O documento descreve as diferentes etapas da carreira docente de acordo com Huberman, incluindo a entrada na carreira, a fase de estabilização, a fase de diversificação, a fase de questionamento, a fase de serenidade e distanciamento afetivo, a fase de conservantismo e lamentações e a fase de desinvestimento. Além disso, discute a importância de considerar o professor como uma pessoa e não apenas como um profissional, e como isso é relevante para a profissionalização docente.
Aula 1, 2 Bacterias Características e Morfologia.pptx
Artigo constituir se professor
1. CONSTITUIR-SE PROFESSOR: A TRAJETÓRIA DE UM PROCESSO IDENTITÁRIO
FLORIANO, M. Bárbara. Professora na Área de Educação Superior na FA4UATRO
Renascido,
Ele conhece,
Ele tem piedade.
Enfim, ele pode ensinar
(Michel Serres)
Descrever um processo não é tarefa simples, especialmente tratando-se de um
processo identitário, uma vez que a constituição da identidade é aspecto definidor de quem
somos enquanto pessoas e profissionais,seja de qual ramo for.
Utilizo aqui a expressão processo identitário, pois de acordo com Nóvoa (2007) a
identidade não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade
é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar na
profissão. Por isso, é mais adequado falar em processo identitário, realçando a mescla
dinâmica que caracteriza a maneira como cada um se sente e se diz professor.
Escolher uma profissão, situar-se dentro dela e estabilizar-se como profissional são
momentos decisivos e importantes na vida de qualquer ser humano, pois ao mesmo tempo
que nos desenvolvemos profissionalmente, assim o fazemos pessoalmente.
Dentro da profissão docente essa simultaneidade de desenvolvimento profissional /
pessoal torna-se ainda mais ligada, ao passo que o professor é um profissional que carrega
suas subjetividades no preparo e aplicação de suas aulas, e dessa forma sua ação
pedagógica é influenciada pelas suas características pessoais e pelo seu percurso de vida
profissional.
Nóvoa (2007, p. 16) nos coloca um breve esquema de três AAA, o qual nos permite
perceber tal ligação entre o lado pessoal e profissional dos docentes:
_ A de Adesão, porque ser professor implica sempre a adesão a princípios e a valores,
a adoção de projetos, um investimento positivo nas potencialidades das crianças e dos
jovens.
_ A de Ação, porque também aqui, na escolha das melhores maneiras de agir, se
jogam decisões do foro profissional e do foro pessoal. Todos sabemos que certas técnicas e
métodos “colam” melhor com nossa maneira de ser do que outros. Todos sabemos que o
sucesso ou insucesso de certas experiências “marcam” a nossa postura pedagógica,
fazendo-nos sentir bem ou mal com esta ou aquela maneira de trabalhar na sala de aula.
2. _ A de Autoconsciência, porque em última análise tudo se decide no processo de
reflexão que o professor leva a cabo sobre sua própria ação. É uma dimensão decisiva da
profissão docente, na medida em que a mudança e a inovação pedagógica estão intimamente
dependentes deste pensamento reflexivo.
Dessa maneira, torna-se impossível separar o lado pessoal do lado profissional, pois a
maneira que cada professor ensina está diretamente dependente daquilo que é como pessoa
quando exerce o ensino: “Será que a educação do educador não se deve fazer mais pelo
conhecimento de si próprio do que pelo conhecimento da disciplina que ensina?” (Laborit,
1992, p.55).
Eis-no de novo face à pessoa e ao profissional, ao ser e ao ensinar. E as opções que
cada um tem de fazer como professor, as quais cruzam a maneira de ser com a maneira de
ensinar e desvendam na maneira de ensinar a maneira de ser.
Entretanto os estudos e publicações sobre o processo identitário docente e a
indissociação entre pessoa e profissional são recentes em nossa cultura, uma vez que ser
professor passou por inúmeros estágios e condições sociais no decorrer dos anos. Foi em
1984, com a publicação do livro O professor é uma pessoa que Ada Abraham iniciou uma
virada na literatura pedagógica, recolocando o professor no centro dos debates educativos e
das problemáticas da investigação e desde então estudos sobre a vida dos professores, suas
carreiras e percursos profissionais, suas biografias e autobiografias, seu desenvolvimento
profissional têm sido realizados e considerados.
