este Criador e Redentor, no Seu projeto, assim quis o género humano para este ser feliz na racionalidade, bondade, beleza, amor, em ordem à formação, desenvolvimento e glorificação do Seu Povo no Seu Reino. O pecado, porém, também de cristãos e estruturas eclesiais, em que se foi amontoando o pó, transformado em lama de séculos, foi desviando por ínvios caminhos os desígnios divinos e desfigurando o rosto belo da Boa Nova do Senhor Jesus. Aliás, já o próprio Jesus advertia quando falava do farisaísmo: “Atam fardos pesados e insuportáveis e colocam-nos aos ombros dos outros, mas eles não põem nem um dedo para os deslocar” (MTV 23,4). Felizmente, a renovação da Igreja, tantas vezes falada, timidamente procurada, sempre in fieri (a acontecer), está, agora, imparavelmente, na ordem do dia. Respiram-se ares novos após a entrada do Papa Francisco para o leme da Igreja Católica e sua atenção às “periferias existenciais”. É a hora de lembrar e pôr em prática a Constituição Dogmática sobre a Igreja, Lumen Gentium. Depois de, no cap. II, a Constituição tratar do Povo de Deus, o cap. III é especialmente dedicado ao Colégio Episcopal, terminando o n.º 23 assim: As Conferências episcopais podem hoje desenvolver uma ação variada e fecunda para que o espírito colegial encontre aplicações concretas. Diz no n.º 25: A infalibilidade prometida à Igreja reside também no corpo episcopal, quando ele exerce o magistério supremo com o Sucessor de Pedro. Urge, pois, que, nas Igrejas particulares, as bases do Povo de Deus, que o Papa tanto gosta de auscultar, tenham a palavra sobretudo nos providenciais Sínodos Diocesanos, uns a decorrerem ou anunciados e outros que se seguirão. Com a escuta do Espírito Santo e o discernimento evangélico, estimulem, com as suas propostas, a Conferência Episcopal Portuguesa. Com pessoas realizadas segundo a infinita bondade e misericórdia espiral _______________________________________________________________________ 4
  • 5. do Deus Amor colocadas nas estruturas pastorais, as periferias também serão atingidas. Mencionam-se algumas situações necessitadas de especial atenção e que as ditas bases bem conhecem. O celibato no sacerdote será um carisma, uma joia quando e enquanto for opcional, assumido em liberdade. O mesmo se pode dizer da virgindade. De outra maneira, será fonte de conflitos interiores, de descalabros morais, de uniões ilícitas, de descrédito para a Igreja. O exemplo do Mestre, Que chamou para Apóstolos apenas homens casados, à exceção de João, é bem significativo. Querer ser mais cristão do que Jesus Cristo será forte ousadia, pior do que querer ser mais papista do que o Papa! É notória a generalizada concordância e aceitação entre os leigos quando o sacerdote se desliga do exercício das Ordens para assumir o Matrimónio, especialmente quando há filhos. Ou não seja o amor no casal a imagem do amor na Santíssima Trindade! Pelas ronceiras e tardias decisões da hierarquia eclesiástica nem sempre os fiéis, leigos ou sacerdotes, estão dispostos a esperar, o que, muitas vezes, faz com que os mesmos reajam com o afastamento da Igreja. É evidente que o celibato obrigatório deve ser abolido e repensado o aproveitamento para o exercício dos Padres dispensados que ainda estiverem capazes e disponíveis. Com efeito, Matrimónio e Sacerdócio Ministerial (masculino, e porque não feminino?) são duas vocações possíveis de coexistir nas mesmas pessoas e verificáveis em todas as Igrejas Cristãs, menos na Católica de rito latino, mera disciplina por nefasta influência do Império Romano. No Matrimónio, Igreja doméstica (LG,11), a preocupação da regulação da natalidade de acordo com as complicadas instruções da Humanae Vitae fez sofrer muitos casais, houve muitas desavenças, tem dado origem a afastamentos da Igreja. É tempo de corrigir tais normas, cuja correção, porém, não deve ser feita e legislada apenas por gente célibe. Divorciados recasados, padres casados e dispensados do exercício das Ordens, padres viúvos, mulheres, sua ordenação ministerial - Diz-se que o tempo traz consequências imprevistas no amor e, por isso, tende-se para a aceitação e acolhimento dos divorciados recasados na Eucaristia (plenitude da Igreja). Os padres dispensados, porque tal pediram ao Papa a fim de se sentirem realizados, a maioria através do casamento e permanência como membros da amada Igreja, com muita dificuldade obtiveram essa graça. O Código de Direito Canónico de 1917 trata-os de reduzidos ao estado laical; no renovado Código de 1983, porque foi reconhecido que aquela redução, no contexto, inferiorizava e ofendia os leigos, tal designação foi substituída por perda do estado clerical. É evidente que estas expressões, como se vê pelo contexto no rescrito e na doutrina da Igreja, não significam anulação do sacramento da Ordem em quem o tinha recebido: continuam padres validamente. Também comprova esta validade o facto de alguns destes padres, quando enviuvaram, terem voltado ao exercício do ministério sacerdotal. Este facto de padres viúvos voltarem ao exercício das Ordens e da referida ofensa aos leigos por serem considerados inferiores fazem-nos pensar na incoerência da Hierarquia da nossa Igreja, que, desta maneira, se pode dizer que ofendem as mulheres, porque, se só os viúvos, não os outros padres casados, podem voltar ao dito ministério, algo/alguém motiva esta discriminação: as mulheres, as leigas, que se enquadram nos leigos do povo de Deus. Assim, vem mais uma vez à evidência a velha e repetidíssima acusação da misoginia da Hierarquia na nossa Igreja. Não só por isto, mas por tantas outras razões aduzidas pela quase totalidade dos teólogos, nomeadamente no que se refere ao Ecumenismo, e pela práxis de outras Igrejas Cristãs, a mulher, que, no contexto sócio-jurídico de então, tão revolucionariamente foi acolhida pelo Senhor Jesus, sim, as mulheres poderão vir a receber o sacramento da Ordem. Estão referidas situações em que nitidamente gente marginalizada sofre e cuja causa faz sofrer o Papa Francisco e outros pastores, mas há mais marginalizados. Há que referenciá-los, acolhê-los, ajudá-los e fazer deles mensageiros felizes da Boa Nova. Pobres – Como, aos olhos de Jesus, os últimos são os primeiros, a quem o Papa Francisco também reserva, em título, O lugar privilegiado dos pobres no povo de Deus na sua Exortação Apostólica Evangelii Gaudium (197-201), sejam, pois, os pobres tidos na devida conta nas decisões dos Sínodos. Doutra maneira, qualquer comunidade da Igreja […] correrá também o risco da sua dissolução (ibidem, 207). Será de pensar nas Eucaristias da primitiva Igreja e ter os necessitados como primeiros destinatários das coletas, destinando-lhes significativa percentagem. Este sair da Igreja de certeza fará entrar mais pobres para a Igreja e suas igrejas e evitar a sua permanência com os seus clamores junto das portas. espiral _______________________________________________________________________ 5
