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UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB
          DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV
         COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO
             EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS –
                        LICENCIATURA




                     FABÍULA DA SILVA BORGES




  IRACEMA, RITA BAIANA E FLOR: diálogos e metáforas de nação em
Iracema, de José de Alencar, O cortiço, de Aluísio de Azevedo e Dona Flor e
                    seus dois maridos, de Jorge Amado




                             Conceição do Coité
                                   2012
                                                                          1
FABÍULA DA SILVA BORGES




  IRACEMA, RITA BAIANA E FLOR: diálogos e metáforas de nação em
Iracema, de José de Alencar, O cortiço, de Aluísio de Azevedo e Dona Flor e
                    seus dois maridos, de Jorge Amado


                            Monografia apresentada ao Departamento de Educação,
                            da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Curso de
                            Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e
                            Literaturas – Licenciatura, como parte do processo
                            avaliativo para obtenção do grau de Licenciado em Letras.

                            Orientadora: Profª. Ms Eugênia Mateus de Souza




                             Conceição do Coité
                                   2012

                                                                                   2
A todos da minha família, pelo carinho e compreensão que sempre
deram na minha trajetória. Pelo incentivo e força que cada um me
ofereceu nos momentos de aflição. Por cada sorriso que partilharam
comigo nos momentos de glória.
                                                                3
AGRADECIMENTOS


         Primeiramente agradeço a Deus, ser supremo, meu conselheiro e amigo, que sempre
me deu energia e coragem em todos os momentos de árdua batalha para vencer mais uma
etapa na trajetória de minha vida.
         Ao meu pai, Augusto Pereira Borges, que, mesmo tendo partido na minha infância,
entregou-me, como legado, a coragem de lutar pelos meus sonhos.
          De modo especial, à minha mãe, Maria José Barbosa Borges, que apesar de passar
por momentos difíceis, assumindo o papel de pai e mãe, soube me ensinar o valor da vida e
perseverar nos meus sonhos, também já se foi, mas seus ensinamentos foram o meu norte
nessa trajetória.
         À minha irmã, Lindinalva, pelo o incentivo e carinho que sempre me deu,
assumindo, às vezes, o papel de minha mãe.
         À minha cunhada, Maria Claudia, pelas caronas, conselhos e conforto nos momentos
de aflição.
         Ao meu irmão, Augustinho, por cada palavra de incentivo que me valeu para persistir
neste trabalho.
         Ao meu sobrinho, Augusto Cesár, pelos muitos favores prestados, torcida e apoio.
         A todos os meus professores, que me mostraram a beleza da Literatura.
         De modo muito especial, à minha professora orientadora Eugênia Mateus, pelas
carinhosas e indispensáveis orientações, pelo estímulo, por cada texto/livro que me
indicou/emprestou, por ter me mostrado a beleza da literatura. Agradeço ainda, pela paciência
e compreensão, que colaborou para que este trabalho se tornasse real, apesar de sabermos que,
“dorme quem pode”, “dormi”, sua orientação permitiu que conciliasse trabalho e faculdade.
         Ao professor Deijair, pela paciência hercúlea, pelo tom baixo e decidido com que se
dirige ao alunado e pelos sorrisos de canto e olhares amigos, nos mais difíceis momentos
quando a vontade é de desistir.
         Finalmente, agradeço a todos que colaboraram para o cumprimento dessa tarefa.
Nomear a cada um seria inviável depois de tantos neurônios queimados e uma mente tão
calejada por tantas letras que ousavam desfilar em meio às palavras seus sábios ensinamentos
nas páginas e mais páginas e mais páginas... desenhadas pela escrita a ser decifrada por uma
leitura atenta e dividida entre o prazer de ler e a obrigação de fechar mais um ciclo.



                                                                                            4
Ser homem é ser responsável. É sentir que colabora na
                                 construção do mundo.
                             Antoine de Saint-Exupéry

É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o
    bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de
 dizer porque no momento em que tento falar não só não
     exprimo o que sinto como o que sinto se transforma
                             lentamente no que eu digo.
                                      Clarice Lispector

    O que reúne e atrai as pessoas não é a semelhança ou
 identidade de opiniões, senão a identidade de espírito, a
   mesma espiritualidade ou maneira de ser e entender a
                                                    vida.
                                           Marcel Proust

                                                        5
RESUMO

A nação se concretiza sob a pena dos escritores cujas narrativas estabelecem a dialética
identitária e entra num campo imaginário de representações. A brasilidade imaginada, objeto
de tantas especulações, incentiva estudos no sentido de se buscar a metáfora de nação,
representada pela figura feminina nos romances, como é o caso desse trabalho – Iracema
(José de Alencar), O cortiço (Aluízio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge
Amado). Iracema, Rita Baiana e Flor são pontes entre lados opostos de uma nação; elas
determinam a influência dos colonizadores/estrangeiros na formação do povo brasileiro; a
feminilidade da nação se abrindo aos espaços de transgressão dos modelos esperados para a
representatividade dos desequilíbrios comuns nos espaços e assinalados, ironicamente, na
mulher, objeto de descarte nos espaços públicos, mas trazidas por Jorge Amado à revelia dos
modelos estereotipados fincados pelos modelos convencionalizados.

PALAVRAS-CHAVE: Romantismo versus Naturalismo versus Modernismo. Literatura.
Nação versus Identidade. Figura Feminina.




