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SEMINÁRIO SÃO JOSÉ
Introdução a Metafísica
Apostila
Wagner Augusto Moraes dos Santos
14/07/2014
A proposta deste trabalho é explorar os conteúdos da metafísica clássica a partir de uma
abordagem diferente em que a teoria do movimento tem a preeminência metodológica. Tal
postura tenta aproximar os conceitos da cosmologia clássica aos métodos modernos das
ciências exatas.
2
SUMÁRIO
AULA 1 (INTRODUÇÃO) ____________________________________________________ 3
OS OBJETOS DA FILOSOFIA_____________________________________________________ 3
HIERARQUIA DAS CIÊNCIAS____________________________________________________ 5
O MÉTODO _________________________________________________________________ 7
PERGUNTAS _________________________________________________________________ 9
AULA 2 (HISTÓRIA) ________________________________________________________ 9
AS PRIMEIRAS CONCEPÇÕES ___________________________________________________ 9
O TRÍPLICE PRINCÍPIO ARISTOTÉLICO __________________________________________ 12
SOLUÇÃO DO PROBLEMA PRÉ-SOCRÁTICO _______________________________________ 14
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 16
AULA 3 (MOVIMENTO) ____________________________________________________ 17
DEFINIÇÃO DE MOVIMENTO___________________________________________________ 17
O MOTOR E O MÓVEL ________________________________________________________ 19
AS ESPÉCIES DE MOVIMENTOS_________________________________________________ 22
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 23
AULA 4 (AS CATEGORIAS)_________________________________________________ 24
ACIDENTES QUE VARIAM COM O MOVIMENTO ____________________________________ 25
ACIDENTES QUE SÃO TERMOS FINAIS DE MOVIMENTOS ____________________________ 28
ACIDENTES QUE ESTÃO CONTIDOS NOS MOVIMENTOS _____________________________ 30
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 31
AULA 5 (CAUSALIDADE E NECESSIDADE; APLICAÇÕES)____________________ 31
AS QUATRO CAUSAS _________________________________________________________ 33
NECESSIDADE ______________________________________________________________ 35
APLICAÇÕES _______________________________________________________________ 36
PERGUNTAS ________________________________________________________________ 40
BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________________ 42
3
Introdução a Metafísica
Aula 1 (Introdução)
Os objetos da filosofia
No mundo moderno, parece cada vez mais difícil perceber a importância de
disciplinas reflexivas como a filosofia e a teologia. É comum tratá-las como matérias a
serem aprendidas por religiosos ou por intelectuais prolixos que não precisam se
preocupar com dinheiro. Por esta via, é comum que se alimente o pensamento de que o
filósofo é uma pessoa que fala de modo enrolado sobre coisas que não interessam a
ninguém, mais ainda o teólogo que se prontifica a ensinar aquilo que ele próprio admite
não conhecer. Entretanto, pode-se perguntar, afinal, o que é a filosofia?
Ora, faz-se necessário encontrar alguma forma para descobrir isto, caso
contrário permanecerá vigente o supracitado estereótipo. Pode-se usar um método de
comparações para descobrir o que seja a filosofia. É muito simples, em primeiro lugar,
deve-se ter em mente as coisas que são tacitamente sabidas, depois deve-se usar estas
coisas para obter informações daquilo que não se sabe. Por exemplo, é sabido que a
matemática é a ciência que estuda os números, as figuras e as suas relações; é sabido
que a física é a ciência que estuda os fenômenos naturais e suas causas; é sabido que a
biologia é a ciência que estuda os seres vivos etc. Este foi o primeiro passo – levantar
informações.
O segundo é usá-las para descobrir o que ainda não se sabe. Como fazer isto?
Ora, quer-se saber o que é a filosofia, entretanto se sabe o que são as outras ciências;
pode-se perguntar: como se descobriu o que são as outras ciências? A resposta seria:
sabe-se o que são as outras ciências a partir da ação dos seus especialistas. Por exemplo,
Pitágoras é um matemático e se sabe que ele tratou da relação entre figuras e números,
Einstein foi um físico e tratou dos fenômenos da natureza. Ou seja, a ação daqueles que
exercem o pensamento sistemático em uma área vai definindo o que a área é.
Deste modo, a maneira para saber o que seja a filosofia passa pelo
conhecimento do que trataram os filósofos. Mas, os filósofos falaram sobre o quê? Ora,
sobre todas as coisas. Houve filósofo que tratasse da natureza, houve filósofo que
tratasse do homem e houve filósofo que tratasse das coisas imateriais, por esta via se
4
encontra o objeto de pesquisa da filosofia – que, na tradição escolástica, é chamado
objeto material. Entretanto, restaria um problema nesta definição, pois ao estudar todas
as coisas o filósofo também estudaria, por exemplo, os fenômenos naturais e suas
causas, logo o filósofo seria o físico. O que seria um problema, pois claramente se vê
que fazem coisas completamente diferentes. Então, deve haver nos filósofos algo que os
distinga das outras áreas.
Esta distinção ocorre na maneira que o filósofo aborda os temas, por exemplo,
o filósofo trata os fenômenos naturais de modo a tirar deles a sua causa última ou o
significado que tais fenômenos têm para a vida humana, ou seja, trata dos fenômenos
naturais enquanto se relacionam com todo o conhecimento humano, já o físico estuda os
fenômenos por eles mesmos. Fazendo esta análise com as outras áreas, percebe-se que o
filósofo sempre está interessado nas coisas enquanto se relacionam com outras.
Esta capacidade de se relacionar com outras é bastante interessante, pois
quanto mais específica se torna uma área menos capacidade ela tem de se relacionar
com as outras, por exemplo, a ciência da cabeça de um parafuso se relaciona menos
com as outras ciências do que as Leis de Newton – que são usadas até para explicar
certos fenômenos cardiovasculares. Isto quer dizer que as Leis de Newton estão mais
próximas da reflexão filosófica do que a cabeça do parafuso. Um dado importante a se
ter é que a ciência da cabeça do parafuso é construída a partir das Leis de Newton. Isto
nos leva a intuição de que se aproxima mais da reflexão filosófica aquilo que mais se
aproxima dos princípios, devido à capacidade relacional destes últimos. Ora, assim se
torna claro que o objeto da filosofia é o estudo dos princípios primeiros ou das causas
últimas. Este objeto é tradicionalmente chamado de objeto formal. Assim, pode-se
definir filosofia como a ciência que estuda os primeiros princípios e as causas últimas
de todas as coisas.
Esta definição clássica de filosofia parece completamente ultrapassada, pois
muitos filósofos discordaram incessantemente da existência dos princípios primeiros da
existência de alguma causa. Esta definição só pode ser considerada como ultrapassada
se se assente que o significado das palavras usadas na definição é unívoco, ou seja, se
‗princípio‘ e ‗causa‘ forem entendidos apenas sob o aspecto aristotélico; entretanto, não
é necessário que o seja, pois não é impossível que um autor opte por tratar ‗princípio
primeiro‘ como o homem ou tratar ‗causa última‘ como os desejos humanos. É claro
5
que o autor que, inconscientemente, faz isso muda completamente o método de fazer
filosofia, mas não muda a sua definição, somente os sentidos dos elementos que a
compõem.
É interessante tentar ler a história da filosofia por este prisma, pois facilita o
entendimento do motivo da existência de múltiplas escolas de pensamento, bem como
possibilita o leitor a se posicionar diante delas. É sempre útil perceber que a variedade
das escolas filosóficas não é uma espécie de ode ao relativismo, mas sim formas
distintas para tentar atingir os princípios primeiros. Dentre as múltiplas escolas
existentes há uma que se destaca entre os cristãos devido a sua influência na teologia
católica, esta escola é o aristotelismo. Exatamente por isso que, neste curso, se
entenderá a definição dada segundo o viés aristotélico-tomista. Ainda que esta não seja
a linha de pensamento mais usada no mundo, ao menos, terá a sua utilidade histórica,
dado facilitar a compreensão do que passava na mente dos pensadores católicos entre os
séculos XV – XIX.
Hierarquia das Ciências
Seguindo a linha de pensamento aristotélico-tomista existe uma hierarquia das
ciências, ou seja, há ciências que são mais nobres do que outras. Segundo este
pensamento é possível hierarquizar a ciência segundo os objetos formais de cada uma.
A maneira mais fácil de entender como se dá esta hierarquia é através de um exemplo.
Imagine que se está diante de um prédio, então poder-se-ia perguntar: quem construiu
isto? Uma possível resposta seria: os pedreiros, bombeiros hidráulicos e outros
profissionais da construção civil.
Entretanto, como seria possível que um número grande de pessoas que pensam
diferente pudesse fazer algo uniforme? Logo, a única possibilidade de o prédio existir
de modo uniforme é que haja um pensamento comum, que geralmente se chama projeto.
Assim, o projeto garante a ordem necessária para a existência do prédio. Entretanto, o
projeto geralmente não é feito por nenhum destes executores, mas sim pelo engenheiro
civil. Deste modo, o saber do engenheiro civil é, em certo sentido, mais nobre, pois o
saber dos operários depende daquele, enquanto o saber do engenheiro não depende
6
diretamente do saber dos operários1
.
Pode-se perguntar ainda: o projeto do engenheiro é baseado em quê? Esta
pergunta se refere ao fato de que o projeto não pode ser feito sem que haja a certeza de
que, quando executado, o que foi pensado estará completamente realizado. Entretanto,
de onde vem a certeza de que o projeto feito não vai levar o prédio a queda? Ora, o
engenheiro considera os resultados obtidos pelos pesquisadores como verdadeiros e os
usa sem questionar. Assim, o engenheiro precisa do saber do cientista para poder
exercer o seu saber de projetar, enquanto o cientista não precisa diretamente do saber do
engenheiro. Isto indicaria que o cientista possui um conhecimento mais nobre que o
engenheiro.
O saber do engenheiro depende do cientista de dois modos, o primeiro naquilo
que tange as propriedades intrínsecas a sua profissão, por exemplo, saber a grossura de
uma viga para que o prédio não caia. O segundo naquilo que tange a finalidade do seu
projeto, por exemplo, saber que o prédio projetado deve favorecer a melhor vida
possível para os homens que ali estarão. Isto quer dizer que o engenheiro estará na
dependência do saber que versa sobre a natureza (física, química, matemática etc.) e na
dependência de ciências que versam sobre a boa vida para o homem (psicologia,
medicina, sociologia etc.)
Quanto aos cientistas, deve-se perguntar: em que está fundada a veracidade de
suas conclusões? Ou seja, por que a ciência é confiável? Geralmente, a confiabilidade
dos dados científicos reside na confiança que se tem nos seus métodos. Por exemplo, o
mundo confia no físico porque confia no método científico. A maior prova disto é que
uma teoria só é institucionalizada depois que se faz um experimento que a confirme, ou
seja, quando o método é usado por completo. Assim, o saber do cientista depende de um
método que, por sua vez, não é feito por um cientista, mas sim por um filósofo. Um
caso clássico disso é a própria institucionalização do método científico que foi
organizada primeiramente por Robert Bacon no seu livro Novus Organum – é
interessante ressaltar que Bacon era filósofo e nunca usou o método que ele mesmo
propôs. Assim, a filosofia se apresenta como um saber mais nobre que a ciência.
1
É importante não confundir a hierarquia dos saberes com a realização, pois realizar é retirar algo da
abstração e tornar factível, ou seja, transformar a ideia em coisa. Nesta ordem, é obvio que o operário
realiza mais que o engenheiro.
7
Isto põe a filosofia como o saber mais elevado entre as ciências, ainda que
esteja incluída entre o saber menos importante no nível da realização. A filosofia, por
estudar todas as coisas, ainda pode ser hierarquizada segundo as suas subáreas. Afinal,
pode-se ter filosofia da ciência, filosofia da história etc. Como hierarquizá-las? Como se
viu, o modo de construir a hierarquia é percebendo que as ciências dependentes são
menos nobres do que as mais dependentes. A formulação dos métodos depende da
concepção que se tem de quais sejam os princípios primeiros da ciência a que se está
estudando, por exemplo, no caso do método científico se quer estudar o real que pode
ser percebido pelos sentidos, daí segue a necessidade de uma confirmação empírica para
tudo que é proposto. Entretanto, a filosofia que estuda o real sensível não está sujeita a
outra coisa senão a própria filosofia do real. Isto quer dizer que a ciência, mas nobre é
aquela que estuda os princípios primeiros de todos os princípios das ciências. Em outras
palavras, se a filosofia é a ciência mais nobre, então a filosofia da filosofia é a mais
nobre de todas as especulações filosóficas – este saber é denominado por metafísica. É
com esta ciência que é possível estudar teodiceia, que é a disciplina que versa sobre
Deus de modo filosófico, ou seja, é a disciplina pré-teológica. Além de ser a matéria
principal no estudo das obras de Santo Tomás.
O Método
Depois de entender de que a metafísica trata, faz-se necessário saber: como é
possível desenvolver uma ciência que fale sobre os princípios da própria filosofia? A
primeira coisa a fazer é desenvolver um método seguro, para que as respostas
encontradas não se tornem pura imaginação. O método a ser empregado é aquele dado
por Aristóteles na introdução da sua Física. Segundo o Estagirita, a via natural consiste
em ir desde o que é mais cognoscível e mais claro para nós até o que é mais claro e
mais cognoscível por natureza2
. Em outras palavras, começa-se daquilo que é
conhecido para atingir o que é desconhecido3
. O principal exemplo do uso deste
método foi o desenvolvimento do texto usado na seção anterior, onde se partiu do
conhecimento acerca das ciências conhecidas para identificar o que era a filosofia. Ou
2
Aristóteles, Fis. I cap.1
3
Embora não seja a hora de tratar da distinção entre o ―mais cognoscível para nós‖ em comparação com o
―mais cognoscível por natureza‖, pode-se entendê-la através de um exemplo. No caso do prédio que foi
mencionado no início, é ―mais cognoscível para nós‖ o número de andares que existe naquele prédio do
que os princípios matemáticos presentes na sustentação das vigas; entretanto, estes princípios
matemáticos são extraídos de coisas muito mais simples do que um prédio, logo estes princípios são
muito mais ―cognoscíveis por natureza‖ do que o prédio.
8
seja, partiu-se do que se sabia para chegar ao que não se sabia. Naquele momento o
método foi aplicado sem que se expusesse seus elementos, que são três: indução,
analogia e dedução.
Em sentido lato, a indução consiste na coleta ordenada de informações. No
problema usado na seção anterior esta coleta ordenada de informações consistiu em
enumerar os saberes e expor suas definições. A analogia é uma afirmação que ressalta,
na relação entre as coisas, um ponto de similitude e outro de diferença. Por exemplo,
quando se diz ―a criança nasceu a cara do pai‖ não se quer dizer que o rosto da criança e
o do pai são exatamente iguais, mais sim que há uma grande semelhança entre eles, ou
seja, se reconhece a semelhança apesar da diferença. Esta afirmação é uma analogia. Na
seção anterior, esta parte do método foi aplicado implicitamente no momento em que se
considerou a filosofia como uma ciência; pois, a analogia se baseia na semelhança de
que a filosofia e as ciências constituem saberes que devem ser levados a sério. A
dedução consiste na consequência lógica das premissas. Na seção anterior, foi usada no
momento em que se verificou que a maneira de saber o que é a filosofia era descobrir os
assuntos que foram tratados pelos filósofos. Esta, pois, constitui uma consequência
lógica das premissas ‗as ciências são caracterizadas pelos seus especialistas‘ e ‗ a
filosofia é uma ciência‘, ambas obtidas por indução e analogia. Por meio destes três
instrumentos se constrói a metafísica.
O próximo passo é começar a aplicar o método, entretanto antes de fazê-lo é
importante refletir acerca da credibilidade do método. Naquilo que tange a indução e a
dedução não há muito questionamento no mundo de hoje, devido à aceitação do método
científico que funciona a partir de coleção de dados adicionado de demonstração
matemática. Entretanto, a analogia permanece obscura para a maior parte das pessoas.
Embora não seja um conhecimento comum a maior parte das pessoas, a analogia
também é usada, em larga escala, na ciência atual. Isto é percebido claramente nas
modernas teorias físicas que trabalham com fenômenos invisíveis; a modelagem
matemática criada nestas teorias, geralmente, é feita a partir da semelhança que o
sistema invisível deve conservar dos sistemas visíveis. Ou seja, a única forma de tratar
estes sistemas é considerá-los a partir de uma analogia. É óbvio que a semelhança com o
método científico não é garantia de credibilidade do método, mas o fato de perceber que
os elementos que estão no método da metafísica estão também no método científico
9
leva a reflexão de que questionar a metafísico também deveria significar um
questionamento a própria ciência.
Passado o problema de assentar bem as bases para o estudo, deve-se perguntar:
por onde começar? Se deve começar daquilo que é mais conhecido. Duas coisas podem
ser verificadas neste nível: o mundo e eu. Estas duas coisas parecem claramente
percebidas, há um mundo e há um eu que percebe este mundo. Tanto um lado quanto o
outro poderão gerar reflexões interessantes, entretanto naquilo que tange a metafísica
aristotélico-tomista o ponto de partida é a percepção do que seja o mundo. Não só
naquilo que tange ao pensamento supracitado, mas também acerca da história, pois a
primeira máxima filosófica foi sobre o mundo (tudo é água). Este último assentimento
define o interesse deste curso, pois é necessário conhecer os princípios do mundo para
que se possa chegar à reflexão acerca dos princípios de tudo. Por isso, também, o curso
de introdução à metafísica é uma espécie de reflexão acerca de quais sejam os princípios
do mundo.
Perguntas
1. Comente acerca da relação entre a filosofia e as ciências.
2. Distinga objeto formal de objeto material. Se possível aplique isto a um
exemplo.
3. Comente a frase ―a metafísica é a filosofia da filosofia‖. (Faça uma comparação
com a filosofia da ciência, filosofia da natureza etc.)
4. Reflita acerca da hierarquia das ciências.
5. Em uma discussão é comum confundirem hierarquia das ciências com dignidade
das profissões. Crie um discurso que desfaça o mal entendido.
6. Fale sobre a credibilidade do método empregado pela metafísica.
Aula 2 (História)
As primeiras concepções
Antes de tratar dos temas especulativos é importante tratar da evolução
histórica do pensamento acerca do mundo. A primeira reflexão feita acerca do mundo se
deve aos pré-socráticos que se propuseram a discutir sobre qual seria a origem do
cosmo. Esta discussão foi travada por duas grandes linhas de pensamento: os monistas e
os pluralistas.
Os monistas pensavam que o cosmo provinha de uma única matéria primordial
que era chamada de arkhé. É muito possível que partissem da análise de que o universo
10
é um, portanto, seu princípio deve se assemelhar ao que é agora, ou seja, um. É a
afirmação ‗tudo é um‘ que coloca os pré-socráticos no Hall dos filósofos. Esta
originalidade dos pré-socráticos é fundamental para estudá-los seriamente, pois se se
esquece que eles são filósofos e que estão refletindo acerca de coisas que julgam
fundamentais não se perceberá que afirmações como tudo é água, tudo é fogo, tudo é o
indeterminado etc. não se referem à água ou ao fogo, mas sim ao comportamento do
que seja a matéria primordial. É comum fixar-se no nome que os monistas dão à matéria
primordial e esquecer-se da inferência fundamental de que estão assumindo, que é a
existência de um princípio primeiro.
Sob este aspecto que alguns pesquisadores tendem a interpretar as afirmações
dos monistas como uma discussão acerca de qual seria o nome mais apropriado ao
princípio. Em outras palavras, quando Tales de Mileto diz ‗tudo é água‘ ele quer dizer
que tudo provém de uma matéria primordial que é maleável como a água. O mesmo se
deve dizer dos outros pensadores quando afirmam tudo é fogo, tudo é ar etc. É
interessante perceber que para estes o princípio primeiro é a matéria, algo muito
semelhante ao que se diz no mundo de hoje; provavelmente este tipo de doutrina
apareceria no mundo de hoje como tudo é hidrogênio, tudo é próton, tudo é glúon etc.
Parmênides se destaca entre os monistas pelo problema filosófico que gerou;
sua percepção foi tão inovadora que para responder suas objeções os pré-socráticos
mudaram a direção da pesquisa acerca dos princípios. Parmênides afirmou que tudo é e
o nada não é. Embora esta máxima pareça uma obviedade dentro dela há uma série de
consequências interessantes. A frase tudo é e o nada não é indica senão tudo é o ser e
nada é o não-ser. Assim, dever-se-ia dar à matéria primordial o título de ser. Entretanto,
isto gera um grande problema, pois o ser deve ser imutável. Afinal, mudar é deixar de
ser o que é para tornar-se o que não é, por exemplo o estudante de direito que deixa de
ser estudante para se tornar advogado. Ora, o ser só poderia se tornar o não-ser, que por
sinal não existe. Logo, o ser não pode se mover. Esta imutabilidade do ser destrói todo o
sistema monista de pensamento. Pois, se a matéria primordial é o ser. Como se poderia
explicar que as coisas hoje sejam distintas da matéria primordial? A única explicação
possível é que aquela matéria primordial se tornou o mundo de hoje, mas então se
deveria dizer que ela mudou. Isto gera uma contradição, pois, por um lado se deve dizer
que a matéria primordial é o ser e por outro se deve dizer exatamente o contrário.
11
Desta aporia, problema sem solução, nasce a corrente dos pluralistas que se
propõem a responder a pergunta de Parmênides. A solução que encontraram foi afirmar
que ao invés de um princípio deveriam haver múltiplos, isto era defendido pelos
pluralistas. A proposta pluralista era considerar que há múltiplos elementos primordiais
e que eles se unem para formar o mundo de hoje. Neste caso a matéria primordial
permaneceria imutável, como era previsto por Parmênides, ainda que a constituição do
mundo não. A escola pluralista mais famosa foi a escola atomista criada por Demócrito
e Leucipo. É interessante perceber que a constituição do mundo a partir de átomos foi
prevista no período pré-socrático. Afirmações como: o mundo foi gerado ao acaso
através da união dos átomos; os sentimentos podem ser explicados através de
movimentos atômicos etc. estão todas elas previstas em Demócrito e Leucipo, ainda que
não tivessem a tecnologia nem a descrição matemática que se tem hoje.
A concepção pluralista do mundo aparentemente resolve o problema da
imutabilidade da matéria primordial, mas não consegue resolver o problema do
movimento. Pois, é necessário que os múltiplos princípios se movimentem para mudar a
constituição do mundo. O problema é que, em tese, a primeira distribuição dos átomos
deve constituir o ser, ora se o ser é imutável, então esta distribuição também deveria ser
imutável. Isto indica que o mundo deveria ser o mesmo sempre, o que nitidamente não é
a verdade.