  • 6. «Movimentos são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e sectores», diz Papa Francisco São dois trechos breves na longuíssima exortação Evangelii Gaudium, publicada em novembro de 2013. O Papa Francisco menciona o papel dos movimentos eclesiais na Igreja no n.º 29 e, mais adiante, no n.º 105, refere-se aos movimentos juvenis: «As outras instituições eclesiais, comunidades de base e pequenas comunidades, movimentos e outras formas de associação são uma riqueza da Igreja que o Espírito suscita para evangelizar todos os ambientes e sectores. Frequentemente trazem um novo ardor evangelizador e uma capacidade de diálogo com o mundo que renovam a Igreja. Mas é muito salutar que não percam o contacto com esta realidade muito rica da paróquia local e que se integrem de bom grado na pastoral orgânica da Igreja particular. Esta integração evitará que fiquem só com uma parte do Evangelho e da Igreja, ou que se transformem em nómades sem raízes.» «A pastoral juvenil, tal como estávamos habituados a desenvolvê-la, sofreu o impacto das mudanças sociais. Nas estruturas ordinárias, os jovens habitualmente não encontram respostas para as suas preocupações, necessidades, problemas e feridas. A nós, adultos, custa-nos a ouvi-los com paciência, compreender as suas preocupações ou as suas reivindicações, e aprender a falar-lhes na linguagem que eles entendem. Pela mesma razão, as propostas educacionais não produzem os frutos esperados. A proliferação e o crescimento de associações e movimentos predominantemente juvenis podem ser interpretados como uma ação do Espírito que abre caminhos novos em sintonia com as suas expectativas e a busca de espiritualidade profunda e dum sentido mais concreto de pertença. Todavia é necessário tornar mais estável a participação destas agregações no âmbito da pastoral de conjunto da Igreja.» Meses antes, a 18 de maio, nas Vésperas de Pentecostes, o Santo Padre dialogou com os movimentos, comunidades, associações e agregações laicais reunidas na Praça de S. Pedro. Primeira pergunta colocada ao Santo Padre “A verdade cristã é atraente e persuasiva porque responde à necessidade profunda da existência humana, anunciando de forma consistente que Cristo é o único Salvador de cada homem e de todos os homens”. Santo Padre, estas Vossas palavras calaram fundo em nós, exprimindo de modo direto e radical a experiência que cada um de nós deseja viver sobretudo no Ano da Fé e nesta peregrinação que esta noite nos trouxe aqui. Estamos diante de Vós para renovar a nossa fé, para a confirmar e reforçar. Sabemos que a fé não pode ser de uma vez por todas. Como dizia Bento XVI na Porta Fidei: “A fé não é um pressuposto óbvio”. Esta afirmação não se prende apenas com o mundo, com os outros, com a tradição de que provimos: esta afirmação prende-se antes de mais com cada um de nós. Damo-nos muitas vezes conta de como a fé é um rebento de novidade, um início de mudança, mas que depois tem dificuldade em abarcar a totalidade da vida e não se torna a origem de todo o nosso conhecer e agir. Santidade, como conseguiu alcançar na vida a certeza da fé? E que caminho nos indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé? Resposta do Papa Francisco Estou contente por encontrar-vos e pelo facto de que todos nós nos encontramos nesta praça para rezarmos, estarmos unidos e esperarmos o dom do Espírito. Eu conhecia as vossas questões e pensei nelas – isto não é, pois, insciente! A verdade em primeiro lugar! Tenho-as escritas aqui. A primeira – “como pudestes alcançar na vida a certeza da fé e que caminho indicais para que cada um de nós possa vencer a fragilidade da fé?” – é uma questão histórica porque se prende com a minha história, a história da minha vida! Tive a graça de crescer no seio de uma família na qual a fé era ensinada de uma forma simples e concreta, mas foi sobretudo a minha avó, a mãe do meu pai, que marcou o meu caminho de fé. Era uma mulher que nos explicava, que nos falava de Jesus, que nos ensinava o catecismo. Lembro-me sempre de que na Sexta-Feira Santa nos levava à noite à procissão das velas, que no fim da procissão chegava o “Cristo jacente” e que a avó nos mandava, a nós crianças, ajoelhar e dizia: “Olhem, está morto, mas amanhã ressuscita”. Recebi o primeiro anúncio cristão justamente desta mulher, a minha avó! Isto é lindíssimo. O primeiro anúncio em casa, com a família! E isto leva-me a pensar no amor de tantas espiral _______________________________________________________________________ 6
  • 7. mães e de tantas avós na transmissão da fé. São elas que transmitem a fé. Isto acontecia também nos primeiros tempos, porque São Paulo dizia a Timóteo: “Eu recordo a fé da tua mãe e da tua avó” (cfr. 2Tm, 1,5). Pensai nisto todas as mães que estão aqui, todas as avós. Transmitir a fé. Porque Deus nos coloca junto das pessoas que auxiliam o nosso caminho de fé. Não encontramos a fé no abstrato, não! Há sempre alguma pessoa que prega, que nos diz quem é Jesus, que nos transmite a fé, que nos dá o primeiro anúncio. E foi esta a primeira experiência de fé que tive. Mas há um dia muito importante para mim: 21 de setembro de 1953. Andava pelos 17 anos. Era o “Dia do Estudante”, para nós o primeiro dia da primavera, para vós o do outono. Antes de ir para a festa, passei pela minha paróquia, encontrei um padre que não conhecia e senti necessidade de me confessar. Foi para mim uma experiência de encontro: encontrei alguém que estava à minha espera. Mas não sei o que aconteceu, não me lembro, não sei bem porque estava ali aquele padre que eu não conhecia, não sei porque sentira aquela necessidade de me confessar, mas o certo é que alguém estava à minha espera. À minha espera há muito. Depois da confissão senti que algo mudara. Eu não era a mesma pessoa. Sentira justamente como que uma voz, um chamamento: estava convencido de que devia ser sacerdote. Esta experiência na fé é importante. Dizemos que devemos procurar a Deus, ir ao Seu encontro pedir perdão, mas, quando não vamos, Ele espera. Ele está primeiro! Nós temos uma palavra espanhola que explica bem tudo isto: “O Senhor sempre nos primerea”, está primeiro, está à nossa espera! Esta é de facto uma grade graça: encontrar alguém que está à nossa espera. Tu, pecador, vais, mas Ele está à tua espera para te perdoar. É esta a experiência que os profetas de Israel descreviam dizendo que o Senhor é como a flor da amendoeira, a primeira flor da Primavera (cfr. Jr 1, 11-12). Antes que desabrochem as outras flores, ei-lo, ei-lo que nos espera. O Senhor espera-nos. E, quando o buscamos, deparamos com esta realidade: que é Ele quem nos espera para nos acolher, para nos dar o Seu amor. E isto causa em ti uma estupefação tal que não acreditas, e assim vai nascendo a fé! Com o encontro de uma pessoa, com o encontro com o Senhor. Alguém dirá: “Não, eu prefiro estudar a fé nos livros!” É importante estudá-la, mas olha que isso não chega! O que importa é o encontro com Jesus, o encontro com Ele, e isto dá-te a fé, porque é justamente Ele quem ta dá! Também faláveis da fragilidade da fé, no que fazer para a vencer. O maior inimigo que a fragilidade tem é – curioso, hã? – o medo. Mas não tenhais medo! Somos frágeis e sabemos disso. Mas Ele é mais forte! Se fores com Ele, não há problema! Uma criança é fragilíssima – muitas vi hoje - , mas estava com o pai e com a mãe, estava a salvo! Com o Senhor estamos a salvo. A fé cresce com o Senhor, precisamente da mão do Senhor e isto faz-nos crescer e torna-nos fortes. Mas, se pensarmos que nos podemos desenvencilhar sozinhos… pensemos no que aconteceu a Pedro: “Senhor, nunca te renegarei!” (cfr. Mt 26, 33-35), e depois o galo cantou e renegara-o três vezes! (cfr. vv. 69-75). Pensemos: quando temos demasiada confiança em nós próprios, somos mais frágeis, mais frágeis. Sempre com o Senhor! E dizer com o Senhor significa dizer com a Eucaristia, com a Bíblia, com a oração… Mas também em família, com a Mãe, também com Ela, porque é Ela que nos leva ao Senhor; é a Mãe, é Ela que tudo sabe. Portanto rezar a Nossa Senhora e pedir-lhe que, como Mãe, nos torne fortes. Eis o que penso sobre a fragilidade, é pelo menos esta a minha experiência. Uma coisa que todos os dias me