Esta pesquisa científica tem por objetivo básico desfazer o mito de que o internetês, nome dado à linguagem comumente empregada por internautas na Internet, é prejudicial para a Língua Portuguesa, o que estaria levando os jovens estudantes internanutas a desaprenderem a língua vernácula e, consequentemente, a obterem baixos índices de aproveitamento escolar.
1. FACULDADE DE TECNOLOGIA DE GARÇA
CURSO DE TECNOLOGIA EM INFORMÁTICA - GESTÃO DE NEGÓCIOS
DELMAR WÊNDER CABRAL
INTERNETÊS
PERIGOSO VILÃO OU APENAS VARIAÇÃO?
Garça - 2006
2. FACULDADE DE TECNOLOGIA DE GARÇA
CURSO DE TECNOLOGIA EM INFORMÁTICA - GESTÃO DE NEGÓCIOS
DELMAR WÊNDER CABRAL
INTERNETÊS
PERIGOSO VILÃO OU APENAS VARIAÇÃO?
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Faculdade de Tecnologia
de Garça - FATEC, como requisito para
conclusão do Curso de Tecnologia em
Informática com ênfase em Gestão de
Negócios.
Orientadora: Profª. Ms. Nancy Aparecida
Guanaes Bonini
Garça - 2006
3. FACULDADE DE TECNOLOGIA DE GARÇA
CURSO DE TECNOLOGIA EM INFORMÁTICA - GESTÃO DE NEGÓCIOS
DELMAR WÊNDER CABRAL
INTERNETÊS:
PERIGOSO VILÃO OU APENAS VARIAÇÃO?
Trabalho de Conclusão de Curso
apresentado à Faculdade de Tecnologia
de Garça - FATEC, como requisito para
conclusão do Curso de Tecnologia em
Informática com ênfase em Gestão de
Negócios, pela seguinte Comissão
Examinadora
Data de Aprovação :___/___/___
____________________________
Profª. Ms. Nancy Ap. G. Bonini
FATEC-Garça
____________________________
Profª. Ms. Cláudia M. B. Aguillar
FATEC-Garça
____________________________
Profª. Ms. Maria Alda B. Cabreira
FATEC-Garça
4. AGRADECIMENTOS
Um antigo provérbio chinês diz, com muita sapiência, que “uma longa jornada
se inicia com o primeiro passo”, e ao longo dessa jornada encontramos muitas
pessoas: umas passaram, outras ficaram, algumas seguiram.
Nessa jornada sorrimos e choramos, lutamos e descansamos, vencemos
juntos.
Aos professores e alunos das escolas públicas e particulares que colaboraram
com esta pesquisa;
Aos amigos de todas as horas;
À Aline, Cristian, Fernando, Juliana, Marcelo Rodrigo, Selma e Sgarbi;
Aos professores Ângela, Cássia, Cláudia, Cristóvam, Ferraz, Igor, Isabela,
Ivo, Lúcia, Malange, Maria Alda, Maria Ângela, Maria Helena, Pedro, Querino,
Regina, Renata Paschoal, Renata Ueno e Vânia;
À Nancy, mais que orientadora, uma amiga;
À Raquel, mais que colaboradora, amiga e irmã;
Aos meus pais, primeiros e maiores professores, e meu irmão;
Meus agradecimentos.
Ao Pai, Senhor do Universo;
Ao Filho, Sustentador de tudo;
Ao Espírito Santo, Consolador.
Nunca me deixes esquecer
Que tudo o que tenho
Tudo o que sou
O que vier a ser
Vem de Ti, Senhor.
(VALADÃO, 2004)
5. jus et norma loquendi 1
(Horácio)
1
Expressão em latim, cujo significado é “A lei é a norma da linguagem”. Horácio refere-se ao uso,
que ele considera fator preponderante na formação da língua.
6. RESUMO
Esta pesquisa científica tem por objetivo básico desfazer o mito de que o
Internetês, nome dado à linguagem comumente empregada por internautas na
Internet, é prejudicial para a Língua Portuguesa, o que estaria levando os jovens
estudantes internautas a desaprenderem a língua vernácula e conseqüentemente, a
obterem baixos índices de aproveitamento escolar. Estruturada logicamente de
maneira a construir paulatinamente os conceitos empregados na desmitificação a
que se propõe, esta pesquisa se inicia descrevendo a formação histórica da Língua
Portuguesa desde sua derivação do Latim até a atualidade, analisando em seguida
a atual situação da educação brasileira que tanto tem preocupado a diversos setores
da sociedade brasileira, em especial aos pétreos defensores da Língua Portuguesa
lusitana. Após essa descrição do ensino básico no Brasil, faz-se um parêntese para
a elucidação do conceito de ‘erro’ baseada em conceitos da Lingüística, diferente do
tradicional conceito adotado pelos gramáticos normativistas e seus ‘seguidores’. Em
seguida é apresentado o suporte em que se desenvolve o Internetês, a popular e
dinâmica Internet, passando-se a uma descrição do Internetês propriamente dito,
variação lingüística tão criticada na atualidade e objeto desta pesquisa científica.
Espera-se que esta pesquisa contribua para a modificação do parecer popular sobre
o Internetês, de maneira que sejam focadas as verdadeiras responsáveis pela
decadência do ensino no Brasil, as equivocadas metodologias de ensino praticadas
pelas escolas, o que permitiria mudar radicalmente o futuro do país, ao se
considerar que os países que mais crescem são aqueles que investiram na
infraestrutura de sua sociedade, principalmente na educação.
Palavras-chave: Língua Portuguesa. Internet. Internetês. Lingüística. Variação
Lingüística. Ensino. Brasil.
7. ABSTRACT
This research aims at undoing the myth that “Internetês” – the name usually
given to the language variation frequently used by web surfers – is detrimental to
Portuguese and that it would be leading young web-surfing students to unlearn their
tongue, resulting in low levels of school performance. This work begins by describing
the formation of Portuguese, from its Latin origins to the present day. It, then,
analyzes the current situation of Brazilian education and tries to elucidate the
concept of error, upon Linguistic concepts that differ from those upheld by normatistic
grammar. We try and present the support upon which “Internetês” is developed,
followed by a description of “Internetês” itself. It is hoped that this research
contributes to modify people’s view about “Internetês”, so that we focus on the true
responsible for the decadence of public education in Brazil: school’s misled
methodologies of teaching.
Key-words: Portuguese language. Internet. “Internetês”. Linguistic. Linguistic
variation. Teaching. Brazil.
8. LISTA DE TABELAS
Tabela 5.1 Médias de desempenho, Brasil e Regiões (2003): Língua
Portuguesa
57
Tabela 5.2 Sente dificuldade para se expressar por escrito, seguindo a norma
padrão da língua?
61
Tabela 5.3 Sente dificuldade para escrever, seguindo a norma padrão da
língua aprendida na escola?
61
Tabela 7.1 Alguns emoticons
83
Tabela 8.1 Motivos para utilização de abreviações e onomatopéias na
comunicação pela Internet – 5ª série do Ensino Fundamental a 3ª
série do Ensino Médio
88
Tabela 8.2 Motivos para utilização de abreviações e onomatopéias na
comunicação pela Internet – 2ª, 3ª e 4ª séries do Ensino
Fundamental
88
Tabela 8.3 O uso da Internet é prejudicial ao aprendizado e aplicação da norma
90
padrão da língua portuguesa?
Tabela 8.4 O que você mais usa para se comunicar pela Internet? 5ª série do
Ensino Fundamental a 3ª Série do Ensino Médio
92
Tabela 8.5 O que você mais usa para se comunicar pela Internet? 2ª, 3ª e 4ª
séries do Ensino Fundamental
92
Tabela 8.6 Sente falta dos emoticons ao escrever textos escolares?
93
Tabela 8.7 As dificuldades/inovações dos alunos podem ser atribuídas ao uso
constante da Internet e seus recursos de comunicação? –
Professores
93
Tabela 8.8 Costuma ler textos por hábito ou obrigação?
94
9. SUMÁRIO
1
INTRODUÇÃO
10
2
CUILIBET IN ARTE SUA PERITO EST
16
3
AD AUGUSTA PER AUGUSTA
22
4
4.1
4.2
4.3
4.4
4.5
4.6
4.6.1
NOSCE TE IPSUM
Língua
Fala
Linguagem
Gramática
Norma
A Língua Portuguesa
Origem e evolução da Língua Portuguesa
30
31
34
35
37
40
42
43
5
5.1
5.2
DISCIPLINA, PAUPERIBUS DIVITIAE, DIVITIBUS ORNAMENTUM,
SENIBUS OBLECTAMENTUM
O ensino no Brasil
Percepções locais
48
53
60
6
ARCUS NIMIS TENSUS RUMPITUR
63
7
7.1
7.1.1
7.1.1.1
7.1.1.1.1
7.1.1.1.2
7.1.1.1.3
7.1.1.1.4
7.1.1.1.5
7.1.1.2
7.1.1.2.1
7.1.1.2.2
7.1.1.2.3
7.1.1.2.4
7.1.1.2.5
7.1.1.2.6
7.2
7.2.1
7.2.2
7.2.3
7.2.4
7.2.5
OMNE IGNOTO PRO MAGNÍFICO
Formas de comunicação escrita na Internet
Comunicação Interativa
Instantânea
Bate Papo
MSN Messenger
Yahoo! Messenger
IRC’s
ICQ
De Postagem
Orkut
Gazzag
UolK
Blogs
Fóruns
E-mail
Recursos
Emoticons
Animações
Onomatopéias
Abreviações
Neologismos
72
77
77
77
77
78
78
79
79
80
80
81
81
81
82
82
82
83
84
84
84
85
8
AUDIATUR ET ALTERA PARS
86
9
CONSIDERAÇÕES FINAIS
96
REFERÊNCIAS
104
10. APÊNDICES
APÊNDICE A Carta de apresentação e orientações para a aplicação dos
questionários
110
111
APÊNDICE B Questionário aplicado em alunos - 2ª, 3ª e 4ª séries do
Ensino Fundamental
112
APÊNDICE C Questionário aplicado em alunos - 5ª série do Ensino
Fundamental a 3ª série do Ensino Médio
APÊNDICE D Questionário aplicado em professores
114
116
APÊNDICE E Respostas dos alunos aos questionários - 2ª, 3ª e 4ª séries do
Ensino Fundamental
117
APÊNDICE F Respostas dos alunos à 30ª questão do questionário - 2ª, 3ª e 4ª
séries do Ensino Fundamental
122
APÊNDICE G Respostas dos alunos aos questionários - 5ª série do Ensino
Fundamental a 3ª série do Ensino Médio
125
APÊNDICE H Respostas dos alunos à 29ª pergunta do questionário – 5ª série do
Ensino Fundamental a 3ª série do Ensino Médio
130
APÊNDICE I Respostas dos professores ao questionário
139
ANEXOS
ANEXO A
Trecho da carta de Pêro Vaz de Caminha (ortografia atualizada)
144
145
ANEXO B
O gigolô das palavras
146
11. 10
1 INTRODUÇÃO
Gigante pela própria natureza,
És belo, és forte, impávido colosso,
E o teu futuro espelha essa grandeza
Terra adorada,
Entre outras mil,
És tu, Brasil,
Ó pátria amada!
(Joaquim O. D. Estrada, Hino Nacional
Brasileiro)
Uma das primeiras narrativas sobre a riqueza e potencial do Brasil foi escrita
ao 01 de maio de 1500, pelo escrivão português Pêro Vaz de Caminha, que aqui
chegou, juntamente com a expedição comandada pelo navegador e fidalgo
português Pedro Álvares Cabral.
Ainda que pouco se soubesse sobre a então ‘Terra de Vera Cruz’, primeiro
nome do Brasil, Pêro Vaz de Caminha fez uma detalhada descrição daquilo que
havia visto e ouvido, enquanto ainda pensavam ser o Brasil apenas uma ilha:
esta terra Sor me pareçe que da pomta q mais contra o sul vimos
ataa outa pomta que contra o norte vem de que nos deste porto
ouuemos vista, sera tamanha que auera neela bem xx ou xxb legoas
per costa. traz ao lomgo do mar em algüas partes grandes bareiras
delas vermelhas e delas bramcas e a terra per çima toda chaã e
mujto chea de grandes aruoredos. de pomta a pomta he toda praya
parma mujto chaã e mujto fremosa pelo sartaão nos pereceo dom
mar mujto grande porque a estender olhos nõ podiamos veer senõ
tera e aruoredos que nos pareçia muy longa tera.
neela ataagora nõ podemos saber que aja ouro nem prata nem
nhuüa cou sa de metal nem de fero, nem lho vjmos. pero a terra em
sy he de muito boos aares asy frios e tenperados coma os dantre
doiro e mjnho por que neste tenpo dagora asy os achauamos coma
os de la. agoas sam muitas imfimdas. Em tal maneira he graciosa
que querendoa aproueitar darsea neela tudo per bem das agoas que
tem. (CAMINHA, 1500).