A primeira teoria revolucionária acerca deste problema dos primeiros
princípios se deve a Platão. Tradicionalmente, diz-se que a cosmologia platônica se
encontra resumida no diálogo Timeu. Neste diálogo, Platão defenderia que todas as
coisas são compostas de dois princípios: a matéria e a forma (ideia). A matéria seria a
parte maleável e a forma a parte que define as coisas. Por exemplo, a estátua de
mármore do imperador. Nela estão presentes a matéria (mármore) e a forma (imagem do
imperador). Para Platão, as duas permaneciam separadas no início, mas, devido à ação
de um demiurgo as formas puderam ser comunicadas a matéria. Isto se dá em analogia
ao que acontece com a estátua, pois em um determinado momento o bloco de mármore
(matéria) se encontra separado da imagem do imperador (forma) e, posteriormente, pela
ação de um artista (demiurgo) as duas são percebidas juntas.
Esta percepção de Platão é muito interessante, pois concebe a existência de um
princípio imaterial como componente do mundo. Nisto se põe em oposição aos pré-
12
socráticos que concebiam que o primeiro princípio deveria ser uma matéria primordial.
Agora, em Platão, os princípios são ao menos dois: a matéria e a forma. Mas, a
prioridade está na forma. Isto quer dizer que a verdade está na ideia e não no composto.
Por exemplo, quando se vê um homem a verdade sobre ele não está no próprio homem,
mas sim na forma da qual é cópia. Por isso que se entende o mundo visível como sendo
uma cópia do mundo real que é o mundo das ideias. Neste mundo as ideias são
imutáveis, eternas, perfeitas etc. Deste modo, parece ter-se resolvido o problema, pois o
mundo visível teria se dado por um processo de cópia do mundo real que é imóvel,
eterno e perfeito, como havia sido proposto por Parmênides. Esta cosmologia foi muito
atacada por Aristóteles nos livros da Física e da Metafísica, neste segundo livro ele
dispõe de vários argumentos contrários a cosmologia platônica. Um dos mais famosos é
o argumento do terceiro homem. O argumento consiste em perceber que afirmar o
mundo visível ser cópia do mundo das ideias implica a multiplicação infinita das
formas; pois, supondo haver múltiplos homens então deve haver uma forma de homem
da qual todos participam, entretanto, possuir a forma de homem já é uma forma, então
dever-se-ia cogitar a existência da forma de possuir a forma de homem, esta segunda
forma seria o terceiro homem. Como este processo poderia ir ao infinito Aristóteles
tratou por inconsistente a cosmologia platônica e formulou uma cosmologia própria.
O tríplice princípio Aristotélico
Para encontrar quais devam ser os princípios da natureza, pode-se fazer uso do
método que foi disposto na primeira seção. Isto quer dizer que a primeira coisa a fazer é
elencar as coisas que tacitamente se sabe, neste caso, o mundo é real e nele há
movimento. É exatamente por isso que a conclusão dos Eleatas (Parmênides e seus
discípulos) é um contrassenso que é refutado pelo mais simples perceber dos sentidos.
Entretanto, o fato de perceber que a tese dos Eleatas é um contrassenso não resolve o
problema dos princípios, antes o aprofunda. Pois, agora se faz necessário entender
quantos e quais são os princípios, de sorte que sejam respondidas as objeções dos
Eleatas.
Este é o primeiro problema a que Aristóteles se propõe a resolver na sua
Física, pois daí se pode entender todo o resto. Isto fica mais claro a partir do que fala H.
D. Gardeil no seu livro introdução a filosofia de Santo Tomás de Aquino. Neste livro,
ele chama a atenção para a imanência destes princípios; isto quer dizer que Aristóteles
13
estaria procurando algo semelhante ao que hoje se entende por ‗átomos‘. Ou seja, coisas
reais que compõem tudo o que existe. É importante frisar que os princípios não são
coisas do passado como uma matéria primordial, mas sim coisas que estão presentes no
mundo até agora. É exatamente por causa disso que se pode estudá-los de modo
rigoroso. O rigor é fundamental para que não se confunda a cosmologia (estudo
sistemático da natureza) com a cosmogonia (história de como o mundo foi criado).
A primeira percepção é que não se pode conceber que tudo que há no mundo é
produto de um único princípio, pois isto, como se viu, conduziria ao contrassenso de
Parmênides. Assim, os princípios serão pelo menos dois, entretanto se forem dois dever-
se-á garantir que um não seja princípio do outro. Por exemplo, se fosse dito que no
mundo há dois princípios o hidrogênio e o próton, então se diria haver, na realidade,
apenas um, pois o hidrogênio é feito de próton. Por isso, Aristóteles, seguindo os
antigos, afirma que os princípios devem ser contrários, pois não é possível que os
contrários sejam mutuamente compostos. Por exemplo, não é possível que o calor seja
composto de frio e vice-versa. Assim, há pelo menos dois princípios contrários.
Entretanto, há um problema naquilo que tange a conceber a existência de
princípio contrário, pois os contrários não subsistem juntos, por exemplo, o calor
extremo e o frio extremo são contrários quando colocamos um junto ao outro os dois
desaparecem. Isto significa que, se fosse considerado a existência apenas de dois
princípios o mundo não poderia subsistir. Daí, se deve conjecturar a existência de um
terceiro princípio que consiga ser o meio termo entre os contrários este princípio será
chamado sujeito. De fato o quente e o frio se aniquilam quando se encontram, mas não a
coisa quente ou a coisa fria. Por exemplo, uma grande pedra de gelo colocada dentro de
uma panela cheia de óleo fervente, o frio da pedra de gelo e o calor do óleo
desaparecem depois do contato (aniquilam-se), mas a água que era o sujeito do frio e o
óleo que era o sujeito do calor permanece existindo. É por causa deste terceiro termo
que se pode assegurar a estabilidade do mundo apesar da fluidez dos contrários.
Pelo raciocínio montado acima se pode assegurar que os princípios são três,
dois contrários e o sujeito. Resta saber agora qual é o par de contrários adequado para o
estudo futuro da metafísica. Como se está interessado em encontrar os princípios que
regem todas as coisas existentes, deve-se procurar ao menos um princípio que esteja
presente em tudo, pois o outro será o seu contrário. Ora, quando se começou a estudar
14
os princípios duas premissas foram consideradas: a realidade do mundo e a existência
do movimento. Isto quer dizer que a característica que engloba todas as coisas é a
realidade. Entretanto, o termo realidade carece do sentido de mobilidade, isto quer dizer
que não se percebe o sentido de movimento neste termo; por outro lado, pode-se
perceber com bastante clareza no termo realização, que mutuamente indica alguma
coisa real e indica o fim de um movimento, logo o supõe. Este termo realização pode ser
substituído pelo clássico termo perfeição, que significa completamente feito. Para os
gregos e para os escolásticos a perfeição é considerada de modo relativo, por exemplo,
todo macaco é perfeito. Não porque o macaco é um ser sagrado, mas sim porque não
falta nada a sua natureza para ser considerado um completo macaco. O mesmo se diz do
ser humano, todo homem é perfeito, pois ele é completamente feito homem. O
importante a ser sabido aqui é que a perfeição metafísica não se refere à perfeição
moral, mas sim a existência na realidade. Por tudo isto se pode afirmar que o mundo é
perfeito. Logo, deve haver um princípio de perfeição, que recebe o nome de forma.
Descobrindo um princípio o outro é o seu contrário que é a ausência de perfeição que
recebe o nome de privação. Deste modo há três princípios: privação, forma e sujeito.
Pode-se identificar a presença destes princípios na situação de alguém que
aprende um idioma; antes de começar o curso o aluno (sujeito) tem a privação do
conhecimento da língua, após um tempo estudando (movimento) ele recebe a perfeição
de saber uma língua nova (forma). Como se vê, estes princípios estão presentes em
todas as coisas desde o fenômeno de uma pedra que cai até as emoções humanas. Isto
mostra a universalidade dos princípios, bem como a sua vinculação com o movimento.
Acerca destes princípios, poder-se-ia perguntar: afinal, eles são materiais ou imateriais?
São simples ou compostos? A resposta a estas perguntas são destinadas ao curso de
metafísica.
Solução do problema pré-socrático
O grande problema pré-socrático enunciado por Parmênides julgava
impossível o movimento porque o ser não podia vir do próprio ser nem do não-ser.
Entretanto, a doutrina aristotélica do princípio tríplice mostra que o devir vem de um
ser, que é o sujeito, e de um não-ser que é a privação. Por exemplo, o aprendizado de
uma língua, por um lado o aprendizado se dá a partir do ser do homem (sujeito), por
outro lado se dá a partir da ignorância (privação) que se tinha do idioma. Isto significa
15
que o ser e o não-ser se encontram presentes no mundo, por isso ser e não ser se deve
tratar de modo relativo e não de modo absoluto como pensava Parmênides. É
exatamente a percepção de que o ser não deve ser dito em absoluto que resolve o
problema dos eleatas.
Pode-se distinguir afirmação de modo absoluto e de modo relativo pela
seguinte percepção: quando uma afirmação diz respeito à totalidade das coisas ela é dita
em absoluto, quando diz respeito apenas a uma parte, ela é dita relativa. Por exemplo,
chocolate é a melhor coisa que existe, esta frase pode ser entendida de dois modos, a
primeira de modo absoluto, nesse caso o chocolate seria melhor que Deus, que o
homem, que a vida etc. O segundo modo de se interpretar é o relativo, isto é, dentre os
alimentos o chocolate é a melhor coisa que existe. Como se vê, de modo relativo se
refere apenas a um conjunto das coisas que existem e o absoluto se refere ao todo. A
originalidade de Aristóteles na sua percepção do tríplice princípio é esta: deve-se
encarar o ser e o não-ser de modo relativo para que se sustente a obviedade do
movimento.
O ser, dito de modo relativo, sempre se configura como alguma coisa, por
exemplo, ‗o quadro é azul‘ quer dizer que a cor azul se encontra presente no ser do
quadro. Entretanto, este mesmo quadro pode carecer de um suporte para apagador,
então dir-se-ia que o ‗quadro azul não é dotado de suporte para apagador‘. Deste modo,
há, relativamente, no quadro uma junção de ser com não-ser; o ser se refere ao fato de
‗ser quadro azul‘ e o não-ser se refere ao fato de ‗não ser dotado de suporte para
apagador‘. Como já foi dito, o princípio deste não-ser é uma privação que reside no
‗quadro azul‘, que é o princípio que suporta a privação, ou seja, o sujeito. Esta junção de
privação com o sujeito ainda pode ser dada de duas maneiras; na primeira, o sujeito se
encontra privado de uma perfeição existente, como no caso mostrado acima que se
refere a um suporte para apagador, na segunda, o sujeito se encontra privado de uma
perfeição inexistente, por exemplo, uma bola quadrada. A primeira maneira pela qual a
privação se une ao sujeito pode ser chamada de potência. Diversamente, é possível que
o sujeito esteja unido uma forma, por exemplo, ‗o quadro azul é grande‘, então se diria
que o princípio da perfeição ‗grande‘ é uma forma que reside no ‗quadro azul‘, que é o
princípio que suporta a forma, ou seja, sujeito. Como as perfeições são sempre reais,
esta junção pode ser entendida como o ato. O que foi dito neste parágrafo pode ser
resumido nas seguintes ―fórmulas‖
16
SUJEITO + PRIVAÇÃO = POTÊNCIA
SUJEITO + FORMA = ATO
Como os sujeitos sempre estarão juntos a privação e/ou a forma, e estes três
princípios são os responsáveis por todas as coisas que são se deve dizer que o ato e a
potência são os dois modos supremos de ser. Portanto, estão presentes em toda a
realidade. O reconhecimento da universalidade destes conceitos é fundamental para que,
no futuro, as demonstrações metafísicas possam gozar de credibilidade.
Baseando-se nestes modos supremos de ser, Aristóteles apresenta outra solução
para o problema dos eleatas. O ato pode ser entendido como sinônimo de perfeição4
, por
exemplo, este texto está escrito em ato, porque não falta nada para ser considerado um
texto. A potência, por sua vez, pode ser entendida como a ausência de uma perfeição
possível, por exemplo, a semente é uma árvore em potência, pois ela carece da perfeição
de ser árvore. É interessante perceber que a semente não é um cachorro em potência,
pois não é possível que uma semente se torne um cachorro. Entretanto, como se sabe
que a semente não se torna um cachorro? Porque não há nenhum movimento natural que
transforme uma semente em um cachorro (isto é sabido por indução). Logo, se
reconhece a potência a partir das transformações. Estas, por sua vez, são reconhecidas a
partir da diferença entre o estado inicial e o estado final. O estado final de uma
transformação é sempre uma perfeição, ou seja, um ato. Assim, o ato é o fim do
movimento cujo princípio é a potência.
Desta percepção de ato e potência se pode resolver o problema proposto por
Parmênides, pois o ser é dito como ato e potência. Assim, o movimento, que parecia
impossível, seria a simples passagem do ser em potência para o ser em ato, ou seja, o
ser em absoluto permaneceria imóvel ainda que os seres relativos permanecessem em
movimento.
Perguntas
1. Compare a originalidade do pensamento pré-socrático com as modernas
concepções de mundo.
2. Sintetize o pensamento monista, bem como a crítica que Parmênides faz ao
movimento.
4
Afinal a forma é o princípio de perfeição. Aqui se usará perfeição como sinônimo de todo feito.
17
3. Procure mostrar em que sentido a solução pluralista não resolve o problema de
Parmênides.
4. Mostre o motivo pelo qual a cosmologia platônica não pode ser encarada como
física no sentido pré-socrático.
5. O pensador Leo Elders, no seu livro, a metafísica do ser de Santo Tomás em
uma perspectiva história, acerca da metafísica platônica diz: Nesta via ele
considera que as várias determinações formais das coisas como uma
participação em ou um imitação (limitada) das formas que existem por elas
mesmas de forma pura e são eternas, imutáveis e necessárias(...) Assim, sua
influência só pode estar na causalidade exemplar: as ideias agem como modelos
junto a natureza em ordem para formar das coisas5
. Comente tal passagem a
partir do que foi explicitado no texto.
6. Dê algum motivo pelo qual se deveria aceitar que Platão resolveu o problema
eleata.
7. Explique o argumento do terceiro homem.
8. Reflita acerca da imanência do tríplice princípio aristotélico.
9. Explique cada um dos três princípios de Aristóteles, bem como o sua relação
com o movimento.
10. Mostre como Aristóteles resolveu o problema de Parmênides usando os
conceitos de ato e potência.
Aula 3 (Movimento)
Definição de movimento
Em primeiro lugar, é bom lembrar que na visão eleata o movimento era
entendido como algo ilusório devido à sua incompatibilidade com o princípio
fundamental da razão (o ser é e o não-ser não é). O grande problema de afirmar isso é a
negação do estudo do movimento, afinal se todos os movimentos forem aparentes, então
rechaçar-se-ia toda especulação filosófica acerca dele. É exatamente por isso que o
conceito de ato e potência é tão importante, pois com eles Aristóteles consegue resolver
a dicotomia entre o princípio da razão e a percepção sensível. Esta solução é muito
importante, pois, novamente, põe o movimento entre os objetos passíveis de
especulação filosófica.
Deste modo o filósofo se perguntaria: o que é o movimento? A resposta a esta
pergunta é fundamental, pois até agora se tratou do movimento apenas de modo
intuitivo, ou seja, segundo aquilo que o conhecimento de mundo denuncia. Assim, é
necessário definir movimento para que se possa aprofundar o conhecimento sobre ele.
5
ELDERS, L.; The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinas in a historical perspective, p. 219.
18
A primeira noção que se poderia ter de movimento foi aquela expressada na
seção anterior que entende o movimento como sendo uma passagem da potência para o
ato. Entretanto, esta definição possui um problema, pois o termo ‗passagem‘ já indica
movimento. Assim, faz-se mister propor outra formulação para o conceito. Até agora se
conhece pelo menos cinco conceitos universais: privação, forma, sujeito, ato e potência.
Deste modo a definição de movimento deve proceder de algum destes cinco. Ao usar os
conceitos de privação, forma e sujeito, dir-se-ia o movimento ser a passagem da
privação para a forma. Mas este conceito incorreria no mesmo erro de antes. Assim, a
maneira mais adequada de definir movimento é através da relação que ele desempenha
com os conceitos de ato e potência.
A primeira coisa a perceber é: aquilo que está em ato não pode estar em
movimento, pois o ato é o fim do movimento. Por exemplo, o ato de ser árvore é o fim
do desenvolvimento da semente. A segunda coisa importante é: aquilo que está apenas
em potência não está em movimento, por exemplo, uma semente de abacate na nossa
mão é potencialmente um abacateiro, mas ainda não está em movimento para tal.
Portanto, o movimento é uma espécie de meio termo entre o ato e a potência.
Este meio termo ocorre a partir de um ato, pois aquele que se movimento o faz
a partir de uma sucessão de atos, por exemplo, o ser humano adulto passa por vários
estágios até chegar a sê-lo. Ser-homem-adulto é um ato, mas antes de ser adulto o feto
passa pelo ato de ser bebê, depois pelo ato de ser criança, depois pelo ato de ser
adolescente até chegar ao ato de ser adulto. Ou seja, o crescimento, que é movimento, é
um ato do homem que faz uso de vários atos para chegar ao fim. Deste modo, por um
lado, o movimento deve ser um ato, por outro, deve conter alguma potência. Assim,
define-se movimento como o ato daquilo que está em potência, enquanto estando em
potência.6
Como o movimento é uma espécie de união entre ato e potência, poder-se-ia
resumir o sobredito da ―fórmula‖ de memorização
ATO + POTÊNCIA = MOVIMENTO
Para que não se aplique erradamente a definição de movimento, deve-se
perceber que ela se refere a apenas um único binômio ato-potência. Por exemplo, uma
criança tem a potência de aprender um idioma e tem a potência de crescer. Estas são
6
JOLIVET, R. Curso de Filosofia. 9° Ed. Agir: Rio de Janeiro, 1968
19
duas potências diferentes, portanto almejam atos diferentes, logo definem movimentos
diferentes. O primeiro é a de aprender e a segunda, crescer. O aprendizado é o ato da
criança que está em potência frente ao conhecimento da língua, enquanto está em
potência. O crescimento é o ato da criança que está em potência para ser adulto,
enquanto está em potência. Como se vê, a definição não muda, mas sim, o binômio ato-
potência. Por isto, é óbvio perceber que não se pode aplicar a definição de movimento
confundindo os atos e as potências, senão incorrer-se-ia no erro de afirmar que todos os
movimentos são iguais.
Enfim, a definição do movimento a partir dos conceitos de ato e potência o
coloca no nível pouco abaixo dos modos supremos de ser. Isto quer dizer que a
definição de movimento que foi dada serve para todo o ser, tanto as coisas materiais
como a locomoção de uma pedra quanto às coisas imateriais como a produção de
virtude. É exatamente a universalidade deste conceito de movimento que o torna
interessante do ponto de vista metafísico, pois devido à essa capacidade ele se torna um
instrumento poderoso para estudar as propriedades dos entes7
.
O motor e o móvel
Na última seção, viu-se que o movimento poderia ser um instrumento para
encontrar propriedades dos entes desconhecidas para nós. A pergunta é: como? Para
responder esta pergunta se faz necessário o conhecimento de duas características da
relação existente entre o ente que move (motor) e o ente que é movido (móvel). A
primeira delas afirma o movimento ser um ato do móvel e a segunda afirma o ato do
móvel ser o mesmo que o ato do motor.
Primeira característica
A primeira característica do movimento se afigura na própria definição de
movimento, pois esta afirma ser o ato daquele que está em potência. Ora, o motor não
pode estar em potência, logo o movimento deve ser um ato do móvel. Entretanto, poder-
se-ia perguntar: por que o motor não pode estar em potência? Porque a própria definição
de motor o impede. Afinal, o motor é aquele que move; o movimento é um ato, daí
7
Ente é um termo latino que quer dizer aquilo que é. Na prática, a palavra ente, em metafísica, funciona
como a palavra coisa na linguagem quotidiana. Por exemplo, na linguagem coloquial ―o movimento está
presente em todas as coisas‖, na linguagem metafísica, ―o movimento está presente em todos os entes‖
Neste momento, a distinção entre ente e coisa é meramente linguística e não tem muita importância,
entretanto no estudo da metafísica esta precisão de linguagem faz diferença.
20
segue, o motor ser aquele que comunica um ato. Portanto, deve estar em ato, pois não
poderia comunicar aquilo que não tem. Para reduzir a abstração se pode pensar no
exemplo do jogo de bilhar, repare que neste jogo uma bola é motora e as outras são
móveis. A bola motora comunica o ato de estar em movimento às outras, mas só pode
fazer isto depois que ela mesma está em movimento, pois enquanto ela está em potência
ao movimento (ou seja, parada) não é motora de nada. Isto é refletido, metafisicamente,
pela sentença o motor não pode comunicar aquilo que não tem.
Segunda característica
A segunda característica do movimento provém da percepção de que existe no
movimento certa unidade. Isto quer dizer, o que o motor comunica é o que o móvel
recebe. Veja o caso das bolas de bilhar, a bola motora comunica movimento local8
e as
bolas móveis recebem movimento local; outro exemplo é o aprendizado, o ensinamento
que o professor comunica é o mesmo que os alunos recebem. Deste princípio, segue que
os atos do móvel e do motor são o mesmo.
Esta inferência gera uma série de problemas, pois é perceptível que o ato de
ensinar e o ato de aprender são atos completamente diferentes, poder-se-ia cogitar até
que são movimentos diferentes assim como são diferentes o aprendizado e o
crescimento. Embora o ato do móvel seja o mesmo ato do movente, isto não significa
eles estarem presentes do mesmo jeito em ambos. Para verificar isto, basta observar,
novamente, o caso do jogo de bilhar. Naquele caso a bola motora só entra em
movimento após a tacada do jogador, ora, claramente se percebe que é a locomoção do
taco que comunica o movimento à bola motora. Mas, o movimento do taco não é igual
ao da bola, ainda que os dois possuam o mesmo ato de movimento. Isto quer dizer que
um mesmo ato pode se realizar em duas coisas de modo diferente. É exatamente isto
que acontece com o motor e o móvel, ambos possuem o mesmo ato que se realiza
diferentemente. Para tornar clara esta distinção se faz uso do conceito de ato ativo e ato
passivo. O ato ativo é aquele feito pelo agente, ou seja, o motor. O ato passivo é aquele
do paciente, ou seja, o móvel. Com esta nova nomenclatura se torna fácil entender como
o ato do que ensina é o mesmo ato do que aprende, pois o ato de ensinar é o ato ativo da
transmissão do conhecimento, enquanto o ato de aprender é o seu ato passivo.