fortalece é rezar o Rosário a Nossa Senhora. Sinto uma força tão grande porque vou ao Seu encontro e sinto-me forte. Segunda pergunta colocada ao Santo Padre Santo Padre, a minha experiência é uma experiência de vida quotidiana como tantas outras. Procuro viver a fé no meio de trabalho em contacto com os outros como testemunho sincero de ser bem recebido no encontro com o Senhor. Eu sou, nós somos “pensamentos de Deus” investidos de um Amor misterioso que nos deu a vida. Eu dou aulas numa escola e esta consciência dá-me um motivo para me apaixonar pelos meus rapazes e também pelos seus colegas. Verifico muitas vezes que muitos buscam a felicidade em inúmeros itinerários individuais onde a vida e as suas grandes questões se reduzem muitas vezes ao materialismo de quem tudo quer e continua permanentemente insatisfeito ou ao niilismo para o qual nada tem sentido. Pergunto a mim mesmo como a proposta da fé, que consiste num encontro pessoal, de uma comunidade, de um povo, pode alcançar o coração do homem e da mulher do nosso tempo. Fomos feitos para o infinito – “jogai a vida para as grandes coisas!”, dissestes recentemente -, e no entanto tudo à nossa volta e dos nossos jovens parece dizer que devemos contentar-nos com respostas medíocres, imediatas e que o homem deve adaptar-se ao finito sem nada mais buscar. Estamos por vezes intimidados como os discípulos na véspera do Pentecostes. espiral _______________________________________________________________________ 7
  • 8. A Igreja convida-nos à Nova Evangelização. Penso que todos nós aqui presentes sentimos fortemente este desafio que está no íntimo das nossas experiências. Queria, pois, pedir-Vos, Santo Padre, que me ajudásseis a mim e a todos nós a saber como viver este desafio do nosso tempo. Qual é para Vós a coisa mais importante na qual todos os nossos movimentos, associações e comunidades devemos ter os olhos postos para pôr em prática aquilo a que fomos chamados? Como podemos comunicar hoje eficazmente a fé? Resposta do Papa Francisco A primeira: Jesus. O que é mais importante? Jesus. Se não avançarmos com a organização, com outras coisas, coisas belas, mas sem Jesus, não avançamos, não adianta. Jesus é mais importante. Agora queria fazer uma pequena censura, mas fraternamente, cá para nós. Todos vós gritastes na praça: “Francisco, Francisco, Papa Francisco!”. Mas onde estava Jesus? Eu quereria que vós gritásseis: “Jesus, Jesus e o Senhor e está justamente entre nós!” Daqui para a frente nada de “Francisco”, mas “Jesus”! A segunda questão é a oração. Olhar o rosto de Deus, mas sobretudo – e isto prende-se com o que disse antes – sentir-se olhado. O Senhor olha-nos: olha-nos primeiro. A minha experiência é o que experimento diante do sacrário quando vou rezar à noitinha diante do Senhor. Por vezes adormeço um pouquito, é certo, porque um pouco da fadiga do dia nos faz adormecer. Mas Ele compreende-me. E sinto tanto conforto quando me olha. Pensamos que devemos rezar, falar, falar, falar… Não! Deixai-vos olhar pelo Senhor. Quando Ele nos olha, dá-nos força e ajuda-nos a testemunhá-Lo – porque a questão versava sobre a fé, não? Primeiro “Jesus”, depois “oração” – sentimos que Deus está sempre a amparar-nos com a mão. Sublinho agora a importância disto: deixar-se guiar por Ele. Isto é mais importante do que qualquer cálculo. Somos verdadeiros evangelizadores deixando-nos guiar por ele. Pensemos em Pedro; talvez estivesse a fazer a sesta depois de almoço e tivesse uma visão, a visão do lençol com todos os animais, e sentisse que Jesus lhe dizia algo, mas não compreendia. Nesse momento alguns não-hebreus vieram chamá-lo para ir a uma casa e viu como o Espírito Santo ali estava. Pedro deixou-se guiar por Jesus para chegar à primeira evangelização dos gentios, que não eram hebreus: coisa inimaginável naquele tempo (cfr. Act 10, 9-33). E assim a história toda, toda a história! Deixar-se guiar por Jesus. É justamente o líder; o nosso líder é Jesus. E terceira: o testemunho. Jesus, oração – oração, esse deixar-se olhar por Ele – e depois o testemunho. Mas eu queria acrescentar algo. Este deixar-se guiar por Jesus leva-nos às surpresas de Jesus. Podemos pensar que devemos programar a evangelização num tabuleiro, pensando nas estratégias, fazendo planos. Mas isto são instrumentos, pequenos instrumentos. O importante é Jesus e deixar-se guiar por Ele. Depois podemos fazer estratégias, mas isto é secundário. Testemunho: a comunicação da fé só pode ser feita com o testemunho e isto é o amor. Não com as nossas ideias, mas com o Evangelho vivido na nossa existência e que o Espírito Santo faz viver em nós. É como que uma sinergia entre nós e o Espírito Santo, e isto conduz ao testemunho. A Igreja é levada adiante pelos Santos, que são justamente os que dão este testemunho. Como disse João Paulo II e também Bento XVI, o mundo de hoje precisa de muitos testemunhos. Não tanto de mestres, mas de testemunhos. Não falar muito, mas falar com a vida toda: a coerência de vida, precisamente a coerência de vida! Uma coerência de vida que é viver o cristianismo como um encontro com Jesus que me conduz junto dos outros e não como um facto social. Socialmente somos assim, somos cristãos fechados em nós. Não, isto não! O testemunho! Terceira pergunta colocada ao Santo Padre Santo Padre, ouvi como emoção as palavras da Vossa audiência aos jornalistas após a Vossa eleição. “Como eu quisera uma Igreja pobre e para os pobres.” Muitos de nós estão empenhados em obras de caridade e justiça: somos parte ativa na presença enraizada da Igreja onde o homem sofre. Sou uma empregada, tenho a minha família e empenho-me pessoalmente como posso junto dos vizinhos e na ajuda aos pobres. Mas nem por isso me sinto satisfeito. Queria dizer como Madre Teresa de Calcutá: tudo é por Cristo. O que muito me ajuda a viver esta experiência são os irmãos e as irmãs da minha comunidade que se empenham no mesmo fito. E neste empenhamento somos sustidos pela fé e a oração. A necessidade é grande. Vós o recordastes: “Quantos pobres há ainda no mundo e quanto sofrimento encontram estas pessoas”. E a crise agravou tudo. Penso na pobreza que aflige tantos países e que também no mundo do bem-estar se veio juntar à falta de trabalho, aos movimentos migratórios de massa, às novas escravidões, ao abandono e à solidão de tantas famílias, de tantos anciãos e de tantas pessoas sem casa ou sem trabalho. Queria perguntar-Vos, Santo Padre: como podemos eu e nós viver uma Igreja pobre e para os espiral _______________________________________________________________________ 8
