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 Passaram-se cinco dias de navegação calma, quando de
repente, numa noite, uma nuvem escura nos aparece.
 A nuvem vinha tão carregada que ficámos cheios de
medo. Eu, Vasco da Gama , pedi ajuda a Deus.
Que perigo é esse
que vem aí? Essa
nuvem será uma
tempestade? Deus,
protege-nos!
 Surgiu então uma figura gigantesca e horrenda. Tinha
o rosto carregado, a barba esquálida, os olhos
encovados, a cor terrena e pálida; toda a postura era
medonha e má. Tinha os cabelos cheios de terra e
crespos; os dentes eram amarelos e a boca negra.
 Essa figura num tom de voz horrendo e grosso, que
pareceu saído do mar profundo, disse-nos:
Ó gente ousada, já que
ousas navegar nos
meus mares nunca
antes descobertos por
nenhum ser humano,
vem saber os castigos
que vos reservo para o
vosso atrevimento!
A todas as naus
que fizerem esta
viagem e passarem
por aqui, eu farei
com que haja
naufrágios e
perdições de toda a
sorte, que o menor
mal de todos seja a
morte!
Quem és tu? Que
esse estupendo
corpo, certo me tem
maravilhado?
E então algo de estranho se passou. Dando um espantoso e
grande brado, respondeu a Vasco da Gama , com voz
amarga, como se a pergunta o tivesse magoado:
Eu sou o Cabo que vós
chamais das Tormentas.
Aqui termino a costa
Africana. Fui um dos
Gigantes que defrontaram
os Deuses do Olimpo, em
guerra sangrenta.
Apaixonei-me por Tétis, princesa das águas. Aconteceu um dia em que a
vi nua na praia. A partir daí senti-me irremediavelmente preso. Dado que
sou muito feio, fui pedir ajuda a Dóris, sua mãe, para convencer Tétis a
me amar.
A Deusa respondeu: Qual será o amor
bastante de ninfa, que
sustente o de um
Gigante? O amor de
ninfa é pequeno para um
Gigante. No entanto hei-
-de encontrar maneira
de evitar a guerra.
Numa noite, prometida por Dóris, aparece-me o rosto da
linda Tétis, despida. Corro como um louco para
ela, abraçando-a e beijando-lhe as faces e o cabelo.
Afinal, achei-me abraçado, não à
minha amada Tétis, mas a um
penedo e eu próprio transformado
num rochedo, tornando-me neste
cabo.
Assim contava o Gigante, e chorando, afastou-se de
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O Gigante Adamastor

  • 1.
  • 2.  Passaram-se cinco dias de navegação calma, quando de repente, numa noite, uma nuvem escura nos aparece.
  • 3.  A nuvem vinha tão carregada que ficámos cheios de medo. Eu, Vasco da Gama , pedi ajuda a Deus. Que perigo é esse que vem aí? Essa nuvem será uma tempestade? Deus, protege-nos!
  • 4.  Surgiu então uma figura gigantesca e horrenda. Tinha o rosto carregado, a barba esquálida, os olhos encovados, a cor terrena e pálida; toda a postura era medonha e má. Tinha os cabelos cheios de terra e crespos; os dentes eram amarelos e a boca negra.
  • 5.  Essa figura num tom de voz horrendo e grosso, que pareceu saído do mar profundo, disse-nos: Ó gente ousada, já que ousas navegar nos meus mares nunca antes descobertos por nenhum ser humano, vem saber os castigos que vos reservo para o vosso atrevimento!
  • 6. A todas as naus que fizerem esta viagem e passarem por aqui, eu farei com que haja naufrágios e perdições de toda a sorte, que o menor mal de todos seja a morte!
  • 7. Quem és tu? Que esse estupendo corpo, certo me tem maravilhado?
  • 8. E então algo de estranho se passou. Dando um espantoso e grande brado, respondeu a Vasco da Gama , com voz amarga, como se a pergunta o tivesse magoado: Eu sou o Cabo que vós chamais das Tormentas. Aqui termino a costa Africana. Fui um dos Gigantes que defrontaram os Deuses do Olimpo, em guerra sangrenta.
  • 9. Apaixonei-me por Tétis, princesa das águas. Aconteceu um dia em que a vi nua na praia. A partir daí senti-me irremediavelmente preso. Dado que sou muito feio, fui pedir ajuda a Dóris, sua mãe, para convencer Tétis a me amar.
  • 10. A Deusa respondeu: Qual será o amor bastante de ninfa, que sustente o de um Gigante? O amor de ninfa é pequeno para um Gigante. No entanto hei- -de encontrar maneira de evitar a guerra.
  • 11. Numa noite, prometida por Dóris, aparece-me o rosto da linda Tétis, despida. Corro como um louco para ela, abraçando-a e beijando-lhe as faces e o cabelo.
  • 12. Afinal, achei-me abraçado, não à minha amada Tétis, mas a um penedo e eu próprio transformado num rochedo, tornando-me neste cabo.
  • 13. Assim contava o Gigante, e chorando, afastou-se de nós. Eu então fiz uma prece a Deus, pedindo-lhe que as profecias do Adamastor não se concretizassem.