Como em todas as outras profissões, a profissão docente também passa por estágios
de desenvolvimento, até que o profissional se encontre estabilizado e tranquilo para tomar
decisões e assumir posturas com autonomia e segurança.
O fato de os estudos sobre a carreira docente se apresentarem em forma de estágios
ou ciclos, não implica dizer que tais sequências sejam vividas de forma linear e nem que
todos os elementos de uma dada profissão as vivam todas. O desenvolvimento de uma
profissão é um processo e não apenas uma série de acontecimentos. Sendo assim, um
processo envolve patamares, regressões, becos sem saída, momentos de arranque e
descontinuidades.
Huberman (1989) em seu texto O ciclo de vida profissional dos professores, nos
oferece uma análise das fases perceptíveis da carreira do professor.
A ENTRADA NA CARREIRA
Caracteriza-se como um estágio de “sobrevivência” e de “descoberta”. O aspecto da
“sobrevivência” traduz o que se chama vulgarmente de “choque de realidade”, a confrontação
inicial com a complexidade da situação profissional: o tatear constante, a preocupação
consigo próprio, a distância entre os ideais e as realidades cotidianas da sala de aula, a
3. fragmentação do trabalho, a dificuldade em fazer face, simultaneamente, à relação
pedagógica e à transmissão de conhecimentos, a oscilação entre relações demasiado íntimas
e demasiado distantes, dificuldades com alunos que criam problemas, com material didático
inadequado, etc.
Em contrapartida, o aspecto da “descoberta” traduz o entusiasmo inicial, a
experimentação, a exaltação por estar em situação de responsabilidade, por sentir-se colega
num determinado corpo profissional. Muitos estudos mostram que os dois aspectos são
vivenciados simultaneamente e é o segundo que permite aguentar o primeiro. Mas verifica- se
também a existência de perfis com um só desses componentes impondo-se como dominante,
ou perfis com outras características: a indiferença ou quanto pior melhor, a serenidade, a
frustração, etc.
Abrangendo estes diferentes perfis, encontra-se a “exploração”. No caso concreto do
ensino, a exploração é limitada por parâmetros impostos pela instituição.
A FASE DE ESTABILIZAÇÃO
Trata-se de um momento- chave, um momento de transição entre duas etapas
distintas da vida, o momento do comprometimento definitivo e a tomada de
responsabilidades.
Em que consiste a estabilização do ensino? Em termos gerais, trata-se de uma
escolha subjetiva (comprometer-se definitivamente) e um ato administrativo ( nomeação
oficial). Num dado momento as pessoas passam a ser professores, quer aos seus olhos, quer
aos olhos dos outros.
Nem sempre é uma escolha fácil. Com efeito, “escolher” significa “eliminar outras
possibilidades”. A abordagem psicanalítica sublinha que a escolha de uma identidade
profissional implica a renúncia, pelo menos por um determinado período, a outras identidades.
No caso do ensino, a estabilização assume o significado de pertença a um corpo
profissional e a independência. Uma vez colocadas em termos de efetivação, as pessoas
afirmam-se perante os colegas com mais experiência e, sobretudo, perante as autoridades.
Nesse sentido estabilizar- se significa acentuar o seu grau de liberdade, as suas
prerrogativas, o seu modo próprio de funcionamento.
No parâmetro pedagógico a estabilização precede ou acompanha um sentimento de
“competência” pedagógica crescente.
Os estudos de Fuller (1969) e Burden (1971) evocam um sentimento de confiança e
de “conforto”, associado a uma maior descentração: as pessoas preocupam-se menos
consigo mesmas e mais com os objetivos didáticos. Situando melhor os objetivos a médio
prazo e sentindo mais a vontade para enfrentar situações complexas ou inesperadas, o
professor logra consolidar e aperfeiçoar o seu repertório de base no seio da turma.