  • 9. pobres? De que modo o homem que sofre é uma questão para a nossa fé? Que contributo concreto e eficaz podemos nós, movimentos e associações laicas, fornecer à Igreja e à sociedade para enfrentar esta grave crise que atinge a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política, em suma, uma nova maneira de ser dos homens e das mulheres? Resposta do Papa Francisco Volto ao testemunho. Antes de mais viver o Evangelho é o principal contributo que podemos dar. A Igreja não é um movimento político nem uma estrutura bem organizada: não é isto. Nós não somos uma ONG, e, quando a Igreja se torna uma ONG, perde o sal, não tem sabor, é apenas uma organização vazia. E nisto sede astuciosos porque o diabo nos engana, porque o perigo do “eficientismo” existe. Uma coisa é pregar Jesus, outra é a eficácia, é ser eficiente. Não, isso é outro valor. O valor da Igreja é fundamentalmente viver o Evangelho e dar testemunho da nossa fé. A Igreja é o sal da terra e a luz do mundo, é chamada a manter presente na sociedade o fermento do Reino de Deus e fá-lo antes demais com o testemunho, o testemunho do amor fraterno, da solidariedade, da condivisão. Quando ouvimos alguém dizer que a solidariedade não é um valor, mas uma “atitude primária” que deve desaparecer… não dá! Está a pensar-se numa eficácia meramente mundana. Os momentos de crise, como os que estamos a viver – mas dissestes antes que “estamos num mundo de mentiras” – este momento de crise não consiste, estejamos atentos, a uma mera crise económica; não é uma crise cultural. É uma crise do homem: o que está em crise é o homem! Mas o homem é imagem de Deus! Por isso há uma crise profunda! Neste momento de crise não nos podemos preocupar apenas connosco, fechar-nos na solidão, no desânimo, no sentimento de impotência perante os problemas. Não vos fechais por favor! Isso é um Jesus perigo: fechamo-nos na paróquia, com os amigos, nos movimentos, com os que partilham as mesmas coisas connosco… Mas sabeis o que sucede? Quando a Igreja se fecha, adoece cada vez mais. Pensai num quarto fechado durante um ano; quando lá fordes, há um cheiro a bafio, há tanta coisa errada. Uma Igreja fechada é a mesma coisa: é uma Igreja doente. A Igreja tem de sair de si mesma. Para onde? Para as periferias existenciais sejam elas quais forem, mas sair. Diz-nos Jesus: “Ide por todo o mundo! Andai! Pregai! Dai testemunho do Evangelho!” (cfr. Mc 16, 15). E o que sucede se não sai de dentro de si mesma? Pode dar-se o que sucede a todos aqueles que saem de casa e andam na rua: um acidente. Mas eu digo-vos: prefiro mil vezes uma Igreja acidentada, que sofreu um acidente, a uma Igreja doente de clausura! Saí, saí! Pensai no que diz o Apocalipse. Diz uma coisa bela: que Jesus está à porta e chama, chama para entrar no nosso coração (cfr. Ap 3,20). É este o sentido do Apocalipse. Mas perguntai isto a vós mesmos: quantas vezes Jesus está dentro e bate para sair e nós não O deixamos sair para nossa segurança, porque muitas vezes estamos fechados em estruturas caducas que só servem para fazer de nós escravos e não livres filhos de Deus? É importante ir ao encontro nesta livre “saída”; esta palavra pareceu-me muito importante: o encontro com os outros. Vivemos uma cultura do desencontro, uma cultura da fragmentação, uma cultura na qual deitamos fora o que não nos interessa, e todos sem negociar a nossa pertença. E há ou uma cultura do deitar fora. Mas convido-vos a pensar neste ponto – e faz parte da crise – nos anciãos que são a sabedoria de um povo, nas crianças… A cultura do deitar fora! Mas devemos ir ao encontro e criar com a nossa fé uma “cultura do encontro”, uma cultura da amizade, uma cultura onde encontremos irmãos, onde possamos falar também com os que a não pensam como nós, com os que têm outra fé, que não têm a mesma fé. Todos têm algo em comum connosco: são imagens de Deus, são filhos de Deus. Ir ao encontro de todos sem negociar a nossa fé. E outro ponto importante: com os pobres. Hoje – e dói ouvi-lo – encontrar um vagabundo morto de frio não é novidade. Hoje um escândalo é talvez notícia. Um escândalo: ah, isso é notícia! Hoje pensar que tantas crianças não têm comida não é notícia. Isto é grave, isto é grave! Não podemos ficar tranquilos! Ora… Mas é assim. Nós não podemos ser cristãos imaculados, esses cristãos demasiado educados, que falam de assuntos enquanto tomam chá tranquilamente. Não! Devemos tornar-nos cristãos corajosos e ir em busca dos que são a própria carne de Cristo! Quando vou confessar – ainda não posso, porque sair para me confessar… daqui não se pode sair, mas isto é outro problema – quando eu ia confessar na diocese precedente, apareciam uns quantos a quem perguntava sempre: “Mas dá esmola?” – “Sim, padre!”. “Ah, bom, bom”. E fazia outras duas perguntas: “Diga-me: quando dá esmola olha para aquele ou aquela a quem a dá?” – “Ah, não, não pensei nisso”. Segunda pergunta: “E quando dá a esmola, toca na mão daquele a quem a dá ou atira a moeda?” Eis o problema: a carne de Cristo, tocar na carne de Cristo, assumir esta dor dos pobres. A piedade não é para nós cristãos uma categoria sociológica, filosófica ou cultural: não, é uma categoria teologal. Eu diria que é talvez a espiral _______________________________________________________________________ 9
  • 10. primeira categoria, porque esse Deus, o Filho de Deus, se baixou, se fez pobre para caminhar connosco. E é esta a nossa pobreza: a pobreza da carne de Cristo, a pobreza que o Filho de Deus nos trouxe com a Sua Encarnação. Uma Igreja pobre para os pobres começa por ir ao encontro da carne de Cristo. Se vamos ao encontro da carne de Cristo, começamos a compreender algo, a compreender o que é esta pobreza, a pobreza do Senhor. E isto não é fácil. Mas há um problema que não faz bem ao espírito dos cristãos: o espírito mundano, a mundanidade espiritual. Isto leva-nos a uma suficiência, a viver o espírito do mundo e não o de Jesus. A questão que colocáveis: como se deve viver para enfrentar esta crise que atinge a ética pública, o modelo de desenvolvimento, a política. Como se trata de uma crise do homem, uma crise que destrói o homem, é uma crise que despoja o homem da ética. Se, na vida pública, na política, não houver ética, uma ética de referência, tudo é possível e tudo pode ser feito. E, quando lemos os jornais, vemos como a falta de ética na vida pública faz tão mal à humanidade inteira. Queria contar-vos uma história. Já o fiz duas vezes esta semana, mas fá-lo-ei uma terceira vez a vós. É a história que conta um midrash bíblico de um rabino do século XII. Ele conta-nos a história da construção da Torre de Babel e diz-nos que, para a construir eram preciso fazer tijolos. O que significa isto? Ir, misturar a lama, transportar a palha, fazer tudo e depois… ao forno. E, uma vez feito, o tijolo era levado para cima, para a construção da torre de Babel. Um tijolo era um tesouro por causa do trabalho todo que dava fazê-lo. Quando um tijolo caía, era uma tragédia nacional e o operário culpado era castigado; um tijolo era tão preciso que era um drama quando caía. Mas se um operário caía, não acontecia nada, era uma coisa totalmente diferente. Isto acontece hoje: se os investimentos nos bancos descem um pouco… tragédia… o que fazer? Mas se as pessoas morrem de fome, se não têm comida, se não têm saúde, não se faz nada! Eis a nossa crise atual! E o testemunho de uma Igreja pobre para os pobres vai ao encontro desta mentalidade. Quarta pergunta colocada ao Santo Padre Caminhar, construir, confessar. Este Vosso “programa” para uma Igreja-movimento, pelo menos tal como a entendi ao ouvir a Vossa homilia no início do Pontificado, confortou-nos e animou-nos. Confortou-nos porque nos encontrámos numa experiência profunda com os amigos da comunidade cristã e com toda a Igreja universal. Animou-nos porque de certa forma Vós obrigaste-nos a sacudir o pó do tempo e da superficialidade da nossa adesão a Cristo. Mas devo dizer que não consigo superar o sentimento de perturbação que uma destas palavras causa em mim: confessar. Confessar, ou seja, testemunhar a fé. Pensamos em tantos dos nossos irmãos que sofrem por causa dela como ainda há pouco ouvimos. Nos que ao domingo de manhã têm de decidir se vão à Missa porque sabem que indo à Missa põem a vida em risco. Nos que se sentem cercados e discriminados pela fé cristã em muitos, em demasiados cantos do nosso mundo. Perante estas situações parece-nos que o meu confessar, o nosso testemunho é tímido e tem peias. Queríamos fazer outra coisa, mas o quê? E como ajudar estes nossos irmãos? Como