                                                                                         6
ABSTRACT


The nation is materialized from the pen of writers whose narratives establish the dialectic of
identity, and get in a field of imaginary representations. The imagined Brazilianness, object of
so much speculation, encourages studies in order to find the nation’s metaphor, represented by
the female figure in the novels, as in this works - Iracema (José de Alencar) O Cortiço
(Aluízio de Azevedo) and Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado). Iracema, Rita
Baiana and Flor are bridges between opposite sides of a nation, they determine the influence
of colonizer/foreigners in the formation of Brazilian people, the nation’s femininity opening
through spaces of transgression of the expected models for the representation of common
imbalances in the marked spaces, ironically, the woman, object of discard in the public
environments, but brought by Jorge Amado in absentia of stereotyped models stuck
conventionalized by the models.

KEY - WORDS: Romanticism versus Naturalism versus Modernism. Literature. Nation
versus Identity. Female Figure.




                                                                                              7
SUMÁRIO



INTRODUÇÃO                                                                                                                      09

1       NARRANDO A NAÇÃO, A COR LOCAL E A IDENTIDADE: a dialética da
        conceituação ............................................................................................................ 13
1.1     Nação: construção imaginária narrada ....................................................................               15
1.2     A escolha da cor local: uma busca de perfil de brasilidade ...................................                          18
1.3     Identidade nacional /cultural: duas versões, uma realidade .................................                            20


2       ROMANTISMO, REALISMO E MODERNISMO: a mulher sob três focos ....                                                         24
2.1     O sublime ser mulher alencariano: da nativa à europeizada ................................                              26
2.2     Mulher e transgressão: o determinismo naturalista no perfil de mulher em Aluísio de
        Azevedo .................................................................................................. 30
2.3     Amadas e Amado: o modernismo de Jorge Amado e o ser feminino ....................                                       33


3       MULHER SOB O OLHAR LITERÁRIO E SÍMBOLO DE NAÇÃO .............                                                           38
3.1     Iracema: projeto de invenção nacional romântica ..................................................                      39
3.2     Rita Baiana: o caso e o descaso de uma nação .......................................................                    43
3.3     Flor: a nacionalidade jorgeamadeana projetada em ícone identitário .....................                                47


CONCLUSÃO .................................................................................................................     52


REFERÊNCIAS ..............................................................................................................      54




                                                                                                                                       8
INTRODUÇÃO


         É do conhecimento de muitos, que os países colonizados buscam firmar-se como
nação soberana. Para isso acontecer um tortuoso caminho tem que ser trilhado. Esse processo
implica formar uma identidade nacional, tarefa nada fácil, porque nessa busca dá-se a junção
de culturas diversas ou o (des)encontro das diferenças, o que favorece à negação de
determinada cultura ou em conflitos sangrentos que escorrem por quase toda a escrita de toda
uma história do país.
         Para entender, portanto, o processo de formação do povo brasileiro é pertinente uma
volta ao passado, para reflexões que nos auxilie a compreender o processo construtor de
nação; apesar de a modernidade sugerir a mistura entre as etnias, a temática das identidades
está sempre em discussão. E, diante dessas inquietações a literatura pode oferecer as respostas
para se compreender como a nação brasileira se formara na busca da identidade nacional.
         A mistura do colonizador português, do índio e do negro formou o povo brasileiro;
este processo de formação, porém, não agradou a todos. Logo trataram de buscar uma
identidade nacional para o país. Neste caminho longo e de percursos confundíveis, muitos
autores brasileiros retrataram, nas suas narrativas, os tipos humanos mais representativos do
país (o negro, o índio e a mulher). A inclusão da mulher na literatura brasileira foi um marco
importante para a busca da identidade nacional. O papel desempenhado por essas figuras na
Literatura serão objeto de estudo neste trabalho.
         Nota-se que desde a criação do mundo, a mulher tem sido ícone de uma nação, vista
como símbolo sedutor, capaz de manipular a mente masculina, a fim de conseguir seus
objetivos, ou ainda, delinear, através de seu perfil, a imagem de nação. Diante dessa
afirmação, ressalta-se a história bíblica de Adão e Eva (Gn 3, 6-14). Adão foi convencido por
Eva a comer o fruto proibido, onde perdeu sua pureza. Nessa perspectiva é inegável que,
desde os tempos antigos, se retratava a figura feminina como estereótipo de submissão,
embora desviasse os sentidos masculinos. Obviamente esse estereótipo perdurou por toda a
história e favoreceu autores que buscavam uma figura para representar a nação, com traço
exuberante e nacional, capaz de representar a Identidade nacional/cultural.
         Assim, este trabalho trilha pela temática Literatura e Nação/Identidade nos romances:
Iracema (José de Alencar), O cortiço (Aluísio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos
(Jorge Amado), que sabiamente protagonizou por meio de personagens femininos a metáfora
de nação. A leitura desses romances é de suma importância para a sociedade compreender a