4. No seu conjunto, a fase de estabilização, acompanhando diretamente a consolidação
pedagógica, é percepcionada em termos positivos, se não mesmo em termos de pleno
agrado, por aqueles que a vivem (Moskowitz e Hayman, 1974).
A FASE DE DIVERSIFICAÇÃO
Nesse período as pessoas lançam-se numa pequena série de experiências pessoais,
diversificando o material didático, os modos de avaliação, a forma de agrupar os alunos, as
sequências do programa, etc.
Parte da busca por novos desafios responde ao receio emergente de cair na rotina.
Como diz Watts (1980), o comprometimento com atividades coletivas corresponde também a
uma necessidade de manter o entusiasmo pela profissão, de se projetar como docente aos
50/60 anos, sem que daí venha a resultar uma sensação de pesadelo.
PÔR-SE EM QUESTÃO
Há duas vertentes para explicar essa fase. A primeira é que a fase de diversificação
dá lugar ao aparecimento de um grande número de casos, ao longo de um período em que as
pessoas se põem em questão, sem haver uma consciência muito clara do tipo de
diversificação nem do que é que está a ser posto em questão.
Por outro lado nota-se o desenvolvimento progressivo de uma sensação de rotina a
partir da fase de estabilização, sem que as pessoas passem por atividade inovadora
significativa.
Trata-se de uma fase multifacetada e, pretender fazer-lhe corresponder uma definição
redutora se torna tarefa difícil, se não mesmo ilegítima. Para uns, é a monotonia da vida
cotidiana em situação de sala de aula, ano após ano, que provoca o questionamento. Para
outros, é muito provavelmente o desencanto, subsequente aos fracassos das experiências ou
das reformas estruturais em que as pessoas participaram energicamente, que desencadeia a
crise.
Trata-se , em termos não muito precisos, do “meio da carreira”, um período que se
situa, globalmente, entre os 35 e os 50 anos, ou entre o 15º e o 25º anos de ensino.
Em outras palavras, pôr-se em questão corresponderia a uma fase_ ou várias fases_
da vida, durante a qual as pessoas examinam o que terão feito da sua vida, face aos objetivos
e ideais dos primeiros tempos, e em que encaram tanto a perspectiva de continuar o mesmo
percurso como a de se embrenharem na incerteza e, sobretudo, na insegurança de um outro
percurso.
Há indicações de que o questionamento não é sentido da mesma maneira por
homens e por mulheres. Normalmente encontra-se um “teor” de questionamento mais
elevado nos homens, e numa idade mais jovem do que nas mulheres.
5. SERENIDADE E DISTANCIAMENTO AFETIVO
Trata-se principalmente de um estado “de alma” que se encontra nos estudos
efetuados com os professores de 45-55 anos. Pode-se chegar nesse estádio por vias
diversas, mas muito frequentemente, chega-se lá na sequência de uma fase de
questionamentos.
Estes professores evocam uma “grande serenidade em sala de aula”. Apresentam-se
menos sensíveis, ou vulneráveis, à avaliação dos outros. Falam explicitamente de
“serenidade”, de ter chegado a auto aceitação.
CONSERVANTISMO E LAMENTAÇÕES
Alguns estudos mostram que os professores de 50-60 anos queixam-se da evolução
dos alunos, da atitude para com o ensino, da política educacional, dos colegas mais jovens,
etc. As mulheres deploram a evolução dos alunos, e os homens têm a tendência para aceitar
a ideia de que "as modificações raramente conduzem a melhorias no sistema”.
A relação entre a idade e o conservantismo é muito clara, pois existe a tendência de
com a idade se adquirir maior rigidez e dogmatismo, uma prudência mais acentuada, maior
resistência às inovações, uma nostalgia e uma mudança de ótica face ao futuro.
O DESINVESTIMENTO
Trata-se de um fenômeno de recuo e de interiorização no final da carreira profissional.