aliviar os seus sofrimentos nada podendo fazer ou bem pouco para mudar o seu contexto político e social? Resposta do Papa Francisco Para anunciar o Evangelho são necessárias duas virtudes: a coragem e a paciência. Eles (os cristãos que sofrem) são a Igreja da paciência. Sofrem e são mais mártires hoje que nos primeiros séculos da Igreja, são mais mártires! São nossos irmãos e irmãs. Sofrem! Levam a fé ao martírio. Mas o martírio nunca é uma derrota; o martírio é o mais alto grau do testemunho que devemos dar. Estamos no caminho do martírio, dos pequenos martírios; renunciar a isto, fazer aquilo… mas estamos no caminho. E eles, os pobrezinhos, dão a vida, mas dão-na – como sentimos a situação no Paquistão – por amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de amor a Jesus, testemunhando Jesus. Um cristão deve ter sempre esta atitude de mansidão, de humildade, a mesma atitude que eles têm confiando em Jesus, entregando-se a Jesus. É bom precisar que muitas vezes estes conflitos não têm uma origem religiosa; há amiúde outras causas de tipo social e político, e infelizmente as pertenças religiosas são utilizadas como achas na fogueira. Um cristão deve sempre saber responder ao mal com o bem, mesmo que isto seja muitas vezes difícil. Nós procuramos fazer sentir a estes irmãos e a estas irmãs que estamos profundamente unidos – profundamente unidos! – à sua situação, que sabemos que eles são cristãos “entrados na paciência”. Quando Jesus vai ao encontro da Paixão, entra na paciência. Eles entraram na paciência: dai-lo a saber, mas também dai-lo a saber ao senhor. Pergunto-vos: vós rezais e por estes irmãos e estas irmãs? Rezais por eles? Não vou agora pedir que quem reza levante a mão: não. Não o perguntarei agora. Mas pensai bem nisso. Na oração quotidiana, dizemos a Jesus: “Senhor, olha para este irmão, olha espiral _______________________________________________________________________ 10
  • 11. para esta irmã que tanto sofre, que tanto sofre!” Eles experimentam o limite, justamente o limite entre a vida e a morte. E também para nós: esta experiência deve levar-nos a promover a liberdade religiosa para todos, para todos! Todos os homens e todas as mulheres devem ser livres na sua confissão religiosa seja ela qual for. Porquê? Porque esses homens e essas mulheres são filhos de Deus. E assim creio ter dito algo acerca das vossas questões, peço desculpa se me alonguei demais. Obrigado e não esqueçais: nada de Igreja fechada, mas sim uma Igreja que sai para fora, para as periferias da existência. Que aí o Senhor nos guie. ____________________________________________________________________________________ Espiritualidade dos movimentos eclesiais Na sua primeira homilia, a 14 de março de 2013, o Papa Francisco aponta três marcas dos movimentos: caminhar, edificar e confessar. O movimento no caminho Caminhar. «Vinde, Casa de Jacob! Caminhemos à luz do Senhor» (Is 2, 5). Trata-se da primeira coisa que Deus disse a Abraão: caminha na minha presença e sê irrepreensível. Caminhar: a nossa vida é um caminho e, quando nos detemos, está errado. Caminhar sempre, na presença do Senhor, à luz do Senhor, procurando viver com aquela irrepreensibilidade que Deus pedia a Abraão, na sua promessa. O movimento na edificação da Igreja Edificar. Edificar a Igreja. Fala-se de pedras: as pedras têm consistência; mas pedras vivas, pedras ungidas pelo Espírito Santo. Edificar a Igreja, a Esposa de Cristo, sobre aquela pedra angular que é o próprio Senhor. Aqui temos outro movimento da nossa vida: edificar. O movimento na confissão Terceiro, confessar. Podemos caminhar o que quisermos, podemos edificar um monte de coisas, mas se não confessarmos Jesus Cristo, está errado. Tornar-nos-emos uma ONG sócio-caritativa, mas não a Igreja, Esposa do Senhor. Quando não se caminha, ficamos parados. Quando não se edifica sobre as pedras, que acontece? Acontece o mesmo que às crianças na praia quando fazem castelos de areia: tudo se desmorona, não tem consistência. Quando não se confessa Jesus Cristo, faz-me pensar nesta frase de Léon Bloy: «Quem não reza ao Senhor, reza ao diabo». Quando não confessa Jesus Cristo, confessa o mundanismo do diabo, o mundanismo do demónio. Sem Cruz, não somos discípulos do Senhor Caminhar, edificar-construir, confessar. Mas a realidade não é tão fácil, porque às vezes, quando se caminha, constrói ou confessa, sentem-se abalos, há movimentos que não são os movimentos próprios do caminho, mas movimentos que nos puxam para trás. O próprio Pedro que confessou Jesus Cristo com estas palavras «Tu és Cristo, o Filho de Deus vivo», diz-lhe «Eu sigo-Te, mas de Cruz não se fala. Isso não vem a propósito». Sigo-Te com outras possibilidades, sem a Cruz. Quando caminhamos sem a Cruz, edificamos sem a Cruz ou confessamos um Cristo sem Cruz, não somos discípulos do Senhor: somos mundanos, somos bispos, padres, cardeais, papas, mas não discípulos do Senhor. Eu queria que, depois destes dias de graça, todos nós tivéssemos a coragem, sim a coragem, de caminhar na presença do Senhor, com a Cruz do Senhor; de edificar a Igreja sobre o sangue do Senhor, que é derramado na Cruz; e de confessar como nossa única glória Cristo Crucificado. E assim a Igreja vai para diante. ____________________________________________________________________________________ Os movimentos no Magistério da Igreja No Pentecostes de 1998, realizou-se no Vaticano o congresso mundial de movimentos eclesiais. O Papa João Paulo II dirigiu um discurso aos congressistas. «Subitamente ressoou, vindo do céu, um som comparável ao de forte rajada de vento, que encheu toda a casa onde se encontravam. Viram, então, aparecer umas línguas à maneira de fogo, que se iam dividindo, e poisou uma sobre cada um deles. Todos ficaram cheios de Espírito Santo» (Act 2, 2-3). 1. Com estas palavras os Actos dos Apóstolos introduzem-nos no coração do evento do Pentecostes; apresentam-nos os discípulos que, reunidos com Maria no Cenáculo, recebem o dom espiral _______________________________________________________________________ 11
  • 12. do Espírito. Realiza-se assim a promessa de Jesus e inicia o tempo da Igreja. A partir daquele momento o vento do Espírito levará os discípulos de Cristo até aos extremos confins da terra. Levá-los-á até ao martírio para o intrépido testemunho do Evangelho. […] 4. À Igreja que, segundo os Padres, é o lugar «onde floresce o Espírito» (Catecismo da Igreja Católica, n. 749), o Consolador deu recentemente com o Concílio Ecuménico Vaticano II um renovado Pentecostes, suscitando um dinamismo novo e imprevisto. Sempre, quando intervém, o Espírito nos deixa maravilhados. Suscita eventos cuja novidade causa admiração; muda radicalmente as pessoas e a história. Esta foi a experiência inesquecível do Concílio Ecuménico Vaticano II, durante o qual, sob a guia do mesmo Espírito, a Igreja redescobriu como constitutiva de si mesma a dimensão carismática: «O Espírito Santo não só santifica e conduz o Povo de Deus por meio dos sacramentos e ministérios e o adorna com virtudes, mas “distribuindo a cada um os Seus dons como Lhe apraz” (1 Cor 12, 11), distribui também graças especiais entre os fiéis de todas as classes, as quais os tornam aptos e dispostos a tomar diversas obras e encargos, proveitosos para a renovação e cada vez mais ampla edificação da Igreja» (Lumen gentium, 12). Os aspetos institucional e carismático são como que coessenciais à constituição da Igreja e concorrem, ainda que de modo diverso, para a sua vida, a sua renovação e a santificação do Povo de Deus. É desta providencial redescoberta da dimensão carismática da Igreja foi que, antes e depois do Concílio, se consolidou uma singular linha de desenvolvimento dos movimentos eclesiais e das novas comunidades. 