8
Movimento local é o termo se usa para identificar o tipo do movimento que muda o lugar das coisas, por
exemplo, andar da sala para a cozinha, sair de casa para a praia etc. este tipo de movimento será melhor
estudado na próxima seção.
21
Conclusão
Compreendidas estas características se pode começar a pesquisar acerca da
possibilidade de aproveitar o conhecimento que se tem da teoria do movimento para
conhecer outras coisas. A primeira das características afirma que o movimento é o ato
do móvel, isto sugere que todo movimento tem um sujeito, pois, como já se viu, todo ato
supõe um sujeito. Como todo móvel possui um termo de origem (potência) e um termo
final (ato), então através do movimento se podem conhecer as potências e os atos do
sujeito. Ora, ato e potência são os modos supremos do ser, isto significa que tudo que
inclui o sujeito deve estar ou em ato ou em potência, logo conhecer os atos e as
potências dos entes é o mesmo que conhecer os próprios entes e de que eles são
compostos.
Para chegar a estes conhecimentos, far-se-á uso de um método muito simples;
em primeiro lugar, devem-se observar quais são os tipos de movimentos existentes
(coletar dados) depois perceber quais são seus termos iniciais e finais; por fim, submeter
os dados coletados às exigências de que o termo final é o ato do móvel e de que todo o
movimento tem um sujeito. Com a primeira exigência se garante a realidade dos termos
finais dos entes e com a segunda se pode descobrir a composição dos entes.
Os dois primeiros parágrafos refletiram as consequências metodológicas da
primeira característica do movimento, mas não refletem a segunda. A segunda
característica alude ao fato de que há no móvel vestígios do que foi feito pelo motor,
afinal os dois possuem o mesmo ato realizado de modo diferente. Ora, isto significa que
é possível conhecer coisas do motor a partir da descrição do movimento do móvel. Isto
possui uma implicação metodológica importantíssima, pois é graças a essa característica
que é possível estudar coisas que não podem ser vistas nem sentidas. Como as verdades
metafísicas pertencem a este grupo de conhecimentos que não podem ser sentidos, elas,
em geral, dependem desta implicação metodológica para justificar suas conclusões.
Assim, o próximo passo para conseguir aprofundar o conhecimento da natureza
é conseguir explicitar quais são os tipos de movimento e como estes se relacionam com
as exigências vistas nos últimos parágrafos. Quanto ao uso da segunda característica,
ver-se-á usado com mais propriedade na última seção em que se falará de causalidade e
necessidade.
22
As espécies de movimentos
Por indução se sabe que todos os movimentos existentes podem ser resumidos
em dois grandes grupos: aqueles em que o sujeito inicial é o mesmo do final e aqueles
em que se muda o sujeito. Os movimentos que conservam o sujeito são chamados de
transformações acidentais, diversamente, os que não conservam são chamados de
transformações substanciais. Pode-se citar alguns exemplos de cada tipo citado. São
exemplos de transformações acidentais, um bronzeamento, o emagrecimento, uma
caminhada na Lagoa etc. Estas transformações são ditas acidentais, porque o sujeito
permanece o mesmo antes, durante e depois da transformação, ou seja, a pessoa que se
bronzeia, emagrece e caminha na Lagoa é a mesma pessoa e não outra. O mesmo não
acontece quando essa pessoa morre, pois o cadáver que se desfez na terra não é a
mesma pessoa que era antes de morrer. O mesmo acontece com o nascimento, o
material genético do pai e da mãe não são no filho o mesmo que são neles, isto significa
que o material genético deles sofre uma mudança substancial. Estas mudanças
substanciais referentes à morte e ao nascimento são, respectivamente, chamadas de
corrupção e geração.
Tendo listado as espécies de movimentos basta impor a elas as exigências
vistas na última seção. A primeira delas afirma que todo movimento tem de ter o seu
sujeito. Analisando as transformações acidentais se percebe que o sujeito é aquele que
subsiste, em outras palavras, aquilo que é em si. Tradicionalmente, o nome dado a este
sujeito é substância. Todo o resto é aquilo que é em outro, que recebe o nome de
acidente. No exemplo, a pessoa é a substância e a cor que ela ficou após o
bronzeamento é o acidente. A outra imposição feita foi que o termo final do movimento
deve ser sempre ato do móvel, como, no bronzeamento, o móvel é a pessoa, então a cor
que se fica após o bronzeamento é ato da pessoa. Por este exemplo, intui-se que os
acidentes são atos (perfeições) da substância.
Fazendo as mesmas exigências para as transformações substanciais se encontra
um problema, pois nesta transformação há mudança de sujeito. Deste modo, deve-se
supor que há um sujeito do sujeito, em outras palavras, há alguma coisa que subsiste
quando a substância muda. Tradicionalmente, o nome dado a este sujeito é matéria-
prima. Será de grande utilidade saber quais devem ser as características deste sujeito. A
primeira delas é que a substância deverá ser seu ato, pois ela é o termo final da
23
transformação substancial. Ora, se a substância é o seu termo final, então não poderá ser
o termo inicial. Mas, se no início não houver substância muito menos poderá haver
acidentes, logo o sujeito das transformações substanciais deverá ser a completa
imperfeição, pois todas as perfeições procedem da substância e dos acidentes. Como a
imperfeição completa é o nada, que não existe, então a matéria-prima deverá ser
considerada como pura potência passiva.9
Com essa última especulação acerca dos movimentos percebeu-se que inclui os
entes, ao menos duas coisas: a substância e os acidentes; além disto, verificou-se que é
necessário haver um sujeito para as transformações substanciais que é chamado de
matéria-prima. Assim, pode-se fazer a primeira inferência acerca da constituição dos
entes: são predicados de todos os entes a substância e os acidentes. Para memorizar se
pode usar a fórmula
SUBSTÂNCIA + ACIDENTE = ENTE
A grande importância deste conhecimento é que, pela primeira vez, está-se
conhecendo alguma coisa acerca da composição dos entes, ou seja, está-se sabendo de
que as coisas são compostas. Isto é muito importante, pois é a partir da composição dos
entes que se pode falar de características deles e, posteriormente, ter o conhecimento
científico dos mesmos. Por isto que agora se quer aprofundar estes conceitos gerais e
explorá-los ao máximo para que se possa extrair a maior quantidade possível de
informação.
Perguntas
1. Há uma segunda formulação da definição de movimento de Aristóteles que é
dada por o movimento é o ato do ente em potência, enquanto está em potência.
Explique o movimento a partir desta definição.
2. Resuma as duas características do movimento naquilo que tange a relação entre
o motor e o móvel.
3. Contra a afirmação de que o ato do móvel é o mesmo que o do motor afirmam
alguns não é possível que possuam o mesmo ato, senão aquele que age (motor)
seria idêntico ao que padece (móvel). Com base no que foi visto sobre este tema
responda a objeção. Responda usando um exemplo.
4. Distinga ato ativo e ato passivo. Explique a necessidade de criar este conceito.
Em analogia, distinga potência ativa e potência passiva.
9
Entender a matéria como pura potência passiva é muito importante para resolver os problemas relativos
a possibilidade de Deus criar a matéria, sendo Ele imaterial.
24
5. Com base nas distinções feitas na última questão responda a seguinte objeção.
Parece que Deus não é poderoso, pois Ele não pode carecer de nenhuma
perfeição. Ora, aquele que não carece de nenhuma perfeição não tem potência e
aquele que não tem potência não tem poder. Vide o homem que tem o poder de
construir a casa, porque tem a potência de ser construtor.
6. Qual é a principal consequência metodológica da sentença o ato do móvel é o
ato do movente?
7. Quais são as espécies de movimento?
8. Dê a definição de substância e acidente.
Aula 4 (As categorias)
Para que se possa explorar a descoberta acerca da substância e dos acidentes,
faz-se mister trazer a luz os conceitos de gênero e espécie. Estes conceitos pertencem ao
estudo da lógica formal, por isso não serão tratados em todas as suas especificidades. A
primeira coisa importante a se saber é que estes conceitos estão relacionados ao nível de
compreensão que se tem de uma ideia. Aqui se entende ideia como sinônimo de
conceito, por exemplo, o conceito de homem é uma ideia. O detalhe a se perceber é que
há conceitos mais extensos que outros, por exemplo, o conceito de animal abarca muito
mais coisas que o conceito de homem. Em linguagem técnica, diz-se que o conceito de
animal é mais extenso que o conceito de homem. O que se percebe é que quanto maior é
a extensão do conceito menor é a compreensão dele. Assim, pode-se ordenar os seres a
partir da extensão dos seus conceitos. A ideia de um conjunto de coisas composto
apenas por indivíduos será chamado espécie e a ideia de um conjunto de coisas
composta por espécies será chamado gênero. Por exemplo, o conjunto de todos os seres
humanos afigura a espécie humana, por outro lado, o conjunto de todos os animais
define o gênero animal, pois entre os animais há espécie humana, espécie canina etc.
Isto quer dizer que o gênero é uma ideia geral que comporta dentro de si um
conjunto de espécies, nas quais os indivíduos se encontram. Assim, as inferências
acerca dos gêneros atingem os indivíduos, ao menos indiretamente. Daí, segue uma
pergunta: existe algum gênero ou conjunto de gêneros que comporte todos os outros?
Em primeiro, deve-se dizer que não pode haver um único gênero que abarque todas as
coisas, pois este deveria possuir todas as perfeições; ora, ser uma espécie é uma
perfeição, logo o gênero deveria ser uma espécie, o que é contraditório. Assim, há mais
de um gênero que abarque todos os outros. Estes gêneros podem ser chamados de
gêneros supremos do ser ou, simplesmente, categorias.
25
O problema é: como definir estes gêneros supremos? Em primeiro lugar, sabe-
se que todos os entes devem estar incluídos nesta divisão; ora, viu-se, anteriormente,
que os entes são constituídos por uma união de substância e acidentes. Isto significa que
as suas espécies também deverão ser fruto desta união, logo a substância e os acidentes
deverão ser gêneros supremos do ser. Como há diversos tipos de acidentes, há diversos
gêneros supremos associados a estes. A tradição aristotélica enumera 9 tipos de
acidentes, configurando, assim, o número de 10 categorias: uma para substância e 9 para
acidentes. O estudo acerca da categoria da substância fica a cargo de cursos mais
avançados de metafísica, por isso tratar-se-á apenas das categorias que se referem aos
acidentes.
Como fazer para descobrir quais são estes nove acidentes privilegiados? O que
se sabe é que se descobriu a existência de acidentes a partir da teoria do movimento,
assim, é esperado que a teoria do movimento indique quais são os tipos de acidentes
supremos. Para fazer isto, considerar-se-á que há três tipos de relações entre os
acidentes e o movimento: os acidentes que variam com o movimento, os acidentes que
estão contidos nos movimentos e os que são termos finais de movimentos.
Acidentes que variam com o movimento
Para verificar quais são os acidentes que variam com o movimento, faz-se
necessário listar os tipos de movimentos acidentais conhecidos. O primeiro movimento
acidental que vem à mente é o deslocamento, ou seja, a variação de lugar, assim o lugar
é um tipo de acidente; logo uma categoria. Fazendo o mesmo raciocínio, percebe-se que
crescer ou diminuir inclui um movimento acidental, por exemplo, a criança e o adulto
são a mesma pessoa. Daí, segue o tamanho ser um acidente, ou seja, a quantidade é uma
categoria. O terceiro tipo de movimento que se percebe é alteração da qualidade de
alguma coisa, por exemplo, a água que estava fria depois de ficar no fogo se torna
quente, isto quer dizer que a qualidade é uma categoria. Estas três categorias variam
conforme o movimento como se percebe intuitivamente, pois o deslocamento não é
instantâneo, mas ocorre segundo um processo, bem como o crescimento e a qualificação
de alguma coisa. Assim, as três primeiras categorias a serem estudadas são quantidade,
lugar e qualidade.
Quantidade
26
A quantidade pode ser tratada em dois aspectos, sob o aspecto da quantidade
descontínua e da quantidade descontínua. A quantidade descontínua é aquela que se
mede através das unidades numéricas, ou seja, aquelas coisas contáveis, por exemplo o
números de ovos dentro de uma cesta, o número de cadernos dentro de um quarto etc.
Devido à capacidade de contagem a quantidade descontínua exige a distinção entre o
número numerante e o número numerado. O primeiro diz respeito aos números em
absoluto que são abstrações: 2,3,4... o segundo se refere às coisas múltiplas que se
somam por um número, por exemplo três cadeiras, quatro homens etc. Na vida prática, a
distinção entre estes dois tipos de números é, o segundo deve vir com uma unidade e o
primeiro não.
As quantidades contínuas, por sua vez, são aquelas coisas incontáveis. A
principal propriedade das quantidades contínuas é que o fim de uma de suas partes é o
início da parte seguinte, por conta disto as quantidades contínuas possuem a propriedade
de extensão ou continuidade. Por exemplo, uma linha reta, vê-se claramente que o ponto
que se encontra na metade de linha é, ao mesmo tempo, fim da primeira metade e início
da segunda. Vê-se que esta é uma capacidade que se encontra presente em todas as
figuras geométricas, logo se encontra presente em todos os corpos.
Pelo que se vê, o mais fundamental na quantidade é a existência da distribuição
das partes, sejam elas contínuas ou contíguas (o início da parte consequente não é o fim
da parte antecedente, por exemplo, uma fileira de grãos de arroz). Deste modo,
concordar-se-ia com Santo Tomás que a quantidade é aquilo que é divisível naquelas
coisas que constituem10
.
Lugar
A partir da propriedade de extensão dos corpos se pode conceituar o que seja o
lugar e o espaço. Isto se dá, pois a extensão dos corpos os capacita a serem continentes
ou contidos. Continente é aquilo que recebe outro dentro de si. Contido é aquele que se
encontra em outro. Por exemplo, um jarro cheio de água; o jarro é o continente e a água,
o contido.
10
TOMÁS DE AQUINO, De Generatione I, 1.25 apud GARDEIL,H.D. Introdução a filosofia de Santo
Tomás de Aquino. Original: Quantum dicitur quod est divisibile in ea quae insunt.
27
É importante perceber que o termo ‗está contido‘ é ambíguo, pois, por um lado,
refere-se às partes de um corpo, por outro, refere-se à corpos que estão no interior de
outros sem pertencer aos continentes. Por exemplo, diz-se que os braços ‗estão
contidos‘ no corpo, mas também se diz que a água ‗está contida‘ na jarra. A maneira
pela qual se pode diferenciar uma da outra é através do movimento, veja que não é
possível locomover o corpo sem mover os braços (pois, são partes do corpo); entretanto,
é possível mover a água sem mover a jarra. O primeiro sentido do termo ‗está contido‘
se refere à capacidade de haver partes no corpo, logo se vincula a categoria quantidade.
Portanto, usar-se-á o segundo sentido para tratar da categoria lugar.
A relação entre contido e continente, naquilo que se refere ao lugar, exige que
o continente possa permanecer imóvel, ainda que o contido se mova (vide o exemplo da
água e da jarra). Outra propriedade interessante desta relação é que o contido não
necessariamente se faz presente em todo o continente. Por exemplo, a frase ‗o pássaro
está contido no ar‘ não significa que o pássaro está presente em todo ar (corpo
continente) que existe no universo, mas sim em um limite definido dele. É este limite
definido que se entende, intuitivamente, por lugar. Por isso, este limite deve ser imóvel,
senão, o móvel poderia se locomover sem sair do seu lugar (que é absurdo!). Assim,
define-se lugar como primeiro limite imóvel do corpo continente.
Qualidade
A partir das duas categorias analisadas anteriormente se percebe que a extensão
dos corpos é uma consequência da quantidade. Isto significa que a extensão,
propriamente dito, não é uma quantidade, mas sim uma propriedade associada à
quantidade. Isto é muito importante, pois em linguagem comum propriedade é sinônimo
de qualidade. Isto quer dizer que existem algumas qualidades que se vinculam as
quantidades, ou seja, qualidades primárias; são elas: extensão, figura, resistência e
movimento. Além destas, há qualidades secundárias que são aquelas que se vinculam
diretamente aos cinco sentidos, por exemplo, cor (visão), gosto (paladar), calor (tato),
odor (olfato) e som (audição).
Além da divisão acidental entre primárias e secundárias, as qualidades também
podem ser divididas segundo uma divisão essencial. Esta segunda divisão considera as
qualidades a partir do que se intuiu delas na teoria do movimento. Naquele momento,
usou-se o exemplo da água que deixa de ser fria e passa a ser quente. Isto significa que a
28
qualidade reflete os diversos tipos através dos quais um sujeito pode ser modificado11
.
Estes tipos são: disposição, potência, paixão e figura. Disposição: São as maneiras de
ser que afetam a ‗personalidade‘ do sujeito, por exemplo, talento para o futebol, ter um
preparo físico etc. Potência: São as maneiras de ser que deixam o sujeito suscetível a
alguma atividade, por exemplo, capacidade que o ímã tem de atrair o ferro, a capacidade
que alguém tem para correr muitos quilômetros etc. Paixão: são as qualidades que
procedem de uma alteração ou que são causa de alterações. Por exemplo, o calor, que
procede da alteração de temperatura e as propriedades químicas que geram alterações de
temperatura. Figura: são as qualidades que determinam a quantidade do sujeito, por
exemplo, a forma arredondada da bola. A partir destas características se percebe que a
configuração do ente depende da qualidade, daí segue a qualidade ser aquilo em razão
do que ente é dito ser tal.
Quando se percebe estes quatro tipos de qualidades essenciais, percebe-se que
algumas das características se referem a coisas que contemporaneamente são tratadas
por quantidades (por exemplo, o calor). Por causa disto, é muito comum encontrar
confusão entre quantidade e qualidade. Esta confusão procede da intuição de que
somente as quantidades podem ser medidas, mas isto é um equívoco. Afinal, é possível
gerar medidas para as qualidades, estas medidas não são dadas a partir da contagem das
partes, mas sim a partir da gradação da intensidade com que a qualidade se manifesta no
sujeito. Um dado muito interessante ressaltado por Selvaggi, no livro Filosofia do
Mundo, é que a maior parte das grandezas físicas que se conhece são essencialmente
qualidades. Isto é um conteúdo que seria melhor explorado em um curso de filosofia da
ciência, sobretudo naquilo que tange a função da analogia no estudo das ciências exatas.
Acidentes que são termos finais de movimentos
Os termos finais de movimentos se associam aos tipos de movimento, há
movimento quantitativo, qualitativo e local. Os três tipos de movimento podem ter por
termo final uma situação ou um hábito. A situação diz respeito ao modo com que se
está, por exemplo, ‗o jovem está sentado‘. O hábito diz respeito ao que se possui junto
ao corpo, por exemplo, ‗o jovem porta uma arma‘. A situação e o hábito são acidentes
que dizem respeito a um único ente ou a uma única característica. Entretanto, no caso
em que há parâmetros de comparação, diz-se haver uma relação entre os dois termos
11
JOLIVET, R.; Curso de Filosofia
29
comparados, por exemplo, ‗o jovem está sentado próximo a mim’. Daí, percebe-se que
os termos finais de movimentos mantêm relação com os outros. A relação é um
acidente, portanto é uma categoria. Vai-se estudar aqui, apenas, a categoria da relação.
Relação
Toda vez que se fala em relação pelos menos três coisas são supostas: o sujeito,
o fundamento e termo. O sujeito é a expressão de quem se fala, o fundamento é a razão
pela qual a relação existe e o termo é aquilo em que o sujeito está em relação. Por
exemplo a relação existente entre o pai com seu filhos, o sujeito é o pai, o fundamento é
a paternidade e o termo é o filho; diversamente, diz-se acerca da relação entre filho e o
pai, neste caso o sujeito é o filho, o fundamento é a filiação e o termo é o pai.
As relações possuem três propriedades; a primeira delas enuncia que não existe
mais ou menos nas relações, isto quer dizer que não é possível haver aumento ou
diminuição do fundamento da relação, por exemplo, uma coisa é igual ou desigual à
outra, não existe meio termo. A segunda enuncia que as relações são recíprocas, isto
quer dizer que o sujeito se relaciona com termo e vice-versa, por exemplo, o pai se
relaciona com o filho e o filho se relaciona com o pai. A terceira enuncia que os
correlativos são simultâneos, ou seja, o sujeito só é sujeito porque existe um termo e
vice-versa. Por exemplo, o pai só é pai, porque tem um filho.
Além disto, a relação também pode ser divida essencialmente ou
acidentalmente. Essencialmente, a relação se divide a partir de seu fundamento que
pode ser a igualdade, a causalidade, a semelhança, real e lógica. Os três primeiros
fundamentos se encontram fundados nas categorias de quantidade, ação12
e qualidade.
Os dois últimos se referem ao estado de espírito daquele que enuncia a relação. A
relação é dita real quando ocorre independentemente das operações do espírito daquele
que enuncia. Por exemplo, a relação entre a causa e o efeito. Quando a relação depende
destas operações ela é dita lógica. Por exemplo, a relação entre o ser e o nada. A relação
é dividida acidentalmente quando é considerada a partir dos termos, e pode ser
classificada como mútua ou não mútua. A relação é dita mútua quando os dois termos
não podem ser dados, senão simultaneamente. Por exemplo, a filiação e a paternidade.
A relação é dita não-mútua quando os dois termos não são correlativos. Por exemplo, a
12
Categoria que será explorada mais precisamente no próximo tópico.
30
relação entre Deus e o homem. Após estas especificações do que indica a relação, pode
dizer que a noção de relação é aquilo pelo qual um sujeito se vincula a um termo.
Acidentes que estão contidos nos movimentos
Nas seções passadas, verificou-se quais eram os tipos de movimentos
acidentais e disso derivou-se os acidentes que variam com o movimento. Neste
momento, procurar-se-á quais são os acidentes que existem devido ao movimento. A
primeira coisa que se inclui a noção de movimento é o senso de transformação. É deste
senso de variação entre final e o inicial que se alimenta o sentido de tempo. A segunda
coisa a perceber é que o acidente que existe devido ao movimento é o ser-móvel ou ser-
movente. O ser-móvel realiza o ato do movimento de modo paciente, pois sofre a ação.
O ser-movente realiza o ato do movimento de modo agente, pois gera a ação. Deste
modo, ação e paixão são dois acidentes decorrentes do mesmo movimento.
Configurando, assim, duas categorias. Neste capítulo, vai-se estudar apenas a categoria
tempo, pois as categorias ação e paixão foram exploradas no momento em que se falou
da relação entre o móvel e o movente, naquele momento se viu que ação e paixão eram
duas realizações distintas de um mesmo ato e de um mesmo movimento.