Dificilmente se poderia imaginar naquela época que a encantadora ‘ilha’ de
clima agradável e exuberante vegetação, com seus nativos dóceis e inocentes, viria
a se tornar o Brasil de hoje, com seu território de 8,5 milhões de quilômetros
quadrados e 180 milhões de habitantes das mais diversas origens, ocupando o
12. 11
quinto lugar entre os países mais populosos do mundo, tendo 81% de seus
habitantes nas áreas urbanas, distribuídos nos 5563 municípios, 26 estados e um
distrito federal.
O Brasil possui cerca de 20% da biodiversidade mundial, além de ter
aproximadamente um sétimo das espécies existentes hoje no planeta.
Essa riqueza natural atrai cerca de 5 milhões de turistas estrangeiros por ano
que, em sua maioria, procuram as praias nordestinas e centros urbanos na região
Sudeste: o turismo no Brasil movimentou quase US$ 4 bilhões em 2005.
O Brasil tem quase 60 milhões de hectares de área plantada voltada para a
produção agrícola, divididos em aproximadamente 5 mil propriedades rurais, que
produzem uma safra de grãos com mais de 100 milhões de toneladas por ano, com
especial destaque à soja, que contribui com 50 milhões de toneladas por ano.
25% das exportações mundiais de açúcar bruto e refinado são feitas pelo
Brasil, que também representa 80% de todo o suco de laranja da terra e é o maior
exportador de soja, além de possuir o maior faturamento entre os países que
exportam carne bovina e de frango.
A pecuária brasileira registra um rebanho com 205 milhões de cabeças,
sendo que 198 milhões delas são criadas, com fins comerciais, o que faz do Brasil o
dono do maior rebanho comercial do mundo, exportando mais de US$ 1 bilhão ao
ano, tendo conquistado mercado em países da Ásia, Europa e Américas.
Nos últimos dez anos a agropecuária tem sido o setor mais dinâmico da
economia brasileira, tendo crescido 47%, apesar das crises externas e concorrência
desleal dos produtos subsidiados no exterior.
34% do Produto Interno Bruto é gerado pelo agro-negócio, que também
emprega 37% dos trabalhadores do país e responde por 43% das exportações
brasileiras.
O Brasil é o responsável por 60% da produção industrial da economia sul
americana, mantendo relações comerciais regulares com mais de 100 países, sendo
que 74% de suas exportações são bens manufaturados ou semi-manufaturados.
Em 2001 foram publicados trabalhos científicos de 36 mil pesquisadores, em
2004 o Brasil possuía 33 mil bolsas de mestrado e doutorado, concedidas pelo
13. 12
CNPq 1 e pela Capes 2 , formando mais de 10 mil doutores por ano.
O Brasil é o 17º maior produtor de pesquisas científicas relevantes, graças
aos quase 80 mil pesquisadores e bolsistas, sendo que 73% dos cientistas estão
nas instituições de pesquisas e 11% nas empresas e em 2005 foram feitos 21 mil
pedidos de patentes.
Dono de sofisticação tecnológica, o País desenvolve de submarinos
a aeronaves, e também está presente na pesquisa aeroespacial,
possui Centro de Lançamento de Veículos Leves e foi o único país
do Hemisfério Sul a integrar a equipe de construção da Estação
Espacial Internacional (ISS). Pioneiro na pesquisa de petróleo em
águas profundas [...], foi a primeira economia capitalista a reunir as
dez maiores empresas montadoras de automóvel em seu território
[...] (BRASIL, 2006a)
Consideradas estas qualidades e potencialidades nacionais apresentadas
pelo portal do governo federal, www.brasil.gov.br, acessado em 12 de novembro de
2006 às 01h 47 min, que destacam o Brasil no panorama internacional (apesar de,
nessa data, informar que o Brasil importa 9% do petróleo que consome, informação
desatualizada e inconsistente com a realidade de auto suficiência da indústria
petrolífera nacional), inclusive na produção científica relevante, qual seria a
justificativa para mais de um milhão de jovens brasileiros analfabetos no ano 2000?
E a taxa de reprovação do Ensino Fundamental que atingiu 13% em 2004?
Para responder a essas e outras questões que tanto inquietam a sociedade
brasileira, têm surgido nos últimos anos várias explicações para o fracasso no
ensino, apontando virtuais culpados, como os governos, as escolas, os professores,
os alunos e, mais recentemente, o uso que os alunos fazem da Internet e seus
recursos de comunicação.
Seria o Internetês, nome dado à variação lingüística empregada na
comunicação pela Internet, responsável pelo baixo rendimento dos alunos do Ensino
Fundamental e Ensino Médio? A Internet influenciaria de tal forma o aprendizado e
aplicação da Norma Padrão pelos alunos brasileiros de maneira a ser considerada
prejudicial à Educação Básica?
É para responder a esses questionamentos que se realizou a presente
pesquisa, por se considerar necessário esclarecer essas indagações sobre a
1
2
Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
14. 13
influência da Internet e seus recursos de comunicação no aprendizado e aplicação
da Norma Padrão da Língua Portuguesa por estudantes da Educação Básica (em
especial aos alunos do Ensino Fundamental e Ensino Médio), contribuindo para se
identificar as reais causas do fracasso escolar brasileiro, o que permitiria aos
governos e instituições públicas e particulares de ensino adotarem medidas
corretivas que venham a recuperar a educação brasileira de seu preocupante
patamar atual.
Essa pesquisa desenvolve-se em sete capítulos, nos quais se abordam
questões e conceitos que colaboram para a resolução do problema apresentado em
seu tema “Internetês: Perigoso vilão ou apenas variação?”. A escolha de expressões
em latim para os títulos ocorreu pelo fato do latim, principal colaborador para o
surgimento da Língua Portuguesa na Península Ibérica no início do 2º milênio da era
cristã, ser uma língua morta, gramaticalizada, sem um povo que o utilize como
língua vernácula, assim como o é a Língua Portuguesa das gramáticas normativistas
adotadas pelas escolas públicas e particulares do Brasil, que, se já não está morta,
agoniza uma sobrevivência artificial propiciada por alguns que insistem em se
manter à margem da evolução da verdadeira Língua Portuguesa falada e escrita
pelos milhões de brasileiros em seu dia-a-dia.
É natural que, ao primeiro contato, imagine-se que esta pesquisa esteja
deslocada dentro do curso em que é feita – Tecnologia em Informática com ênfase
em Gestão de Negócios – entretanto, como poderá ser observado em seu
desenvolvimento, esta pesquisa aborda um problema que afeta direta e
indiretamente a ‘Gestão de Negócios’ e o domínio de novas tecnologias: a
integração e melhor utilização da língua vernácula pelos futuros tecnólogos e
gestores brasileiros, uma vez que a Língua é um dos bens mais pessoais do ser
humano,
interferindo
em
todos
os
aspectos
de
sua
vida,
pessoal
e
profissionalmente.
No segundo capítulo, Cuilibet in arte sua perito est, que se traduz por
“deve-se dar crédito a quem é perito em sua área“, será feito um breve comentário
sobre os principais trabalhos utilizados para o embasamento teórico dessa pesquisa,
com textos de cunho lingüístico que orientarão o pesquisador na resolução do
problema, inclusive sobre os métodos para a condução dessa pesquisa, fornecendo
subsídio para a sustentação da resposta apresentada como conclusão deste
15. 14
trabalho científico.
No terceiro capítulo, cujo título Ad augusta per augusta é traduzido como
“aos bons resultados pelos caminhos ásperos”, será feita uma análise mais
aprofundada da metodologia utilizada para o desenvolvimento da pesquisa
bibliográfica e serão dadas as explicações de como se organizou um levantamento
de dados através de questionários. Dados esses que servirão de base para o melhor
desenvolvimento do tema, especificando os passos que serão seguidos na
elaboração dos demais capítulos dessa pesquisa.
Nosce te ipsum será o título do quarto capítulo, cujo título traduz-se por
“conhece-te a ti mesmo”, que iniciará a apresentação das conclusões obtidas pela
pesquisa bibliográfica, enfatizando nesse primeiro momento alguns conceitos
básicos sobre Língua e variação lingüística, seguido de um breve relato sobre a
língua portuguesa, sua origem e evolução através dos séculos, até o presente
momento histórico e lingüístico, conhecimentos necessários para a compreensão do
tema/problema e sua situação no contexto comunicacional do curso de Tecnologia
com Ênfase em Gestão de Negócios.
O quinto capítulo, que tem por título Disciplina, pauperibus divitiae,
divitibus ornamentum, senibus oblectamentum que traduzido significa “o ensino
é riqueza para os pobres, adorno para os ricos e distração para os velhos”, fará uma
análise das bases que orientam a Educação Básica no Brasil, mais especificamente
o Ensino Fundamental e Médio, apresentando e discutindo os resultados do SAEB
2003 e também informações fornecidas pelo INEP que tratam dos números da
educação no Brasil, interpretando-os de forma a relacioná-los com o tema-problema
dessa pesquisa, o que permitirá a sustentação da resposta encontrada e
apresentada no final desse trabalho de conclusão de curso, assim como vislumbrar
a importância de se dominar a língua para uma melhor comunicação, seja entre
pessoas, seja entre empresas.
No sexto capítulo, Arcus nimis intensus rumpitur, serão feitas reflexões
sobre o tradicional conceito de erro que é empregado pela maioria das instituições
de ensino e autores de gramática, analisando-o à luz do conhecimento lingüístico,
que é científico e empírico e considera o conceito tradicional uma manifestação
social e não lingüística, o que acaba contribuindo para o fracasso escolar e
segregação social. Esse título pode ser traduzido como “o rigor excessivo conduz a
16. 15
resultados desastrosos”, como desastroso tem sido o cotidiano escolar dos futuros
gestores enquanto estudantes do ensino fundamental e médio.
O sétimo capítulo que tem por título Omne ignoto pro magnífico (que
significa “tudo o que é desconhecido é tido por magnífico”), fará uma síntese teórica
sobre a Internet como meio de comunicação, reconhecida como um novo suporte
material que, como tal, exige adequação de seus usuários e aperfeiçoamento de sua
comunicação, para melhor aproveitamento de seus recursos, que permitem a
integração da língua oral e escrita e modificam os gêneros do discurso. Esse
capítulo também apresentará as formas mais populares de se comunicar pela
Internet, como os mensageiros instantâneos, os bate papos, emoticons, etc., de
forma que, conhecidas essas características básicas da Internet, possa-se
compreender melhor o Internetês, uma nova variação lingüística do Português que é
tema dessa pesquisa.
Audiatur et altera pars será o título do oitavo capítulo, “que a outra parte
seja ouvida”, que reunirá as informações tratadas nos capítulos anteriores para
sustentação e defesa do Internetês, apontado, por muitos, como o responsável pelo
baixo rendimento dos alunos do Ensino Fundamental e Médio no Brasil, rendimento
esse que acaba por refletir negativamente, na inserção desses alunos no mercado
de trabalho e comprometendo o futuro profissional deles. Este capítulo também
reunirá a opinião de professores garcenses sobre o tema, que juntamente com os
estudos de teóricos da área, contribuirão pra trazer luz ao problema proposto:
‘Internetês – perigoso vilão ou apenas variação?’, embasando as conclusões
alcançadas com todo o desenvolvimento deste trabalho, e esclarecendo esse tema
de grande importância não apenas para governos, pais e educadores, mas
principalmente para os próprios estudantes, prejudicados que são pelo rendimento
escolar que têm.
17. 16
2 CUILIBET IN ARTE SUA PERITO EST 1
Feliz daquele que transfere o que sabe
e aprende o que ensina
(Cora Coralina)
Comenta-se muito sobre a falência do sistema de ensino no Brasil, tanto em
instituições públicas quanto em particulares. Como conseqüência dessa falência, o
que se apresenta é uma situação na qual se comenta muito, mas muito que os
estudantes brasileiros têm dificuldades para ler, entender o que foi lido e escrever
textos, obedecendo às convenções da norma padrão da Língua Portuguesa. Muito
se especula sobre a responsabilidade por esse rendimento insatisfatório e se atribui
culpa ao governo, às escolas, aos professores, e, mais recentemente, à Internet,
através da qual é possível estar a 60 centímetros de qualquer lugar do universo (60
centímetros é a distância média entre os olhos do usuário e o monitor).