                                                                                             9
formação da identidade nacional/cultural do nosso país, onde a figura feminina recebeu
relevância, além de ser um trabalho que propõe (des)construir o projeto de nacionalidade pela
imagem metafórica das personagens femininas, que proporcionará a reflexão sobre a atual
nação brasileira e sua formação.
        O trabalho foi projetado a partir dos seguintes questionamentos: Quais indícios
linguísticos e literários levaram os autores à escritura dessas narrativas, trazendo a mulher
como símbolo de nação? Mediante o conceito de identidade nacional/cultural como se
encaixam os projetos literários desses autores? Brasilidade/nacionalidade como dois projetos
fotográficos de Brasil ou a representatividade para uma rejeição aos moldes portugueses?
Quais indícios ou atitudes femininos simbolizam a imagem de nação em Iracema, Rita Baiana
e Flor nos projetos literários de autores de épocas distantes? O primitivismo em Alencar, a
mestiçagem em Aluisio de Azevedo e os princípios da modernidade em Jorge Amado definem
uma literatura-espelho de projetos de invenção, afirmação ou amadurecimento de Brasil?
        Diante dos questionamentos, acreditou-se haver uma explicação aceitável, uma vez
que se tem vasto acervo da história do nosso país.
        Possivelmente os autores tentaram mostrar nessas narrativas novas palavras e
entonações que figurassem a nacionalidade, mediante interação entre recursos linguísticos
(local/colonizador), visto como aversão ao estrangeiro colonizador. Cogita-se, ainda que, ao
utilizar a figura feminina, como símbolo nacional, os autores denotem a negação ao herói
europeu, como insinuação à perda do espaço nessa nação, pelo colonizador.
        Partindo do pressuposto de que a arte da escrita nacional expressara-se em vários
movimentos literários, entende-se que esses autores tentassem se adequar ao contexto da
época, quando a figura feminina refletia as mudanças ocorridas em estilo literário para
solidificar a nação e a busca da identidade nacional/cultural. Portanto, seria a
brasilidade/nacionalidade uma espécie de registro fotográfico de Brasil representado como
espaço e cultura soberanos à revelia dos moldes portugueses, haja vista a necessidade de
autoafirmação e reconhecimento.
        Provavelmente os autores buscassem a revelação de uma literatura expressiva do
sentimento de nação, ora menosprezando o europeu ora exaltando o nacional, a sua história.
Por tais colocações, acredita-se serem as figuras femininas (Iracema, Rita Baiana e Flor,
objeto do estudo), a imagem de cultura, comportamento, expressão, primitivismo,
mestiçagem, ordem, desordem, além de algumas outras dicotomias presentes nos projetos de
invenção de identidades e nação. Enfim, a literatura como espelho da reflexão da história
verossímil da construção de um país e de seus representantes sob a perspectiva da metáfora.

                                                                                              10
Em busca pela confirmação dessas respostas, foi necessário fazer a releitura e análise
das narrativas com base em críticos que discutem a escrita literária do país e dos autores, José
de Alencar, Aluísio de Azevedo e Jorge Amado, assim como, teorias que trazem abordagem
da nação (Anderson, Renan, Perrone-Moíses, Figueiredo), Identidade (Hall, Bernd, Debrun) e
Mulher (Ville, Hellena, Lucena, Miranda) sob o olhar literário.
         Para a realização desse trabalho, utilizou-se a pesquisa bibliográfica a fim de atingir
o objetivo proposto – (Des)construir o projeto de nacionalidade pela imagem metafórica
feminina, representada nas personagens Iracema, Rita Baiana e Flor de Iracema (José de
Alencar), O cortiço (Aluísio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado).
Contudo, enveredar pelas leituras e escritas aptas a cumprir as etapas da pesquisa, outros
objetivos se tornaram guia:
a. Conceituar nação e cor local/identidade nos séculos XIX e XX.
b. Identificar traços nacionais nas narrativas, sob a perspectiva da cor local/identidade.
c. Reconhecer o papel desenvolvido pela figura feminina para a formação de nação.
d. Relacionar a sensualidade como um traço marcado de identidade e de nação.
e. Comparar os projetos de nação e identidade (nacional/cultural) ao longo da construção da
   brasilidade.
f. Analisar a metáfora de nação/identidade nos perfis femininos da literatura alencariana,
   azevediana e jorgeamadiana.
         Seguindo estas veredas, o estudo se organizou em três capítulos por onde tanto a
revisão bibliográfica como a fundamentação teórica dialogam junto à análise das narrativas.
         No primeiro capítulo – Narrando a nação, a cor local e a identidade: a dialética da
conceituação –, são apresentados conceitos sobre narrativa da nação, Cor Local e Identidade.
Neste capítulo, é discutida e conceituada, a nação como imaginário ficcional, papel que a
literatura desempenha, a representação da cor local vem atrelada a negação ao colonizador e a
formação da identidade nacional como um meio de buscar sua origem, pura. Porém todas
essas discussões giram em torno da figura feminina.
           No segundo capítulo intitulado Romantismo, Realismo e Modernismo: a mulher
sob três focos, são abordados alguns aspectos dos movimentos literários em foco na
discussão. A mulher é analisada dentro de cada narrativa, destacando o modelo da figura
feminina representada em cada movimento, assim como sua representação e mudança dentro
da sociedade brasileira.
         Mulher sob o olhar literário e símbolo de nação, terceiro capítulo, expõe-se uma
discussão a respeito de cada uma dessas personagens (Iracema, Rita Baiana e Flor), como

                                                                                              11
figuras femininas, que representaram a nação na literatura brasileira, para a formação da
identidade, ora com traços negativos ora com traços positivos. Ao observar a trajetória dessas
personagens, os papéis desempenhados por elas percebe-se a contribuição que os textos
literários deram para a formação da identidade do país, trazendo a mulher para o centro das
discussões.
        A partir dessas considerações, observo que esse estudo será significativo para a
compreensão sobre formação da identidade nacional/cultural do nosso país, onde a figura
feminina recebe relevância, além de ser um trabalho que proporcionará a reflexão sobre a
atual nação brasileira e sua formação. Diante dessa realidade, ressalto a relevância do estudo
para a universidade, visto que a temática identidade direciona no interior das academias
alguns estudos. Creio, portanto, que a pesquisa sobre nação/identidade centrada em
personagens femininas de épocas distintas provoque reflexão sobre “nossas verdades” e
construa mais uma parte do mosaico de estudos sobre nacionalidade focalizada à luz da
metáfora mulher/nação.