Tempo
Quando se fala de tempo, percebe-se a existência de diferentes tipos, o tempo
vivido, tempo abstrato, o tempo objetivo etc. O tempo vivido se refere ao movimento
passado. Por exemplo, ter 25 anos se refere ao movimento ocorrido desde o dia em que
se nasceu até a presente data. O tempo abstrato é aquele pensado por Newton como
sendo um tempo absoluto que é dado continuamente por uma linha. Por exemplo, a
representação do tempo no plano cartesiano. O tempo objetivo se refere aquele tempo
medido a partir da rotação da Terra, por exemplo, são 22h.
Tradicionalmente, sabe-se que o tempo está dividido entre passado, presente e
futuro. Também é sabido de praxe que o passado não é mais e o futuro ainda será,
portanto só o presente é realmente. Isto significa que a noção de tempo segundo a
divisão clássica só existe na razão, assim como os números só existem na razão. Assim,
tradicionalmente, definiu-se o tempo por número do movimento segundo o antes e o
depois. Deve-se entender por número o sentido de continuidade e não de contiguidade.
É importante deixar claro que o conceito de tempo não é dado a partir da duração. Pelo
31
contrário, o tempo indica a extensão do movimento e a duração indica a permanência
no ser do sujeito. Além deste conteúdo mínimo também inclui o estudo acerca do tempo
a pesquisa acerca da eternidade do mundo, este estudo é de fundamental importância
para a compreensão de alguns problemas filosóficos enunciados na Idade Média,
entretanto aqui não é o melhor lugar para tratar destes problemas.
Perguntas
1. Distinga gênero de espécie.
2. Indique quantas e quais são as categorias aristotélicas e como elas estão ser
divididas
3. Distinga número numerado e número numerante. Dê exemplos e explique-os.
4. Distinga contiguidade e continuidade. Dê exemplos e explique-os.
5. Defina quantidade.
6. Distinga continente e contido. Dê exemplos e explique-os.
7. Defina lugar.
8. A partir da definição de lugar explique porque não é absurdo dizer que o Brasil
está simultaneamente no continente americano e no planeta Terra.
9. Segundo Jolivet, Locke teria feito a distinção das qualidades entre qualidades
primárias e secundárias. Na filosofia cartesiana, estas qualidades secundárias
foram conhecidas por res cogitans, ou seja, coisas que seriam produto da mente
humana não necessariamente reais. Com base nestas informações, dê alguns
exemplos de qualidades que não seriam consideradas necessariamente reais pelo
pensamento cartesiano.
10. Defina qualidade.
11. Com base no que foi visto, aponte a importância das qualidades para o estudo
das ciências exatas.
12. Quais são os três elementos de toda relação?
13. Distinga relação real de relação lógica.
14. Reflita sobre a importância das relações reais para a credibilidade das
conclusões de uma pesquisa científica.
15. Dê uma definição de relação.
16. Defina tempo.
17. Distinga tempo de duração.
Aula 5 (causalidade e necessidade; aplicações)
A última aula refletiu acerca das categorias, que, em outras palavras, referem-
se aos diversos tipos em que os acidentes podem se apresentar, assim, o último capítulo
tratou sobre características que dizem respeito a composição dos entes. O método
empregado na seção anterior se baseava na primeira característica do movimento,
aquela que afirma o movimento ser um ato do móvel. Foi graças a esta propriedade que
32
se pode procurar os diversos atos do móvel em relação ao movimento e, por
conseguinte, encontrar todos os tipos de acidentes, ou seja, conhecer melhor a
‗composição‘ dos entes.
Agora a proposta é analisar a segunda propriedade do movimento que é aquela
que afirma o ato do móvel ser o mesmo ato do motor. Nesta segunda característica do
movimento, verificou-se que o motor não pode comunicar ao móvel aquilo que, de
nenhum modo, faz-se presente nele. Isto significa que toda a perfeição existente do ato
do móvel se vê presente no motor, em outras palavras, a perfeição do móvel procede do
motor. A relação de dependência entre o móvel e o motor, intuitivamente, associa-se a
noção de causa. Segundo o senso comum toda vez que alguma coisa acontece sempre se
pergunta: o que causou isto? Esta noção do senso comum pode ser precisada pela
terminologia metafísica.
A primeira noção é: o efeito procede da causa. A expressão proceder de e vir
de são sinônimas de princípio. Isto significa que a causa é princípio do efeito.
Entretanto, há duas maneiras de algo ser princípio, a primeira delas é o princípio
positivo este é o caso daqueles princípios que dão algum ato, por exemplo, o jogador de
futebol dá à bola o movimento. A segunda maneira é o princípio negativo, este é o caso
daquele princípio que confere uma privação, por exemplo, o computador é princípio da
privação que algumas pessoas têm dele. Claramente se vê que a causa não pode ser
considerada princípio negativo, caso contrário, dever-se-ia afirmar a causa de haver
excluídos digitais ser os computadores.
A segunda noção é: o efeito só existe devido à causa. Isto quer dizer que o
efeito depende da causa. Entretanto, de várias maneiras distintas uma coisa pode
depender de outra, por exemplo, a saída para a praia depende de um dia ensolarado,
entretanto não é exatamente correto dizer que o dia ensolarado é a causa da ida praia.
Assim, a dependência que demanda causa exige um sentido mais forte que,
tradicionalmente, diz-se dependência no ser. No caso da ida a praia, o dia ensolarado
não é decisivo, mas a locomoção é. Diz-se que este fator decisivo é o fator pelo qual a
‗ida a praia‘ depende no ser. Deste modo, juntamente com Leo Elders, poder-se-ia
33
definir causa por princípio positivo de onde alguma coisa procede segundo dependência
no ser13
.
As quatro causas14
Causa eficiente
A partir da definição de causa encontrada no parágrafo precedente, pode-se
reconstruir a etiologia15
aristotélica. Para fazer esta reconstrução, vai-se partir da teoria
do movimento que se está vendo desde o início. A primeira coisa a perceber é que a
definição acima exige o motor ser causa do movimento do móvel. Isto claramente se
percebe pelo fato de que o motor é o princípio positivo de onde procede o movimento
do móvel segundo dependência no ser. É princípio positivo, pois confere o movimento
que é ato (perfeição); é dito que procede, pois a potência do móvel é atualizada pelo
motor e é dito depender no ser, pois todo móvel supõe um motor. Este tipo de causa que
gera o movimento é tradicionalmente chamado causa eficiente.
A causa eficiente pode ser principal ou instrumental, ela é dita principal,
quando age por sua própria virtude (o escritor, que faz um livro) e é dita instrumental,
quando está a serviço da causa principal (a caneta do escritor). É importante ressaltar
que a ação é comum a causa principal e a causa instrumental, vide o fato de que o
açougueiro corta a carne, mas a faca também o faz. Entretanto, sabe-se que o
açougueiro é a causa principal do ato e por isso a ação total se encontra nele, senão dir-
se-ia o corte revelar mais a amolação da faca do que a precisão do açougueiro.
Pode ser essencial e acidental. A causa essencial é aquela que produz o efeito
a que se ordena, por exemplo, a operação cirúrgica que cura o doente. A causa acidental
é aquela que não consegue tal, por exemplo, a mesma cirurgia matar o paciente. Estes
efeitos não tem razão de fim, pois se produzem fora da intenção do agente.
Pode ser primeira ou segunda. As causas serão primeiras ou segundas
conforme seja princípio primeiro ou intermediário da ação. Por exemplo, primeiramente
a casa provém do projeto do engenheiro, em segundo lugar, da astúcia dos pedreiros.
13
ELDERS, L.; The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinas in a historical perspective, p. 270. Or.:
principium positivum unde aliquid procedit secundum dependentiam in esse.
14
A descrição detalhada de cada uma das especificidades das causas eficientes segue um resumo do
trabalho de JOLIVET.
15
Estudo das causas
34
Causa Final
A causa eficiente é, pois, a causa do movimento. Entretanto, há um detalhe
importante, todo movimento exige um termo inicial e um termo final. Ora, o termo final
não pode ser uma potência, pois, como e viu, o fim do movimento é sempre um ato. Isto
significa o termo inicial ser uma potência. Como a condição de possibilidade de haver
potência é a existência dos atos, deve-se dizer que o termo inicial procede positivamente
do termo final. Pois, o termo final confere ao termo inicial a perfeição de ser potência,
na ausência de um termo final real esta potência seria apenas privação. Daí, segue a
dependência que o termo inicial tem com o termo final. Para facilitar a discussão, far-se-
á uso de um exemplo. Considere o seguinte movimento ‗uma bola é jogada na direção
de um animal‘. Neste caso, o termo inicial é a bola na mão de alguém e o termo final é o
animal. Se o animal a que se joga a bola for um elefante, então a bola na mão estará no
elefante em potência. Entretanto, se o animal for um dinossauro, então a bola na mão
não será uma potência, pois não existem mais dinossauros. Neste caso, a bola na mão
estará privada da presença do dinossauro, ou seja, deixa de ser potência e passa a ser
uma privação. Em suma, o termo final é causa do termo inicial que será nomeado por
causa final.
A causa final pode ser dividida entre fim da obra e fim do agente. O fim da
obra é o objetivo é o fim para o qual a obra está destinada. Por exemplo, dar esmolas, o
fim da obra é amenizar o sofrimento do pobre. O fim do agente é a intenção. Aquele
que dá esmolas pode fazê-lo para ser reconhecido. Neste caso o fim da obra não
coincide com o fim do agente, quando isso ocorre, diz-se o fim da obra ser um simples
meio.
Pode ser fim principal ou secundário, o fim principal é aquele visado
primeiramente antes dos outros, por exemplo, a defesa da pátria para um soldado. O fim
pode ser mediato ou derradeiro é mediato quando é um instrumento para atingir a
perfeição do agente e é derradeiro quando é, ele mesmo, a perfeição ou o bem do
agente, por exemplo, a felicidade.
Causa material
As duas causas supracitadas se referem ao movimento enquanto tal, mas não se
referem às características presentes nele. A primeira característica diz todo movimento
35
supor um sujeito. Desta característica, verificou-se a necessidade da matéria para
justificar as transformações substanciais. A principal característica da matéria é ser pura
potência, isto quer dizer que a partir dela qualquer coisa pode ser feita. Naturalmente,
intui-se a matéria ser aquilo de que as coisas são feitas. É interessante perceber que isto
também deve ser considerado causa, pois o móvel é constituído de matéria. Logo,
procede e depende dela. Isto leva a conclusão da terceira causa a que se pode ter notícia
que é a causa material.
Causa formal
O que se viu no parágrafo anterior revela que o móvel tem uma causa material,
entretanto a causa material é sempre potencial. Entretanto, não pode haver alguma coisa
que seja potência pura e exista de modo definido, pois a existência definida já é um ato.
Ora, isto significa que a causa material exige um termo que seja ato na composição,
para que o móvel seja algo específico. Como este segundo termo faz parte da
composição, dever-se-á considera-lo como causa pelos mesmos motivos alegados para a
causa material. Este segundo termo da composição será chamado causa formal.
Necessidade
Acerca da necessidade, deve-se dizer que algo pode ser dito necessário de quatro
modos, como diz o Angélico16
no comentário a Metafísica de Aristóteles. O primeiro
modo é aquilo sem o qual alguma coisa não pode viver ou ser17
, como exemplo se pode
citar a corrente sanguínea para o ser humano, pois sem ela o homem não pode viver. O
segundo se diz necessário aquilo sem o qual não pode ser ou ser feita alguma coisa boa,
evitar ou repelir alguma coisa má18
. Neste sentido se diz que o trabalho do homem lhe é
necessário para o sustento. O terceiro se diz necessário aquilo que infere violência e
ainda a própria violência recebe o nome de necessário19
. Neste sentido, diz-se
necessária a ação feita por meio de coação; como no caso em que se joga algo pesado na
direção contrária ao solo. No quarto se diz necessário aquilo que não se pode ter
contingentemente, isto é absolutamente necessário.20
Neste sentido, pode-se dizer
16
Cf. Sententia Metaphysicae lib. 5 l.6
17
Sententia Metaphysicae lib. 5 l.6 n.1 (Or. : sine quo non potest aliquid vivere aut esse)
18
Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.2 (Or. : sine quibus non potest esse vel fieri bonum aliquod,
vel vitari aliquod malum, vel expelli)
19
Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.3 (Or. : id quod infert violentiam, et etiam ipsa violentia
necessarii nomen accepit)
20
Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.6 (Or. : quod non contingitaliter se habere: et hoc est
necessarium absolute)
36
necessário todo o fato passado, como o fato de ter acordado hoje; pois diz o Doutor
Comum Deus não pode fazer com que o passado não tenha sido, pois isto inclui
contradição21
.
Por meio destes tipos de necessidade é possível relacioná-los com a noção de
causalidade vista na última seção. O que foi visto na causalidade é que existe uma
dependência entre o efeito e a causa. Esta dependência se dá de sorte que o efeito só
pode ser devido à causa. Logo, a causa é necessária ao efeito. Esta percepção entre
necessidade e causalidade é fundamental para toda a ciência, pois é devido à esta
propriedade que se podem enunciar leis da natureza. É porque existe necessidade entre
efeito e causa que se pode inferir que onde quer que haja um efeito haverá uma causa
que lhe seja correspondente. É graças a esta capacidade que se pode evocar a existência
de um necessário absoluto. Pois, se o mundo for considerado em ato, então deverá ser
um efeito. Se é efeito, então, necessariamente, há uma causa. Ora, a intuição diz que o
mundo é relativamente necessário, pois sem ele nada poderia viver ou ser. Isto significa
que a causa do mundo deve ser absolutamente necessária, pois da sua inexistência
procede à inexistência de todo o resto, portanto esta causa não pode ser contingente. Em
outras palavras, há um Absolutamente Necessário. Este absolutamente necessário Santo
Tomás de Aquino chamou Deus, formulando a chamada terceira via da existência de
Deus.
Aplicações
Toda esta introdução a metafísica tem por função permitir que aquele que
estuda entender o conteúdo abordado nos textos antigos, em especial, da Suma
Teológica de Santo Tomás e a refletir criticamente o pensado naquela época em
comparação ao visto hoje. Serão, na realidade, exercícios em que se quer interpretar de
maneira contemporânea os conhecimentos antigos.
Os textos selecionados se vinculam, de algum modo, com conteúdos abordados
durante o curso. O primeiro texto se refere ao problema acerca da necessidade de haver
uma ciência da sagrada doutrina, ou seja, responde a pergunta acerca da cientificidade
da teologia. Isto é muito importante, caso contrário, todo o estudo teológico poderia ser
considerado uma inutilidade sem fim.
21
Contra Gent. II, cap. 25, 13
37
Texto 1
O primeiro discute-se assim — Parece desnecessária outra doutrina além das disciplinas
filosóficas.
1. — Pois não se deve esforçar o homem por alcançar objetos que ultrapassem a razão,
segundo a Escritura (Ecle. 3, 22): Não procures saber coisas mais dificultosas do que as
que cabem na tua capacidade. Ora, o que é da alçada racional ensina-se, com suficiência,
nas disciplinas filosóficas; logo, parece escusada outra doutrina além das disciplinas
filosóficas.
2. — Ademais, não há doutrina senão do ser, pois nada se sabe, senão o verdadeiro, que
no ser se converte. Ora, de todas as partes do ser trata a filosofia, inclusive de Deus; por
onde, um ramo filosófico se chama teologia ou ciência divina, como está no Filósofo1.
Logo, não é preciso que haja outra doutrina além das filosóficas.
Mas, em contrário, a Escritura (2 Tm 3, 16): Toda a Escritura divinamente inspirada é
útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça. Porém, a
Escritura, divinamente revelada, não pertence às disciplinas filosóficas, adquiridas pela
razão humana; por onde, é útil haver outra ciência, divinamente revelada, além das
filosóficas.
SOLUÇÃO. — Para a salvação do homem, é necessária uma doutrina conforme à
revelação divina, além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque,
primeiramente, o homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão
racional, segundo a Escritura (Is 64, 4): O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens
preparado para os que te esperam. Ora, o fim deve ser previamente conhecido pelos
homens, que para ele têm de ordenar as intenções e atos. De sorte que, para a salvação do
homem, foi preciso, por divina revelação, tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades
superiores à razão. Mas também naquilo que de Deus pode ser investigado pela razão
humana, foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina. Porque a verdade
sobre Deus, exarada pela razão, chegaria aos homens por meio de poucos, depois de
longo tempo e de mistura com muitos erros; se bem do conhecer essa verdade depende
toda a salvação humana, que em Deus consiste. Logo, para que mais conveniente e segura
adviesse aos homens a salvação, cumpria fossem, por divina revelação, ensinados nas
coisas divinas. Donde foi necessária uma doutrina sagrada e revelada, além das
filosóficas, racionalmente adquiridas.
DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora se não possa inquirir pela
razão o que sobrepuja a ciência humana, pode-se entretanto recebê-lo por fé divinamente
revelada. Por isso, no lugar citado (Ecle 3, 25), se acrescenta: Muitas coisas te têm sido
patenteadas que excedem o entendimento dos homens. E nisto consiste a sagrada
doutrina.
RESPOSTA À SEGUNDA. — O meio de conhecer diverso induz a diversidade das
ciências. Assim, o astrônomo e o físico demonstram a mesma conclusão, p. ex., que a
terra é redonda; se bem o astrônomo, por meio matemático, abstrato da matéria; e o
físico, considerando a mesma. Portanto, nada impede que os mesmos assuntos, tratados
nas disciplinas filosóficas, enquanto cognoscíveis pela razão natural, também sejam
objeto de outra ciência, enquanto conhecidos pela revelação divina. Donde a teologia,
atinente à sagrada doutrina, difere genericamente daquela teologia que faz parte da
filosofia.22
22
S. Th. I q.1 a.1 (Trad. Permanência)
38
O texto 2 versa sobre a afirmação de que Deus é infinito e perfeito, isto seria
uma contradição sob a ótica materialista pré-socrática. A importância desta questão é a
inferência de que a infinidade de Deus procede da sua imaterialidade.
Texto 2
SOLUÇÃO – Todos os filósofos antigos, considerando como as causas efluem,
indefinidamente, do primeiro princípio, atribuem-lhe com razão a infinidade, segundo
refere Aristóteles. Mas, como certos erraram sobre a natureza desse princípio,
consequentemente, tinham que errar em relação à sua infinidade. Assim, considerando o
primeiro princípio, matéria, atribuíram-lhe logicamente a infinidade material, dizendo que
o primeiro princípio das coisas é um corpo infinito.
Ora, devemos considerar, que se chama infinito ao que não é finito; e que de certo modo,
a matéria é limitada pela forma e esta, por aquela. A matéria, pela forma, porque antes de
receber a esta, é potencial em relação a muitas formas; mas, desde que recebe uma fica
por essa limitada. A forma, de seu lado, é limitada pela matéria enquanto que, em si
mesma considerada, é comum a muitos seres; mas, uma vez recebida numa matéria,
torna-se determinadamente a forma de um certo ser. A matéria, ademais se aperfeiçoa
pela forma que a delimita. Por onde, o infinito atribuído à matéria é algo de imperfeito,
pois é quase a matéria sem forma.
A forma, porém, não é aperfeiçoada pela matéria; antes, esta lhe contrai a amplitude.
Portanto, o infinito resultante da forma não determinada pela matéria tem caráter de
perfeito. Ora, o que é formal, por excelência, é o ser em si mesmo, como do sobredito se
colhe. E como o ser divino não é recebido em nenhum outro, mas é o seu próprio ser
subsistente, como já demonstramos, é manifesto que Deus é infinito e perfeito.23
O texto 3 versa sobre a primeira via da existência de Deus, este é o artigo mais
famoso da Suma Teológica. Eles entraram para a história como as chamadas provas da
existência de Deus. Não é necessário evidenciar a importância deste artigo, pois é a
partir do reconhecimento da existência de Deus que todo o resto faz sentido.
Texto 3
A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado
pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro
o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é
movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da
potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em
cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e
potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido
atual não pode ser simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é
impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de
vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há-de sê-lo por outro. Se, portanto, o
motor também se move, é necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se
pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por
consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão movidos
pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário
23
S.Th. I q.7 a.2 (trad. Permanência)
39
chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de
Deus.24
O texto 4 versa sobre as relações entre as pessoas da trindade. O estudo
sistemático da trindade sempre foi uma dificuldade para os teólogos. Neste artigo, Santo
Tomás pretende mostrar que as relações na trindade são reais e não meramente lógicas.
É muito importante verificar o quanto isto é razoável, pois, como mostra o próprio
artigo, dizer o inverso é cair em uma heresia.
Texto 4
Mas, em contrário, o pai é assim chamado por causa da paternidade; e o filho, por causa
da filiação. Se, pois, em Deus não há realmente nem paternidade nem filiação, segue-se
que Deus não é realmente Pai nem Filho, mas somente segundo a noção de inteligência, o
que é a heresia sabeliana.
SOLUÇÃO. — Certas relações existem realmente em Deus, o que se evidencia
considerando que só nas coisas relativas a outras encontram-se relações só de razão e não,
reais. O que não existe nos outros gêneros; pois, estes, como a quantidade e a qualidade,
na sua noção própria, significam o que é inerente a um sujeito. Ora, as coisas relativas a
outras exprimem, na sua noção própria, só tal relação. E tal relação está, às vezes, na
própria natureza das coisas; como p. ex., nas que por natureza se coordenam e têm
inclinação umas para as outras; e essas relações são necessariamente reais. Assim, p. ex.,
o corpo pesado tem inclinação e tendência para o centro e por isso há uma relação entre
aquele e este; e o mesmo se dá em casos semelhantes. Outras vezes, porém, a relação
expressa pelas coisas relativas a outras só existe na apreensão mesma da razão,
comparando umas com as outras; e neste caso a relação é somente de razão, como
quando, p. ex., a razão compara o homem com o animal e a espécie, com o gênero. Mas
quando uma coisa procede de um princípio da mesma natureza, necessariamente ambos, o
procedente e o princípio da processão, devem convir na mesma ordem, e assim é
necessário tenham mútuas relações reais. Ora, como em Deus as processões existem na
identidade de natureza, como mostramos, necessariamente serão reais as relações
admitidas nas processões divinas.25
O texto 5 versa sobre a discussão se o bem pode ser causa do mal. A
importância desta questão é sobre a origem do mal, pois diz-se que tudo que Deus fez é
bom e ao mesmo tempo se percebe o mal no mundo. Daí, procede o problema: como
pode o bem causar o mal? Esta questão se propõe a resolver isto.