5. Hoje, a Igreja alegra-se ao constatar o renovado cumprimento das palavras do profeta Joel, que há pouco escutámos: «Derramarei o Meu Espírito sobre toda a criatura...» (Act 2, 17). Vós aqui presentes sois a prova palpável desta «efusão» do Espírito. Cada movimento difere do outro, mas todos estão unidos na mesma comunhão e para a mesma missão. Alguns carismas suscitados pelo Espírito irrompem como vento impetuoso, que arrebata e atrai as pessoas para novos caminhos de empenho missionário ao serviço radical do Evangelho, proclamando sem temor as verdades da fé, acolhendo como dom o fluxo vivo da tradição e suscitando em cada um o ardente desejo da santidade. Hoje, a todos vós reunidos aqui na Praça de São Pedro e a todos os cristãos, quero bradar: Abri-vos com docilidade aos dons do Espírito! Acolhei com gratidão e obediência os carismas que o Espírito não cessa de dispensar! Não esqueçais que cada carisma é dado para o bem comum, isto é, em benefício de toda a Igreja! 6. Pela sua natureza, os carismas são comunicativos e fazem nascer aquela «afinidade espiritual entre as pessoas» (cf. Christifideles laici, 24) e aquela amizade em Cristo que dá origem aos «movimentos». A passagem do carisma originário ao movimento acontece pela misteriosa atracão exercida pelo Fundador sobre quantos se deixam envolver na sua experiência espiritual. Desse modo, os movimentos reconhecidos oficialmente pelas autoridades eclesiásticas propõem-se como formas de autorrealização e reflexos da única Igreja. O seu nascimento e a sua difusão trouxeram à vida da Igreja uma novidade inesperada, e por vezes até explosiva. Isto não deixou de suscitar interrogativos, dificuldades e tensões; às vezes comportou, por um lado, presunções e intemperanças e, por outro, não poucos preconceitos e reservas. Foi um período de prova para a sua fidelidade, uma ocasião importante para verificar a genuinidade dos seus carismas. Hoje, diante de vós, abre-se uma etapa nova, a da maturidade eclesial. Isto não quer dizer que todos os problemas tenham sido resolvidos. É, antes, um desafio. Uma via a percorrer. A Igreja espera de vós frutos «maduros» de comunhão e de empenho. 7. No nosso mundo, com frequência dominado por uma cultura secularizada que fomenta e difunde modelos de vida sem Deus, a fé de muitos é posta à dura prova e, não raro, é sufocada e extinta. Percebe-se, então, com urgência a necessidade de um anúncio forte e de uma sólida e aprofundada formação cristã. Como é grande, hoje, a necessidade de personalidades cristãs amadurecidas, conscientes da própria identidade batismal, da própria vocação e missão na Igreja e no mundo! E eis, então, os movimentos e as novas comunidades eclesiais: eles são a resposta, suscitada pelo Espírito Santo, a este dramático desafio do final de milénio. Vós sois esta resposta providencial. Os verdadeiros carismas não podem senão tender para o encontro com Cristo nos Sacramentos. As verdades eclesiais a que aderis ajudaram-vos a redescobrir a vocação batismal, a valorizar os dons do Espírito recebidos na Confirmação, a confiar-vos à misericórdia de Deus no Sacramento da Reconciliação e a reconhecer na Eucaristia a fonte e o ápice da inteira vida cristã. E de igual modo, graças a essa forte experiência eclesial, surgiram esplêndidas famílias cristãs abertas à vida, verdadeiras «igrejas domésticas», desabrocharam muitas vocações ao sacerdócio ministerial e à vida religiosa, assim como novas formas de vida laical espiral _______________________________________________________________________ 12
  • 13. inspiradas nos conselhos evangélicos. Nos movimentos e nas novas comunidades aprendestes que a fé não é questão abstrata, nem vago sentimento religioso, mas vida nova em Cristo, suscitada pelo Espírito Santo. 8. Como conservar e garantir a autenticidade do carisma? É fundamental, a respeito disso, que cada movimento se submeta ao discernimento da Autoridade eclesiástica competente. Por esta razão, nenhum carisma dispensa da referência e da submissão aos Pastores da Igreja. Com palavras claras o Concílio escreve: «O juízo acerca da sua autenticidade e reto uso pertence àqueles que presidem na Igreja e aos quais compete de modo especial não extinguir o Espírito mas julgar tudo e conservar o que é bom (cf. 1 Ts 5, 12.19-21)» (Lumen gentium, 12). Esta é a necessária garantia de que a estrada que percorreis é justa! Assim, na confusão que reina no mundo de hoje é fácil errar, ceder às ilusões. Na formação cristã cuidada pelos movimentos jamais falte o elemento desta confiante obediência aos Bispos, sucessores dos Apóstolos, em comunhão com o Sucessor de Pedro! Conheceis os critérios de eclesialidade das agregações laicais, presentes na Exortação Apostólica Christifideles laici (cf. n. 30). Peço-vos que lhes deis adesão sempre com generosidade e humildade, inserindo as vossas experiências nas Igrejas locais e nas paróquias, sempre permanecendo em comunhão com os Pastores e atentos às suas indicações. O ensinamento de Bento XVI Na vigília de Pentecostes de 2006, o Papa Bento XVI encontrou-se com os movimentos eclesiais e dirigiu-se a eles na celebração das primeiras vésperas da vigília. «[…] Pertencentes a diversos povos e culturas, vós representais aqui todos os membros dos movimentos eclesiais e das novas comunidades, espiritualmente reunidos em redor do Sucessor de Pedro para proclamar a alegria de crer em Jesus Cristo, e renovar o compromisso de lhe serdes discípulos fiéis neste nosso tempo. […] Os Movimentos nasceram precisamente da sede da vida verdadeira; são Movimentos pela vida sob todos os aspetos. […] Na Carta aos Efésios, São Paulo diz-nos que este Corpo de Cristo, que é a Igreja, contém junturas (cf. 4, 16), e chega a enumerá-las: são os Apóstolos, os Profetas, os Evangelistas, os Pastores e os Mestres (cf. 4, 11). Nos seus dons o Espírito é multiforme. […] Se consideramos a história, […] então compreendemos como Ele suscita sempre novas dádivas; observamos como são diferentes os órgãos que Ele cria; e como, sempre de novo, age corporalmente. No entanto, nele a multiplicidade e a unidade caminham juntas. Ele sopra onde quer. E fá-lo de maneira inesperada, em lugares imprevistos e de maneiras precedentemente inimagináveis. E com que multiformidade e corporeidade o faz! É também precisamente aqui que a multiplicidade e a unidade são inseparáveis entre si. Ele quer a vossa multiformidade, e deseja que sejais o seu único corpo, na união com as ordens duradouras as junturas da Igreja, com os sucessores dos Apóstolos e com o Sucessor de São Pedro. Ele não nos poupa o cansaço de aprender o modo de nos relacionarmos uns com os outros; mas demonstra-nos também que age em vista do único corpo e na unidade do único corpo. É exclusiva e precisamente assim que a unidade alcança a sua força e a sua beleza. Participai na edificação do único corpo! Os pastores estarão atentos a não apagar o Espírito (cf. 1 Ts 5, 19), e vós não cessareis de oferecer as vossas dádivas à comunidade inteira. […] Estimados amigos, peço-vos que sejais ainda mais, muito mais, colaboradores no ministério apostólico universal do Papa, abrindo as portas a Cristo. Este é o melhor serviço da Igreja aos homens e, de maneira totalmente particular, aos pobres, a fim de que a vida da pessoa, uma ordem mais justa na sociedade e a convivência pacífica entre as nações encontrem em Cristo a "pedra angular" sobre a qual construir a autêntica civilização, a civilização do amor. O Espírito Santo oferece aos fiéis uma visão superior do mundo, da vida e da história, fazendo deles guardiães da esperança que não engana. ____________________________________________________________________________________ «Bento XVI disse aos bispos: “Vão ao encontro dos movimentos com muito amor”», entrevista a Arturo Cattaneo, professor de Direito Canónico De 15 a 17 de maio de 2008, celebrou-se em Rocca di Papa, perto de Roma, o II Seminário de estudo para os bispos sobre o tema dos movimentos eclesiais, tendo como tema uma frase do Papa Bento XVI “Vão ao encontro dos movimentos com muito amor”. Padre Cattaneo, um dos oradores, concedeu uma entrevista à Agência Zenit. espiral _______________________________________________________________________ 13