                                                                                           12
1 NARRANDO A NAÇÃO, A COR LOCAL E A IDENTIDADE: a
dialética da conceituação


                                          O que é ser brasileiro? Será mesmo que faz sentido falar desse
                                          ser? É fácil afirmar a existência da Nação brasileira, se
                                          atentarmos apenas para os aspectos geográficos, jurídicos ou
                                          diplomáticos. E definir a identidade brasileira como o atributo,
                                          a etiqueta do conjunto populacional, ou dos indivíduos, que
                                          vivem dentro desse quadro formal. Mas parece que Nação e
                                          identidade nacional exigem algo mais. Como, por exemplo, um
                                          consenso em torno de certos valores, e uma diferença entre ele e
                                          outros tipos de consenso, ou entre eles e outros consensos
                                          nacionais. Ora, desde os fins do século XIX, muitos têm
                                          duvidado seja da coesão brasileira seja da diferença específica
                                          do Brasil (Michel Debrun).


          Certamente a discussão em torno da construção de nação faz-se cada vez mais
pertinente em países que passaram por um processo colonizador e tiveram a sua emancipação
política tardia. É inegável, pois, que o Brasil passara por este processo e buscou construir-se
enquanto nação. A ideia de nação trouxe uma série de infortúnios1 ao povo, de modo geral,
devido à sua formação. Ora, a população brasileira resultou do fruto da mistura do
colonizador português, do índio e do negro africano, peças essenciais para a construção do
mosaico (povo) brasileiro, entretanto, o questionamento étnico polemizou os conceitos e,
portanto, os ajustes discursivos tornavam-se dissonantes da realidade. Essa ideia de
nação/nacionalismo surgiu entre os séculos XIX e XX, período que remete à independência
política do país e aparecem os prenúncios de cor local e/ou identidade nacional/cultural.
          Neste período, Machado de Assis já chamava a atenção para a produção literária que
seria publicada, com um instinto de nacionalidade e certa presença da cor local. De fato suas
palavras previram a literatura brasileira. Assim a independência alterou a face do país que
logo busca afirmação nacional, e a literatura teve um papel preponderante neste novo rumo.
Pensar uma cor local surge, pois, com o Romantismo e, mais tarde, reconfigura-se como
identidade nacional. A literatura assume papel difusor dessas ideias, uma vez que busca
despertar, no povo, sentimentos nacionais. Neste sentido, a busca por uma escrita que
traduzisse a nação/identidade faz parte da trajetória literária brasileira, que se compromete




1
 O infortúnio se deu em dois blocos. O primeiro no grupo da elite que discutia a cor local/ identidade nacional e
gerenciava/decidia nas discussões sem, no entanto, conseguir uma definição suficiente, uma unidade. O segundo
bloco trazia negros e índios silenciados e, portanto, à margem, objeto de avaliação.

                                                                                                             13
com o nacional em detrimento ao opressor/colonizador. Mas há de se pensar no nacional por
subtração. Um trâmite traiçoeiro, marcador de dependências até então camufladas.
          Esse era um objetivo almejado de diversos autores, porém, era preciso encontrar um
representante para a construção da nação. Nessa perspectiva, Pesavento (1998) assinala que, a
nação pode ser vista como uma comunidade imaginária ou um universo simbólico de
referência e, a referência nacional se configura como um projeto que qualifica o real,
transfigurando-o e atribuindo-lhe sentidos precisos. A questão identitária desencadeou a busca
romântica mediante conflito de já não se poder/querer ser português, contudo para que essa
discussão se efetivasse exigia-se a escolha de um representante nacional, capaz de incorporar
e concretizar o universo natural, genuinamente nacional.
          Neste enfoque, os autores brasileiros elegem, inicialmente, os índios como maior
ícone de nação. Os autóctones seriam os verdadeiros donos dessa terra e, a partir dessa
escolha, eles seriam a representatividade da exuberância natural/nacional. Dentro dessa
perspectiva, o índio apareceu nos romances (fábulas) de fundação de nacionalidade. Porém,
apesar de as narrativas sobre o índio não serem protagonizadas apenas por imagem feminina
(Peri/Ubirajara), ela se destaca como marca de nacionalidade, pelo atributo à sensualidade, à
exuberância tropical e pela fragilidade/força dentro do espaço social e familiar.
          As imagens mostradas pela literatura passam a dar sentido à identidade, buscando
nas origens e na cor local criar sua própria história. Torna-se, pois, evidente que, para se
firmar como nacional, a literatura brasileira busca nessas origens e cor local criar a nação, e
com narrativas alencarianas se dissemina a construção da identidade nacional. Alencar criou
uma imagem heroicizada do índio com o intuito de construir a nacionalidade brasileira. No
entanto, é sempre bom lembrar que, nessa busca da nacionalidade, o índio aparece na
formação identitária como figura sacralizadora2, haja vista o olhar sobre ele como ser sagrado,
puro, habitante do paraíso Brasil. Contribuindo para essa reflexão, Zilbermann (apud
FIGUEIREDO, 2005) diz que a exaltação do índio se fez por necessidade de uma genealogia,
de um mito cosmogônico, inspiração no autóctone e dono original da terra.
          A busca do representante nacional não se fez apenas nesse período, pois a arte
literária tem em sua história vários momentos, de acordo com as características e contextos de
cada época, com o objetivo de buscar a nacionalidade, a representação de sua gente.


2
  “Essa função sacralizante ou celebrativa (DUBOIS, 1978, p. 74) ‘lembra as origens sagradas da poesia e parece
consolidar a base ideológica da prática literária’. No âmbito dessa função de sacralização épica ou trágica, a
literatura ‘deve significar [...] a relação de um povo a um outro no DIVERSO’ (GLISSANT, 1981, p. 193), sob
pena de permanecer folclorizante ou caduca” (BERND, 2003, p. 33).