A Internet, o mais versátil meio de comunicação da atualidade, encontrou na
juventude um terreno fértil para crescer e se espalhar. Trabalho, pesquisas,
diversão, encontros... é muito vasto e diversificado o conteúdo oferecido nos
incontáveis sites da Web, e devido a essa vastidão, criou-se um admirável mundo
novo, fantástico, imenso, cheio de possibilidades, onde (quase) tudo é possível,
ainda que apenas virtualmente.
Este mundo tem muitas regras, e, ao mesmo tempo nenhuma lei a seguir.
Não pertence a um único país e é de todos os seres humanos a ele conectados. O
idioma não importa, pode ser português, inglês, japonês, espanhol... muitos são os
idiomas, muitos os dialetos, muitos os símbolos que se reúnem sob um mesmo
nome: internetês, a nova ‘língua’ que cresce e se espalha cada vez mais, entre um
número cada vez maior de usuários da Internet.
Pergunta-se: até onde o uso da Internet e seus recursos de comunicação
influenciam no aprendizado e aplicação da norma padrão da língua portuguesa
pelos estudantes do ensino médio e fundamental?
1
Expressão em latim, cujo significado é “deve-se dar crédito a quem é perito em sua área”
18. 17
O embasamento teórico da pesquisa “Internetês: Perigoso vilão ou apenas
variação?” fundamentou-se em trabalhos e documentos disponíveis em sites e
boletins eletrônicos, assim como em literatura, que versam sobre as origens da
Língua Portuguesa, definições de gramática, Língua, Linguagem (falada e escrita),
Fala, Variação Lingüística, ensino de Língua no Brasil, etc.
O livro A língua que falamos (2005), organizado por Luiz Antônio da Silva,
traz uma série de dez ensaios, sobre a história, variação e discurso na Língua
Portuguesa. Desses dez ensaios serão utilizados apenas quatro para este trabalho,
e no primeiro ensaio, Textos construídos na internet: oralidade ou escrita?, da
professora Maria Lúcia da Cunha Victorio de Oliveira Andrade será utilizada a
concepção de interatividade da língua para apresentar a “natureza dos textos
construídos na internet” (2005, p. 15), e para discorrer sobre a oralização da escrita
praticada no hipertexto (nome técnico dado aos textos desenvolvidos para a
Internet).
Segundo a autora, “o suporte material determina o modo como escrevemos e
também nossa atitude como leitores dessa construção textual”. Quanto mais e
melhores recursos são disponibilizados, maior deve ser a velocidade com que é
utilizado este suporte material para se estabelecer a comunicação, e o Internetês,
fruto dessa efusão tecnológica, não pode ser considerado antinatural, “mas apenas
mais uma etapa de um processo evolutivo de tecnologias da escritura” (ANDRADE,
2005, p. 17).
Ainda segundo a autora, o hipertexto, utilizado na internet, “representa não a
ausência de ordem, mas uma outra ordem”, ao reconfigurar as “formatações
tradicionais da escrita”, fundindo a modalidade oral com a modalidade escrita da
Língua Portuguesa, de acordo com os “objetivos dos interlocutores e da natureza do
tema tratado” (ANDRADE, 2005, p. 19-21).
A contribuição do segundo ensaio, A dimensão social das palavras, da
professora Maria Célia Lima-Hernandes, mostrará “que as palavras podem
denunciar o tipo de usuário e também revelar o tipo de ambiente em que está
inserido o grupo de usuário da língua” (SILVA, 2005, p.11), e mostrará também os
fatores que influenciam o uso da língua e suas variações, entre eles a popularização
da internet e seus recursos de comunicação, considerando essa mudança natural
das línguas vivas e estimuladas “pela evolução do pensamento e o progresso nas
19. 18
ciências, artes e da técnica, que requerem um vocabulário cada vez mais vasto”,
conforme a capacidade de seus usuários. (LIMA-HERNANDES, 2005, p. 143).
O terceiro ensaio, Variação lingüística: dialetos, registros e norma
lingüística, da professora Marli Quadros Leite, mostrará que toda língua viva sofre
mudanças de acordo com seus usuários e suas situações de uso: “o uso propicia
variações lingüísticas” (2005, p.183), e apresenta as perspectivas para a norma
lingüística no Brasil, em face da norma popular e a popularização de suas variações.
Com o quarto ensaio, A formação histórica do léxico da língua portuguesa
(2005), da professora Elis de Almeida Cardoso, será estudada a formação do léxico
português. Este estudo tem como ponto de partida a sua origem latina e a influência
de línguas já existentes na península ibérica, antes da ocupação romana, assim
como a colaboração das línguas de outros povos que interagiram com a Língua
Portuguesa nascente.
Este quarto ensaio deu subsídios teóricos para se tratar também da formação
do ‘português brasileiro’, a contribuição dos povos envolvidos em sua história
(indígenas, africanos, europeus...) e da distância física e cultural entre Brasil e
Portugal, fator de grande importância para a separação entre a Língua Portuguesa
utilizada no Brasil e a Língua Portuguesa de Portugal.
Outra fonte teórica para este trabalho será Bagno, que inicia seu livro
Preconceito lingüístico: o que é, como se faz citando uma das regras de ouro da
lingüística, dizendo que “só existe língua se houver seres humanos que a falem”
(1999, p. 9). Esta idéia básica será utilizada para explicitar, debater e combater o
preconceito lingüístico existente, ainda que implicitamente, no Brasil.
Segundo o autor, parte da responsabilidade pela existência deste tipo de
preconceito ocorre em razão da confusão que se faz “entre língua e gramática
normativa”, um erro de interpretação que tem prejudicado o aprendizado de milhões
de brasileiros ao longo dos anos, e classifica como “autoritária, intolerante e
repressiva” a forma como a norma padrão é utilizada nas instituições de ensino
brasileiras, gerando o que se chama de preconceito lingüístico. (BAGNO, 1999, p. 910).
Examinando oito mitos sobre a língua portuguesa falada e escrita no Brasil, o
autor busca levar seus leitores a refletir de forma a “encontrar os meios mais
20. 19
adequados” (BAGNO, 1999, p. 14) para o combate ao preconceito lingüístico, tão
arraigado no ensino brasileiro.
Um outro livro de Bagno, que será utilizado nesta pesquisa, é A norma
oculta: língua & poder na sociedade brasileira, onde o autor discute a íntima
relação entre Língua e poder na sociedade brasileira, estabelecendo fundamentos
que permitem compreender o preconceito lingüístico como preconceito social, na
verdade. Ao discutir o conceito tradicional de ‘Norma Padrão’, Bagno questiona as
metodologias atuais de ensino, argumentando sobre os estigmas educacionais
praticados no ensino da Língua Portuguesa, em face às mudanças aceitáveis e
esperadas em uma Língua viva, e também argumenta sobre a necessidade de
desenvolvimento e utilização de uma gramática do português brasileiro,
porque, gostemos ou não, existe uma demanda social por regras, por
normas. As pessoas têm dúvidas, sim, na hora de escrever um texto
mais monitorado. E o que elas podem fazer – hoje – para resolver
essas dúvidas? Recorrer aos compêndios gramaticais de perfil
tradicional, repletos de problemas, ou então – o que é, de longe,
muito pior – a obras que executam um empobrecimento drástico da
realidade da língua, que tentam preservar a ferro e fogo regras
gramaticais há muito desaparecidas da atividade lingüística efetiva
dos brasileiros, inclusive dos classificados de “cultos” e, ao mesmo
tempo,
condenam
regras
gramaticais
já
definitivamente
estabelecidas na gramática real do português brasileiro. (BAGNO,
2003, p. 155-156, grifo do autor).
O livro Prática de texto: língua portuguesa para nossos estudantes, de
Carlos Alberto Faraco e Cristóvão Tezza, também subsidiará teoricamente este
trabalho. Os autores se utilizam de textos teóricos com noções lingüísticas e textos
de importantes jornais e revistas como referência para discutir a prática de texto,
evitando a simples colocação de regras, mas valendo-se dos textos como recurso
para a construção dos conceitos e reflexões sociolingüísticas.
Segundo os autores, o livro
se articula mais como um roteiro de trabalho para professor e
estudante do que como um manual de definições acabadas para um
receptor passivo – o que, infelizmente, tem sido a norma escolar
clássica. Nossa hipótese é a de que a quebra desta postura
meramente normativa diante dos fatos da língua é o primeiro passo
para que o ato de escrever ganhe significação real, transformadora,
para quem escreve. (FARACO; TEZZA,1992, p. 7, grifo dos autores).
O livro Língua e liberdade: por uma nova concepção da língua materna e
21. 20
seu ensino, de Luft, servirá também de aporte teórico para essa monografia. Este
livro traz uma série de artigos que busca uma nova maneira de ensino para a Língua
Portuguesa no Brasil, e mostra sua preocupação com “a maneira de se ensinar a
língua materna”, uma vez que a língua é uma “entidade viva, [que] deve ser vista,
analisada e ensinada como tal”. (1985, p. 9-13).
O livro Usos da linguagem: problemas e técnicas na produção oral e
escrita, do francês Francis Vanoye, se constituirá em material teórico para este
trabalho. O texto mostra a preocupação em se utilizar, em aulas de Língua materna,
textos de autores contemporâneos consagrados, textos de jornais, revistas, música
popular, teatro e cinema (ainda que essas três últimas sejam pouco prestigiadas
pelo sistema de ensino). Vanoye defende o princípio de que “a linguagem se
aprende pelo seu próprio uso” e “não existe apenas um uso para a linguagem”.
(1983, p. 9).
Segundo o autor, “ensinar a ler-escrever, entender (ouvir + compreender),
falar” são os objetivos a serem buscados no ensino de Língua. (VANOYE, 1983, p.
12).
Devido à complexidade do problema 2 e por razões práticas, limitamonos ao estudo da expressão e da comunicação verbais. Tentamos,
no entanto, não negligenciar a ligação entre a linguagem oral e
escrita e outros meios de expressão (música, desenho, fotografia)
que formam o ambiente cultural contemporâneo [...]. (VANOYE,
1983, p. 13).
Este trabalho pretende também discutir as relações entre Linguagem e escola
e Soares, com seu livro Linguagem e escola: uma perspectiva social, subsidiará
o entendimento das principais causas do fracasso dos alunos na aquisição da leitura
e da escrita.
pretende analisar as relações entre linguagem e escola, tendo como
principal foco de interesse a contribuição dessa análise para a
compreensão do problema da educação das camadas populares no
Brasil. [...] o conflito entre a linguagem de uma escola
fundamentalmente a serviço das classes privilegiadas, cujos padrões
lingüísticos usa e quer ver usados, e a linguagem das camadas
populares, que essa escola censura e estigmatiza, é [segundo a
2
Segundo o autor, os estudantes “mostram-se freqüentemente despreparados diante de trabalhos
corriqueiros como o resumo, a exposição, o seminário, a análise de textos, o relatório, enfim, diante
de uma gama variada de tarefas originadas da própria natureza do trabalho escolar. [...] por seu lado,
os professores mostram-se, constantemente desconcertados frente a problemas de comunicação que
surgem dentro de cada classe e em grupos de trabalho” (VANOYE, 1983, p. 11)
22. 21
autora] uma das principais causas do fracasso dos alunos
pertencentes a essas camadas [populares], na aquisição do saber
escolar.(SOARES, 1986, P. 5-6).
Os Parâmetros Curriculares Nacionais serão outra fonte teórica para o
desenvolvimento deste trabalho. Lançados em 1998 e fruto do trabalho de uma
experiente equipe multidisciplinar que entendeu a importância de se pensar a
Educação no atual contexto educacional brasileiro povoado de diversidades
regionais, culturais e políticas. Esses Parâmetros têm a intenção de
ampliar e aprofundar um debate educacional que envolva escolas,
pais, governos e sociedade e dê origem a uma transformação
positiva no sistema educativo brasileiro.
Os Parâmetros Curriculares Nacionais foram elaborados
procurando, de um lado, respeitar diversidades regionais, culturais,
políticas existentes no país e, de outro, considerar a necessidade de
construir referências nacionais comuns ao processo educativo em
todas as regiões brasileiras. Com isso, pretende-se criar condições,
nas escolas, que permitam aos nossos jovens ter acesso ao conjunto
de conhecimentos socialmente elaborados e reconhecidos como
necessários ao exercício da cidadania. (BRASIL, 1998b, p. 5, grifo do
autor).