  • 14. No Pentecostes de 1998, João Paulo II dirigia-se aos movimentos eclesiais recordando que o seu nascimento «ofereceu à vida da Igreja uma novidade inesperada, inclusive fraturante. Hoje, que nos pode dizer a respeito? Após um «período de prova» e de verificação, abriu-se uma etapa nova: a da maturidade eclesial. Aprecia-se especialmente isso quanto à sua inserção nas Igrejas particulares. O que torna difícil a solução dos problemas? As dificuldades derivam frequentemente dos preconceitos, incompreensões por parte dos fiéis da comunidade local, por um lado, e de imprudência, inexperiência ou exuberância por parte dos membros dos movimentos, por outro. Também – como observou o P.e Jesús Castellano – «os carismas não existem em estado puro, e às vezes em nome dos carismas podem se realizar abusos». É necessário, portanto, uma contínua obra de purificação e, por parte do bispo, precisa-se não só de promoção das riquezas carismáticas, mas também discernimento, vigilância e correção de eventuais abusos. Como superar as dificuldades e tensões? Principalmente com o diálogo animado pela caridade, com um pouco de paciência e de boa vontade para compreender e fazer-se compreender. Qual a missão dos bispos? Eu sintetizo em quatro pontos, em correspondência com as características essenciais da Igreja: ser una, santa, católica e apostólica. Cada bispo diocesano deve promover na Igreja a ele confiada a unidade na pluralidade, a catolicidade no senso de abertura à Igreja universal, assim como a apostolicidade que implica a complementaridade entre instituição e carisma. Atuando assim, o bispo contribuirá para a santidade de sua Igreja particular como primeiro servidor do Espírito. Em que sentido isso garantiria a integração dos movimentos eclesiais? O serviço do bispo à unidade deve ser realizado na consciência de que a diversidade de ministérios, carismas, formas de vida e de apostolado não é um obstáculo para a unidade da Igreja particular, mas uma riqueza. Deve-se considerar que o caráter de comunhão, precisamente da Igreja, comporta, por uma parte, a mais sólida unidade e, por outra, uma pluralidade e uma diversificação que não são obstáculos para a unidade. Uma compreensão limitada da unidade levaria a uma uniformidade pastoral que tornaria difícil a inserção e a ação apostólica dos diversos movimentos. Por outra parte, uma das características predominantes dos novos movimentos eclesiais é sua dimensão universal. Como realidade da Igreja universal, em virtude da mútua interioridade entre Igreja universal e particular, os movimentos estão chamados a atuar nas Igrejas particulares, enriquecendo-as e preservando-as do perigo do «particularismo» e do «localismo». Não há também um perigo oposto, o de um movimento não se radicar na Igreja local? Certamente, a característica universalidade dos movimentos não deve fazê-los esquecer que a Igreja possui também uma dimensão particular essencial. Os movimentos serão, portanto, plenamente eclesiais também na medida em que se radiquem nas diversas Igrejas particulares. A visão universal da Igreja, que representa uma das contribuições valiosas dos movimentos às Igrejas particulares, se deformaria, convertendo-se em uma visão platonicamente ‘universalista’, e isso deteria a atenção à realidade e os problemas da Igreja particular. Também isso é amor pela Igreja. Os membros dos movimentos, permanecendo fiéis ao próprio carisma, deverão procurar inseri-lo criativamente na vida da respetiva Igreja particular, sem limitar-se a estar presentes nos organismos diocesanos. O campo de ação eclesial próprio dos fiéis leigos é o da vida familiar, social, profissional, política, cultural, esportiva, etc. Com esta presença capilar na vida da diocese, evitarão que o carisma do movimento possa aparecer nela como um corpo estranho. É algo análogo à inserção em uma orquestra de um novo instrumento musical que, ainda conservando suas características, se adapta às particularidades que lá encontra, com o fim de produzir uma verdadeira sinfonia, e isso graças à ação do diretor da orquestra, que, em nosso caso, é o bispo. Afirma que o bispo é servidor do Espírito. Em que sentido? O bispo é o primeiro ministro do Espírito Santificador. Exerce uma função de moderador, de episkpé, o serviço do Espírito de Cristo, velando para que as diversas iniciativas apostólicas originadas pelos carismas sejam desenvolvidas na concórdia e contribuam para a edificação da Igreja, na fidelidade à tradição apostólica. Sua potestade não é entendida como o centro de cuja plenitude saem todos os ministérios e as iniciativas apostólicas em sua Igreja, mas como o centro que unifica, coordena, anima, promove e modera, sempre consciente da responsabilidade de seguir a ação multiforme do Espírito. espiral _______________________________________________________________________ 14
  • 15. «Com os Movimentos na Igreja», por D. Ilídio Leandro, bispo de Viseu O texto seguinte foi publicado na Agência Ecclesia, em 15 de junho de 2010. “Os Movimentos na Igreja. Presença do Espírito e Esperança para os Homens” – é o título da tradução portuguesa de uma pequena reflexão sobre este tema, feita pelo Papa Bento XVI, no Pentecostes de 2006. Gosto deste título – traduz o que penso dos Movimentos, aponta, com clareza, o lugar que lhes pertence na Igreja e o que podem significar, olhando o futuro de uma Igreja que quer anunciar a Boa Nova de Jesus Cristo. Os Movimentos na Igreja podem ler-se e interpretar-se à luz do capítulo XII da Primeira Carta de S. Paulo aos Coríntios. Procedem, todos, do Espírito Santo; orientam-se, todos, para o bem da Igreja; estão na Igreja como os membros no corpo humano. Estes são critérios que ajudam ao seu discernimento – missão dos Pastores nas Comunidades Cristãs. Aliás, o Papa Bento XVI, aquando da sua visita a Portugal, em Fátima, no dia 13 de Maio passado, aponta aos Bispos uma nota importantíssima: «Os portadores de um carisma particular devem sentir-se fundamentalmente responsáveis pela comunhão, pela fé comum da Igreja e devem submeter-se à guia dos Pastores. São estes que devem garantir a eclesialidade dos Movimentos. Os Pastores não são apenas pessoas que ocupam um cargo, mas eles próprios são carismáticos, são responsáveis pela abertura da Igreja à ação do Espírito Santo». Todos, de alguma forma, sabíamos isto: os Bispos e os Responsáveis e seguidores de um Movimento. Penso que, nem uns nem outros temos tido coragem e consciência para reconhecer e, sobretudo, atuar de que é nesta abertura, nesta clareza e nesta confiança que, para bem e fidelidade ao Espírito e à Igreja devemos agir. Tudo isto, numa docilidade, simples e obediente, ao Espírito Santo. No mesmo discurso, dizia Bento XVI: «A propósito, confesso-vos