                                                                                                           14
Assim é importante lembrar que as narrativas literárias Iracema (José de Alencar), O
cortiço (Aluísio de Azevedo), e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado) mostram
através da imagem feminina3 o processo de construção da identidade nacional. Essas
narrativas traduzem a mulher como símbolo sedutor e capaz de centralizar pontos extremos de
uma nação, isto é, o lado positivo e/ou negativo do universo nacional. Nas narrativas, os
autores construíram a identidade nacional/cultural, não como um processo simples, pois ela
não é única, nem definitiva; pode ser vista como um processo sócio-metamórfico, isto é,
procura se adequar ao contexto histórico.
          Diante de tais colocações, Figueiredo (2005) assinala que as identidades nacionais
são negociadas em função do momento com o apoio do Estado-Nação. Por fim a construção
da nação e a busca por uma identidade nacional fez-se pertinente ao momento, pois buscavam
livrar-se do estigma de colônia de Portugal, para tornar, de fato, o país livre e soberano como
sua própria nação, embora esta uma comunidade politicamente imaginada como é definida
por Benedict Anderson, seja a nação.



1.1 Nação: construção imaginada narrada


          Nacionalismo, embora, reconhecidamente como projeto político, enquanto projeto
literário, ganha modalidades diversificadas cujo panorama se apresenta em dois eixos: o
primeiro limita-se a dimensões localistas (concepção ontológica, fixa e permanente de
nacionalidade); o segundo, mas universal e reconhecedor das diferenças, baseia-se, pois, nas
proporções múltiplas, na liquidez e na alteridade4. O sentido de identidade nacional, pois, se
configura na ficcionalidade. A literatura, nesse caso, oportuniza a expressão dos
nacionalismos pelo imaginário ficcional.

3
 Tal afirmação não nega a identidade na figura masculina. O corpus do trabalho está centrado na imagem
feminina de nação, a partir de mulheres na literatura.
4
  Segundo Ceia (2010), “Não menos complexa é a tentativa de reduzir a alteridade a um princípio de identidade.
Os poetas modernistas são hábeis neste tipo de jogo de destruição da barreira psicológica entre o eu e o Outro e
muitos fizeram dessa relação o cerne da sua poesia. Está neste caso Mário de Sá-Carneiro, cujo entendimento da
alteridade é investigado em ‘Eu-Próprio o Outro’ [...] A presença do Outro é sempre uma presença invisível. A
única aspiração consiste na possibilidade de encontrar a unidade entre ambos, uma unidade parmenidiana capaz
de desvelar o Ser uno e imutável. O problema da intersubjectividade parece pronto a resolver-se com a revelação
do significado íntimo do sentimento do eu para com o Outro, que é um sentimento de ódio. [...] O Outro existe
apenas para eu saber aquilo que não devo ser. Servir-me-á para corrigir o erro de ser-eu-deste-modo-errado.
Como afirma Sartre, na sua teoria sobre a alteridade: ‘[...] o ódio é ódio a todos os outros num só. O que eu
quero alcançar simbolicamente ao perseguir a morte de um tal outro, é o princípio geral da existência de outrem.
O outro que odeio representa afinal os outros. E o meu projecto de o suprimir é projecto de suprimir outrem em
geral, ou seja, de reconquistar a minha liberdade não-substancial de para-si [...]” (O Ser e o Nada, trad. de G.
Cascais Franco, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, p. 412).

                                                                                                            15
O termo nação liga-se a uma vasta produção intelectual de onde surge um campo
minado de conceitos ora convergentes ora divergentes. O termo aparece no país logo após a
sua independência política. Se o Estado (entidade política e territorial), fora criado, restava
inventar a nação e o sentimento de pertencimento à nova comunidade. Ela, portanto, pode ser
compreendida como resultado de um esforço interno para a construção de sentimentos de
pertencialismo grupal e que sejam capazes de dar legitimidade ao aparato político e
administrativo do estado nacional. Esse termo “criar” o país caberia agora à literatura que, de
certa forma representa o resultado de seu contexto. Perrone-Moisés (2007) ressalta que a
literatura teve um papel efetivo na constituição de uma consciência nacional e na construção
das nações latino-americanas. Ela assinala ainda que a literatura do Brasil marca seu
compromisso com a vida nacional e objetiva repudiar o opressor/colonizador.



                       As reivindicações nacionalistas nascem e vivem da rejeição de um outro
                       opressivo, que impõe seus princípios e seus valores, apagando ao mesmo
                       tempo, os de uma cultura determinada. Esse outro é um invasor, um
                       colonizador, um explorador [...] (PERRONE-MOÍSES, 2007, p. 36).


        Esse procedimento torna-se comum, mediante o reconhecimento (ou não) das
diferenças, as quais reivindicam o estranhamento capaz de instaurar a negação do outro. Entra
nesse prospecto um jogo de poder cujo domínio desenha os caminhos de uma nação, e, por
conseguinte, todo um conjunto (des)construído de significações a serem compreendidas pelos
participantes do processo. Mas, o que referencia uma nação?
        Limita-se, nesse momento, a discutir nação como construção imaginada, conceito
definido por Benedict Anderson, (2005), para quem a nação é uma comunidade politicamente
imaginada, autônoma e limitada. Neste sentido, entende-se que a existência da nação depende
de um aparato simbólico por meio do qual são construídos os sentimentos de comunhão,
companheirismo e horizontalidade social entre seus membros.



                       Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais
                       conhecerão a maioria de seus compatriotas [...] é imaginada como limitada,
                       porque até mesmo a maior delas, que abarca talvez um bilhão de seres
                       humanos, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais se
                       encontram outras nações. É imaginada como soberana porque [...] as nações
                       sonham em ser livres [...] O penhor e símbolo dessa liberdade é o Estado
                       soberano [...] (ANDERSON, 2005, p.14).




