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A MINHA MUSICA BRASILEIRA



A minha proposta é criar um espaço de hipertexto, onde o leitor possa ler, ouvir músicas ou ser levado
para sites relacionados ao tema Música Brasileira, para fazer recordar e refletir. .

Tudo bem, você deve estar pensando que eu fiquei entre a cruz e a espada. Reconheço que estou
condenado. Mas será uma condenação prazerosa, pois neste caso, tanto a cruz quanto a espada terá
sua dose de dor e gozo.

No entanto, decidi falar da música brasileira a partir das minhas experiências com ela, sem me
preocupar em defender este ou aquele estilo como música “boa” ou “ruim”. Antes, quero resgatar a
enxurrada de informações musicais da minha infância e adolescência, nas rádios de São Luís do
Maranhão (embora brasiliense de nascença, parti muito cedo, aos três anos de idade para a capital
maranhense) e juntar com o que escuto hoje, nos bares, encontros e festas com amigos ou
simplesmente escuto pelas ruas em Brasília e outros lugares por onde viajo.

Uma lembrança que carrego comigo é que no final da década de 70 e início dos anos 80 eu ouvia Raul
Seixas com a postura messianica em músicas como Metamorfose Ambulante e ou Al Capone. Roberto
Carlos já consagrado como músico romântico, embora eu tivesse na memória a deliciosa As Curvas da
Estada de Santos, a voz potente e emocionante de Bethania e com ela, os outros baianos, Gal, Caetano e
Gilberto Gil. Mas a miscelânea cabia muita mais gente, João Gilberto, Tim Maia, The Fevers, Os
Mutantes, o grupo Os Incríveis, que incrivelmente fizeram sucesso com uma música com trechos da
letra cantados em japonês Kokorono-niji. Os Originais do Samba, o performático Nei Matogrosso nos
Secos e Molhados, grupo Joelho de Porco, Mauro Celso com a música Farofa-fá ao lado de Tom Jobim e
Elis Regina cantado O Bêbado e a Equilibrista, ufaa!

Era assim mesmo, todas as cores, do brega à música mais elaborada, tudo ao mesmo tempo e de
quebra, encontrava aos domingos, sobre as lonas estiradas no chão da feira popular do bairro onde
morava, a invasão dos long-plays de grupos como Commodores, Barry White, Stevie Wonder com a
incrível Supertition e outros grandes nomes da Motown.

Sem contar com a influencia do meu vizinho, que nos brindava nas manhãs de sábados e domingos com
os clássicos da música brega como Amado Batista, Odair José com clássicos como Eu vou tirar você
desse lugar ( recentemente gravada por Los Hermanos), Reginaldo Rossi, Fernando Mendes. Resultado,
acabei aprendendo algumas canções que me perseguem até hoje.

Do norte vinham os sons das músicas regionais, as lindas toadas de Bumba-meu-Boi e Tambor de
Crioula, o carimbó de Pinduca e posteriormente a guitarrada (mistura do carimbó, chorinho, arrasta-pé
e a cúmbia) dos Mestres Aldo Sena, Curica e Vieira, veja esse vídeo com depoimento dos próprios
mestres. Esse estilo que misturam ritmos caribenhos, venezuelanos e colombianos, com sons regionais
do Pará recebem também uma pitada de música amazonense com o sax de Teixeira de Manaus e seu
merengue.

Soubemos primeiro pela audição de um LP chamado Papagaio Disco Club, cuja capa tinha contrastes
marcantes com letras de neon, amarelo, azul e vermelho sobre um fundo preto, mostrando a foto de
um casal dançando de forma sensual, que este era o nome de uma discoteca (termo que só se
cristalizou posteriormente) em São Paulo. Depois soubemos de outra, no Rio de Janeiro, de nome
Dancing Days de onde saiu o grupo As Frenéticas. Descobríamos a Disco Music.

Uma avalanche de músicas puxadas pelo sucesso do filme Embalos de Sábado à Noite, com John
Travolta. Bee Gees, Tavares, The Stylistics, George Mcgray, a música Love is in the air com John Paul
Yong, Ma Baker com Boney M dentre tantos outros.

Abro aqui um parenteses para falar que para as pessoas do lugar onde morávamos não havia ditadura
militar. De fato, os temas ligados à política estavam fora das nossas conversas tanto na escola quanto
nas ruas e eu mesmo só soube na década de 80 quando começou o processo de abertura política. Só
depois fui entender um pouco mais sobre a relação da música de Chico Buarque e aqule contexto tenso.
Músicas que eu conhecia, como Construção ou Acorda Amor, mas nunca imaginei que estivessem
dialogando com uma ditadura. Aliás, sobre Chico Buarque, quero escrever um texto específio sobre essa
relação da produção artística e a realidade brasileira daquele período.