As pessoas libertam-se, progressivamente, sem o lamentar, do investimento no
trabalho, para consagrar mais tempo a si próprias, aos interesses exteriores à escola e a uma
vida social de maior reflexão.
A maioria dos professores nesse estádio são os que estão em fim de carreira,
entretanto podemos encontrar alguns que desinvestem em meio de carreira.
"As pessoas fogem dos horrores e decepções da vida social para ir cultivar o seu
jardim."
Diante desse quadro pode-se perceber, mais uma vez, que o professor é uma pessoa,
além de um profissional, que enfrenta inúmeros desafios diários no exercer de sua profissão,
exigindo deste que coloque em xeque a sua profissionalidade. Porém é importante que se
defina o conceito de profissionalidade docente.
Profissionalidade trata-se de um conjunto de características de uma profissão, unindo
a racionalização dos conhecimentos e as habilidades necessárias ao exercício profissional.
De acordo com Ramalho, Nuñez e Gauthier, (2003), a profissionalização de professores
implica na obtenção de um espaço autônomo, próprio à sua profissionalidade, com valor
claramente reconhecido pela sociedade.
Não existe consistência em uma profissionalização sem a constituição de uma base
sólida de conhecimentos e formas de ação. Dessa forma,o professor deixa de ser “amador”
6. para se tornar um profissional capacitado a resolver problemas complexos e variados,
construindo soluções em sua ação, mobilizando recursos cognitivos e afetivos.
Nesse sentido é importante considerar o professor em sua totalidade para poder criar
tais espaços que reforcem e efetivem tal processo de profissionalização do docente, o que
também acabará refletindo de forma positiva em sua autoimagem e valorização profissional,
pois com a melhoria da qualidade profissional, a pessoa do professor se sentirá mais
estimulada e desenvolverá suas competências com maior habilidade e prazer.
Acredito que uma das maneiras mais eficientes de se melhorar a qualidade dos
docentes é pensar sua formação inicial a partir da função social própria à escolarização, a
qual constitui-se em ensinar às novas gerações o conhecimento acumulado e consolidar
valores e práticas coerentes com a vida civil. Para que isso ocorra é necessário ter em mente
que o ofício do professor é multifacetado, com inúmeras vertentes e nuances que devem ser
consideradas e uma delas é considerar o professor como uma pessoa.
Encerrando esse artigo, deixo uma citação bastante pertinente para que a reflexão
sobre o processo identitário do professor não se encerre por aqui, mas que encontre eco e
voz em muitas outras situações.
“O professor é a pessoa; e uma parte importante da pessoa é o professor”.
(Jennifer Nias, 1991)
7. Referências Bibliográficas
CHACKUR, Cilene, R.S.L. A profissionalidade docente em uma abordagem construtivista.
Araraquara, Cadernos de Pesquisa, 2002.
GATTI, Bernardete A. Análise das políticas públicas para formação continuada no Brasil, na
última década. Rio de Janeiro, Revista Brasileira de Educação, 2008
GATTI, Bernardete A. Formação de professores no Brasil: características e problemas.
Campinas, Educação e Sociedade, 2010
HUBERMAN, Michäel. O ciclo de vida profissional dos professores. In: NÓVOA, António (org).
Vidas de professores, 2ª Ed.Portugal, Porto Editora, 2007.
MARCELO GARCIA, Carlos. Los profesores como trabajadores del
conocimineto.Certidumbres y desafios para uma función a ló largo de la vida. Madri, Educar,
2002.
MIZUKAMI, Maria da Graça N. Aprendizagem da docência: algumas contribuições de
L.S.Shulman. Educação, v. 29, n. 2, 2004.
NÓVOA, António. Os professores e as histórias da sua vida. In: NÓVOA, Antonio (org). Vidas
de professores, 2ª Ed. Portugal, Porto Editora, 2007.
ZEICHNER, Kenneth M. Uma análise crítica sobre a “reflexão” como conceito estruturante na
formação docente. Campinas, Educação e Sociedade, 2008.
.