Texto 5
SOLUÇÃO. – É forçoso admitir-se que todo mal tenha, de certo modo, causa. Pois, o mal
é a falta do bem natural ao ser e que este deve ter. Mas a deficiência de um ser, em
relação à sua natural e devida disposição, só pode provir de alguma causa que o arrasta
contrariamente à sua disposição; assim, um grave não pode mover-se para cima senão por
uma causa que o impele; e a ação do agente só é deficiente, por algum impedimento. Ora,
só o bem pode ser causa, porque nada é causa senão enquanto ser, e todo ser, como tal, é
24
S.Th. I q.2 a.3 (trad. Permanência)
25
S. Th. I q.28 a.2 (trad. Permanência)
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Introdução à Metafísica Clássica

  • 1. SEMINÁRIO SÃO JOSÉ Introdução a Metafísica Apostila Wagner Augusto Moraes dos Santos 14/07/2014 A proposta deste trabalho é explorar os conteúdos da metafísica clássica a partir de uma abordagem diferente em que a teoria do movimento tem a preeminência metodológica. Tal postura tenta aproximar os conceitos da cosmologia clássica aos métodos modernos das ciências exatas.
  • 2. 2 SUMÁRIO AULA 1 (INTRODUÇÃO) ____________________________________________________ 3 OS OBJETOS DA FILOSOFIA_____________________________________________________ 3 HIERARQUIA DAS CIÊNCIAS____________________________________________________ 5 O MÉTODO _________________________________________________________________ 7 PERGUNTAS _________________________________________________________________ 9 AULA 2 (HISTÓRIA) ________________________________________________________ 9 AS PRIMEIRAS CONCEPÇÕES ___________________________________________________ 9 O TRÍPLICE PRINCÍPIO ARISTOTÉLICO __________________________________________ 12 SOLUÇÃO DO PROBLEMA PRÉ-SOCRÁTICO _______________________________________ 14 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 16 AULA 3 (MOVIMENTO) ____________________________________________________ 17 DEFINIÇÃO DE MOVIMENTO___________________________________________________ 17 O MOTOR E O MÓVEL ________________________________________________________ 19 AS ESPÉCIES DE MOVIMENTOS_________________________________________________ 22 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 23 AULA 4 (AS CATEGORIAS)_________________________________________________ 24 ACIDENTES QUE VARIAM COM O MOVIMENTO ____________________________________ 25 ACIDENTES QUE SÃO TERMOS FINAIS DE MOVIMENTOS ____________________________ 28 ACIDENTES QUE ESTÃO CONTIDOS NOS MOVIMENTOS _____________________________ 30 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 31 AULA 5 (CAUSALIDADE E NECESSIDADE; APLICAÇÕES)____________________ 31 AS QUATRO CAUSAS _________________________________________________________ 33 NECESSIDADE ______________________________________________________________ 35 APLICAÇÕES _______________________________________________________________ 36 PERGUNTAS ________________________________________________________________ 40 BIBLIOGRAFIA ___________________________________________________________ 42
  • 3. 3 Introdução a Metafísica Aula 1 (Introdução) Os objetos da filosofia No mundo moderno, parece cada vez mais difícil perceber a importância de disciplinas reflexivas como a filosofia e a teologia. É comum tratá-las como matérias a serem aprendidas por religiosos ou por intelectuais prolixos que não precisam se preocupar com dinheiro. Por esta via, é comum que se alimente o pensamento de que o filósofo é uma pessoa que fala de modo enrolado sobre coisas que não interessam a ninguém, mais ainda o teólogo que se prontifica a ensinar aquilo que ele próprio admite não conhecer. Entretanto, pode-se perguntar, afinal, o que é a filosofia? Ora, faz-se necessário encontrar alguma forma para descobrir isto, caso contrário permanecerá vigente o supracitado estereótipo. Pode-se usar um método de comparações para descobrir o que seja a filosofia. É muito simples, em primeiro lugar, deve-se ter em mente as coisas que são tacitamente sabidas, depois deve-se usar estas coisas para obter informações daquilo que não se sabe. Por exemplo, é sabido que a matemática é a ciência que estuda os números, as figuras e as suas relações; é sabido que a física é a ciência que estuda os fenômenos naturais e suas causas; é sabido que a biologia é a ciência que estuda os seres vivos etc. Este foi o primeiro passo – levantar informações. O segundo é usá-las para descobrir o que ainda não se sabe. Como fazer isto? Ora, quer-se saber o que é a filosofia, entretanto se sabe o que são as outras ciências; pode-se perguntar: como se descobriu o que são as outras ciências? A resposta seria: sabe-se o que são as outras ciências a partir da ação dos seus especialistas. Por exemplo, Pitágoras é um matemático e se sabe que ele tratou da relação entre figuras e números, Einstein foi um físico e tratou dos fenômenos da natureza. Ou seja, a ação daqueles que exercem o pensamento sistemático em uma área vai definindo o que a área é. Deste modo, a maneira para saber o que seja a filosofia passa pelo conhecimento do que trataram os filósofos. Mas, os filósofos falaram sobre o quê? Ora, sobre todas as coisas. Houve filósofo que tratasse da natureza, houve filósofo que tratasse do homem e houve filósofo que tratasse das coisas imateriais, por esta via se
  • 4. 4 encontra o objeto de pesquisa da filosofia – que, na tradição escolástica, é chamado objeto material. Entretanto, restaria um problema nesta definição, pois ao estudar todas as coisas o filósofo também estudaria, por exemplo, os fenômenos naturais e suas causas, logo o filósofo seria o físico. O que seria um problema, pois claramente se vê que fazem coisas completamente diferentes. Então, deve haver nos filósofos algo que os distinga das outras áreas. Esta distinção ocorre na maneira que o filósofo aborda os temas, por exemplo, o filósofo trata os fenômenos naturais de modo a tirar deles a sua causa última ou o significado que tais fenômenos têm para a vida humana, ou seja, trata dos fenômenos naturais enquanto se relacionam com todo o conhecimento humano, já o físico estuda os fenômenos por eles mesmos. Fazendo esta análise com as outras áreas, percebe-se que o filósofo sempre está interessado nas coisas enquanto se relacionam com outras. Esta capacidade de se relacionar com outras é bastante interessante, pois quanto mais específica se torna uma área menos capacidade ela tem de se relacionar com as outras, por exemplo, a ciência da cabeça de um parafuso se relaciona menos com as outras ciências do que as Leis de Newton – que são usadas até para explicar certos fenômenos cardiovasculares. Isto quer dizer que as Leis de Newton estão mais próximas da reflexão filosófica do que a cabeça do parafuso. Um dado importante a se ter é que a ciência da cabeça do parafuso é construída a partir das Leis de Newton. Isto nos leva a intuição de que se aproxima mais da reflexão filosófica aquilo que mais se aproxima dos princípios, devido à capacidade relacional destes últimos. Ora, assim se torna claro que o objeto da filosofia é o estudo dos princípios primeiros ou das causas últimas. Este objeto é tradicionalmente chamado de objeto formal. Assim, pode-se definir filosofia como a ciência que estuda os primeiros princípios e as causas últimas de todas as coisas. Esta definição clássica de filosofia parece completamente ultrapassada, pois muitos filósofos discordaram incessantemente da existência dos princípios primeiros da existência de alguma causa. Esta definição só pode ser considerada como ultrapassada se se assente que o significado das palavras usadas na definição é unívoco, ou seja, se ‗princípio‘ e ‗causa‘ forem entendidos apenas sob o aspecto aristotélico; entretanto, não é necessário que o seja, pois não é impossível que um autor opte por tratar ‗princípio primeiro‘ como o homem ou tratar ‗causa última‘ como os desejos humanos. É claro
  • 5. 5 que o autor que, inconscientemente, faz isso muda completamente o método de fazer filosofia, mas não muda a sua definição, somente os sentidos dos elementos que a compõem. É interessante tentar ler a história da filosofia por este prisma, pois facilita o entendimento do motivo da existência de múltiplas escolas de pensamento, bem como possibilita o leitor a se posicionar diante delas. É sempre útil perceber que a variedade das escolas filosóficas não é uma espécie de ode ao relativismo, mas sim formas distintas para tentar atingir os princípios primeiros. Dentre as múltiplas escolas existentes há uma que se destaca entre os cristãos devido a sua influência na teologia católica, esta escola é o aristotelismo. Exatamente por isso que, neste curso, se entenderá a definição dada segundo o viés aristotélico-tomista. Ainda que esta não seja a linha de pensamento mais usada no mundo, ao menos, terá a sua utilidade histórica, dado facilitar a compreensão do que passava na mente dos pensadores católicos entre os séculos XV – XIX. Hierarquia das Ciências Seguindo a linha de pensamento aristotélico-tomista existe uma hierarquia das ciências, ou seja, há ciências que são mais nobres do que outras. Segundo este pensamento é possível hierarquizar a ciência segundo os objetos formais de cada uma. A maneira mais fácil de entender como se dá esta hierarquia é através de um exemplo. Imagine que se está diante de um prédio, então poder-se-ia perguntar: quem construiu isto? Uma possível resposta seria: os pedreiros, bombeiros hidráulicos e outros profissionais da construção civil. Entretanto, como seria possível que um número grande de pessoas que pensam diferente pudesse fazer algo uniforme? Logo, a única possibilidade de o prédio existir de modo uniforme é que haja um pensamento comum, que geralmente se chama projeto. Assim, o projeto garante a ordem necessária para a existência do prédio. Entretanto, o projeto geralmente não é feito por nenhum destes executores, mas sim pelo engenheiro civil. Deste modo, o saber do engenheiro civil é, em certo sentido, mais nobre, pois o saber dos operários depende daquele, enquanto o saber do engenheiro não depende
  • 6. 6 diretamente do saber dos operários1 . Pode-se perguntar ainda: o projeto do engenheiro é baseado em quê? Esta pergunta se refere ao fato de que o projeto não pode ser feito sem que haja a certeza de que, quando executado, o que foi pensado estará completamente realizado. Entretanto, de onde vem a certeza de que o projeto feito não vai levar o prédio a queda? Ora, o engenheiro considera os resultados obtidos pelos pesquisadores como verdadeiros e os usa sem questionar. Assim, o engenheiro precisa do saber do cientista para poder exercer o seu saber de projetar, enquanto o cientista não precisa diretamente do saber do engenheiro. Isto indicaria que o cientista possui um conhecimento mais nobre que o engenheiro. O saber do engenheiro depende do cientista de dois modos, o primeiro naquilo que tange as propriedades intrínsecas a sua profissão, por exemplo, saber a grossura de uma viga para que o prédio não caia. O segundo naquilo que tange a finalidade do seu projeto, por exemplo, saber que o prédio projetado deve favorecer a melhor vida possível para os homens que ali estarão. Isto quer dizer que o engenheiro estará na dependência do saber que versa sobre a natureza (física, química, matemática etc.) e na dependência de ciências que versam sobre a boa vida para o homem (psicologia, medicina, sociologia etc.) Quanto aos cientistas, deve-se perguntar: em que está fundada a veracidade de suas conclusões? Ou seja, por que a ciência é confiável? Geralmente, a confiabilidade dos dados científicos reside na confiança que se tem nos seus métodos. Por exemplo, o mundo confia no físico porque confia no método científico. A maior prova disto é que uma teoria só é institucionalizada depois que se faz um experimento que a confirme, ou seja, quando o método é usado por completo. Assim, o saber do cientista depende de um método que, por sua vez, não é feito por um cientista, mas sim por um filósofo. Um caso clássico disso é a própria institucionalização do método científico que foi organizada primeiramente por Robert Bacon no seu livro Novus Organum – é interessante ressaltar que Bacon era filósofo e nunca usou o método que ele mesmo propôs. Assim, a filosofia se apresenta como um saber mais nobre que a ciência. 1 É importante não confundir a hierarquia dos saberes com a realização, pois realizar é retirar algo da abstração e tornar factível, ou seja, transformar a ideia em coisa. Nesta ordem, é obvio que o operário realiza mais que o engenheiro.
  • 7. 7 Isto põe a filosofia como o saber mais elevado entre as ciências, ainda que esteja incluída entre o saber menos importante no nível da realização. A filosofia, por estudar todas as coisas, ainda pode ser hierarquizada segundo as suas subáreas. Afinal, pode-se ter filosofia da ciência, filosofia da história etc. Como hierarquizá-las? Como se viu, o modo de construir a hierarquia é percebendo que as ciências dependentes são menos nobres do que as mais dependentes. A formulação dos métodos depende da concepção que se tem de quais sejam os princípios primeiros da ciência a que se está estudando, por exemplo, no caso do método científico se quer estudar o real que pode ser percebido pelos sentidos, daí segue a necessidade de uma confirmação empírica para tudo que é proposto. Entretanto, a filosofia que estuda o real sensível não está sujeita a outra coisa senão a própria filosofia do real. Isto quer dizer que a ciência, mas nobre é aquela que estuda os princípios primeiros de todos os princípios das ciências. Em outras palavras, se a filosofia é a ciência mais nobre, então a filosofia da filosofia é a mais nobre de todas as especulações filosóficas – este saber é denominado por metafísica. É com esta ciência que é possível estudar teodiceia, que é a disciplina que versa sobre Deus de modo filosófico, ou seja, é a disciplina pré-teológica. Além de ser a matéria principal no estudo das obras de Santo Tomás. O Método Depois de entender de que a metafísica trata, faz-se necessário saber: como é possível desenvolver uma ciência que fale sobre os princípios da própria filosofia? A primeira coisa a fazer é desenvolver um método seguro, para que as respostas encontradas não se tornem pura imaginação. O método a ser empregado é aquele dado por Aristóteles na introdução da sua Física. Segundo o Estagirita, a via natural consiste em ir desde o que é mais cognoscível e mais claro para nós até o que é mais claro e mais cognoscível por natureza2 . Em outras palavras, começa-se daquilo que é conhecido para atingir o que é desconhecido3 . O principal exemplo do uso deste método foi o desenvolvimento do texto usado na seção anterior, onde se partiu do conhecimento acerca das ciências conhecidas para identificar o que era a filosofia. Ou 2 Aristóteles, Fis. I cap.1 3 Embora não seja a hora de tratar da distinção entre o ―mais cognoscível para nós‖ em comparação com o ―mais cognoscível por natureza‖, pode-se entendê-la através de um exemplo. No caso do prédio que foi mencionado no início, é ―mais cognoscível para nós‖ o número de andares que existe naquele prédio do que os princípios matemáticos presentes na sustentação das vigas; entretanto, estes princípios matemáticos são extraídos de coisas muito mais simples do que um prédio, logo estes princípios são muito mais ―cognoscíveis por natureza‖ do que o prédio.
  • 8. 8 seja, partiu-se do que se sabia para chegar ao que não se sabia. Naquele momento o método foi aplicado sem que se expusesse seus elementos, que são três: indução, analogia e dedução. Em sentido lato, a indução consiste na coleta ordenada de informações. No problema usado na seção anterior esta coleta ordenada de informações consistiu em enumerar os saberes e expor suas definições. A analogia é uma afirmação que ressalta, na relação entre as coisas, um ponto de similitude e outro de diferença. Por exemplo, quando se diz ―a criança nasceu a cara do pai‖ não se quer dizer que o rosto da criança e o do pai são exatamente iguais, mais sim que há uma grande semelhança entre eles, ou seja, se reconhece a semelhança apesar da diferença. Esta afirmação é uma analogia. Na seção anterior, esta parte do método foi aplicado implicitamente no momento em que se considerou a filosofia como uma ciência; pois, a analogia se baseia na semelhança de que a filosofia e as ciências constituem saberes que devem ser levados a sério. A dedução consiste na consequência lógica das premissas. Na seção anterior, foi usada no momento em que se verificou que a maneira de saber o que é a filosofia era descobrir os assuntos que foram tratados pelos filósofos. Esta, pois, constitui uma consequência lógica das premissas ‗as ciências são caracterizadas pelos seus especialistas‘ e ‗ a filosofia é uma ciência‘, ambas obtidas por indução e analogia. Por meio destes três instrumentos se constrói a metafísica. O próximo passo é começar a aplicar o método, entretanto antes de fazê-lo é importante refletir acerca da credibilidade do método. Naquilo que tange a indução e a dedução não há muito questionamento no mundo de hoje, devido à aceitação do método científico que funciona a partir de coleção de dados adicionado de demonstração matemática. Entretanto, a analogia permanece obscura para a maior parte das pessoas. Embora não seja um conhecimento comum a maior parte das pessoas, a analogia também é usada, em larga escala, na ciência atual. Isto é percebido claramente nas modernas teorias físicas que trabalham com fenômenos invisíveis; a modelagem matemática criada nestas teorias, geralmente, é feita a partir da semelhança que o sistema invisível deve conservar dos sistemas visíveis. Ou seja, a única forma de tratar estes sistemas é considerá-los a partir de uma analogia. É óbvio que a semelhança com o método científico não é garantia de credibilidade do método, mas o fato de perceber que os elementos que estão no método da metafísica estão também no método científico
  • 9. 9 leva a reflexão de que questionar a metafísico também deveria significar um questionamento a própria ciência. Passado o problema de assentar bem as bases para o estudo, deve-se perguntar: por onde começar? Se deve começar daquilo que é mais conhecido. Duas coisas podem ser verificadas neste nível: o mundo e eu. Estas duas coisas parecem claramente percebidas, há um mundo e há um eu que percebe este mundo. Tanto um lado quanto o outro poderão gerar reflexões interessantes, entretanto naquilo que tange a metafísica aristotélico-tomista o ponto de partida é a percepção do que seja o mundo. Não só naquilo que tange ao pensamento supracitado, mas também acerca da história, pois a primeira máxima filosófica foi sobre o mundo (tudo é água). Este último assentimento define o interesse deste curso, pois é necessário conhecer os princípios do mundo para que se possa chegar à reflexão acerca dos princípios de tudo. Por isso, também, o curso de introdução à metafísica é uma espécie de reflexão acerca de quais sejam os princípios do mundo. Perguntas 1. Comente acerca da relação entre a filosofia e as ciências. 2. Distinga objeto formal de objeto material. Se possível aplique isto a um exemplo. 3. Comente a frase ―a metafísica é a filosofia da filosofia‖. (Faça uma comparação com a filosofia da ciência, filosofia da natureza etc.) 4. Reflita acerca da hierarquia das ciências. 5. Em uma discussão é comum confundirem hierarquia das ciências com dignidade das profissões. Crie um discurso que desfaça o mal entendido. 6. Fale sobre a credibilidade do método empregado pela metafísica. Aula 2 (História) As primeiras concepções Antes de tratar dos temas especulativos é importante tratar da evolução histórica do pensamento acerca do mundo. A primeira reflexão feita acerca do mundo se deve aos pré-socráticos que se propuseram a discutir sobre qual seria a origem do cosmo. Esta discussão foi travada por duas grandes linhas de pensamento: os monistas e os pluralistas. Os monistas pensavam que o cosmo provinha de uma única matéria primordial que era chamada de arkhé. É muito possível que partissem da análise de que o universo
  • 10. 10 é um, portanto, seu princípio deve se assemelhar ao que é agora, ou seja, um. É a afirmação ‗tudo é um‘ que coloca os pré-socráticos no Hall dos filósofos. Esta originalidade dos pré-socráticos é fundamental para estudá-los seriamente, pois se se esquece que eles são filósofos e que estão refletindo acerca de coisas que julgam fundamentais não se perceberá que afirmações como tudo é água, tudo é fogo, tudo é o indeterminado etc. não se referem à água ou ao fogo, mas sim ao comportamento do que seja a matéria primordial. É comum fixar-se no nome que os monistas dão à matéria primordial e esquecer-se da inferência fundamental de que estão assumindo, que é a existência de um princípio primeiro. Sob este aspecto que alguns pesquisadores tendem a interpretar as afirmações dos monistas como uma discussão acerca de qual seria o nome mais apropriado ao princípio. Em outras palavras, quando Tales de Mileto diz ‗tudo é água‘ ele quer dizer que tudo provém de uma matéria primordial que é maleável como a água. O mesmo se deve dizer dos outros pensadores quando afirmam tudo é fogo, tudo é ar etc. É interessante perceber que para estes o princípio primeiro é a matéria, algo muito semelhante ao que se diz no mundo de hoje; provavelmente este tipo de doutrina apareceria no mundo de hoje como tudo é hidrogênio, tudo é próton, tudo é glúon etc. Parmênides se destaca entre os monistas pelo problema filosófico que gerou; sua percepção foi tão inovadora que para responder suas objeções os pré-socráticos mudaram a direção da pesquisa acerca dos princípios. Parmênides afirmou que tudo é e o nada não é. Embora esta máxima pareça uma obviedade dentro dela há uma série de consequências interessantes. A frase tudo é e o nada não é indica senão tudo é o ser e nada é o não-ser. Assim, dever-se-ia dar à matéria primordial o título de ser. Entretanto, isto gera um grande problema, pois o ser deve ser imutável. Afinal, mudar é deixar de ser o que é para tornar-se o que não é, por exemplo o estudante de direito que deixa de ser estudante para se tornar advogado. Ora, o ser só poderia se tornar o não-ser, que por sinal não existe. Logo, o ser não pode se mover. Esta imutabilidade do ser destrói todo o sistema monista de pensamento. Pois, se a matéria primordial é o ser. Como se poderia explicar que as coisas hoje sejam distintas da matéria primordial? A única explicação possível é que aquela matéria primordial se tornou o mundo de hoje, mas então se deveria dizer que ela mudou. Isto gera uma contradição, pois, por um lado se deve dizer que a matéria primordial é o ser e por outro se deve dizer exatamente o contrário.