                                                                                                   16
Construir a nação. É preciso uma volta ao passado e uma busca pela imagem à qual
possa orgulhar/representar e projetar sua trajetória. Sobre esse conceito, Sommer (2004) alerta
que a intenção dos autores era de incorporar e concretizar tudo o que se almejava,
especialmente, o universo natural (nacional). Renan (apud MIRANDA, 2010) salienta que a
narrativa da nação é um jogo sutil de lembrar e esquecer, mas uma nação não existe sem
passado. A construção de uma nação exige o esquecimento e até o erro histórico. Segundo
Renan, é fundamental que todos os indivíduos tenham muito em comum, e que todos tenham
esquecido muitas coisas; eis aí a essência da nação.



                       […] sem o esquecimento da violência existente na origem de todas as
                       formações nacionais é impossível conseguir-se a unidade que as constitui. A
                       comunhão de interesses comuns pelos indivíduos é também partilha de coisas
                       que devem ser esquecidas em conjunto ou lembradas, quando destrutivas,
                       para que não se repitam, para que sejam constantemente “esquecidas” […]
                       (MIRANDA, 2010, p. 35).


        Para os críticos literários, fica evidente que, para se construir a nação é necessário
que a literatura busque na história elementos positivos ou “manipuláveis” capazes de atender
aos interesses das instituições políticas ou ideológicas dessa nova nação. Segundo Zilbermann
(1999), o nacionalismo literário é profundamente relacionado à questão política. A burguesia,
solidamente instalada no poder, busca na literatura a representação do Estado que a dirige e
administra. Os autores, portanto, procuram mostrar através da literatura a feição própria,
singular a cada nação através de elementos nacionais que a representem.
        Os autores de literatura brasileira buscaram, desse modo, construir a nação a partir de
figuras representativas do país, desde o índio à figura metaforizada da mulher. A produção de
uma escrita que, pela imagem de mulher, a nova nação é narrada como construção simbólica.
A imagem feminina metaforizada como expressão de nacionalidade cria um jogo dialético
que ora interioriza ora exterioriza a cultura paternalista adolescente de um país que procurava
autonomia sociopoliticocultural. A colonização deixara heranças que a pós-colonialidade
revisa em busca da formação cultural brasileira.
        José de Alencar, com seu projeto de invenção de Brasil, procura a interiorização da
essência das terras brasileiras e vê na figura indígena o princípio de sua história e formação
nacional. Aluísio de Azevedo, décadas mais tarde, revisita a formação do país e registra a
exploração além de sintetizar a própria visão realista do comportamento humano. E, Jorge
Amado, já no século XX, interioriza o exterior, exterioriza o interior, isto é, reconhece

                                                                                               17
elementos estrangeiros na construção do país sem, no entanto, negar a origem e dispensa a
cultura paternalista, adolescente do país.



1.2 A escolha da cor local: uma busca de brasilidade



         A construção de uma nação não se limita à defesa de uma identidade definida, mas
elenca uma complexa estrutura, senão problemática, porque há uma intensa procura de uma
resolução ideal, derradeira ou definitiva. O excesso de determinação trouxe um desequilíbrio
no avanço desse percurso. A busca identitária firma-se sempre numa história passada
autorrepelente ao presente, porque se vive a diferença, e o futuro apresenta reflexos de um
passado, mas não é exatamente o passado. Certamente, compreende-se o instinto de
nacionalidade de que fala Machado de Assis como a mola propulsora desse projeto identitário
problemático.
         Um país recém-descoberto precisa construir-se como nação e, para sua
concretização, faz-se necessário que a literatura desempenhe esse papel, visto que um povo
sem literatura não é uma nação. A literatura brasileira (apesar de descreditar os europeus)
nasce do tronco português inspirada na tendência romântica. Bosi (1994) salienta que a
história da literatura brasileira nasce sob o signo do nacionalismo. O ensaio sobre a história da
literatura do Brasil, de Gonçalves de Magalhães (1836), considerado o fundador da nossa
literatura, postula que a literatura brasileira deveria apresentar caráter nacional, pois a
literatura de um povo revela seu caráter. Neste caminho, Gonçalves de Magalhães, lança as
bases para a construção da literatura verdadeiramente nacional, papel desempenhado por
brasileiros (escritores) que buscam construir a literatura norteada pela valorização do natural
(cor local).
         Os textos inaugurais no século XVII, marcam o barroco, que demarca a literatura
pelo gosto da exaltação da realidade e pela apologia ao gigantismo do país. A cor local foi
celebrada por várias gerações de literários que dominaram o discurso e valeram-se de
emblemas naturais para representar a literatura brasileira.



                        […] Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como
                        primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as
                        formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não
                        há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de
                        futuro […] (MACHADO DE ASSIS, 1959, p. 28).

                                                                                                 18
Machado de Assis em Instinto de nacionalidade afirma que a produção da segunda
metade do século XVI aparecia com uma certa cor local, vale salientar que, de fato essa cor
local foi escolhida como meio de demonstrar a afirmação do nosso país. Cor local se define
por uma caracterização de pormenores peculiares a certas comunidades. As narrativas do
Brasil ainda adolescente revelam um envolvimento na cor local ironizada pelos modernistas
enquanto técnica assolada por uma maldição: acreditava-se que o nacionalismo deveria
centrar-se no que seria melhor e mais peculiar para o país: natureza exuberante e índio (bom
selvagem). Uma passagem para a consolidação de um país independente.
         No Brasil, a independência política despertou nos intelectuais a necessidade de
construir uma literatura “nacional” diferente de Portugal, na qual já se compartilhava a língua
(afirmação de um povo), restava agora aos autores buscar afirmação no elemento natural, e a
cor local serviu de norte para a produção literária. A literatura vestiu-se de cores para
descrever o país através da natureza, plantas, aves e tribos que foram intensamente narradas
para construir uma brasilidade.
         Bosi (1994) destaca que, apesar de o país declarar-se independente de Portugal,
desde 1888, com o sete de setembro, continuava econômico e culturalmente vinculado a
Portugal, o que serviu de estímulo para os autores incorporarem a cor local como afirmação
do “nacional”. Incentivados pela independência, eles insistiam em destacar essa cor local
como recurso nacional. A literatura necessitava de um elemento original e nada mais
pertinente para essa afirmação que a valorização do natural. O amor à terra e a valorização à
natureza foram, sem dúvida, a base para iniciar a produção literária no Brasil.
         A consolidação cultural se manifestava literariamente haja vista os românticos terem
assumido a missão de criar, difundir e elogiar um lugar, um imaginário, uma utopia:
personagens, valores, gente. Uma nova visão, contrária a dos europeus – resquícios coloniais.