Por volta de dezenove anos e já em Brasília, morando na cidade-satélite Ceilândia, descobri ou atentei
para a música erudita com Bach e Mozart, o canto coral pelo qual me apaixonei e o jazz, principalmente
Ella Fitzgerald, com sua voz aveludada, uma maravilha. As peripécias músicais de Mile Davis primeior na
fase mais bebop com Charlie Parker, depois a parceria com John Coltrane na fase cool jazz como na
música So What. Por via da Bossa Nova, conheci o sax de Stan Getz. Todas estas referências me abriram
o universo de percepção musical.

E apesar de ouvir tudo isso, não abria mão de nas noites de sábado, na quadra de esporte do colégio
próximo da minha casa, participar das chamadas “ruas de lazer”. Algo realmente democrático e coletivo
que mobilizava a comunidade e tinha sempre um clima de festa.

Tendo como trilha sonora, os funks de Chaka Khan, Kurtis Blow e o soul de James Brown, e o alucinante
som do Afrika Bambaataa, os grupos de dança, compostos por dezenas de jovens executando
coreografias criadas e ensaiadas exaustivamente se rivalizavam nas ruas e praças até que o público
escolhesse o vitorioso. Fiquei alucinado com aquilo, não agüentei e “cai pra dentro” na dança de rua,
tipo de dança que eu já estava envolvido desde meus anos de São Luis. Infelizmente estes espaços
coletivos foram engolidos pela onda de violência que tomou conta dos bailes funk e hoje, não existem
mais.

É por esta vivência ampla com a música que não entendo música brasileira como sendo uma, mas várias.
Por isso, caro leitor, a minha proposta é produzir reflexões sobre a música brasileira sem
necessariamente pegar um viés cronológico e retilíneo. Antes, quero exercitar a liberdade de escolher
fatos e personagens pitorescos, estilos tão aparentemente distantes quanto a Bossa Nova, o Pancadão
Carioca. Poder comentar a Música Baiana, a chamada Música Brega, o Samba do Morro, a Tropicália, a
MPB (outro rótulo difícil de explicar) e os grandes nomes da nossa música popular.
Pode ser que a música nos permita desvendar o fogo onde apenas olhamos fumaça. Pode ser que de
fato, enquanto cultura, não nos rendamos com facilidade ao que nos é imposto ou permaneçamos
musicalmente estagnados, pois cada elemento que cai nesse caldeirão que chamamos de cultura
brasileira se adapta, se transforma em parte desse caldo essencial que é a nossa Música.