  • 11. 11 Desta aporia, problema sem solução, nasce a corrente dos pluralistas que se propõem a responder a pergunta de Parmênides. A solução que encontraram foi afirmar que ao invés de um princípio deveriam haver múltiplos, isto era defendido pelos pluralistas. A proposta pluralista era considerar que há múltiplos elementos primordiais e que eles se unem para formar o mundo de hoje. Neste caso a matéria primordial permaneceria imutável, como era previsto por Parmênides, ainda que a constituição do mundo não. A escola pluralista mais famosa foi a escola atomista criada por Demócrito e Leucipo. É interessante perceber que a constituição do mundo a partir de átomos foi prevista no período pré-socrático. Afirmações como: o mundo foi gerado ao acaso através da união dos átomos; os sentimentos podem ser explicados através de movimentos atômicos etc. estão todas elas previstas em Demócrito e Leucipo, ainda que não tivessem a tecnologia nem a descrição matemática que se tem hoje. A concepção pluralista do mundo aparentemente resolve o problema da imutabilidade da matéria primordial, mas não consegue resolver o problema do movimento. Pois, é necessário que os múltiplos princípios se movimentem para mudar a constituição do mundo. O problema é que, em tese, a primeira distribuição dos átomos deve constituir o ser, ora se o ser é imutável, então esta distribuição também deveria ser imutável. Isto indica que o mundo deveria ser o mesmo sempre, o que nitidamente não é a verdade. A primeira teoria revolucionária acerca deste problema dos primeiros princípios se deve a Platão. Tradicionalmente, diz-se que a cosmologia platônica se encontra resumida no diálogo Timeu. Neste diálogo, Platão defenderia que todas as coisas são compostas de dois princípios: a matéria e a forma (ideia). A matéria seria a parte maleável e a forma a parte que define as coisas. Por exemplo, a estátua de mármore do imperador. Nela estão presentes a matéria (mármore) e a forma (imagem do imperador). Para Platão, as duas permaneciam separadas no início, mas, devido à ação de um demiurgo as formas puderam ser comunicadas a matéria. Isto se dá em analogia ao que acontece com a estátua, pois em um determinado momento o bloco de mármore (matéria) se encontra separado da imagem do imperador (forma) e, posteriormente, pela ação de um artista (demiurgo) as duas são percebidas juntas. Esta percepção de Platão é muito interessante, pois concebe a existência de um princípio imaterial como componente do mundo. Nisto se põe em oposição aos pré-
  • 12. 12 socráticos que concebiam que o primeiro princípio deveria ser uma matéria primordial. Agora, em Platão, os princípios são ao menos dois: a matéria e a forma. Mas, a prioridade está na forma. Isto quer dizer que a verdade está na ideia e não no composto. Por exemplo, quando se vê um homem a verdade sobre ele não está no próprio homem, mas sim na forma da qual é cópia. Por isso que se entende o mundo visível como sendo uma cópia do mundo real que é o mundo das ideias. Neste mundo as ideias são imutáveis, eternas, perfeitas etc. Deste modo, parece ter-se resolvido o problema, pois o mundo visível teria se dado por um processo de cópia do mundo real que é imóvel, eterno e perfeito, como havia sido proposto por Parmênides. Esta cosmologia foi muito atacada por Aristóteles nos livros da Física e da Metafísica, neste segundo livro ele dispõe de vários argumentos contrários a cosmologia platônica. Um dos mais famosos é o argumento do terceiro homem. O argumento consiste em perceber que afirmar o mundo visível ser cópia do mundo das ideias implica a multiplicação infinita das formas; pois, supondo haver múltiplos homens então deve haver uma forma de homem da qual todos participam, entretanto, possuir a forma de homem já é uma forma, então dever-se-ia cogitar a existência da forma de possuir a forma de homem, esta segunda forma seria o terceiro homem. Como este processo poderia ir ao infinito Aristóteles tratou por inconsistente a cosmologia platônica e formulou uma cosmologia própria. O tríplice princípio Aristotélico Para encontrar quais devam ser os princípios da natureza, pode-se fazer uso do método que foi disposto na primeira seção. Isto quer dizer que a primeira coisa a fazer é elencar as coisas que tacitamente se sabe, neste caso, o mundo é real e nele há movimento. É exatamente por isso que a conclusão dos Eleatas (Parmênides e seus discípulos) é um contrassenso que é refutado pelo mais simples perceber dos sentidos. Entretanto, o fato de perceber que a tese dos Eleatas é um contrassenso não resolve o problema dos princípios, antes o aprofunda. Pois, agora se faz necessário entender quantos e quais são os princípios, de sorte que sejam respondidas as objeções dos Eleatas. Este é o primeiro problema a que Aristóteles se propõe a resolver na sua Física, pois daí se pode entender todo o resto. Isto fica mais claro a partir do que fala H. D. Gardeil no seu livro introdução a filosofia de Santo Tomás de Aquino. Neste livro, ele chama a atenção para a imanência destes princípios; isto quer dizer que Aristóteles
  • 13. 13 estaria procurando algo semelhante ao que hoje se entende por ‗átomos‘. Ou seja, coisas reais que compõem tudo o que existe. É importante frisar que os princípios não são coisas do passado como uma matéria primordial, mas sim coisas que estão presentes no mundo até agora. É exatamente por causa disso que se pode estudá-los de modo rigoroso. O rigor é fundamental para que não se confunda a cosmologia (estudo sistemático da natureza) com a cosmogonia (história de como o mundo foi criado). A primeira percepção é que não se pode conceber que tudo que há no mundo é produto de um único princípio, pois isto, como se viu, conduziria ao contrassenso de Parmênides. Assim, os princípios serão pelo menos dois, entretanto se forem dois dever- se-á garantir que um não seja princípio do outro. Por exemplo, se fosse dito que no mundo há dois princípios o hidrogênio e o próton, então se diria haver, na realidade, apenas um, pois o hidrogênio é feito de próton. Por isso, Aristóteles, seguindo os antigos, afirma que os princípios devem ser contrários, pois não é possível que os contrários sejam mutuamente compostos. Por exemplo, não é possível que o calor seja composto de frio e vice-versa. Assim, há pelo menos dois princípios contrários. Entretanto, há um problema naquilo que tange a conceber a existência de princípio contrário, pois os contrários não subsistem juntos, por exemplo, o calor extremo e o frio extremo são contrários quando colocamos um junto ao outro os dois desaparecem. Isto significa que, se fosse considerado a existência apenas de dois princípios o mundo não poderia subsistir. Daí, se deve conjecturar a existência de um terceiro princípio que consiga ser o meio termo entre os contrários este princípio será chamado sujeito. De fato o quente e o frio se aniquilam quando se encontram, mas não a coisa quente ou a coisa fria. Por exemplo, uma grande pedra de gelo colocada dentro de uma panela cheia de óleo fervente, o frio da pedra de gelo e o calor do óleo desaparecem depois do contato (aniquilam-se), mas a água que era o sujeito do frio e o óleo que era o sujeito do calor permanece existindo. É por causa deste terceiro termo que se pode assegurar a estabilidade do mundo apesar da fluidez dos contrários. Pelo raciocínio montado acima se pode assegurar que os princípios são três, dois contrários e o sujeito. Resta saber agora qual é o par de contrários adequado para o estudo futuro da metafísica. Como se está interessado em encontrar os princípios que regem todas as coisas existentes, deve-se procurar ao menos um princípio que esteja presente em tudo, pois o outro será o seu contrário. Ora, quando se começou a estudar
  • 14. 14 os princípios duas premissas foram consideradas: a realidade do mundo e a existência do movimento. Isto quer dizer que a característica que engloba todas as coisas é a realidade. Entretanto, o termo realidade carece do sentido de mobilidade, isto quer dizer que não se percebe o sentido de movimento neste termo; por outro lado, pode-se perceber com bastante clareza no termo realização, que mutuamente indica alguma coisa real e indica o fim de um movimento, logo o supõe. Este termo realização pode ser substituído pelo clássico termo perfeição, que significa completamente feito. Para os gregos e para os escolásticos a perfeição é considerada de modo relativo, por exemplo, todo macaco é perfeito. Não porque o macaco é um ser sagrado, mas sim porque não falta nada a sua natureza para ser considerado um completo macaco. O mesmo se diz do ser humano, todo homem é perfeito, pois ele é completamente feito homem. O importante a ser sabido aqui é que a perfeição metafísica não se refere à perfeição moral, mas sim a existência na realidade. Por tudo isto se pode afirmar que o mundo é perfeito. Logo, deve haver um princípio de perfeição, que recebe o nome de forma. Descobrindo um princípio o outro é o seu contrário que é a ausência de perfeição que recebe o nome de privação. Deste modo há três princípios: privação, forma e sujeito. Pode-se identificar a presença destes princípios na situação de alguém que aprende um idioma; antes de começar o curso o aluno (sujeito) tem a privação do conhecimento da língua, após um tempo estudando (movimento) ele recebe a perfeição de saber uma língua nova (forma). Como se vê, estes princípios estão presentes em todas as coisas desde o fenômeno de uma pedra que cai até as emoções humanas. Isto mostra a universalidade dos princípios, bem como a sua vinculação com o movimento. Acerca destes princípios, poder-se-ia perguntar: afinal, eles são materiais ou imateriais? São simples ou compostos? A resposta a estas perguntas são destinadas ao curso de metafísica. Solução do problema pré-socrático O grande problema pré-socrático enunciado por Parmênides julgava impossível o movimento porque o ser não podia vir do próprio ser nem do não-ser. Entretanto, a doutrina aristotélica do princípio tríplice mostra que o devir vem de um ser, que é o sujeito, e de um não-ser que é a privação. Por exemplo, o aprendizado de uma língua, por um lado o aprendizado se dá a partir do ser do homem (sujeito), por outro lado se dá a partir da ignorância (privação) que se tinha do idioma. Isto significa
  • 15. 15 que o ser e o não-ser se encontram presentes no mundo, por isso ser e não ser se deve tratar de modo relativo e não de modo absoluto como pensava Parmênides. É exatamente a percepção de que o ser não deve ser dito em absoluto que resolve o problema dos eleatas. Pode-se distinguir afirmação de modo absoluto e de modo relativo pela seguinte percepção: quando uma afirmação diz respeito à totalidade das coisas ela é dita em absoluto, quando diz respeito apenas a uma parte, ela é dita relativa. Por exemplo, chocolate é a melhor coisa que existe, esta frase pode ser entendida de dois modos, a primeira de modo absoluto, nesse caso o chocolate seria melhor que Deus, que o homem, que a vida etc. O segundo modo de se interpretar é o relativo, isto é, dentre os alimentos o chocolate é a melhor coisa que existe. Como se vê, de modo relativo se refere apenas a um conjunto das coisas que existem e o absoluto se refere ao todo. A originalidade de Aristóteles na sua percepção do tríplice princípio é esta: deve-se encarar o ser e o não-ser de modo relativo para que se sustente a obviedade do movimento. O ser, dito de modo relativo, sempre se configura como alguma coisa, por exemplo, ‗o quadro é azul‘ quer dizer que a cor azul se encontra presente no ser do quadro. Entretanto, este mesmo quadro pode carecer de um suporte para apagador, então dir-se-ia que o ‗quadro azul não é dotado de suporte para apagador‘. Deste modo, há, relativamente, no quadro uma junção de ser com não-ser; o ser se refere ao fato de ‗ser quadro azul‘ e o não-ser se refere ao fato de ‗não ser dotado de suporte para apagador‘. Como já foi dito, o princípio deste não-ser é uma privação que reside no ‗quadro azul‘, que é o princípio que suporta a privação, ou seja, o sujeito. Esta junção de privação com o sujeito ainda pode ser dada de duas maneiras; na primeira, o sujeito se encontra privado de uma perfeição existente, como no caso mostrado acima que se refere a um suporte para apagador, na segunda, o sujeito se encontra privado de uma perfeição inexistente, por exemplo, uma bola quadrada. A primeira maneira pela qual a privação se une ao sujeito pode ser chamada de potência. Diversamente, é possível que o sujeito esteja unido uma forma, por exemplo, ‗o quadro azul é grande‘, então se diria que o princípio da perfeição ‗grande‘ é uma forma que reside no ‗quadro azul‘, que é o princípio que suporta a forma, ou seja, sujeito. Como as perfeições são sempre reais, esta junção pode ser entendida como o ato. O que foi dito neste parágrafo pode ser resumido nas seguintes ―fórmulas‖
  • 16. 16 SUJEITO + PRIVAÇÃO = POTÊNCIA SUJEITO + FORMA = ATO Como os sujeitos sempre estarão juntos a privação e/ou a forma, e estes três princípios são os responsáveis por todas as coisas que são se deve dizer que o ato e a potência são os dois modos supremos de ser. Portanto, estão presentes em toda a realidade. O reconhecimento da universalidade destes conceitos é fundamental para que, no futuro, as demonstrações metafísicas possam gozar de credibilidade. Baseando-se nestes modos supremos de ser, Aristóteles apresenta outra solução para o problema dos eleatas. O ato pode ser entendido como sinônimo de perfeição4 , por exemplo, este texto está escrito em ato, porque não falta nada para ser considerado um texto. A potência, por sua vez, pode ser entendida como a ausência de uma perfeição possível, por exemplo, a semente é uma árvore em potência, pois ela carece da perfeição de ser árvore. É interessante perceber que a semente não é um cachorro em potência, pois não é possível que uma semente se torne um cachorro. Entretanto, como se sabe que a semente não se torna um cachorro? Porque não há nenhum movimento natural que transforme uma semente em um cachorro (isto é sabido por indução). Logo, se reconhece a potência a partir das transformações. Estas, por sua vez, são reconhecidas a partir da diferença entre o estado inicial e o estado final. O estado final de uma transformação é sempre uma perfeição, ou seja, um ato. Assim, o ato é o fim do movimento cujo princípio é a potência. Desta percepção de ato e potência se pode resolver o problema proposto por Parmênides, pois o ser é dito como ato e potência. Assim, o movimento, que parecia impossível, seria a simples passagem do ser em potência para o ser em ato, ou seja, o ser em absoluto permaneceria imóvel ainda que os seres relativos permanecessem em movimento. Perguntas 1. Compare a originalidade do pensamento pré-socrático com as modernas concepções de mundo. 2. Sintetize o pensamento monista, bem como a crítica que Parmênides faz ao movimento. 4 Afinal a forma é o princípio de perfeição. Aqui se usará perfeição como sinônimo de todo feito.
  • 17. 17 3. Procure mostrar em que sentido a solução pluralista não resolve o problema de Parmênides. 4. Mostre o motivo pelo qual a cosmologia platônica não pode ser encarada como física no sentido pré-socrático. 5. O pensador Leo Elders, no seu livro, a metafísica do ser de Santo Tomás em uma perspectiva história, acerca da metafísica platônica diz: Nesta via ele considera que as várias determinações formais das coisas como uma participação em ou um imitação (limitada) das formas que existem por elas mesmas de forma pura e são eternas, imutáveis e necessárias(...) Assim, sua influência só pode estar na causalidade exemplar: as ideias agem como modelos junto a natureza em ordem para formar das coisas5 . Comente tal passagem a partir do que foi explicitado no texto. 6. Dê algum motivo pelo qual se deveria aceitar que Platão resolveu o problema eleata. 7. Explique o argumento do terceiro homem. 8. Reflita acerca da imanência do tríplice princípio aristotélico. 9. Explique cada um dos três princípios de Aristóteles, bem como o sua relação com o movimento. 10. Mostre como Aristóteles resolveu o problema de Parmênides usando os conceitos de ato e potência. Aula 3 (Movimento) Definição de movimento Em primeiro lugar, é bom lembrar que na visão eleata o movimento era entendido como algo ilusório devido à sua incompatibilidade com o princípio fundamental da razão (o ser é e o não-ser não é). O grande problema de afirmar isso é a negação do estudo do movimento, afinal se todos os movimentos forem aparentes, então rechaçar-se-ia toda especulação filosófica acerca dele. É exatamente por isso que o conceito de ato e potência é tão importante, pois com eles Aristóteles consegue resolver a dicotomia entre o princípio da razão e a percepção sensível. Esta solução é muito importante, pois, novamente, põe o movimento entre os objetos passíveis de especulação filosófica. Deste modo o filósofo se perguntaria: o que é o movimento? A resposta a esta pergunta é fundamental, pois até agora se tratou do movimento apenas de modo intuitivo, ou seja, segundo aquilo que o conhecimento de mundo denuncia. Assim, é necessário definir movimento para que se possa aprofundar o conhecimento sobre ele. 5 ELDERS, L.; The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinas in a historical perspective, p. 219.
  • 18. 18 A primeira noção que se poderia ter de movimento foi aquela expressada na seção anterior que entende o movimento como sendo uma passagem da potência para o ato. Entretanto, esta definição possui um problema, pois o termo ‗passagem‘ já indica movimento. Assim, faz-se mister propor outra formulação para o conceito. Até agora se conhece pelo menos cinco conceitos universais: privação, forma, sujeito, ato e potência. Deste modo a definição de movimento deve proceder de algum destes cinco. Ao usar os conceitos de privação, forma e sujeito, dir-se-ia o movimento ser a passagem da privação para a forma. Mas este conceito incorreria no mesmo erro de antes. Assim, a maneira mais adequada de definir movimento é através da relação que ele desempenha com os conceitos de ato e potência. A primeira coisa a perceber é: aquilo que está em ato não pode estar em movimento, pois o ato é o fim do movimento. Por exemplo, o ato de ser árvore é o fim do desenvolvimento da semente. A segunda coisa importante é: aquilo que está apenas em potência não está em movimento, por exemplo, uma semente de abacate na nossa mão é potencialmente um abacateiro, mas ainda não está em movimento para tal. Portanto, o movimento é uma espécie de meio termo entre o ato e a potência. Este meio termo ocorre a partir de um ato, pois aquele que se movimento o faz a partir de uma sucessão de atos, por exemplo, o ser humano adulto passa por vários estágios até chegar a sê-lo. Ser-homem-adulto é um ato, mas antes de ser adulto o feto passa pelo ato de ser bebê, depois pelo ato de ser criança, depois pelo ato de ser adolescente até chegar ao ato de ser adulto. Ou seja, o crescimento, que é movimento, é um ato do homem que faz uso de vários atos para chegar ao fim. Deste modo, por um lado, o movimento deve ser um ato, por outro, deve conter alguma potência. Assim, define-se movimento como o ato daquilo que está em potência, enquanto estando em potência.6 Como o movimento é uma espécie de união entre ato e potência, poder-se-ia resumir o sobredito da ―fórmula‖ de memorização ATO + POTÊNCIA = MOVIMENTO Para que não se aplique erradamente a definição de movimento, deve-se perceber que ela se refere a apenas um único binômio ato-potência. Por exemplo, uma criança tem a potência de aprender um idioma e tem a potência de crescer. Estas são 6 JOLIVET, R. Curso de Filosofia. 9° Ed. Agir: Rio de Janeiro, 1968
  • 19. 19 duas potências diferentes, portanto almejam atos diferentes, logo definem movimentos diferentes. O primeiro é a de aprender e a segunda, crescer. O aprendizado é o ato da criança que está em potência frente ao conhecimento da língua, enquanto está em potência. O crescimento é o ato da criança que está em potência para ser adulto, enquanto está em potência. Como se vê, a definição não muda, mas sim, o binômio ato- potência. Por isto, é óbvio perceber que não se pode aplicar a definição de movimento confundindo os atos e as potências, senão incorrer-se-ia no erro de afirmar que todos os movimentos são iguais. Enfim, a definição do movimento a partir dos conceitos de ato e potência o coloca no nível pouco abaixo dos modos supremos de ser. Isto quer dizer que a definição de movimento que foi dada serve para todo o ser, tanto as coisas materiais como a locomoção de uma pedra quanto às coisas imateriais como a produção de virtude. É exatamente a universalidade deste conceito de movimento que o torna interessante do ponto de vista metafísico, pois devido à essa capacidade ele se torna um instrumento poderoso para estudar as propriedades dos entes7 . O motor e o móvel Na última seção, viu-se que o movimento poderia ser um instrumento para encontrar propriedades dos entes desconhecidas para nós. A pergunta é: como? Para responder esta pergunta se faz necessário o conhecimento de duas características da relação existente entre o ente que move (motor) e o ente que é movido (móvel). A primeira delas afirma o movimento ser um ato do móvel e a segunda afirma o ato do móvel ser o mesmo que o ato do motor. Primeira característica A primeira característica do movimento se afigura na própria definição de movimento, pois esta afirma ser o ato daquele que está em potência. Ora, o motor não pode estar em potência, logo o movimento deve ser um ato do móvel. Entretanto, poder- se-ia perguntar: por que o motor não pode estar em potência? Porque a própria definição de motor o impede. Afinal, o motor é aquele que move; o movimento é um ato, daí 7 Ente é um termo latino que quer dizer aquilo que é. Na prática, a palavra ente, em metafísica, funciona como a palavra coisa na linguagem quotidiana. Por exemplo, na linguagem coloquial ―o movimento está presente em todas as coisas‖, na linguagem metafísica, ―o movimento está presente em todos os entes‖ Neste momento, a distinção entre ente e coisa é meramente linguística e não tem muita importância, entretanto no estudo da metafísica esta precisão de linguagem faz diferença.
  • 20. 20 segue, o motor ser aquele que comunica um ato. Portanto, deve estar em ato, pois não poderia comunicar aquilo que não tem. Para reduzir a abstração se pode pensar no exemplo do jogo de bilhar, repare que neste jogo uma bola é motora e as outras são móveis. A bola motora comunica o ato de estar em movimento às outras, mas só pode fazer isto depois que ela mesma está em movimento, pois enquanto ela está em potência ao movimento (ou seja, parada) não é motora de nada. Isto é refletido, metafisicamente, pela sentença o motor não pode comunicar aquilo que não tem. Segunda característica A segunda característica do movimento provém da percepção de que existe no movimento certa unidade. Isto quer dizer, o que o motor comunica é o que o móvel recebe. Veja o caso das bolas de bilhar, a bola motora comunica movimento local8 e as bolas móveis recebem movimento local; outro exemplo é o aprendizado, o ensinamento que o professor comunica é o mesmo que os alunos recebem. Deste princípio, segue que os atos do móvel e do motor são o mesmo. Esta inferência gera uma série de problemas, pois é perceptível que o ato de ensinar e o ato de aprender são atos completamente diferentes, poder-se-ia cogitar até que são movimentos diferentes assim como são diferentes o aprendizado e o crescimento. Embora o ato do móvel seja o mesmo ato do movente, isto não significa eles estarem presentes do mesmo jeito em ambos. Para verificar isto, basta observar, novamente, o caso do jogo de bilhar. Naquele caso a bola motora só entra em movimento após a tacada do jogador, ora, claramente se percebe que é a locomoção do taco que comunica o movimento à bola motora. Mas, o movimento do taco não é igual ao da bola, ainda que os dois possuam o mesmo ato de movimento. Isto quer dizer que um mesmo ato pode se realizar em duas coisas de modo diferente. É exatamente isto que acontece com o motor e o móvel, ambos possuem o mesmo ato que se realiza diferentemente. Para tornar clara esta distinção se faz uso do conceito de ato ativo e ato passivo. O ato ativo é aquele feito pelo agente, ou seja, o motor. O ato passivo é aquele do paciente, ou seja, o móvel. Com esta nova nomenclatura se torna fácil entender como o ato do que ensina é o mesmo ato do que aprende, pois o ato de ensinar é o ato ativo da transmissão do conhecimento, enquanto o ato de aprender é o seu ato passivo. 8 Movimento local é o termo se usa para identificar o tipo do movimento que muda o lugar das coisas, por exemplo, andar da sala para a cozinha, sair de casa para a praia etc. este tipo de movimento será melhor estudado na próxima seção.