                        A nação e a(s) identidade(s) brasileira(s), com base na proposta de Silviano
                        Santiago, apresentada no texto de Roberto Corrêa, sobre o mecanismo da
                        espacialização interior/exterior como movimentos que vêm caracterizando os
                        modos de compreensão e uso do valor de nacionalidade e de identidade
                        nacional; periféricas. O termo macumba vem para lembrar nacional e gringo,
                        estrangeiro. Do ponto de partida, nacionalidade e identidade nacional foi o
                        projeto precursor de Alencar, mas reconstruído, por outros viéses, em épocas
                        distintas, por muitos outros artistas [...] proporcionou ao homem um repensar
                        sobre a formação do(s) sujeito(s). A partir de então, procurou-se a inclusão,
                        um bloco de identidades que pudesse englobar uma brasilidade tão diversa.
                        Alencar se valera da exteriorização da cultura do país, representada pelo
                        nativismo, palas origens indígenas, numa visão romântica, externando a cor
                        local, isto é, o movimento deu-se numa só direção, de dentro para fora.

                                                                                                  19
Nessa exteriorização do interior, veio à tona a essência primitiva do país –
                       uma farsa ridícula do paraíso tropical para turistas, um mau simulacro, falsa
                       essência, doxa, fingida raiz, baixa democracia (SOUZA; SOUZA; SILVA,
                       2005, p. 9-10).


         Uma macumba para gringo ver seria a representação literária dessa cor local. A
produção literária restringiu-se a essa busca e não amadureceu de mediato, esse processo se
inicia já finalizando a segunda metade do século XIX. Essa cor local ganha novas tonalidades
ao longo do século seguinte com novas definições e reconhecimento às diferenças.
         Apesar de na segunda metade do século XVIII se perceber certo instinto de
nacionalidade e a presença de uma cor local, há de se reconhecer que em o Uruguai e o
Caramuru de Basílio da Gama e Santa Rita Durão, respectivamente, já era possível sentir uma
certa brasilidade, pois seriam narrativas precursoras desse entendimento de uma cor local, de
certa brasilidade. O escritor precisa ser homem de seu tempo e deu seu país e possuir
sentimento íntimo que nem é peculiar a todos.
         Nesta linha, o projeto “arquitetônico” do Brasil lançado por José de Alencar, valeu-
se da exuberância natural para apresentar / representar o país que se destacaria na literatura
nacional. Ele apresentou o país com um matizado de cores locais, inventou a diversidade e o
pitoresco. O estímulo em amar a terra e orgulhar-se da nacionalidade marcou a literatura
brasileira de uma época.
         Outros autores também utilizaram a cor local para marcar a nacionalidade, porém,
como destacou Machado de Assis, descrever a natureza, obrigatoriamente, não significa que
há nacionalidade, uma vez que o escritor pode pecar nas descrições das figuras e dos lugares.
Alencar diferente de muitos autores não economizou exaltação da natureza (cor local) em suas
narrativas.



1.3 Identidade nacional/cultural: duas versões, uma realidade


                       O dramático cenário de uma identidade nacional é praticamente comum a
                       todos os países latino-americanos, onde as marcas da colonização muitas
                       vezes têm determinado um complexo jogo retórico e expressivo da
                       ''memória'' e o ''esquecimento'' na construção da história [...] priorizam-se
                       determinados componentes do processo histórico e esquecem-se aspectos
                       mais traumáticos quando se pretende construir, sob o manto da
                       homogeneização, uma identidade nacional [...] (PEREIRA, 2000, p. 7).




                                                                                                 20
A questão de identidade para Pereira alerta para se uma cultura for hegemônica, tanto
pior será o processo de construção de uma identidade nacional, pois uma tentará esmagar a
outra. A construção de uma identidade nacional não se constitui em processo simples, haja
vista que, ao se inventar um “nós”, que se opõe ao outro, corre-se o risco de esmagar a cultura
do outro.
         Figueiredo (2005) alerta que o processo de criação de uma identidade nacional não
deixa de ter suas contradições, pois ao se criar uma identidade, cada nação age em nome de
uma originalidade singular, o que pode desencadear conflitos sangrentos em nome de uma
identidade. Ela alerta que, no Brasil, a questão da identidade foi colocada, sobretudo, a partir
da busca romântica que nasce do conflito de já não se poder/querer ser português, contudo,
para que a discussão se efetivasse era preciso resgatar a memória do país e encontrar um
representante nacional. Sobre esse conceito, Sommer (2004) ressalta que a intenção dos
autores era de incorporar e concretizar tudo o que se almejava, especialmente, o universo
natural (nacional).
         Na narrativa alencariana, propaga-se a construção da identidade nacional. Em
Iracema, a natureza, exageradamente, descrita permite a visão do lugar como um paraíso.
Nesta perspectiva, subtende-se que a natureza é representada pela figura feminina de Iracema,
virgem e exótica, como símbolo da terra brasileira. Alencar concilia duas culturas e dois
povos (índio/português) para alcançar a nacionalidade. Pesavento (1998) alerta que formular
uma identidade nacional, desenhar o perfil do cidadão, estereotipar o caráter de um povo
corresponde a práticas que envolvem relações de poder e objetivam construir mecanismos de
coesão social.
         Nessa busca da nacionalidade, Aluízio de Azevedo invade a prosa brasileira com a
narrativa naturalista, O Cortiço, e retrata a vida dos imigrantes na sociedade carioca em um
processo de trânsito de culturas concomitantemente à construção nacional. Nesta narrativa,
vale destacar a mudança ocorrida na vida de Jerônimo (imigrante) após conhecer Rita Baiana,
uma mulata sensual. Rita Baiana pode ser vista como a figura feminina (nacional) que seduz e
encanta o estrangeiro e torna-se responsável por sua transformação, além de circular por
alguns espaços e se relacionar com personagens que destoam opiniões sobre o
comportamento. Porquanto, Rita Baiana representa a ponte para um trânsito de culturas. Hall
(2003) revela que as identidades nacionais não são características com as quais se nasce, mas
que são formadas e transformadas no interior de representação.