As gramáticas de ANDRÉ (1978), BECHARA (200-), CADORE (1995),
CEGALLA (1984) e NICOLA e INFANTE (1990) também subsidiarão teoricamente
esta pesquisa fornecendo conceitos sobre língua, linguagem, fala, gramática e
norma padrão.
O livro Como Elaborar Projetos de Pesquisa provê uma série de
informações e procedimentos que orientam estudantes e pesquisadores sobre os
melhores e mais convenientes métodos a serem adotados na elaboração de uma
pesquisa científica, em suas mais diversas modalidades, incluindo-se as
consideradas pesquisas alternativas, como pesquisa-ação e pesquisa participante.
(GIL, 1991).
A partir das orientações de Gil sobre Pesquisa Exploratória e Levantamento
foram elaborados os instrumentos para coleta de dados e catalogação das
informações obtidas na Pesquisa Bibliográfica, o que será melhor explicitado no
próximo capítulo desta pesquisa científica.
23. 22
3 AD AUGUSTA PER AUGUSTA 1
A teoria sem a prática é inútil,
A prática sem a teoria é estéril
(Paulo Freire)
Este trabalho se desenvolveu e se estruturou como uma pesquisa
bibliográfica, complementada por levantamento, quantitativo e qualitativo. Esse
levantamento de dados concretizou-se através de questionários aplicados a alunos e
professores de cinco escolas de Ensino Fundamental e Médio da cidade de Garça.
Seu objetivo buscou verificar as influências que incidem sobre o ensino da língua
portuguesa no Brasil, com destaque às eventuais influências do uso da Internet e
seus recursos de comunicação no aprendizado e aplicação da norma padrão por
estudantes de escolas públicas e particulares.
A pesquisa bibliográfica e o levantamento classificam-se, por seu objetivo,
como “Pesquisas Exploratórias”, que “têm como objetivo proporcionar maior
familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito”, facilitando a
compreensão e análise do tema em questão. (GIL, 1991, p. 45)
Primeiramente há que se considerar que a leitura de um livro ou
qualquer outro impresso se faz por razões diversas. Pode ocorrer
que a leitura se dê por simples distração. Ou com objetivo de prender
seu conteúdo com vistas à aplicação prática ou avaliação. Ou, ainda,
para a obtenção de respostas a problemas.
Como os objetivos das diversas leituras variam, naturalmente
também variam os procedimentos e as atitudes requeridas. A leitura
que se faz na pesquisa bibliográfica deve servir aos seguintes
objetivos:
a) identificar as informações e os dados constantes do material
impresso;
b) estabelecer relações entre as informações e os dados
obtidos com o problema proposto;
c) analisar a consistência das informações e dados
apresentados pelos autores. (GIL, 1991, p. 66-67).
Após a seleção do material bibliográfico para essa pesquisa, seguiu-se a
leitura dele, de acordo com a classificação proposta por Gil, feita “em função do
avanço do processo de pesquisa bibliográfica” (1991, p. 67), e composta de cinco
1
Expressão em latim, cujo significado é “aos bons resultados pelos caminhos ásperos”.
24. 23
fases seqüenciais.
Inicialmente, foi realizada uma leitura exploratória em prefácios, introduções,
sínteses, sumários, comentários, etc., para “verificar em que medida a obra
consultada interessa à pesquisa”. Em seguida, iniciou-se a chamada “leitura
seletiva”, onde se determinou o “material que de fato interessa à pesquisa” (GIL,
1991, p. 68).
A fim de “ordenar e sumarizar as informações contidas nas fontes, de forma
que estas possibilitem a obtenção de respostas ao problema da pesquisa” realizouse a leitura analítica, numa “atitude de objetividade, imparcialidade e respeito”, sem
julgar as intenções do autor em face das idéias do pesquisador, apesar da
dificuldade para isso, “sobretudo quando o objetivo do pesquisador é o de testar
uma hipótese cuja veracidade esteja convencido antes de iniciar o trabalho de leitura
analítica”. (GIL, 1991, p. 69).
A última fase proposta por Gil (1991, p. 70), e mais complexa, denomina-se
“leitura interpretativa”, onde
procura-se conferir significado mais amplo aos resultados obtidos
com a leitura analítica. Enquanto nesta última, por mais bem
elaborada que seja, o pesquisador fixa-se nos dados, na leitura
interpretativa vai além deles, através de sua ligação com outros
conhecimentos já obtidos.
Para proceder a pesquisa bibliográfica buscou-se a leitura de literatura
específica relacionada ao ensino de língua e também publicações sobre o tema,
veiculadas em jornais, revistas e sites da Internet. Este material de leitura forneceu
subsídio teórico e embasamento para o desenvolvimento desta pesquisa.
Da fase da leitura passou-se para os levantamentos, que segundo Gil (1991,
p. 56),
caracterizam-se pela interrogação direta das pessoas cujo
comportamento se deseja conhecer. Basicamente, procede-se à
solicitação de informações a um grupo significativo de pessoas
acerca do problema estudado para, em seguida, mediante análise
quantitativa, obterem-se as conclusões correspondentes aos dados
coletados.
Gil especifica algumas fases para o desenvolvimento de um levantamento,
indo da especificação dos objetivos a apresentação dos resultados. (GIL, 1991, p.
25. 24
86-104).
Como ponto de partida para o levantamento de dados para este trabalho, foi
estabelecido como objetivo geral, analisar a influência do uso da Internet no
aprendizado e na aplicação da norma padrão da Língua Materna na escrita por
estudantes de escolas públicas e particulares.
Segundo Gil (1991, p. 86),
Os objetivos gerais são pontos de partida, indicam uma direção a
seguir, mas, na maioria dos casos, não possibilitam que se parta
para a investigação. Logo precisam ser redefinidos, esclarecidos,
delimitados. Daí surgem os objetivos específicos da pesquisa.
Os objetivos específicos tentam descrever, nos termos mais claros
possíveis, exatamente o que será obtido num levantamento.
Delimitado o objetivo do levantamento deste trabalho, buscou-se dados para
se provar que o Internetês, linguagem utilizada pelos usuários da Internet, é apenas
uma nova variação lingüística, variação esta que é própria das línguas vivas, como é
a língua portuguesa. Desta forma, o Internetês não é o vilão da novela do ensino no
Brasil, com seus milhões de marginalizados e analfabetos.
O segundo passo para o desenvolvimento do levantamento foi operacionalizar
os conceitos e variáveis, tornando-os “passíveis de observação empírica e de
mensuração” (GIL, 1991, p. 88), uma vez que a influência exercida pela Internet e
seus recursos de comunicação no aprendizado e uso da norma padrão da língua
portuguesa não se trata de um fenômeno de fácil mensuração. Para tanto, as
questões elaboradas foram divididas e agrupadas por assunto, de maneira a permitir
a obtenção de dados passíveis de interpretação.
O terceiro passo desta pesquisa foi o de elaborar os questionários,
instrumentos de coleta dos dados. Optou-se pelo questionário por um meio rápido e
barato para se obter as informações desejadas, e também por não exigir um
treinamento rigoroso das pessoas encarregadas de aplicá-los.
Seguindo as orientações de Gil (1991, p. 92), segundo o qual
[...] o questionário deve conter uma introdução que informe acerca da
entidade patrocinadora, das razões que determinaram a realização
da pesquisa e da importância das respostas para atingir os seus
objetivos; [...] deve conter instruções acerca do correto
preenchimento das questões
26. 25
sendo que os professores das classes consultadas receberam, além dos
questionários, uma carta na qual se apresentava o trabalho de pesquisa e seus
objetivos e também a explicação dos procedimentos desejáveis para o
preenchimento dos questionários.
Antes de se distribuir os questionários ao público alvo, procedeu-se a um préteste do levantamento de dados. O aluno/orientando e sua orientadora consultaram
outros professores, alunos e colaboradores, no sentido de proceder alterações nas
questões formuladas, testar sua importância mantendo ou retirando questões e
reescrevê-las, para se garantir a maior clareza possível delas, de forma que
medissem exatamente aquilo que tais instrumentos pretendiam. (GIL, 1991, p. 95).
Para aplicação dos questionários foram selecionadas cinco escolas, três
escolas públicas e duas escolas particulares, perfazendo um total de 264 (duzentos
e sessenta e quatro) entrevistados provenientes das escolas públicas, 315
(trezentos e quinze) alunos das escolas particulares e 29 (vinte e nove) professores.
O passo seguinte foi a coleta dos dados, que ocorreu no início dos meses de
julho e agosto, respectivamente final e começo de semestres letivos nas escolas
escolhidas para a aplicação dos questionários.
Após a coleta dos dados foram realizadas a análise e interpretação dos
dados, envolvendo a “codificação das respostas, tabulação dos dados e cálculos
estatísticos” (GIL, 1991, p. 102).
Para esse levantamento optou-se pela pós-codificação dos dados, pela
complexidade das relações entre as respostas esperadas, e a dificuldade em
operacionalizar seus conceitos e variáveis.
A tabulação dos dados obtidos com os questionários deu-se através da
inserção das respostas em um banco de dados Access, utilizando-se consultas SQL
(Structured Query Language) para a quantificação das respostas e posteriores
cálculos estatísticos, imprescindíveis à análise dos dados.
A esta pesquisa foi anexada a transcrição das respostas dissertativas dos
questionários dos alunos e professores entrevistados, assim como dos dados
tabulados, separados por pergunta e por tipo de questionário.
O levantamento foi aplicado, através de questionários, a 579 (quinhentos e
27. 26
setenta e nove) alunos de escolas públicas e particulares, que cursavam entre a 2ª
série do ensino fundamental e a 3º série do ensino médio, e a 29 (vinte e nove)
professores das disciplinas que tinham mais envolvimento com o desenvolvimento
de textos pelos alunos: Língua Portuguesa, Literatura, História, Geografia, Leitura e
Produção de Texto.
Os questionários aplicados nos alunos foram elaborados de acordo com a
“faixa etária estudantil” dos entrevistados: um modelo para alunos da 2ª a 4ª séries
do ensino fundamental e outro modelo para alunos da 5ª série do ensino
fundamental até a 3º série do ensino médio.
O primeiro modelo, aplicado em alunos que cursam da 2ª a 4ª série do ensino
fundamental, constituiu-se de trinta questões, sendo vinte e nove questões de
múltipla escolha e uma questão dissertativa.
A primeira pergunta deste primeiro modelo de questionário teve por objetivo
identificar
se
o
entrevistado
procedia
de
uma
família
mais
privilegiada
economicamente, partindo-se do pressuposto de que uma renda familiar maior,
permite maior acesso à informação, à Internet e seus recursos de comunicação.
As três perguntas seguintes (2, 3 e 4) verificavam se o entrevistado sabia o
que era, se tinha e se usava um computador, uma vez que muitas crianças, ainda
hoje, desconhecem o que realmente é um computador, atribuindo-lhe características
“fantásticas” próprias de histórias em quadrinhos e séries de televisão, que, no
momento, são realidade apenas nas pranchetas de ousados projetistas de
engenharia computacional e nas obras dos autores de ficção científica.
As perguntas 5, 6, 7 e 8 tinham por objetivo verificar se o entrevistado
conhecia o que era Internet, se tinha acesso a ela e como era feito esse acesso.
As próximas onze perguntas (9 até a 20) verificavam o uso que o entrevistado
fazia da Internet e seus recursos de comunicação (mensageiros, comunidades, sites
pessoais, bate-papos...), questionando-os sobre o tempo médio de uso desses
recursos.
As perguntas 21 até a 24 averiguavam como o entrevistado costumava se
comunicar na Internet, e sua opinião sobre os motivos do uso de abreviações e
onomatopéias pelos jovens internautas, o que é conhecido atualmente como
Internetês – a linguagem da Internet.
28. 27
As perguntas 25 até a 29 questionavam o estudante sobre o uso que esse
fazia da norma padrão, e a última pergunta, a dissertativa, solicitou a opinião do
entrevistado sobre a influência do uso dos recursos de comunicação da Internet na
produção de textos para a escola.
O segundo modelo de questionário, aplicado em alunos que cursam da 5ª
série do ensino fundamental a 3º série do ensino médio, constituiu-se de vinte e
nove questões, sendo vinte e oito questões de múltipla escolha e uma questão
dissertativa que seguia basicamente o mesmo esquema das questões do primeiro
modelo, apenas com algumas mudanças de vocabulário.