  • 21. 21 Conclusão Compreendidas estas características se pode começar a pesquisar acerca da possibilidade de aproveitar o conhecimento que se tem da teoria do movimento para conhecer outras coisas. A primeira das características afirma que o movimento é o ato do móvel, isto sugere que todo movimento tem um sujeito, pois, como já se viu, todo ato supõe um sujeito. Como todo móvel possui um termo de origem (potência) e um termo final (ato), então através do movimento se podem conhecer as potências e os atos do sujeito. Ora, ato e potência são os modos supremos do ser, isto significa que tudo que inclui o sujeito deve estar ou em ato ou em potência, logo conhecer os atos e as potências dos entes é o mesmo que conhecer os próprios entes e de que eles são compostos. Para chegar a estes conhecimentos, far-se-á uso de um método muito simples; em primeiro lugar, devem-se observar quais são os tipos de movimentos existentes (coletar dados) depois perceber quais são seus termos iniciais e finais; por fim, submeter os dados coletados às exigências de que o termo final é o ato do móvel e de que todo o movimento tem um sujeito. Com a primeira exigência se garante a realidade dos termos finais dos entes e com a segunda se pode descobrir a composição dos entes. Os dois primeiros parágrafos refletiram as consequências metodológicas da primeira característica do movimento, mas não refletem a segunda. A segunda característica alude ao fato de que há no móvel vestígios do que foi feito pelo motor, afinal os dois possuem o mesmo ato realizado de modo diferente. Ora, isto significa que é possível conhecer coisas do motor a partir da descrição do movimento do móvel. Isto possui uma implicação metodológica importantíssima, pois é graças a essa característica que é possível estudar coisas que não podem ser vistas nem sentidas. Como as verdades metafísicas pertencem a este grupo de conhecimentos que não podem ser sentidos, elas, em geral, dependem desta implicação metodológica para justificar suas conclusões. Assim, o próximo passo para conseguir aprofundar o conhecimento da natureza é conseguir explicitar quais são os tipos de movimento e como estes se relacionam com as exigências vistas nos últimos parágrafos. Quanto ao uso da segunda característica, ver-se-á usado com mais propriedade na última seção em que se falará de causalidade e necessidade.
  • 22. 22 As espécies de movimentos Por indução se sabe que todos os movimentos existentes podem ser resumidos em dois grandes grupos: aqueles em que o sujeito inicial é o mesmo do final e aqueles em que se muda o sujeito. Os movimentos que conservam o sujeito são chamados de transformações acidentais, diversamente, os que não conservam são chamados de transformações substanciais. Pode-se citar alguns exemplos de cada tipo citado. São exemplos de transformações acidentais, um bronzeamento, o emagrecimento, uma caminhada na Lagoa etc. Estas transformações são ditas acidentais, porque o sujeito permanece o mesmo antes, durante e depois da transformação, ou seja, a pessoa que se bronzeia, emagrece e caminha na Lagoa é a mesma pessoa e não outra. O mesmo não acontece quando essa pessoa morre, pois o cadáver que se desfez na terra não é a mesma pessoa que era antes de morrer. O mesmo acontece com o nascimento, o material genético do pai e da mãe não são no filho o mesmo que são neles, isto significa que o material genético deles sofre uma mudança substancial. Estas mudanças substanciais referentes à morte e ao nascimento são, respectivamente, chamadas de corrupção e geração. Tendo listado as espécies de movimentos basta impor a elas as exigências vistas na última seção. A primeira delas afirma que todo movimento tem de ter o seu sujeito. Analisando as transformações acidentais se percebe que o sujeito é aquele que subsiste, em outras palavras, aquilo que é em si. Tradicionalmente, o nome dado a este sujeito é substância. Todo o resto é aquilo que é em outro, que recebe o nome de acidente. No exemplo, a pessoa é a substância e a cor que ela ficou após o bronzeamento é o acidente. A outra imposição feita foi que o termo final do movimento deve ser sempre ato do móvel, como, no bronzeamento, o móvel é a pessoa, então a cor que se fica após o bronzeamento é ato da pessoa. Por este exemplo, intui-se que os acidentes são atos (perfeições) da substância. Fazendo as mesmas exigências para as transformações substanciais se encontra um problema, pois nesta transformação há mudança de sujeito. Deste modo, deve-se supor que há um sujeito do sujeito, em outras palavras, há alguma coisa que subsiste quando a substância muda. Tradicionalmente, o nome dado a este sujeito é matéria- prima. Será de grande utilidade saber quais devem ser as características deste sujeito. A primeira delas é que a substância deverá ser seu ato, pois ela é o termo final da
  • 23. 23 transformação substancial. Ora, se a substância é o seu termo final, então não poderá ser o termo inicial. Mas, se no início não houver substância muito menos poderá haver acidentes, logo o sujeito das transformações substanciais deverá ser a completa imperfeição, pois todas as perfeições procedem da substância e dos acidentes. Como a imperfeição completa é o nada, que não existe, então a matéria-prima deverá ser considerada como pura potência passiva.9 Com essa última especulação acerca dos movimentos percebeu-se que inclui os entes, ao menos duas coisas: a substância e os acidentes; além disto, verificou-se que é necessário haver um sujeito para as transformações substanciais que é chamado de matéria-prima. Assim, pode-se fazer a primeira inferência acerca da constituição dos entes: são predicados de todos os entes a substância e os acidentes. Para memorizar se pode usar a fórmula SUBSTÂNCIA + ACIDENTE = ENTE A grande importância deste conhecimento é que, pela primeira vez, está-se conhecendo alguma coisa acerca da composição dos entes, ou seja, está-se sabendo de que as coisas são compostas. Isto é muito importante, pois é a partir da composição dos entes que se pode falar de características deles e, posteriormente, ter o conhecimento científico dos mesmos. Por isto que agora se quer aprofundar estes conceitos gerais e explorá-los ao máximo para que se possa extrair a maior quantidade possível de informação. Perguntas 1. Há uma segunda formulação da definição de movimento de Aristóteles que é dada por o movimento é o ato do ente em potência, enquanto está em potência. Explique o movimento a partir desta definição. 2. Resuma as duas características do movimento naquilo que tange a relação entre o motor e o móvel. 3. Contra a afirmação de que o ato do móvel é o mesmo que o do motor afirmam alguns não é possível que possuam o mesmo ato, senão aquele que age (motor) seria idêntico ao que padece (móvel). Com base no que foi visto sobre este tema responda a objeção. Responda usando um exemplo. 4. Distinga ato ativo e ato passivo. Explique a necessidade de criar este conceito. Em analogia, distinga potência ativa e potência passiva. 9 Entender a matéria como pura potência passiva é muito importante para resolver os problemas relativos a possibilidade de Deus criar a matéria, sendo Ele imaterial.
  • 24. 24 5. Com base nas distinções feitas na última questão responda a seguinte objeção. Parece que Deus não é poderoso, pois Ele não pode carecer de nenhuma perfeição. Ora, aquele que não carece de nenhuma perfeição não tem potência e aquele que não tem potência não tem poder. Vide o homem que tem o poder de construir a casa, porque tem a potência de ser construtor. 6. Qual é a principal consequência metodológica da sentença o ato do móvel é o ato do movente? 7. Quais são as espécies de movimento? 8. Dê a definição de substância e acidente. Aula 4 (As categorias) Para que se possa explorar a descoberta acerca da substância e dos acidentes, faz-se mister trazer a luz os conceitos de gênero e espécie. Estes conceitos pertencem ao estudo da lógica formal, por isso não serão tratados em todas as suas especificidades. A primeira coisa importante a se saber é que estes conceitos estão relacionados ao nível de compreensão que se tem de uma ideia. Aqui se entende ideia como sinônimo de conceito, por exemplo, o conceito de homem é uma ideia. O detalhe a se perceber é que há conceitos mais extensos que outros, por exemplo, o conceito de animal abarca muito mais coisas que o conceito de homem. Em linguagem técnica, diz-se que o conceito de animal é mais extenso que o conceito de homem. O que se percebe é que quanto maior é a extensão do conceito menor é a compreensão dele. Assim, pode-se ordenar os seres a partir da extensão dos seus conceitos. A ideia de um conjunto de coisas composto apenas por indivíduos será chamado espécie e a ideia de um conjunto de coisas composta por espécies será chamado gênero. Por exemplo, o conjunto de todos os seres humanos afigura a espécie humana, por outro lado, o conjunto de todos os animais define o gênero animal, pois entre os animais há espécie humana, espécie canina etc. Isto quer dizer que o gênero é uma ideia geral que comporta dentro de si um conjunto de espécies, nas quais os indivíduos se encontram. Assim, as inferências acerca dos gêneros atingem os indivíduos, ao menos indiretamente. Daí, segue uma pergunta: existe algum gênero ou conjunto de gêneros que comporte todos os outros? Em primeiro, deve-se dizer que não pode haver um único gênero que abarque todas as coisas, pois este deveria possuir todas as perfeições; ora, ser uma espécie é uma perfeição, logo o gênero deveria ser uma espécie, o que é contraditório. Assim, há mais de um gênero que abarque todos os outros. Estes gêneros podem ser chamados de gêneros supremos do ser ou, simplesmente, categorias.
  • 25. 25 O problema é: como definir estes gêneros supremos? Em primeiro lugar, sabe- se que todos os entes devem estar incluídos nesta divisão; ora, viu-se, anteriormente, que os entes são constituídos por uma união de substância e acidentes. Isto significa que as suas espécies também deverão ser fruto desta união, logo a substância e os acidentes deverão ser gêneros supremos do ser. Como há diversos tipos de acidentes, há diversos gêneros supremos associados a estes. A tradição aristotélica enumera 9 tipos de acidentes, configurando, assim, o número de 10 categorias: uma para substância e 9 para acidentes. O estudo acerca da categoria da substância fica a cargo de cursos mais avançados de metafísica, por isso tratar-se-á apenas das categorias que se referem aos acidentes. Como fazer para descobrir quais são estes nove acidentes privilegiados? O que se sabe é que se descobriu a existência de acidentes a partir da teoria do movimento, assim, é esperado que a teoria do movimento indique quais são os tipos de acidentes supremos. Para fazer isto, considerar-se-á que há três tipos de relações entre os acidentes e o movimento: os acidentes que variam com o movimento, os acidentes que estão contidos nos movimentos e os que são termos finais de movimentos. Acidentes que variam com o movimento Para verificar quais são os acidentes que variam com o movimento, faz-se necessário listar os tipos de movimentos acidentais conhecidos. O primeiro movimento acidental que vem à mente é o deslocamento, ou seja, a variação de lugar, assim o lugar é um tipo de acidente; logo uma categoria. Fazendo o mesmo raciocínio, percebe-se que crescer ou diminuir inclui um movimento acidental, por exemplo, a criança e o adulto são a mesma pessoa. Daí, segue o tamanho ser um acidente, ou seja, a quantidade é uma categoria. O terceiro tipo de movimento que se percebe é alteração da qualidade de alguma coisa, por exemplo, a água que estava fria depois de ficar no fogo se torna quente, isto quer dizer que a qualidade é uma categoria. Estas três categorias variam conforme o movimento como se percebe intuitivamente, pois o deslocamento não é instantâneo, mas ocorre segundo um processo, bem como o crescimento e a qualificação de alguma coisa. Assim, as três primeiras categorias a serem estudadas são quantidade, lugar e qualidade. Quantidade
  • 26. 26 A quantidade pode ser tratada em dois aspectos, sob o aspecto da quantidade descontínua e da quantidade descontínua. A quantidade descontínua é aquela que se mede através das unidades numéricas, ou seja, aquelas coisas contáveis, por exemplo o números de ovos dentro de uma cesta, o número de cadernos dentro de um quarto etc. Devido à capacidade de contagem a quantidade descontínua exige a distinção entre o número numerante e o número numerado. O primeiro diz respeito aos números em absoluto que são abstrações: 2,3,4... o segundo se refere às coisas múltiplas que se somam por um número, por exemplo três cadeiras, quatro homens etc. Na vida prática, a distinção entre estes dois tipos de números é, o segundo deve vir com uma unidade e o primeiro não. As quantidades contínuas, por sua vez, são aquelas coisas incontáveis. A principal propriedade das quantidades contínuas é que o fim de uma de suas partes é o início da parte seguinte, por conta disto as quantidades contínuas possuem a propriedade de extensão ou continuidade. Por exemplo, uma linha reta, vê-se claramente que o ponto que se encontra na metade de linha é, ao mesmo tempo, fim da primeira metade e início da segunda. Vê-se que esta é uma capacidade que se encontra presente em todas as figuras geométricas, logo se encontra presente em todos os corpos. Pelo que se vê, o mais fundamental na quantidade é a existência da distribuição das partes, sejam elas contínuas ou contíguas (o início da parte consequente não é o fim da parte antecedente, por exemplo, uma fileira de grãos de arroz). Deste modo, concordar-se-ia com Santo Tomás que a quantidade é aquilo que é divisível naquelas coisas que constituem10 . Lugar A partir da propriedade de extensão dos corpos se pode conceituar o que seja o lugar e o espaço. Isto se dá, pois a extensão dos corpos os capacita a serem continentes ou contidos. Continente é aquilo que recebe outro dentro de si. Contido é aquele que se encontra em outro. Por exemplo, um jarro cheio de água; o jarro é o continente e a água, o contido. 10 TOMÁS DE AQUINO, De Generatione I, 1.25 apud GARDEIL,H.D. Introdução a filosofia de Santo Tomás de Aquino. Original: Quantum dicitur quod est divisibile in ea quae insunt.
  • 27. 27 É importante perceber que o termo ‗está contido‘ é ambíguo, pois, por um lado, refere-se às partes de um corpo, por outro, refere-se à corpos que estão no interior de outros sem pertencer aos continentes. Por exemplo, diz-se que os braços ‗estão contidos‘ no corpo, mas também se diz que a água ‗está contida‘ na jarra. A maneira pela qual se pode diferenciar uma da outra é através do movimento, veja que não é possível locomover o corpo sem mover os braços (pois, são partes do corpo); entretanto, é possível mover a água sem mover a jarra. O primeiro sentido do termo ‗está contido‘ se refere à capacidade de haver partes no corpo, logo se vincula a categoria quantidade. Portanto, usar-se-á o segundo sentido para tratar da categoria lugar. A relação entre contido e continente, naquilo que se refere ao lugar, exige que o continente possa permanecer imóvel, ainda que o contido se mova (vide o exemplo da água e da jarra). Outra propriedade interessante desta relação é que o contido não necessariamente se faz presente em todo o continente. Por exemplo, a frase ‗o pássaro está contido no ar‘ não significa que o pássaro está presente em todo ar (corpo continente) que existe no universo, mas sim em um limite definido dele. É este limite definido que se entende, intuitivamente, por lugar. Por isso, este limite deve ser imóvel, senão, o móvel poderia se locomover sem sair do seu lugar (que é absurdo!). Assim, define-se lugar como primeiro limite imóvel do corpo continente. Qualidade A partir das duas categorias analisadas anteriormente se percebe que a extensão dos corpos é uma consequência da quantidade. Isto significa que a extensão, propriamente dito, não é uma quantidade, mas sim uma propriedade associada à quantidade. Isto é muito importante, pois em linguagem comum propriedade é sinônimo de qualidade. Isto quer dizer que existem algumas qualidades que se vinculam as quantidades, ou seja, qualidades primárias; são elas: extensão, figura, resistência e movimento. Além destas, há qualidades secundárias que são aquelas que se vinculam diretamente aos cinco sentidos, por exemplo, cor (visão), gosto (paladar), calor (tato), odor (olfato) e som (audição). Além da divisão acidental entre primárias e secundárias, as qualidades também podem ser divididas segundo uma divisão essencial. Esta segunda divisão considera as qualidades a partir do que se intuiu delas na teoria do movimento. Naquele momento, usou-se o exemplo da água que deixa de ser fria e passa a ser quente. Isto significa que a
  • 28. 28 qualidade reflete os diversos tipos através dos quais um sujeito pode ser modificado11 . Estes tipos são: disposição, potência, paixão e figura. Disposição: São as maneiras de ser que afetam a ‗personalidade‘ do sujeito, por exemplo, talento para o futebol, ter um preparo físico etc. Potência: São as maneiras de ser que deixam o sujeito suscetível a alguma atividade, por exemplo, capacidade que o ímã tem de atrair o ferro, a capacidade que alguém tem para correr muitos quilômetros etc. Paixão: são as qualidades que procedem de uma alteração ou que são causa de alterações. Por exemplo, o calor, que procede da alteração de temperatura e as propriedades químicas que geram alterações de temperatura. Figura: são as qualidades que determinam a quantidade do sujeito, por exemplo, a forma arredondada da bola. A partir destas características se percebe que a configuração do ente depende da qualidade, daí segue a qualidade ser aquilo em razão do que ente é dito ser tal. Quando se percebe estes quatro tipos de qualidades essenciais, percebe-se que algumas das características se referem a coisas que contemporaneamente são tratadas por quantidades (por exemplo, o calor). Por causa disto, é muito comum encontrar confusão entre quantidade e qualidade. Esta confusão procede da intuição de que somente as quantidades podem ser medidas, mas isto é um equívoco. Afinal, é possível gerar medidas para as qualidades, estas medidas não são dadas a partir da contagem das partes, mas sim a partir da gradação da intensidade com que a qualidade se manifesta no sujeito. Um dado muito interessante ressaltado por Selvaggi, no livro Filosofia do Mundo, é que a maior parte das grandezas físicas que se conhece são essencialmente qualidades. Isto é um conteúdo que seria melhor explorado em um curso de filosofia da ciência, sobretudo naquilo que tange a função da analogia no estudo das ciências exatas. Acidentes que são termos finais de movimentos Os termos finais de movimentos se associam aos tipos de movimento, há movimento quantitativo, qualitativo e local. Os três tipos de movimento podem ter por termo final uma situação ou um hábito. A situação diz respeito ao modo com que se está, por exemplo, ‗o jovem está sentado‘. O hábito diz respeito ao que se possui junto ao corpo, por exemplo, ‗o jovem porta uma arma‘. A situação e o hábito são acidentes que dizem respeito a um único ente ou a uma única característica. Entretanto, no caso em que há parâmetros de comparação, diz-se haver uma relação entre os dois termos 11 JOLIVET, R.; Curso de Filosofia
  • 29. 29 comparados, por exemplo, ‗o jovem está sentado próximo a mim’. Daí, percebe-se que os termos finais de movimentos mantêm relação com os outros. A relação é um acidente, portanto é uma categoria. Vai-se estudar aqui, apenas, a categoria da relação. Relação Toda vez que se fala em relação pelos menos três coisas são supostas: o sujeito, o fundamento e termo. O sujeito é a expressão de quem se fala, o fundamento é a razão pela qual a relação existe e o termo é aquilo em que o sujeito está em relação. Por exemplo a relação existente entre o pai com seu filhos, o sujeito é o pai, o fundamento é a paternidade e o termo é o filho; diversamente, diz-se acerca da relação entre filho e o pai, neste caso o sujeito é o filho, o fundamento é a filiação e o termo é o pai. As relações possuem três propriedades; a primeira delas enuncia que não existe mais ou menos nas relações, isto quer dizer que não é possível haver aumento ou diminuição do fundamento da relação, por exemplo, uma coisa é igual ou desigual à outra, não existe meio termo. A segunda enuncia que as relações são recíprocas, isto quer dizer que o sujeito se relaciona com termo e vice-versa, por exemplo, o pai se relaciona com o filho e o filho se relaciona com o pai. A terceira enuncia que os correlativos são simultâneos, ou seja, o sujeito só é sujeito porque existe um termo e vice-versa. Por exemplo, o pai só é pai, porque tem um filho. Além disto, a relação também pode ser divida essencialmente ou acidentalmente. Essencialmente, a relação se divide a partir de seu fundamento que pode ser a igualdade, a causalidade, a semelhança, real e lógica. Os três primeiros fundamentos se encontram fundados nas categorias de quantidade, ação12 e qualidade. Os dois últimos se referem ao estado de espírito daquele que enuncia a relação. A relação é dita real quando ocorre independentemente das operações do espírito daquele que enuncia. Por exemplo, a relação entre a causa e o efeito. Quando a relação depende destas operações ela é dita lógica. Por exemplo, a relação entre o ser e o nada. A relação é dividida acidentalmente quando é considerada a partir dos termos, e pode ser classificada como mútua ou não mútua. A relação é dita mútua quando os dois termos não podem ser dados, senão simultaneamente. Por exemplo, a filiação e a paternidade. A relação é dita não-mútua quando os dois termos não são correlativos. Por exemplo, a 12 Categoria que será explorada mais precisamente no próximo tópico.