a agradável surpresa que tive ao contactar com os Movimentos e novas Comunidades Eclesiais. Observando-os, tive a alegria e a graça de ver como, num momento de fadiga da Igreja, num momento em que se falava de «Inverno da Igreja», o Espírito Santo criava uma nova primavera, fazendo despertar nos jovens e adultos a alegria de serem cristãos, de viverem na Igreja que é o Corpo vivo de Cristo. Graças aos carismas, a radicalidade do Evangelho, o conteúdo objetivo da fé, o fluxo vivo da sua tradição comunicam-se persuasivamente e são acolhidos como experiência pessoal, como adesão da liberdade ao evento presente de Cristo». Está aqui, no meu entendimento, a doutrina fundamental sobre a sua importância, o seu lugar e a sua missão na Igreja. Ainda, o tempo da sua vigência e atualidade. De facto, não são “eternos”, no sentido de cada um ser indispensável. Indispensável é a presença do Espírito Santo que suscita, em cada tempo, a forma concreta de ser ação e força renovadora e transformadora, ao serviço da salvação. Em cada tempo, surgem outros novos, com novas expressões, com nova vitalidade e provocando novo entusiasmo. Tenhamos a consciência e a certeza de uma coisa importante: o Espírito Santo não se repete, não envelhece, não para na Sua missão e não desiste de renovar a face da terra. Creio firmemente que, enquanto manifestação do Espírito em cada tempo, os Movimentos são indispensáveis à vida da Igreja e têm um lugar insubstituível na Iniciação Cristã de muitos batizados, levando-os ao encontro pessoal com Jesus Cristo. É o que Bento XVI disse aos Bispos Portugueses. A “agradável surpresa”, atrás citada e que o Papa partilhou, estava na sequência de um desejo de João Paulo II que citou no discurso. O seu Antecessor falava da necessidade que a Igreja tem de “grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade entre os fiéis”, acrescentando Bento XVI que poderia alguém dizer: «É certo que a Igreja tem necessidade de grandes correntes, movimentos e testemunhos de santidade…, mas não os há»! Porque os Movimentos são essenciais e indispensáveis à Igreja e porque o Espírito Santo não para e não desiste, não O extingamos, com a nossa inação, com a nossa intolerância ou vontade de controlo ou com a nossa falta de discernimento positivo, exigente e responsável, no amor e serviço à mesma Igreja!... Tudo o que o Papa disse aos Bispos, no mesmo discurso, parece ter em pensamento esta mesma ideia. Enuncio, apenas, alguns pontos concretos em que o Papa parece apontar, ainda que não expressamente, a importância dos Movimentos: a Iniciação Cristã, “exigente e atrativa”; a “necessidade de verdadeiras testemunhas de Jesus Cristo, sobretudo nos meios humanos onde o silêncio da fé é mais amplo e profundo”; o apelo a que se continuem a estimular os que, nos lugares ‘difíceis’, “defendem com coragem um pensamento católico vigoroso e fiel ao Magistério”; a urgência de espiral _______________________________________________________________________ 15
  • 16. “inculcar em todos os agentes evangelizadores um verdadeiro ardor de santidade”; a certeza de que “aquilo que fascina é sobretudo o encontro com pessoas crentes que, pela sua fé, atraem para a graça de Cristo dando testemunho d’Ele”, etc. Na Pastoral da Igreja e, no momento em que a Conferência Episcopal Portuguesa está apostada em “repensar a Igreja em Portugal”, os Movimentos e as novas Comunidades Eclesiais são chamados a ter um lugar muito importante neste caminho. Há aspetos na renovação da Igreja e na sinodalidade que se sente urgente incrementar nas Dioceses do nosso País e que são já prática de ação de muitos carismas e de muitas experiências que muitos Movimentos vão fazendo. Precisamos de contar mais uns com os outros e de praticar o acolhimento, o diálogo e a comunhão, de forma concreta, aceitando que é o mesmo Espírito a conduzir a Igreja onde todos nos situamos. Neste caminho, verdadeiramente iluminadora e orientadora é a “condição necessária” apontada por Bento XVI aos Bispos: «que estas novas realidades queiram viver na Igreja comum, embora com espaços de algum modo reservados para a sua vida, de maneira que esta se torne depois fecunda para todos os outros». Entender esta condição é decisivo – para os Bispos e Sacerdotes e para todas estas “novas realidades”. Há que fazer caminho, com muita humildade, conhecendo-nos e escutando-nos mutuamente, prosseguindo este necessário e urgente equilíbrio. Uma nota final: ninguém deverá invocar que o ‘seu’ é o melhor e que os outros são dispensáveis… S. Paulo, com a imagem do corpo humano, explica a hierarquia, o lugar e a necessidade de todos para o bem comum. Bento XVI dizia, no Pentecostes de 2006, que os Movimentos na Igreja contribuíam para “proclamar a alegria de crer em Jesus Cristo e renovar o compromisso de Lhe ser discípulo fiel neste nosso tempo” (cf Os Movimentos na Igreja, p. 7). Este nosso tempo não pode nem deve perder as oportunidades do Espírito. ___________________________________________________________________________________ Relação entre a paróquia e os movimentos eclesiais Entrevista da Agência Zenit a Arturo Cattaneo, professor de Direito Canónico em Veneza. Os movimentos eclesiais acabarão por substituir as paróquias? Não, porque a paróquia desempenhará sempre um papel fundamental e insubstituível. Há que pensar na paróquia como a «casa comum dos fiéis», o «primeiro lugar de encarnação do Evangelho», e não se pode substituir com movimentos. Então, porque é tão positivo e promissor o desenvolvimento dos movimentos? É evidente que a paróquia não é o único meio com o que a Igreja responde às exigências da evangelização. A paróquia não pode conter toda forma possível de vida cristã, seja individual ou de grupo, como se fosse uma diocese em miniatura. Que contributo oferecem às paróquias? João Paulo II manifestou com frequência a sua confiança na capacidade dos movimentos para renovar a ação apostólica da Igreja e, em especial, a das paróquias. Às vezes, vemos paróquias que enfraquecem, convertidas em meras «distribuidoras de serviços pastorais». Neste caso, o papel dos movimentos é especialmente importante e providencial, ante o desafio da descristianização, e a resposta às demandas de religiosidade, cada vez mais urgentes no Ocidente. Cada movimento tem um carisma próprio e os que participam são chamados e ajudados a vivê-lo na vida familiar, social, profissional, política, cultural, esportiva etc., justamente esta presença capilar de vida cristã é a principal contribuição dos movimentos à paróquia. Como observou recentemente o professor Giorgio Feliciani: «A primeira e mais importante contribuição que os movimentos podem dar a uma comunidade paroquial é a presença em seu âmbito territorial daquelas que João Paulo II definiu “personalidades cristãs maduras, conscientes de sua própria identidade batismal, sua própria vocação e missão na Igreja e no mundo”. E, pelo mesmo, capazes de oferecer a todos que encontrem um testemunho de vida cristã significativo». Às vezes fala-se do perigo de que os movimentos constituam uma Igreja paralela. A autoridade eclesiástica, que aprova os estatutos e vigia a atuação destes movimentos, é a instância competente para evitar que cresçam como uma Igreja paralela. Os movimentos, por sua vez, devem ter a capacidade de fazer que o próprio carisma se integre na Igreja local. Os membros dos movimentos, permanecendo fiéis ao próprio carisma, deverão tratar de inseri-lo criativamente na vida da Igreja local. espiral _______________________________________________________________________ 16