Este segundo modelo também se iniciou verificando a renda familiar do
entrevistado, se esse tinha e utilizava um computador, se tinha acesso à Internet,
como se dava esse acesso, qual o uso que fazia dos recursos de comunicação
disponibilizados e o tempo médio de uso desses recursos. Verificava também como
o entrevistado costumava se comunicar na grande rede, questionando-o sobre os
principais
motivos que levam os internautas a utilizarem abreviações e
onomatopéias na comunicação.
As últimas perguntas deste segundo modelo de questionário, assim como as
últimas perguntas do primeiro modelo, questionaram o entrevistado sobre o uso da
norma padrão, pedindo, na última questão, sua opinião sobre a influência do uso dos
recursos de comunicação da Internet na produção de textos para a escola.
Com os questionários foi possível verificar a utilização que o aluno, enquanto
usuário da Internet, faz dos flexíveis recursos de comunicação disponibilizados pela
Internet, em oposição às exigências da norma padrão ensinada na maioria das
escolas e amplamente difundida pelo “círculo vicioso do preconceito lingüístico. [...] a
gramática tradicional, os métodos tradicionais de ensino e os livros didáticos”.
(BAGNO, 1999, p. 73).
O questionário destinado aos professores era composto por questões de
múltipla escolha e questões dissertativas e tinha por objetivo verificar a percepção
que tais professores tinham sobre a influência do uso da Internet (por seus alunos)
no aprendizado e uso da norma padrão da língua portuguesa ensinada no Brasil,
questionando-os sobre as principais dificuldades percebidas em seus alunos, assim
como as principais “inovações” utilizadas por seus alunos quando produziam textos
29. 28
para a escola.
As três primeiras questões desse questionário, objetivavam averiguar a
formação acadêmica do entrevistado, seguindo-se de quatro questões elaboradas
para verificar se o entrevistado tinha computador, se tinha facilidade em utilizá-lo, e
se acessava a Internet.
As questões 8 e 9 localizavam o entrevistado no ambiente de ensino,
verificando a quantidade de alunos para os quais o entrevistado lecionava, e onde
atuava (rede pública ou particular).
A 10ª questão verificava se o entrevistado considerava satisfatório o
rendimento de seus alunos nas aulas, e a questão 11 apontava as três principais
dificuldades apresentadas pelos alunos do professor entrevistado quanto ao domínio
e uso da Língua Portuguesa. A 12ª questão visava indicar as três principais
inovações que os alunos mostravam em uma elaboração de textos escritos.
A última questão verificava a opinião do entrevistado sobre essas dificuldades
e inovações, perguntando se essas dificuldades e/ou inovações podiam ser
atribuídas ao uso da Internet e seus recursos de comunicação (mensageiros, batepapo, comunidades...).
Segundo Gil (1991, p. 57),
Os levantamentos recolhem dados referentes à percepção que as
pessoas têm acerca de si mesmas. Ora, a percepção é subjetiva, o
que pode resultar em dados distorcidos. Há muita diferença entre o
que as pessoas fazem ou sentem e o que elas dizem a esse
respeito.
Uma vez que nem todos os entrevistados responderam ao questionário de
maneira satisfatória na tabulação dos dados, cada questão foi considerada
individualmente, e se utilizou os percentuais das variações de respostas em relação
ao total de respostas válidas.
Considerando-se a dimensão do levantamento e a população entrevistada, a
interpretação dos dados coletados não reflete necessariamente a realidade nacional,
uma vez que para isso tornaria necessária a seleção de uma população muito maior
e significativa, de todos os grupos formais e informais de brasileiros que utilizam a
Internet e estão cursando o ensino fundamental ou médio, em escolas públicas ou
particulares, assim como de uma população proporcional de professores, de acordo
30. 29
com a disciplina lecionada e a quantidade de alunos sob sua responsabilidade.
Os dados obtidos serão discutidos nos capítulos seguintes deste trabalho e
têm como objetivo comprovar que o Internetês se configura como mais uma variação
lingüística utilizada pelos brasileiros.
31. 30
4 NOSCE TE IPSUM 1
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...
Amo-te assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!
Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio
amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!
(Olavo Bilac, Língua Portuguesa)
Esta pesquisa científica apresenta-se estruturada de maneira a construir
paulatinamente os conceitos necessários à correta elucidação do problema em
pauta: Será o Internetês uma variação lingüística nociva aos alunos do ensino
fundamental e médio?
Para tanto, este capítulo, cujo título traduz-se por “conhece-te a ti mesmo”,
iniciará a apresentação dos resultados da pesquisa bibliográfica com alguns
conceitos básicos (língua, fala, linguagem, gramática), um breve relato sobre a
língua portuguesa, sua origem e evolução através dos séculos, até o presente
momento histórico e lingüístico.
Toda a história do homem sobre a terra constitui permanente esforço
de Comunicação. Desde o momento em que os homens passaram a
viver em sociedade, seja pela reunião de famílias, seja pela
comunidade de trabalho, a Comunicação tornou-se imperativa. Isto
porque, somente através da Comunicação, os homens conseguem
trocar idéias e experiências. O nível de progresso nas sociedades
humanas pode ser atribuído, com razoável margem de segurança, à
maior ou menor capacidade de Comunicação entre o povo, pois o
1
Expressão em latim, cujo significado é “conhece-te a ti mesmo”.
32. 31
próprio conceito de nação se prende à intensidade, variedade e
riqueza das Comunicações humanas. (PENTEADO, 1972, apud
CADORE, 1995, p. 6).
A construção dos conceitos básicos e necessários à melhor compreensão da
língua portuguesa e suas peculiaridades baseia-se em pareceres de gramáticos,
dicionaristas e lingüistas. O primeiro dos conceitos a ser tratado será Língua,
seguindo-se de outros que se fazem necessários para uma melhor contextualização
do tema.
4.1 Língua
As definições estudadas para o desenvolvimento desta monografia, para a
palavra Língua, vão de conjunto das palavras e expressões usadas por um povo a
conjunto de regras de sua gramática, sendo perceptível a ampliação de seu
significado, após o advento da Lingüística, ciência que estuda os esforços das
pessoas para se comunicarem através da linguagem e não o que deveriam ou não
deixar de fazer para se comunicarem.
O Dicionário Aurélio Básico da Língua Portuguesa (FERREIRA, 1994)
conceitua língua como um substantivo feminino, cujo significado é
Língua [...] 3. O conjunto das palavras e expressões usadas por um
povo, por uma nação, e o conjunto de regras de sua gramática;
idioma. 4. A língua vernácula. 5. Modo de expressão escrita ou
verbal de um autor, de uma escola, de uma época; estilo; linguagem.
6. fig. A linguagem (3) própria de uma pessoa ou de um grupo. 7.
Ling. Sistema de signos que permite a comunicação entre os
membros de uma comunidade [...].”.
Já André (1978, p. 11), na introdução de sua Gramática Ilustrada faz uma
definição de língua baseado em um sistema de signos. Ao se remeter a um
“sistema” para definir Língua, percebe-se que essa definição vai além de uma
definição de um dicionarista.
[...] o sistema de signos vocais de uma comunidade. Signo é o
complexo sonoro (por exemplo, “casa”) e o significado que esse
complexo comunica (a idéia de casa). Assim, o signo tem duas
partes que formam um todo, como as duas páginas de uma folha: o
33. 32
significante (na palavra, a imagem acústica) e o significado (o
conceito). Os signos de uma língua substituem os objetos e os
representam. O conjunto dos signos, organizados em sistema, forma
a LÍNGUA – um verdadeiro código social à disposição dos indivíduos
da comunidade, para a comunicação. Um código criado pela própria
comunidade e que espelha a sua cultura e se transforma um
importante fator de unidade nacional.
Cadore, assim como André, percebe a Língua em uma dimensão maior,
perpassando por conceitos ligados à Lingüística, “língua é um sistema de signos que
serve de meio de comunicação entre os membros de uma comunidade lingüística.
Os signos de uma língua substituem os objetos e os representam.” (CADORE, 1995,
p. 10).
Luft, autor de gramáticas, manuais de ortografia e dicionarista, conceitua
língua como “[...] um duplo sistema: sistema de sinais (vocábulos, expressões, etc.)
e sistema de regras de combinação desses sinais.” (LUFT, 2005, p. 11).
Para Faraco, professor de Lingüística e Língua Portuguesa, e Tezza, mestre
em Literatura Brasileira e professor de Língua Portuguesa, língua é um “[...] conjunto
de variedades [...,] de linguagens que diferem umas das outras num grande número
de aspectos”. (1992, p. 11).
Citando Sirio Possenti, Faraco e Tezza (1992, p. 27) relacionam o conceito de
língua ao conceito de gramática: considerando-se a gramática como um conjunto de
regras que determinam a correção ao escrever e falar, que é o conceito mais comum
e difundido, “o termo língua recobre apenas uma das variedades lingüísticas
utilizadas efetivamente pela comunidade, a variedade que é pretensamente utilizada
pelas pessoas cultas”.
Cegalla (1984, p. 534, grifos do autor), conhecido gramático, diz que “a língua
de uma nação civilizada apresenta várias modalidades que podem coexistir sem
quebra de sua estrutura comum, de sua unidade [...]”, e destaca sete modalidades
da língua, como se segue:
1) A língua geral é a língua padrão de um país, aceita pela
comunidade e imposta pelo uso comum. Sobrepõe-se aos vários
falares regionais, de que é uma espécie de denominador comum.
2) A língua regional. A língua geral tende a carregar-se de
tonalidades regionais, na fonética e no vocabulário, resultando
dali os falares regionais, que chegam a tingir fortemente a
expressão cultural e literária em certas áreas geográficas de um
país. Quando características muito acentuadas vincam uma
34. 33
língua regional, temos um dialeto. [...]
3) A língua popular é a fala espontânea e fluente do povo.
Mostra-se quase sempre rebelde à disciplina gramatical e está
eivada de plebeísmos, isto é, de palavras vulgares e expressões
da gíria. É tanto mais incorreta quanto mais incultas as camadas
sociais que a falam.
4) A língua culta é usada pelas pessoas instruídas das
diferentes profissões e classes sociais. Pauta-se pelos preceitos
da gramática normativa e caracteriza-se pelo apuro da forma e a
riqueza lexical. É ensinada nas escolas e serve de veículo às
ciências, onde se apresenta com terminologias especiais. Mais
artificial do que espontânea, dela se servem os poetas e
escritores em suas obras artísticas, sendo então chamada língua
literária.
5) Uma língua pode ser falada ou escrita, conforme se utilizem
signos vocais (expressão oral) ou sinais gráficos (expressão
escrita). A primeira é viva e atual, ao passo que a segunda é a
representação ou a imagem daquela. A língua falada é mais
comunicativa e insinuante, porque as palavras são fortemente
subsidiadas pela sonoridade e inflexões da voz, pelo jogo
fisionômico e a gesticulação (mímica), recursos estes que a
língua escrita desconhece. O discurso de um orador inflamado é
muito mais belo e empolgante ouvido do que lido. Por outro lado,
a expressão oral é prolixa e evanescente, ao passo que a escrita
é sóbria e duradoura.
Para Nicola e Infante, gramáticos, autores de livros didáticos, a língua é o
mais importante código comunicativo existente, “pois seu uso é universal e
generalizado nos diferentes grupos sociais”, e, citando o lingüista Ferdinand de
Saussare, acrescenta que a língua “é a parte social da linguagem, exterior ao
indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não existe senão
em virtude duma espécie de contrato estabelecido entre os membros da
comunidade”. (1990, p. 20, grifo nosso).
Ainda segundo Nicola e Infante (1990, p. 21, grifos do autor),
O estudo sincrônico 2 de uma língua revela a existência de muitas
variações. Inicialmente, há a diferença entre a língua falada e a
língua escrita, dois meios de comunicação diferentes. A língua
falada é espontânea, mais solta, acompanhada de mímica e
entonação, que preenchem importantes papéis significativos; a
língua escrita não é a simples representação gráfica da língua falada,
mas sim um sistema mais disciplinado e rígido, uma vez que não
conta com a significação paralela da mímica e entonação.
[...]
Ocorrem ainda variações lingüísticas de ordem geográfica,
chamadas de regionalismos, dialetos ou patoás. Isso acontece
2
O estudo sincrônico enfoca o sistema lingüístico em funcionamento num determinado momento,
sem a perspectiva histórica.
35. 34
porque em algumas regiões de um país certas expressões e mesmo
construções são preferidas a outras; quando tais diferenças se
aprofundam, deixa-se de falar em regionalismo e fala-se em dialeto.
[...]
[Distingue-se ainda a língua entre culta e popular]
A língua culta prende-se aos modelos e normas da Gramática
tradicional e é empregada pelas elites sociais escolarizadas. É a
modalidade lingüística tomada como padrão de ensino, e nela se
redigem os textos e documentos oficiais do país. [...]