  • 30. 30 relação entre Deus e o homem. Após estas especificações do que indica a relação, pode dizer que a noção de relação é aquilo pelo qual um sujeito se vincula a um termo. Acidentes que estão contidos nos movimentos Nas seções passadas, verificou-se quais eram os tipos de movimentos acidentais e disso derivou-se os acidentes que variam com o movimento. Neste momento, procurar-se-á quais são os acidentes que existem devido ao movimento. A primeira coisa que se inclui a noção de movimento é o senso de transformação. É deste senso de variação entre final e o inicial que se alimenta o sentido de tempo. A segunda coisa a perceber é que o acidente que existe devido ao movimento é o ser-móvel ou ser- movente. O ser-móvel realiza o ato do movimento de modo paciente, pois sofre a ação. O ser-movente realiza o ato do movimento de modo agente, pois gera a ação. Deste modo, ação e paixão são dois acidentes decorrentes do mesmo movimento. Configurando, assim, duas categorias. Neste capítulo, vai-se estudar apenas a categoria tempo, pois as categorias ação e paixão foram exploradas no momento em que se falou da relação entre o móvel e o movente, naquele momento se viu que ação e paixão eram duas realizações distintas de um mesmo ato e de um mesmo movimento. Tempo Quando se fala de tempo, percebe-se a existência de diferentes tipos, o tempo vivido, tempo abstrato, o tempo objetivo etc. O tempo vivido se refere ao movimento passado. Por exemplo, ter 25 anos se refere ao movimento ocorrido desde o dia em que se nasceu até a presente data. O tempo abstrato é aquele pensado por Newton como sendo um tempo absoluto que é dado continuamente por uma linha. Por exemplo, a representação do tempo no plano cartesiano. O tempo objetivo se refere aquele tempo medido a partir da rotação da Terra, por exemplo, são 22h. Tradicionalmente, sabe-se que o tempo está dividido entre passado, presente e futuro. Também é sabido de praxe que o passado não é mais e o futuro ainda será, portanto só o presente é realmente. Isto significa que a noção de tempo segundo a divisão clássica só existe na razão, assim como os números só existem na razão. Assim, tradicionalmente, definiu-se o tempo por número do movimento segundo o antes e o depois. Deve-se entender por número o sentido de continuidade e não de contiguidade. É importante deixar claro que o conceito de tempo não é dado a partir da duração. Pelo
  • 31. 31 contrário, o tempo indica a extensão do movimento e a duração indica a permanência no ser do sujeito. Além deste conteúdo mínimo também inclui o estudo acerca do tempo a pesquisa acerca da eternidade do mundo, este estudo é de fundamental importância para a compreensão de alguns problemas filosóficos enunciados na Idade Média, entretanto aqui não é o melhor lugar para tratar destes problemas. Perguntas 1. Distinga gênero de espécie. 2. Indique quantas e quais são as categorias aristotélicas e como elas estão ser divididas 3. Distinga número numerado e número numerante. Dê exemplos e explique-os. 4. Distinga contiguidade e continuidade. Dê exemplos e explique-os. 5. Defina quantidade. 6. Distinga continente e contido. Dê exemplos e explique-os. 7. Defina lugar. 8. A partir da definição de lugar explique porque não é absurdo dizer que o Brasil está simultaneamente no continente americano e no planeta Terra. 9. Segundo Jolivet, Locke teria feito a distinção das qualidades entre qualidades primárias e secundárias. Na filosofia cartesiana, estas qualidades secundárias foram conhecidas por res cogitans, ou seja, coisas que seriam produto da mente humana não necessariamente reais. Com base nestas informações, dê alguns exemplos de qualidades que não seriam consideradas necessariamente reais pelo pensamento cartesiano. 10. Defina qualidade. 11. Com base no que foi visto, aponte a importância das qualidades para o estudo das ciências exatas. 12. Quais são os três elementos de toda relação? 13. Distinga relação real de relação lógica. 14. Reflita sobre a importância das relações reais para a credibilidade das conclusões de uma pesquisa científica. 15. Dê uma definição de relação. 16. Defina tempo. 17. Distinga tempo de duração. Aula 5 (causalidade e necessidade; aplicações) A última aula refletiu acerca das categorias, que, em outras palavras, referem- se aos diversos tipos em que os acidentes podem se apresentar, assim, o último capítulo tratou sobre características que dizem respeito a composição dos entes. O método empregado na seção anterior se baseava na primeira característica do movimento, aquela que afirma o movimento ser um ato do móvel. Foi graças a esta propriedade que
  • 32. 32 se pode procurar os diversos atos do móvel em relação ao movimento e, por conseguinte, encontrar todos os tipos de acidentes, ou seja, conhecer melhor a ‗composição‘ dos entes. Agora a proposta é analisar a segunda propriedade do movimento que é aquela que afirma o ato do móvel ser o mesmo ato do motor. Nesta segunda característica do movimento, verificou-se que o motor não pode comunicar ao móvel aquilo que, de nenhum modo, faz-se presente nele. Isto significa que toda a perfeição existente do ato do móvel se vê presente no motor, em outras palavras, a perfeição do móvel procede do motor. A relação de dependência entre o móvel e o motor, intuitivamente, associa-se a noção de causa. Segundo o senso comum toda vez que alguma coisa acontece sempre se pergunta: o que causou isto? Esta noção do senso comum pode ser precisada pela terminologia metafísica. A primeira noção é: o efeito procede da causa. A expressão proceder de e vir de são sinônimas de princípio. Isto significa que a causa é princípio do efeito. Entretanto, há duas maneiras de algo ser princípio, a primeira delas é o princípio positivo este é o caso daqueles princípios que dão algum ato, por exemplo, o jogador de futebol dá à bola o movimento. A segunda maneira é o princípio negativo, este é o caso daquele princípio que confere uma privação, por exemplo, o computador é princípio da privação que algumas pessoas têm dele. Claramente se vê que a causa não pode ser considerada princípio negativo, caso contrário, dever-se-ia afirmar a causa de haver excluídos digitais ser os computadores. A segunda noção é: o efeito só existe devido à causa. Isto quer dizer que o efeito depende da causa. Entretanto, de várias maneiras distintas uma coisa pode depender de outra, por exemplo, a saída para a praia depende de um dia ensolarado, entretanto não é exatamente correto dizer que o dia ensolarado é a causa da ida praia. Assim, a dependência que demanda causa exige um sentido mais forte que, tradicionalmente, diz-se dependência no ser. No caso da ida a praia, o dia ensolarado não é decisivo, mas a locomoção é. Diz-se que este fator decisivo é o fator pelo qual a ‗ida a praia‘ depende no ser. Deste modo, juntamente com Leo Elders, poder-se-ia
  • 33. 33 definir causa por princípio positivo de onde alguma coisa procede segundo dependência no ser13 . As quatro causas14 Causa eficiente A partir da definição de causa encontrada no parágrafo precedente, pode-se reconstruir a etiologia15 aristotélica. Para fazer esta reconstrução, vai-se partir da teoria do movimento que se está vendo desde o início. A primeira coisa a perceber é que a definição acima exige o motor ser causa do movimento do móvel. Isto claramente se percebe pelo fato de que o motor é o princípio positivo de onde procede o movimento do móvel segundo dependência no ser. É princípio positivo, pois confere o movimento que é ato (perfeição); é dito que procede, pois a potência do móvel é atualizada pelo motor e é dito depender no ser, pois todo móvel supõe um motor. Este tipo de causa que gera o movimento é tradicionalmente chamado causa eficiente. A causa eficiente pode ser principal ou instrumental, ela é dita principal, quando age por sua própria virtude (o escritor, que faz um livro) e é dita instrumental, quando está a serviço da causa principal (a caneta do escritor). É importante ressaltar que a ação é comum a causa principal e a causa instrumental, vide o fato de que o açougueiro corta a carne, mas a faca também o faz. Entretanto, sabe-se que o açougueiro é a causa principal do ato e por isso a ação total se encontra nele, senão dir- se-ia o corte revelar mais a amolação da faca do que a precisão do açougueiro. Pode ser essencial e acidental. A causa essencial é aquela que produz o efeito a que se ordena, por exemplo, a operação cirúrgica que cura o doente. A causa acidental é aquela que não consegue tal, por exemplo, a mesma cirurgia matar o paciente. Estes efeitos não tem razão de fim, pois se produzem fora da intenção do agente. Pode ser primeira ou segunda. As causas serão primeiras ou segundas conforme seja princípio primeiro ou intermediário da ação. Por exemplo, primeiramente a casa provém do projeto do engenheiro, em segundo lugar, da astúcia dos pedreiros. 13 ELDERS, L.; The metaphysics of Being of ST. Thomas Aquinas in a historical perspective, p. 270. Or.: principium positivum unde aliquid procedit secundum dependentiam in esse. 14 A descrição detalhada de cada uma das especificidades das causas eficientes segue um resumo do trabalho de JOLIVET. 15 Estudo das causas
  • 34. 34 Causa Final A causa eficiente é, pois, a causa do movimento. Entretanto, há um detalhe importante, todo movimento exige um termo inicial e um termo final. Ora, o termo final não pode ser uma potência, pois, como e viu, o fim do movimento é sempre um ato. Isto significa o termo inicial ser uma potência. Como a condição de possibilidade de haver potência é a existência dos atos, deve-se dizer que o termo inicial procede positivamente do termo final. Pois, o termo final confere ao termo inicial a perfeição de ser potência, na ausência de um termo final real esta potência seria apenas privação. Daí, segue a dependência que o termo inicial tem com o termo final. Para facilitar a discussão, far-se- á uso de um exemplo. Considere o seguinte movimento ‗uma bola é jogada na direção de um animal‘. Neste caso, o termo inicial é a bola na mão de alguém e o termo final é o animal. Se o animal a que se joga a bola for um elefante, então a bola na mão estará no elefante em potência. Entretanto, se o animal for um dinossauro, então a bola na mão não será uma potência, pois não existem mais dinossauros. Neste caso, a bola na mão estará privada da presença do dinossauro, ou seja, deixa de ser potência e passa a ser uma privação. Em suma, o termo final é causa do termo inicial que será nomeado por causa final. A causa final pode ser dividida entre fim da obra e fim do agente. O fim da obra é o objetivo é o fim para o qual a obra está destinada. Por exemplo, dar esmolas, o fim da obra é amenizar o sofrimento do pobre. O fim do agente é a intenção. Aquele que dá esmolas pode fazê-lo para ser reconhecido. Neste caso o fim da obra não coincide com o fim do agente, quando isso ocorre, diz-se o fim da obra ser um simples meio. Pode ser fim principal ou secundário, o fim principal é aquele visado primeiramente antes dos outros, por exemplo, a defesa da pátria para um soldado. O fim pode ser mediato ou derradeiro é mediato quando é um instrumento para atingir a perfeição do agente e é derradeiro quando é, ele mesmo, a perfeição ou o bem do agente, por exemplo, a felicidade. Causa material As duas causas supracitadas se referem ao movimento enquanto tal, mas não se referem às características presentes nele. A primeira característica diz todo movimento
  • 35. 35 supor um sujeito. Desta característica, verificou-se a necessidade da matéria para justificar as transformações substanciais. A principal característica da matéria é ser pura potência, isto quer dizer que a partir dela qualquer coisa pode ser feita. Naturalmente, intui-se a matéria ser aquilo de que as coisas são feitas. É interessante perceber que isto também deve ser considerado causa, pois o móvel é constituído de matéria. Logo, procede e depende dela. Isto leva a conclusão da terceira causa a que se pode ter notícia que é a causa material. Causa formal O que se viu no parágrafo anterior revela que o móvel tem uma causa material, entretanto a causa material é sempre potencial. Entretanto, não pode haver alguma coisa que seja potência pura e exista de modo definido, pois a existência definida já é um ato. Ora, isto significa que a causa material exige um termo que seja ato na composição, para que o móvel seja algo específico. Como este segundo termo faz parte da composição, dever-se-á considera-lo como causa pelos mesmos motivos alegados para a causa material. Este segundo termo da composição será chamado causa formal. Necessidade Acerca da necessidade, deve-se dizer que algo pode ser dito necessário de quatro modos, como diz o Angélico16 no comentário a Metafísica de Aristóteles. O primeiro modo é aquilo sem o qual alguma coisa não pode viver ou ser17 , como exemplo se pode citar a corrente sanguínea para o ser humano, pois sem ela o homem não pode viver. O segundo se diz necessário aquilo sem o qual não pode ser ou ser feita alguma coisa boa, evitar ou repelir alguma coisa má18 . Neste sentido se diz que o trabalho do homem lhe é necessário para o sustento. O terceiro se diz necessário aquilo que infere violência e ainda a própria violência recebe o nome de necessário19 . Neste sentido, diz-se necessária a ação feita por meio de coação; como no caso em que se joga algo pesado na direção contrária ao solo. No quarto se diz necessário aquilo que não se pode ter contingentemente, isto é absolutamente necessário.20 Neste sentido, pode-se dizer 16 Cf. Sententia Metaphysicae lib. 5 l.6 17 Sententia Metaphysicae lib. 5 l.6 n.1 (Or. : sine quo non potest aliquid vivere aut esse) 18 Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.2 (Or. : sine quibus non potest esse vel fieri bonum aliquod, vel vitari aliquod malum, vel expelli) 19 Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.3 (Or. : id quod infert violentiam, et etiam ipsa violentia necessarii nomen accepit) 20 Sententia Metaphysicae Lib.5 l.6 n.6 (Or. : quod non contingitaliter se habere: et hoc est necessarium absolute)
  • 36. 36 necessário todo o fato passado, como o fato de ter acordado hoje; pois diz o Doutor Comum Deus não pode fazer com que o passado não tenha sido, pois isto inclui contradição21 . Por meio destes tipos de necessidade é possível relacioná-los com a noção de causalidade vista na última seção. O que foi visto na causalidade é que existe uma dependência entre o efeito e a causa. Esta dependência se dá de sorte que o efeito só pode ser devido à causa. Logo, a causa é necessária ao efeito. Esta percepção entre necessidade e causalidade é fundamental para toda a ciência, pois é devido à esta propriedade que se podem enunciar leis da natureza. É porque existe necessidade entre efeito e causa que se pode inferir que onde quer que haja um efeito haverá uma causa que lhe seja correspondente. É graças a esta capacidade que se pode evocar a existência de um necessário absoluto. Pois, se o mundo for considerado em ato, então deverá ser um efeito. Se é efeito, então, necessariamente, há uma causa. Ora, a intuição diz que o mundo é relativamente necessário, pois sem ele nada poderia viver ou ser. Isto significa que a causa do mundo deve ser absolutamente necessária, pois da sua inexistência procede à inexistência de todo o resto, portanto esta causa não pode ser contingente. Em outras palavras, há um Absolutamente Necessário. Este absolutamente necessário Santo Tomás de Aquino chamou Deus, formulando a chamada terceira via da existência de Deus. Aplicações Toda esta introdução a metafísica tem por função permitir que aquele que estuda entender o conteúdo abordado nos textos antigos, em especial, da Suma Teológica de Santo Tomás e a refletir criticamente o pensado naquela época em comparação ao visto hoje. Serão, na realidade, exercícios em que se quer interpretar de maneira contemporânea os conhecimentos antigos. Os textos selecionados se vinculam, de algum modo, com conteúdos abordados durante o curso. O primeiro texto se refere ao problema acerca da necessidade de haver uma ciência da sagrada doutrina, ou seja, responde a pergunta acerca da cientificidade da teologia. Isto é muito importante, caso contrário, todo o estudo teológico poderia ser considerado uma inutilidade sem fim. 21 Contra Gent. II, cap. 25, 13
  • 37. 37 Texto 1 O primeiro discute-se assim — Parece desnecessária outra doutrina além das disciplinas filosóficas. 1. — Pois não se deve esforçar o homem por alcançar objetos que ultrapassem a razão, segundo a Escritura (Ecle. 3, 22): Não procures saber coisas mais dificultosas do que as que cabem na tua capacidade. Ora, o que é da alçada racional ensina-se, com suficiência, nas disciplinas filosóficas; logo, parece escusada outra doutrina além das disciplinas filosóficas. 2. — Ademais, não há doutrina senão do ser, pois nada se sabe, senão o verdadeiro, que no ser se converte. Ora, de todas as partes do ser trata a filosofia, inclusive de Deus; por onde, um ramo filosófico se chama teologia ou ciência divina, como está no Filósofo1. Logo, não é preciso que haja outra doutrina além das filosóficas. Mas, em contrário, a Escritura (2 Tm 3, 16): Toda a Escritura divinamente inspirada é útil para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir na justiça. Porém, a Escritura, divinamente revelada, não pertence às disciplinas filosóficas, adquiridas pela razão humana; por onde, é útil haver outra ciência, divinamente revelada, além das filosóficas. SOLUÇÃO. — Para a salvação do homem, é necessária uma doutrina conforme à revelação divina, além das filosóficas, pesquisadas pela razão humana. Porque, primeiramente, o homem é por Deus ordenado a um fim que lhe excede a compreensão racional, segundo a Escritura (Is 64, 4): O olho não viu, exceto tu, ó Deus, o que tens preparado para os que te esperam. Ora, o fim deve ser previamente conhecido pelos homens, que para ele têm de ordenar as intenções e atos. De sorte que, para a salvação do homem, foi preciso, por divina revelação, tornarem-se-lhe conhecidas certas verdades superiores à razão. Mas também naquilo que de Deus pode ser investigado pela razão humana, foi necessário ser o homem instruído pela revelação divina. Porque a verdade sobre Deus, exarada pela razão, chegaria aos homens por meio de poucos, depois de longo tempo e de mistura com muitos erros; se bem do conhecer essa verdade depende toda a salvação humana, que em Deus consiste. Logo, para que mais conveniente e segura adviesse aos homens a salvação, cumpria fossem, por divina revelação, ensinados nas coisas divinas. Donde foi necessária uma doutrina sagrada e revelada, além das filosóficas, racionalmente adquiridas. DONDE A RESPOSTA À PRIMEIRA OBJEÇÃO. — Embora se não possa inquirir pela razão o que sobrepuja a ciência humana, pode-se entretanto recebê-lo por fé divinamente revelada. Por isso, no lugar citado (Ecle 3, 25), se acrescenta: Muitas coisas te têm sido patenteadas que excedem o entendimento dos homens. E nisto consiste a sagrada doutrina. RESPOSTA À SEGUNDA. — O meio de conhecer diverso induz a diversidade das ciências. Assim, o astrônomo e o físico demonstram a mesma conclusão, p. ex., que a terra é redonda; se bem o astrônomo, por meio matemático, abstrato da matéria; e o físico, considerando a mesma. Portanto, nada impede que os mesmos assuntos, tratados nas disciplinas filosóficas, enquanto cognoscíveis pela razão natural, também sejam objeto de outra ciência, enquanto conhecidos pela revelação divina. Donde a teologia, atinente à sagrada doutrina, difere genericamente daquela teologia que faz parte da filosofia.22 22 S. Th. I q.1 a.1 (Trad. Permanência)
  • 38. 38 O texto 2 versa sobre a afirmação de que Deus é infinito e perfeito, isto seria uma contradição sob a ótica materialista pré-socrática. A importância desta questão é a inferência de que a infinidade de Deus procede da sua imaterialidade. Texto 2 SOLUÇÃO – Todos os filósofos antigos, considerando como as causas efluem, indefinidamente, do primeiro princípio, atribuem-lhe com razão a infinidade, segundo refere Aristóteles. Mas, como certos erraram sobre a natureza desse princípio, consequentemente, tinham que errar em relação à sua infinidade. Assim, considerando o primeiro princípio, matéria, atribuíram-lhe logicamente a infinidade material, dizendo que o primeiro princípio das coisas é um corpo infinito. Ora, devemos considerar, que se chama infinito ao que não é finito; e que de certo modo, a matéria é limitada pela forma e esta, por aquela. A matéria, pela forma, porque antes de receber a esta, é potencial em relação a muitas formas; mas, desde que recebe uma fica por essa limitada. A forma, de seu lado, é limitada pela matéria enquanto que, em si mesma considerada, é comum a muitos seres; mas, uma vez recebida numa matéria, torna-se determinadamente a forma de um certo ser. A matéria, ademais se aperfeiçoa pela forma que a delimita. Por onde, o infinito atribuído à matéria é algo de imperfeito, pois é quase a matéria sem forma. A forma, porém, não é aperfeiçoada pela matéria; antes, esta lhe contrai a amplitude. Portanto, o infinito resultante da forma não determinada pela matéria tem caráter de perfeito. Ora, o que é formal, por excelência, é o ser em si mesmo, como do sobredito se colhe. E como o ser divino não é recebido em nenhum outro, mas é o seu próprio ser subsistente, como já demonstramos, é manifesto que Deus é infinito e perfeito.23 O texto 3 versa sobre a primeira via da existência de Deus, este é o artigo mais famoso da Suma Teológica. Eles entraram para a história como as chamadas provas da existência de Deus. Não é necessário evidenciar a importância deste artigo, pois é a partir do reconhecimento da existência de Deus que todo o resto faz sentido. Texto 3 A primeira e mais manifesta é a procedente do movimento; pois, é certo e verificado pelos sentidos, que alguns seres são movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro o é. Porque nada é movido senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato; assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa estar em ato e potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de vista diversos; pois, o cálido atual não pode ser simultaneamente cálido potencial, mas, é frio em potência. Logo, é impossível uma coisa ser motora e movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de vista e do mesmo modo, pois, tudo o que é movido há-de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor também se move, é necessário seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor e, por consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão movidos pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é necessário 23 S.Th. I q.7 a.2 (trad. Permanência)
  • 39. 39 chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos dão o nome de Deus.24 O texto 4 versa sobre as relações entre as pessoas da trindade. O estudo sistemático da trindade sempre foi uma dificuldade para os teólogos. Neste artigo, Santo Tomás pretende mostrar que as relações na trindade são reais e não meramente lógicas. É muito importante verificar o quanto isto é razoável, pois, como mostra o próprio artigo, dizer o inverso é cair em uma heresia. Texto 4 Mas, em contrário, o pai é assim chamado por causa da paternidade; e o filho, por causa da filiação. Se, pois, em Deus não há realmente nem paternidade nem filiação, segue-se que Deus não é realmente Pai nem Filho, mas somente segundo a noção de inteligência, o que é a heresia sabeliana. SOLUÇÃO. — Certas relações existem realmente em Deus, o que se evidencia considerando que só nas coisas relativas a outras encontram-se relações só de razão e não, reais. O que não existe nos outros gêneros; pois, estes, como a quantidade e a qualidade, na sua noção própria, significam o que é inerente a um sujeito. Ora, as coisas relativas a outras exprimem, na sua noção própria, só tal relação. E tal relação está, às vezes, na própria natureza das coisas; como p. ex., nas que por natureza se coordenam e têm inclinação umas para as outras; e essas relações são necessariamente reais. Assim, p. ex., o corpo pesado tem inclinação e tendência para o centro e por isso há uma relação entre aquele e este; e o mesmo se dá em casos semelhantes. Outras vezes, porém, a relação expressa pelas coisas relativas a outras só existe na apreensão mesma da razão, comparando umas com as outras; e neste caso a relação é somente de razão, como quando, p. ex., a razão compara o homem com o animal e a espécie, com o gênero. Mas quando uma coisa procede de um princípio da mesma natureza, necessariamente ambos, o procedente e o princípio da processão, devem convir na mesma ordem, e assim é necessário tenham mútuas relações reais. Ora, como em Deus as processões existem na identidade de natureza, como mostramos, necessariamente serão reais as relações admitidas nas processões divinas.25 O texto 5 versa sobre a discussão se o bem pode ser causa do mal. A importância desta questão é sobre a origem do mal, pois diz-se que tudo que Deus fez é bom e ao mesmo tempo se percebe o mal no mundo. Daí, procede o problema: como pode o bem causar o mal? Esta questão se propõe a resolver isto. Texto 5 SOLUÇÃO. – É forçoso admitir-se que todo mal tenha, de certo modo, causa. Pois, o mal é a falta do bem natural ao ser e que este deve ter. Mas a deficiência de um ser, em relação à sua natural e devida disposição, só pode provir de alguma causa que o arrasta contrariamente à sua disposição; assim, um grave não pode mover-se para cima senão por uma causa que o impele; e a ação do agente só é deficiente, por algum impedimento. Ora, só o bem pode ser causa, porque nada é causa senão enquanto ser, e todo ser, como tal, é 24 S.Th. I q.2 a.3 (trad. Permanência) 25 S. Th. I q.28 a.2 (trad. Permanência)