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A MINHA MUSICA BRASILEIRA

  • 1. A MINHA MUSICA BRASILEIRA A minha proposta é criar um espaço de hipertexto, onde o leitor possa ler, ouvir músicas ou ser levado para sites relacionados ao tema Música Brasileira, para fazer recordar e refletir. . Tudo bem, você deve estar pensando que eu fiquei entre a cruz e a espada. Reconheço que estou condenado. Mas será uma condenação prazerosa, pois neste caso, tanto a cruz quanto a espada terá sua dose de dor e gozo. No entanto, decidi falar da música brasileira a partir das minhas experiências com ela, sem me preocupar em defender este ou aquele estilo como música “boa” ou “ruim”. Antes, quero resgatar a enxurrada de informações musicais da minha infância e adolescência, nas rádios de São Luís do Maranhão (embora brasiliense de nascença, parti muito cedo, aos três anos de idade para a capital maranhense) e juntar com o que escuto hoje, nos bares, encontros e festas com amigos ou simplesmente escuto pelas ruas em Brasília e outros lugares por onde viajo. Uma lembrança que carrego comigo é que no final da década de 70 e início dos anos 80 eu ouvia Raul Seixas com a postura messianica em músicas como Metamorfose Ambulante e ou Al Capone. Roberto Carlos já consagrado como músico romântico, embora eu tivesse na memória a deliciosa As Curvas da Estada de Santos, a voz potente e emocionante de Bethania e com ela, os outros baianos, Gal, Caetano e Gilberto Gil. Mas a miscelânea cabia muita mais gente, João Gilberto, Tim Maia, The Fevers, Os Mutantes, o grupo Os Incríveis, que incrivelmente fizeram sucesso com uma música com trechos da letra cantados em japonês Kokorono-niji. Os Originais do Samba, o performático Nei Matogrosso nos Secos e Molhados, grupo Joelho de Porco, Mauro Celso com a música Farofa-fá ao lado de Tom Jobim e Elis Regina cantado O Bêbado e a Equilibrista, ufaa! Era assim mesmo, todas as cores, do brega à música mais elaborada, tudo ao mesmo tempo e de quebra, encontrava aos domingos, sobre as lonas estiradas no chão da feira popular do bairro onde morava, a invasão dos long-plays de grupos como Commodores, Barry White, Stevie Wonder com a incrível Supertition e outros grandes nomes da Motown. Sem contar com a influencia do meu vizinho, que nos brindava nas manhãs de sábados e domingos com os clássicos da música brega como Amado Batista, Odair José com clássicos como Eu vou tirar você desse lugar ( recentemente gravada por Los Hermanos), Reginaldo Rossi, Fernando Mendes. Resultado, acabei aprendendo algumas canções que me perseguem até hoje. Do norte vinham os sons das músicas regionais, as lindas toadas de Bumba-meu-Boi e Tambor de Crioula, o carimbó de Pinduca e posteriormente a guitarrada (mistura do carimbó, chorinho, arrasta-pé e a cúmbia) dos Mestres Aldo Sena, Curica e Vieira, veja esse vídeo com depoimento dos próprios mestres. Esse estilo que misturam ritmos caribenhos, venezuelanos e colombianos, com sons regionais
  • 2. do Pará recebem também uma pitada de música amazonense com o sax de Teixeira de Manaus e seu merengue. Soubemos primeiro pela audição de um LP chamado Papagaio Disco Club, cuja capa tinha contrastes marcantes com letras de neon, amarelo, azul e vermelho sobre um fundo preto, mostrando a foto de um casal dançando de forma sensual, que este era o nome de uma discoteca (termo que só se cristalizou posteriormente) em São Paulo. Depois soubemos de outra, no Rio de Janeiro, de nome Dancing Days de onde saiu o grupo As Frenéticas. Descobríamos a Disco Music. Uma avalanche de músicas puxadas pelo sucesso do filme Embalos de Sábado à Noite, com John Travolta. Bee Gees, Tavares, The Stylistics, George Mcgray, a música Love is in the air com John Paul Yong, Ma Baker com Boney M dentre tantos outros. Abro aqui um parenteses para falar que para as pessoas do lugar onde morávamos não havia ditadura militar. De fato, os temas ligados à política estavam fora das nossas conversas tanto na escola quanto nas ruas e eu mesmo só soube na década de 80 quando começou o processo de abertura política. Só depois fui entender um pouco mais sobre a relação da música de Chico Buarque e aqule contexto tenso. Músicas que eu conhecia, como Construção ou Acorda Amor, mas nunca imaginei que estivessem dialogando com uma ditadura. Aliás, sobre Chico Buarque, quero escrever um texto específio sobre essa relação da produção artística e a realidade brasileira daquele período. Por volta de dezenove anos e já em Brasília, morando na cidade-satélite Ceilândia, descobri ou atentei para a música erudita com Bach e Mozart, o canto coral pelo qual me apaixonei e o jazz, principalmente Ella Fitzgerald, com sua voz aveludada, uma maravilha. As peripécias músicais de Mile Davis primeior na fase mais bebop com Charlie Parker, depois a parceria com John Coltrane na fase cool jazz como na música So What. Por via da Bossa Nova, conheci o sax de Stan Getz. Todas estas referências me abriram o universo de percepção musical. E apesar de ouvir tudo isso, não abria mão de nas noites de sábado, na quadra de esporte do colégio próximo da minha casa, participar das chamadas “ruas de lazer”. Algo realmente democrático e coletivo que mobilizava a comunidade e tinha sempre um clima de festa. Tendo como trilha sonora, os funks de Chaka Khan, Kurtis Blow e o soul de James Brown, e o alucinante som do Afrika Bambaataa, os grupos de dança, compostos por dezenas de jovens executando coreografias criadas e ensaiadas exaustivamente se rivalizavam nas ruas e praças até que o público escolhesse o vitorioso. Fiquei alucinado com aquilo, não agüentei e “cai pra dentro” na dança de rua, tipo de dança que eu já estava envolvido desde meus anos de São Luis. Infelizmente estes espaços coletivos foram engolidos pela onda de violência que tomou conta dos bailes funk e hoje, não existem mais. É por esta vivência ampla com a música que não entendo música brasileira como sendo uma, mas várias. Por isso, caro leitor, a minha proposta é produzir reflexões sobre a música brasileira sem
  • 3. necessariamente pegar um viés cronológico e retilíneo. Antes, quero exercitar a liberdade de escolher fatos e personagens pitorescos, estilos tão aparentemente distantes quanto a Bossa Nova, o Pancadão Carioca. Poder comentar a Música Baiana, a chamada Música Brega, o Samba do Morro, a Tropicália, a MPB (outro rótulo difícil de explicar) e os grandes nomes da nossa música popular. Pode ser que a música nos permita desvendar o fogo onde apenas olhamos fumaça. Pode ser que de fato, enquanto cultura, não nos rendamos com facilidade ao que nos é imposto ou permaneçamos musicalmente estagnados, pois cada elemento que cai nesse caldeirão que chamamos de cultura brasileira se adapta, se transforma em parte desse caldo essencial que é a nossa Música.