Já a língua popular ou linguajar é aquela usada diariamente pelo
povo, desprovida de qualquer preocupação com a “correção”
gramatical. Sua finalidade é eminentemente prática: comunicar
informações e exprimir opiniões e sentimentos de forma eficaz. [...]
Há também as chamadas línguas especiais, pertencentes a grupos
restritos de indivíduos que compartilham um mesmo conhecimento
técnico ou interesses comuns. No primeiro caso temos as línguas
técnicas; no segundo, falamos em gírias ou calões. [...]
Podemos falar ainda num outro nível lingüístico: a língua literária.
Esta modalidade distingue-se das demais pela capacidade de gerar
prazer estético, além da simples comunicação. Caracteriza-se pela
elaboração artística do código. Caracteriza-se pela elaboração
artística do código lingüístico, visando a finalidades expressivas e
criativas.
Percebe-se que com o passar do tempo e com o aparecimento das teorias
voltadas à Língua, a sua conceituação ampliou-se e conferem uma nova dimensão a
ser considerada em seu estudo.
4.2 Fala
Assim como na conceituação de Língua por dicionaristas, gramáticos e
lingüistas, ao se conceituar Fala, pode-se perceber a diferenciação que se faz entre
os autores citados, influenciados que são pelas ciências que praticam.
Ferreira (1994) conceitua Fala como
Fala sf. 1. Ação ou faculdade de falar (1). 2. Aquilo que se exprime
por palavras. [...] 4. Palavra, dicção, vocábulo. 5. Alocução, discurso.
6. Parte do diálogo dita por um dos interlocutores. [...] 8. Modo de
falar, linguagem, elocução, falar.
André (1978, p. 11) amplifica a definição dada por Ferreira, ao conceituar Fala
como
[...] a utilização oral da língua pelo indivíduo. Cada indivíduo
36. 35
seleciona, no código da língua, os elementos que lhe convêm,
conforme seu gosto e sua necessidade, de acordo com a situação, o
contexto, sua personalidade, o ambiente sócio-cultural em que vive,
etc.. Dessa maneira, dentro da unidade da língua, encontramos uma
expressiva diversificação, nos mais variados NÍVEIS DE FALA:
infantil ou adulta, coloquial ou formal, comum ou literária, etc. E cada
um de nós também conhece não apenas o que fala, como também
muita coisa do que os outros falam; esse o motivo por que podemos
participar do diálogo com pessoas dos mais variados graus de
cultura, embora nem sempre a linguagem delas confira exatamente
com a nossa.
Cadore (1995, p. 11) destaca a individualidade social da Fala: “fala é o uso
que cada membro dessa comunidade lingüística faz da língua comum. Fala, em
outras palavras, é o ato concreto e individual das pessoas que se apropriam da
língua comum e lhe dão o seu estilo particular”. Esse autor conceitua ainda os
“Níveis de Fala”, como sendo “variados modos de usar a língua segundo o meio
sócio-cultural em que vive o indivíduo. Nesse sentido há o nível comum ou literário,
coloquial ou formal, popular ou erudito, etc.”
Nicola e Infante (1990, p. 20, grifo do autor), assim como Cadore, destacam o
uso personalizado da Fala pelos indivíduos:
Individualmente, é possível optar por esta ou aquela forma de
expressão no momento de se comunicar, mas não se pode criar uma
língua particular e exigir que outros a entendam. Assim, cada
indivíduo pode fazer um uso próprio e personalizado da língua
comunitária, originando a fala, sempre condicionada pelas regras
socialmente estabelecidas da língua, mas suficientemente ampla
para permitir um exercício criativo da comunicação.
A partir das concepções a respeito de Fala, pode-se notar que há um
destaque para a faculdade de falar, mas com essa Fala sempre condicionada às
regras socialmente estabelecidas da Língua. Segue-se, agora, para a conceituação
de Linguagem.
4.3 Linguagem
Ao conceituarem Linguagem, os autores citados associam-na à comunicação,
sendo que para Cadore (1995, p. 11), linguagem “é a capacidade comunicativa que
37. 36
têm os seres humanos, usando qualquer sistema de sinais significativos, de
expressar seus pensamentos, sentimentos e experiências.”
Para Ferreira (1994), linguagem é
Linguagem sf. 1. O uso da palavra articulada ou escrita como meio
de expressão e de comunicação entre pessoas. 2. A forma de
expressão pela linguagem (1) própria de um indivíduo, grupo, classe,
etc.. 3. O vocabulário específico usado numa ciência, numa arte,
numa profissão, etc.; língua. 4. Vocabulário; palavreado. 5. Tudo
quanto serve para expressar idéias, sentimentos, modos de
comportamento, etc., e que exclui o uso da linguagem (1).[...] 7. Ling.
Todo sistema de signos que serve de meio de comunicação entre
indivíduos e pode ser percebido pelos diversos órgãos dos sentidos,
o que leva a distinguir-se uma linguagem visual, uma linguagem
auditiva, uma linguagem tátil, etc., ou, ainda, outras mais complexas,
constituídas, ao mesmo tempo, de elementos diversos. [...]”.
Segundo Nicola e Infante (1990, p. 19, grifos do autor),
linguagem é uma palavra sempre relacionada a fenômenos
comunicativos. Onde há comunicação, há linguagem: como o homem
é um ser social, sua necessidade de estabelecer comunicação é
praticamente ininterrupta. Enviando ou recebendo mensagens por
meio de um código, o ser humano atende a sua necessidade
comunicativa, criando a atividade a que se dá o nome de linguagem:
a linguagem é um processo de comunicação de uma mensagem
entre dois sujeitos falantes pelo menos, sendo um o destinador ou
o emissor, e o outro, o destinatário ou o receptor.
Assim como Nicola e Infante, André (1978, p. 11) apresenta a linguagem
como
a utilização oral (FALA) ou escrita da língua. Em tal sentido é que
empregamos a palavra nas expressões LINGUAGEM ORAL e
LINGUAGEM ESCRITA. Trata-se de uma acepção estrita. Num
sentido mais genérico, LINGUAGEM seria qualquer sistema de sinais
de que se valem os indivíduos para comunicar-se.
[...] A linguagem escrita tem por finalidade representar a falada. Na
medida do possível, é claro, pois os símbolos gráficos não
conseguem evocar muitos dos elementos da fala.[Portanto] a escrita
deve ser muito mais trabalhada, para compensar o que lhe falta.
André (1978, p. 13) também ressalta a importância da linguagem escrita, pois
“toda a cultura do homem tem sido preservada e perpetuada, através dos séculos,
pela escrita”.
O conceito a ser trabalhado a seguir tem a ver com normas e com
convenções da Linguagem.
38. 37
4.4 Gramática
A palavra Gramática é popularmente associada à disciplina que especifica
aos estudantes o que podem e o que não podem fazer ao se comunicarem,
apontando-lhes seus ‘erros de português’. Pode-se perceber, pelas definições
abaixo, que a Gramática é maior e mais ampla do que simplesmente apontar erros,
mas mesmo assim percebe-se que há diferenças entre os conceitos de lingüistas e
gramáticos.
Ferreira (1994) conceitua gramática como “[...] sf. 1. Estudo ou tratado dos
fatos da linguagem, falada e escrita, e das leis naturais que a regulam. 2. Livro onde
se expõe as regras da linguagem [...]”.
Cadore (1995, p. 11) amplia o conceito dado por Ferreira, acrescentando a
idéia de sistema ao conceituar gramática:
é a descrição do sistema de uma língua, ou descrição da língua
como sistema de meios de expressão [sendo um sistema tríplice,
formado pela] fonologia, morfologia e sintaxe. Esta é a gramática
propriamente dita, preocupada em descrever os fatos.
Luft (2005, p. 9) apresenta as diferenças entre o livro “gramática” e a
gramática propriamente dita:
os livros que chamamos gramáticas são meras tentativas de registro
e explicação de parte ínfima das regras contidas na autêntica
GRAMÁTICA, a vital, verdadeira: conjunto de regras que sustentam o
sistema de qualquer língua, com ela nascem, evoluem e morrem.
Ainda segundo Luft (2005, p. 36, grifos do autor)
A gramática (saber lingüístico internalizado) dos falantes é sempre
completa: sistema de todas as regras necessárias para se poder
falar. Mesmo a criança de cinco ou seis anos que já fala com
desembaraço, e o mais humilde dos analfabetos, necessariamente
dominam a gramática completa que preside seus atos de fala. Do
contrário, não haveria como falar.
Para Nicola e Infante (1990, p. 23), a gramática preocupa-se com o “ideal da
expressão correta”, “impondo maneiras ‘certas’ e ‘padronizadas’ de falar e escrever”,
tendo suas regras baseadas nas obras literárias dos grandes escritores.
39. 38
O filólogo 3 Evanildo Bechara (2004, p. 52) diferencia gramática “descritiva” de
gramática “normativa”:
A gramática descritiva é uma disciplina científica que registra e
descreve (daí o ser descritiva, por isso não lhe cabe definir) um
sistema lingüístico em todos os seus aspectos (fonético-fonológico,
morfossintático e léxico).
[...]
Cabe à gramática normativa, que não é uma disciplina com finalidade
científica e sim pedagógica, elencar os fatos recomendados como
modelares da exemplaridade idiomática para serem utilizados em
circunstâncias especiais do convívio social. A gramática normativa
recomenda como se deve falar e escrever segundo o uso e a
autoridade dos escritores corretos e dos gramáticos e dicionaristas
esclarecidos.
Ainda segundo Bechara (2004, p. 55-56)
Além da gramática descritiva, são também gramáticas científicas, isto
é, sem finalidade prescritiva ou normativa, e com objeto e
metodologias próprios:
a) gramática geral (mais impropriamente chamada gramática
universal): estudo dos fundamentos teóricos dos conceitos
gramaticais [...], ou, noutro sentido, procura os fatos gramaticais
comuns e gerais a vários sistemas lingüísticos. Também é
denominada teoria gramatical. Esta gramática investiga o plano
universal da linguagem e, por isso, não tem como objeto uma
língua particular [...]
b) gramática comparada: estudo comparado de línguas
pertencentes a um tronco ou “família” procedente de uma fonte
comum primitiva, com vista a estabelecer os fatos manifestados
pela relação de “parentesco”.
c) gramática histórica (considerada em sentido estrito): estudo
diacrônico 4 de um só sistema idealmente homogêneo.
d) história interna da língua: estudo diacrônico de uma língua
histórica 5 .
Citando Sirio Possenti, Faraco e Tezza (1993, p. 26-27) apresentam alguns
sentidos diversos para gramática:
No sentido mais comum, o termo gramática designa um conjunto de
regras que devem ser seguidas por aqueles que querem “falar e
escrever corretamente”. Nesse sentido, pois, gramática é um
conjunto de regras a serem seguidas.
[...]
Num segundo sentido, gramática é um conjunto de regras que um
cientista dedicado ao estudo de fatos da língua encontra nos dados
3
Cientista que estuda o desenvolvimento de língua baseado em documentos escritos e literários.
A diacronia analisa a língua a partir de sua evolução ao longo do tempo. (NICOLA; INFANTE, 1990,
p. 20).
5
Expressão utilizada pelo autor em “alusão a uma língua como produto cultural histórico, constituída
como unidade real, reconhecida pelos falantes nativos ou por falantes de outras línguas, e praticada
por todas as comunidades integrantes desse domínio lingüístico.” (BECHARA, 2004, p. 37).
4
40. 39
que analisa a partir de uma certa teoria e de um certo método. Nesse
caso, por gramática se entende um conjunto de leis que regem a
estruturação real de enunciados realmente produzidos por falantes,
regras que são utilizadas.
[...]
Num terceiro sentido, a palavra gramática designa o conjunto de
regras que o falante de fato aprendeu e das quais lança mão ao falar.
[...] O conjunto de regras lingüísticas que um falante conhece
constitui a sua gramática, o seu repertório lingüístico.
Assim como Faraco e Tezza, Franchi (1991, p. 48-54, grifos do autor) também
sintetiza as definições de gramática:
GRAMÁTICA [normativa] É O CONJUNTO SISTEMÁTICO DE
NORMAS PARA BEM FALAR E ESCREVER, ESTABELECIDAS
PELOS ESPECIALISTAS, COM BASE NO USO DA LÍNGUA
CONSAGRADO PELOS BONS ESCRITORES.
Dizer que alguém “SABE GRAMÁTICA” significa dizer que esse
alguém “CONHECE ESSAS NORMAS E AS DOMINA TANTO
NOCIONALMENTE QUANTO OPERACIONALMENTE”.
[...]
GRAMÁTICA [descritiva] É UM SISTEMA DE NOÇÕES MEDIANTE
AS QUAIS SE DESCREVEM OS FATOS DE UMA LÍNGUA,
PERMITINDO ASSOCIAR A CADA EXPRESSÃO DESSA LÍNGUA
UMA DESCRIÇÃO ESTRUTURAL E ESTABELECER SUAS
REGRAS DE USO, DE MODO A SEPARAR O QUE É
GRAMATICAL DO QUE NÃO É GRAMATICAL.
“SABER GRAMÁTICA” significa, no caso, ser capaz de distinguir,
nas expressões de uma língua, as categorias, as funções e as
relações que entram em sua construção descrevendo com elas sua
estrutura interna e avaliando sua gramaticalidade.
[...]
“GRAMÁTICA [interna, natural] CORRESPONDE AO SABER
LINGÜÍSTICO QUE O FALANTE DE UMA LÍNGUA DESENVOLVE
DENTRO DE CERTOS LIMITES IMPOSTOS PELA SUA PRÓPRIA
DOTAÇÃO
GENÉTICA
HUMANA,
EM
CONDIÇÕES
APROPRIADAS DE NATUREZA SOCIAL E ANTROPOLÓGICA”;
“SABER GRAMÁTICA” não depende, pois, em princípio [,] da
escolarização, ou de quaisquer processos de aprendizado
sistemático, mas da ativação e amadurecimento progressivo (ou da
construção progressiva), na própria atividade lingüística, de
hipóteses sobre o que seja a linguagem e de seus princípios e
regras.
Conceituada a gramática, o próximo conceito se refere a seu objeto de
estudo, que são as Normas da Língua.
41. 40
4.5 Norma
Os autores aqui citados empregam vários termos para Norma: norma padrão,
norma culta, língua padrão, sendo que esse grupo de conceitos, de lingüistas e
gramáticos, é de vital importância à compreensão dessa pesquisa.
Segundo Bechara (2004, p.42),
A norma contém tudo o que na língua não é funcional, mas que é
tradicional, comum e constante, ou, em outras palavras, tudo o que
se diz “assim, e não de outra maneira”. É o plano de estruturação do
saber idiomático que está mais próximo das realizações concretas
[...]
Faraco e Tezza (1993, p. 30, grifos do autor) utilizam o termo língua padrão
ao conceituar
o conjunto de formas consideradas como o modo correto,
socialmente aceitável, de falar ou escrever [...] em outras palavras, a
língua padrão, na sua origem, é a língua do poder político,
econômico e social.
Faraco e Tezza (1993, p. 30-34) também ponderam que a língua padrão não
é uniforme, variando de acordo com a situação em que é empregada, seja por
influências regionais ou pessoais do falante, além de considerarem que língua
padrão muda no tempo, fruto da evolução das línguas enquanto entidades vivas e
dinâmicas, e enfatizam que
hoje, não podemos falar em língua padrão sem levar em
consideração, de algum modo, os meios de comunicação social
(jornais e revistas, principalmente), meios esses que são
completamente ignorados pelas gramáticas tradicionais, embora eles
representem, de fato, o padrão brasileiro.
André (1978, p. 12, grifos do autor) também faz menção do caráter “oficial” da
Norma, que ele chama “Culta”:
A par dos variados níveis de fala, existe uma linguagem padrão, de
âmbito nacional, utilizada por todos os que buscam instrução e que,
pelo aprimoramento cultural, necessitam expressar-se com mais
clareza e precisão, de modo mais variado e fluente. Trata-se da
linguagem divulgada pelas escolas, pelos livros científicos e
literários, pelos meios de comunicação, como a imprensa, o rádio, a
televisão. Tal linguagem é geralmente denominada CULTA. Utiliza
42. 41
em numero muito mais amplo as palavras do dicionário e encontrase, em grande parte, codificada nas regras da GRAMÁTICA. [...] a
NORMA CULTA representa o ponto de convergência ou referencial
de todos aqueles usos [os níveis de fala] da língua [...]
Segundo Bagno (2003, p. 39-40, grifos do autor),
No que diz respeito às questões lingüísticas, o conceito de norma dá
margem a muita discussão teórica. No Dicionário Houaiss da Língua
Portuguesa fuça evidente a duplicidade de noções contida na palavra
norma quando se trata de língua:
4 Rubrica: lingüística, gramática
conjunto dos preceitos estabelecidos na seleção do que deve ou não
ser usado numa certa língua, levando em conta fatores lingüísticos e
não lingüísticos, como tradição e valores socioculturais (prestígio,
elegância, estética etc.)
5 Rubrica: lingüística
tudo o que é de uso corrente numa língua relativamente estabilizada
pelas instituições sociais.
Como é possível, num mesmo campo de investigação, usar um único
termo para o que é “preceito estabelecido” e para o que é “uso
corrente”?
Partindo dessa dualidade conceitual de Norma, Bagno (2003, p. 63-70)
propõe o emprego das terminologias “padrão”, “prestígio” e “estigma” para
diferenciá-las:
Mesmo usando terminologias que apresentam algumas diferenças
entre si, as pessoas que se dedicam a estudar a nossa realidade
sociolingüística concordam em identificar, nas relações entre língua e
sociedade no Brasil, três “coisas” bem distintas. [...]:
1. A primeira é a “norma culta” dos prescritivistas, ligada à
tradição gramatical normativa, que tenta preservar um modelo
de língua ideal, inspirado na grande literatura do passado.
2. A segunda é a “norma culta” dos pesquisadores, a língua
realmente empregada no dia-a-dia pelos falantes que têm
escolaridade superior completa, nasceram, cresceram e
sempre viveram em ambiente urbano.
3. A terceira é a “norma popular”, expressão usada tanto pelos
tradicionalistas quanto pelos pesquisadores para designar um
conjunto de variedades lingüísticas que apresentam
determinadas
características
fonéticas,
morfológicas,
sintáticas, semânticas, lexicais etc. que nunca ou muito
raramente aparecem na fala (e na escrita) dos falantes
“cultos”. Esta “norma popular” [...] predomina nos ambientes
rurais, onde o grau de escolarização é nulo ou muito baixo.
Predomina também nas periferias das cidades, para onde
acorrem os moradores do campo [...].
[...] para designar o modelo ideal de língua “certa”, muitos
lingüistas têm proposto o termo norma-padrão. [...] porque, se é
ideal, se não corresponde integralmente a nenhum conjunto
concreto de manifestações lingüísticas regulares e freqüentes,
não pode ser chamada de “língua”, nem de “dialeto”, nem de
“variedade”.
43. 42
[...] deixo aqui a sugestão para que a gente passe a tratar de
variedades de prestígio ou variedades prestigiadas [...] as
variedades lingüísticas faladas pelos cidadãos com alta
escolarização e vivência urbana.
[...]
Na literatura sociolingüística, é comum opor prestígio a
estigma.[...] Assim, para designar as variedades lingüísticas que
caracterizam os grupos sociais desprestigiados do Brasil [...],
sugiro que a gente passe a empregar a expressão variedades
estigmatizadas.
Ainda que esses cinco termos tenham sido aqui conceituados diferentemente
por gramáticos, dicionaristas e lingüistas, é incomum que populares conheçam
essas diferenças, considerando-os sinônimos, ou ainda não sabendo distingui-los na
prática, sendo que se observa, mesmo entre estudantes, a frágil diferenciação que
se faz desses termos, o que leva muita gente a confundir ensino da língua com
ensino de gramática. (LUFT, 2005, p. 21).
4.6 Língua portuguesa
Estabelecidos esses conceitos, considera-se necessário descrever, ainda que
sucintamente, a origem e evolução histórica da língua portuguesa, a fim de se
estabelecer um parâmetro de comparação entre o dialeto variante do latim vulgar
utilizado na península ibérica romanizada e a língua falada e escrita por
aproximadamente 200 milhões de pessoas na atualidade.
Segundo a professora Elis de Almeida Cardoso (CARDOSO, 2005, p. 164), “o
léxico 6 do português atual é o resultado de um fio condutor essencial, proveniente
do latim, ao qual se acrescentaram empréstimos múltiplos”. Ela cita ainda Vilela,
argumentando que
O léxico é o subsistema da língua mais dinâmico, porque é o
elemento mais diretamente chamado a configurar lingüisticamente o
que há de novo, e por isso é nele que se refletem mais clara e
imediatamente todas as mudanças ou inovações políticas,
econômicas, sociais, culturais e científicas.
6
O repertório total de palavras existentes numa determinada língua.
44. 43
4.6.1 Origem e evolução da língua portuguesa
A península ibérica tem uma estratégica e privilegiada posição geográfica no
continente europeu, projetando-se em rumo ao oceano Atlântico e estando
localizada a oeste dos Pirineus 7 , que a separa do restante da Europa.
Durante séculos foi disputada por vários povos, que deixaram suas marcas na
língua e na cultura da região. Segundo CARDOSO (2005, p. 165) havia
originalmente dois povos primitivos habitando a região: um cântabro-pirenaico e
outro mediterrâneo, sendo que da evolução de suas línguas se originou o basco e o
ibero. Aproximadamente em 1100 a.C. os fenícios se fixaram na região, sendo
seguidos pelos gregos e provavelmente pelos lígures 8 . Passados 6 séculos, vindos
do sul da Germânia chegaram os celtas, após conquistarem as Gálias.
Para Nicola e Infante (1990, p. 12),
[...] o povo português resultou de um antigo e demorado processo de
miscigenação e de constantes aculturações. Entretanto, as várias
culturas existentes na Península foram reduzidas a um denominador
comum a partir do domínio romano e de sua imposição cultural (o
primeiro desembarque romano ocorreu em 219 a.C.).
Com o domínio romano, difundiu-se a utilização do latim como língua oficial,
sendo que esta latinização da península ocorreu com o latim clássico
(gramaticalizado, falado e escrito) e o latim vulgar (apenas falado). Da miscigenação
entre o latim vulgar e as outras línguas pré-existentes e que viriam a se estabelecer
na Península Ibérica originou-se a língua portuguesa (NICOLA; INFANTE, 1990, p.
12).
Durante o domínio romano na península ibérica, os vários dialetos falados e
influenciados pelo latim receberam a “denominação genérica de romanço (do latim
romanice, que significa ‘falar à maneira dos romanos’)” (NICOLA; INFANTE, 1990, p.
14).
Segundo Bagno (2003, p. 136-137)
Quando o império romano se esfacelou, a partir do século V, a
7
Cordilheira situada no sudoeste da Europa. Separam a Península Ibérica da França, e estendem-se
por aproximadamente 430 km do Golfo de Biscaia no oceano Atlântico ao Cabo de Creus no mar
Mediterrâneo.
8
Habitantes do noroeste da Itália.
45. 44
unidade lingüística também se dissolveu, uma vez que não existia
mais a pressão das forças centrípetas, normatizadoras, exercidas
pelas instituições imperiais durante muito tempo: Roma já não
enviava prefeitos, cônsules, questores, pretores e outros
funcionários, soldados e colonos para administrar, controlar e
explorar as províncias. Os membros das classes aristocráticas
nascidos nas províncias já não iam para a capital estudar com os
grandes mestres da retórica, da dialética e da gramática. Com o
desaparecimento do império enquanto unidade política, surgiram
pequenos reinos menores, isolados não só da antiga capital, más
também uns dos outros. Como se sabe, boa parte da idade média foi
um período em que a cultura letrada praticamente sumiu,
sobrevivendo quase que só nos mosteiros. As grandes cidades se
despovoaram, e a maioria da população, sujeita ao regime feudal,
vivia em núcleos rurais praticamente auto-suficientes e sem
comunicação uns com os outros. No lugar dos generais e
imperadores que escreveram monumentos literários da língua latina
até hoje apreciados por sua elegância do estilo (como Júlio César e
Marco Aurélio), apareceram reis e nobres totalmente iletrados (o
imperador Carlos Magno, por exemplos, nunca aprendeu a escrever).
Entregue ás suas próprias forças internas de mudanças, e sem o
freio das instituições reguladoras, o latim se transformou
radicalmente, o que deu origem às diferentes línguas românicas
faladas hoje em dia.
No século V d.C. a península foi invadida por grupos bárbaros, que
desestabilizaram o domínio político e administrativo romano, sem contudo conseguir
se impor culturalmente, considerando-se a forte influência dos séculos de
dominação e interação romana entre os povos ibéricos. Segundo Nicola e Infante
(1990, p. 12) “a um domínio político não corresponde um domínio cultural: os
bárbaros sofreram um processo de romanização”.
No século VIII d.C. ocorreu a invasão muçulmana. O domínio árabe acentuouse no sul da península, sem contudo conseguir avançar para o norte, que serviu de
refúgio para os cristãos que se organizaram para a reconquista dos territórios
dominados pelos mouros, o que se concluiu em 1492 com a vitória dos reis católicos
Fernando e Isabel, que reconquistaram Granada. (CARDOSO, 2005, p. 169).
Na trajetória da reconquista surgiram os reinos de Leão, Castela, Navarra e
Aragão. No fim do século XI d.C. o soberano do reino de Leão era o rei Afonso VI,
que promoveu o casamento de sua filha Teresa com o nobre Dom Henrique de
Borgonha 9 , presenteando-os com o Condado Portucalense 10 .
9
Um dos que lutaram na reconquista.
Parte do território desmembrado da Galícia, compreendido entre o Minho e o Mondego.
10
46. 45
Nos anos seguintes, D. Henrique e seus sucessores promoveram a expulsão
dos árabes e a anexação de territórios, e em 1249, com a tomada de Faro,
consolidou-se o atual território de Portugal. (CARDOSO, 2005, p. 170).
Nicola e Infante(1990, p. 14, grifos do autor) mostram que
O galego-português, derivado do romanço, era um falar
geograficamente limitado a toda a faixa ocidental da Península,
correspondendo aos atuais territórios da Galiza e de Portugal.
Cronologicamente, o galego-português ficou limitado ao período
compreendido entre os séculos XII e XIV, coincidindo com a época
das lutas de Reconquista. Em meados do século XVI, nota-se uma
maior influência dos falares do sul, notadamente da região de Lisboa;
avolumam-se, assim, as diferenças entre o galego [...] e o português.
Cardoso (2005, p. 172), continua seu resgate histórico da Língua Portuguesa
localizando o português, na metade do século XIV, já separado do galego, tornandose a língua da capital Lisboa, sendo que
[...] O galego começa a ser visto pelos portugueses como uma língua
arcaica e rústica. Dessa forma, o eixo Lisboa-Coimbra, região antes
moçárabe, transforma-se em centro de domínio da língua
portuguesa. É aí que o português moderno vai constituir-se. A
publicação de Os lusíadas, de Camões (1572), costuma dividir a
língua portuguesa em duas fases: a fase arcaica (do século XII ao
XVI) e a fase moderna (a partir do século XVI).
No século XVI d.C., por ocasião do Renascimento, a língua portuguesa, ainda
em formação, enriquece-se com a recuperação de latinismos e empréstimos de
radicais eruditos gregos e latinos, num processo de criação vocabular que continua
muito produtivo ainda hoje, e por ocasião das grandes navegações (Séc. XIV d.C. ao
XVI d.C.), percebe-se a influência italiana no léxico português, que também
incorporou palavras e variantes da África, Ásia e América, ao se disseminar
juntamente com a influência da coroa portuguesa sobre suas colônias e parceiros
comerciais (CARDOSO, 2005, p. 173). Com essa expansão marítima, a língua
portuguesa chegou ao Brasil no início do século XVI juntamente com os primeiros
colonizadores europeus, tendo sido influenciada pelas línguas indígenas e dialetos
crioulos dos escravos. Até a metade do século XVIII d.C. a língua portuguesa era
utilizada quase que exclusivamente pelos colonos portugueses (vindos de Portugal),
enquanto a população indígena, africana e mestiça utilizava-se da chamada “língua
47. 46
geral 11 ”.
Isso aconteceu até 1758, quando é baixado um decreto que torna a língua
portuguesa oficial em todo o território, e proíbe o uso da língua geral, que entra em
processo de decadência e por ocasião da chegada da família real portuguesa ao
Brasil em 1808, fugindo dos exércitos franceses comandados por Napoleão, a língua
portuguesa reforça sua influência sobre a população em geral, sendo utilizada pela
corte na nova capital do mundo português: o Rio de Janeiro.
Após a independência, o Brasil recebe a influência cultural da França, então
“grande centro político, econômico e cultural da Europa”, considerada padrão de
sofisticação e cultura por países menos desenvolvidos, e “muitos galicismos
incorporam-se ao léxico do português: sutiã, maiô, cachecol, mantô”. (CARDOSO,
2005, p. 176-177).
Após a abolição da escravatura em 1888, a língua portuguesa começa a ser
influenciada pela chegada de imigrantes europeus, sobretudo pelos alemães e
italianos. (CARDOSO, 2005, p. 177).
No século XX d.C. observa-se uma espantosa evolução das artes e ciências
em todo o mundo, evolução essa que também influenciou a língua portuguesa
utilizada no Brasil: não apenas os americanismos, símbolos da hegemonia norte
americana durante e após a guerra fria, mas também neologismos e termos próprios
da informática, a partir da popularização do computador pessoal a partir da década
de 1980 e da Internet a partir de 1995, incorporam-se à Língua Portuguesa,
consagrados pelo uso e pelo mover natural da língua, em constante evolução e
aperfeiçoamento.
Das informações acima pode-se deduzir que, assim como qualquer outra
língua viva, a língua portuguesa utilizada no Brasil sofreu muitas influências através
dos séculos, desde o desenvolvimento do Português na península ibérica até sua
chegada no Brasil recém descoberto, onde se miscigenou e se estabeleceu através
do uso de falantes e escritores “cultos” e populares.
Tendo no Brasil aproximadamente 180 milhões de usuários, a língua
11
Variação do Tupi, simplificado e gramaticalizado pelos jesuítas.
48. 47
portuguesa constitui-se de inúmeros dialetos e variações, unificados em gramáticas
e compêndios utilizados nas escolas brasileiras e arraigados nos costumes da
população, ensinada nos mais de 185 mil estabelecimentos de ensino que atendem
aos mais de 42 milhões de estudantes brasileiros.
49. 48
5 DISCIPLINA, PAUPERIBUS DIVITIAE, DIVITIBUS ORNAMENTUM,
SENIBUS OBLECTAMENTUM 1
Numa democracia, nenhuma obra
supera a de educação. Haverá, talvez,
outras aparentemente mais urgentes ou
imediatas, mas estas mesmas pressupõem,
se estivermos numa democracia, a
educação. Todas as demais funções do
estado
democrático
pressupõem
a
educação.
Somente
esta
não
é
conseqüência da democracia, mas a sua
base, o seu fundamento, a condição
mesmo para a sua existência.
(Anísio Teixeira)
Após a conceituação, no capítulo anterior, de importantes termos inerentes a
esta pesquisa, considera-se necessário traçar, com base em informações fornecidas
pelo INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio
Teixeira 2 – e IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, um perfil da
Educação Brasileira na atualidade.
Em termos legais, convém ressaltar que a Lei Federal nº 9.394, de
20/12/96, Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional,
conhecida como Lei Darcy Ribeiro 3 , estabelece que a “educação,
dever da família e do Estado, inspirada nos princípios de liberdade e
nos ideais de solidariedade humana, tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da
cidadania e sua qualificação para o trabalho”. (BRASIL, 1998b, p.
19).
1
Expressão em latim, cujo significado é “O ensino é riqueza para os pobres, adorno para os ricos e
distração para os velhos”.
2
Anísio Teixeira, (1900-1971): Educador brasileiro, foi conselheiro geral da UNESCO em 1946,
secretário geral da CAPES (Campanha de Aperfeiçoamento do Ensino Superior) em 1951, diretor do
INEP (então Instituto Nacional de Estudos Pedagógicos) em 1952. Em fins dos anos 1950, Anísio
Teixeira participou dos debates para a implantação da Lei Nacional de Diretrizes e Bases, sempre
como árduo defensor da educação pública. Ao lado de Darcy Ribeiro, Anísio Teixeira foi um dos
fundadores da Universidade de Brasília, da qual tornou-se reitor em 1963. (UOL LIÇÃO DE CASA,
2006).
3
Darcy Ribeiro, (1926-1997): Antropólogo, educador e escritor brasileiro. Autor de várias obras sobre
antropologia, indigenismo e educação, além de alguns romances, o antropólogo mineiro Darcy
Ribeiro foi ministro da Educação e Cultura e chefe da Casa Civil da Presidência da República, onde
lutou em defesa da escola pública e (junto com Anísio Teixeira) fundou a Universidade de Brasília (da
qual seria reitor em 1962-3), antes de ter seus direitos políticos suspensos por dez anos, em 1964.
Com várias obras publicadas, Darcy Ribeiro, faleceu em 1997, ocupando o cargo de senador da
República. (Id., 2006).
50. 49
Segundo dados do Censo 2000 (BRASIL, 2002)
Em 2000, apesar da quase universalização do acesso à escola das
crianças de 10 a 14 anos, 5,9% (mais de um milhão) ainda eram
analfabetas 4 , e 77,8% delas residiam em municípios com até 100 mil
habitantes. Embora tenham caído para todos os grupos de cor, as
taxas de analfabetismo 5 ainda são duas vezes mais elevadas para
as crianças pretas ou pardas (9,9% e 8,5%) do que para as brancas
(3,0%).
Segundo o EDUDATABRASIL – Sistema de Estatísticas Educacionais
(BRASIL, [2006]b), em 2005 foram efetuadas 33.534.561 matrículas no Ensino
Fundamental 6 , e 9.031.302 matrículas no Ensino Médio 7 , em todo o Brasil, nos
162.727 estabelecimentos com Ensino Fundamental e 23.561 estabelecimentos com
Ensino Médio.
No Ensino Fundamental, 89,93% das matrículas, ou 30.157.792, foram
efetuadas na rede pública – média de 27,9 alunos por turma, e 10,07%, 3.376.769
matrículas, em escolas particulares – média de 21,5 alunos por turma, tendo uma
média nacional, entre escolas públicas e particulares, de 27,1 alunos por turma no
Ensino Fundamental.
No Ensino Médio, 87,84% dos alunos, 7.933.713, estudavam em escolas
públicas – média de 37,4 alunos por turma, enquanto 12,16% dos alunos de escolas
4
“No Censo Demográfico, realizado com periodicidade decenal, e na Pnad, com periodicidade
bianual, são consideradas analfabetas as pessoas incapazes de ler e escrever pelo menos um bilhete
simples no idioma que conhecem. Aquelas que aprenderam a ler e escrever, mas esqueceram e as
que apenas assinam o próprio nome também são consideradas analfabetas” (BRASIL, 2002).
5
“A Taxa de Analfabetismo é o percentual de pessoas analfabetas em determinada faixa etária.
Consideramos, aqui, a faixa etária de 15 anos ou mais, isto é, o analfabetismo avaliado acima da
faixa etária onde, por lei, a escolaridade seria obrigatória.” (Ibid, 2002).
6
“Nível de ensino obrigatório (e gratuito na escola pública), com duração mínima de 8 (oito) anos,
podendo ser organizado em séries, ciclos ou disciplinas. Tem por objetivo a formação básica do
cidadão, mediante: (1) o desenvolvimento da capacidade de aprender, tendo como meios básicos o
pleno domínio da leitura, da escrita, e do cálculo; (2) a compreensão do ambiente natural e social, do
sistema político, da tecnologia, das artes e dos valores em que se fundamenta a sociedade; (3) o
desenvolvimento da capacidade de aprendizagem, tendo em vista a aquisição de conhecimentos e
habilidades e a formação de atitudes e valores; (4) o fortalecimento dos vínculos de família, dos laços
de solidariedade humana e de tolerância recíproca em que se assenta a vida social. O ensino
fundamental é presencial, sendo o ensino à distância utilizado como complementação da
aprendizagem ou em situações emergenciais.” (Ibid., 2002).
7
“Nível de ensino com duração mínima de três anos. Trata-se da etapa final da educação básica.
Tem por finalidades: (1) a consolidação e o aprofundamento dos conhecimentos adquiridos no ensino
fundamental, possibilitando o prosseguimento de estudos; (2) a preparação básica para o trabalho e a
cidadania do educando, para continuar aprendendo, de modo a ser capaz de adaptar-se com
flexibilidade a novas condições de ocupação ou aperfeiçoamento posteriores; (3) o aprimoramento do
educando como pessoa humana, incluindo a formação ética e o desenvolvimento da autonomia
intelectual e do pensamento crítico; (4) a compreensão dos fundamentos científico-tecnológicos dos
processos produtivos, relacionando a teoria com a prática, no ensino de cada disciplina.” (Ibid., 2002).