                                                                                             21
A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma
                        fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e
                        representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma
                        multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com
                        cada uma das quais poderíamos nos identificar ao mesmo tempo (HALL,
                        2003, p. 13).



         A animação em torno da definição de identidade nacional não se perde entre
intelectuais e brasileiros no final do século XIX, Aluízio de Azevedo, através do amor entre
Rita Baiana e Jerônimo, reencena o deslumbramento do europeu em relação à América. Dessa
vez a terra é posta de lado, e a sexualidade entra no jogo discursivo e a literatura passa a
explorar a condição natural da vida humana. A identidade brasileira para a ser vista pelo foco
da sexualidade pelo contraste entre as civilizações européia e brasileira.



                        O Brasil é um corpo que goza, e como tal envia ao português estupefato uma
                        mensagem que é uma promessa de gozo. O imigrante português já havia
                        experimentado o clima, as frutas e os aromas brasileiros. Tudo isso era
                        dotado de um aura de novidade e mistério que ele não via como articular em
                        palavras. A entrada de Rita Baiana introduz um apelo extra - o apelo da
                        sexualidade - que era o que faltava para disparar o processo de absorção de
                        Jerônimo a uma nova identidade e a um novo estilo de vida. [...] Quando
                        tudo se dilui em incertezas ao redor da brasileira e do português, só as
                        verdades da sexualidade garantem a permanência da união entre os amantes;
                        trata-se possivelmente do único caráter dominante, mas não necessariamente
                        garantidor de permanência, que, em O cortiço, se tipifica o “ser” nacional
                        (MENDES, s/d).



         Quebra-se a conciliação romântica e aponta-se para uma menos superficial. As
modificações são constantes... e, paralelamente a esse processo metamórfico, surgiu o
Modernismo com uma nova forma de representar a identidade. Segundo Pesavento (1998), os
modernistas indicam o caminho para uma redescoberta do Brasil, a diversidade brasileira,
expressa em natureza, raça e cultura, realiza a integração para formar a unidade nação. Jorge
Amado apresenta essa corrente na narrativa Dona Flor e Seus Dois Maridos. A personagem
Flor representa o Brasil de duas faces ao conciliar seus dois amores, Vadinho/desordem e
Teodoro/ordem. Jorge Amado, portanto, serve-se de Flor para representar a sociedade
brasileira. Insinua que a figura feminina (nação) apresenta-se completa quando possui as duas
faces ordem/desordem.
         O canto ao povo miscigenado, às suas festas e aos seus sabores musicalizou a escrita
jorgeamadiana que resvalou em identidade e nação. Realidades sociais e históricas cruzaram-


                                                                                                22
se ao retrato de baianidade brasilidade distorcida e/ou inventada por um discurso literário e
extraliterário. Goldstein (s/d) destaca, sobre Jorge Amado:



                        Seu Brasil mestiço, alegre, festeiro e sensual é um conjunto de elementos
                        pinçados dentro de um repertório histórico e cultural, recortes que revelam e
                        escondem ao mesmo tempo. Escondem conflitos, heterogeneidade e
                        transformações, mas revelam mitos, tabus e desejos de parte significativa
                        dos brasileiros.


         A contextualização das narrativas abre o panorama para a percepção de identidade
como processo de constante metamorfose, uma vez que o homem transforma-se à proporção
que revisa seu conhecimento, sua cultura, seus costumes e hábitos na construção de sua
imagem. O índio aparece na formação identitária com imagem sacralizadora, haja vista o
olhar sobre ele como ser sagrado, puro, habitante do paraíso de nome Brasil. No entanto,
associado à referência de identidade esta o conceito de alteridade – a identidade do outro.
Com o mestiço, começa o processo de desconstrução e a literatura descortina-a através da
função dessacralizadora, isto é, a visão realista e crítica reabilita o conceito identitário pelo
viés cultural.
         Os críticos literários, pois, numa revisitação à produção literária brasileira acertam
que desde a sua origem o povo brasileiro testemunha a miscigenação em torno da busca da
identidade nacional e a figura feminina representou uma imagem estereotipada da mulher
nacional. Assim é pertinente salientar que se deve repensar a diferença, para o
reconhecimento das identidades múltiplas e híbridas.




                                                                                                  23
2 ROMANTISMO, REALISMO E MODERNISMO: a mulher sob três
  focos


                                         A mulher não possuía identidade, não era dona de si
                                         mesma, não possuía a palavra, que leva o ser a um plano
                                         de reflexão e autoconscientização.
                                         [...]
                                         A mulher hoje pode aspirar a ser e não apenas a viver
                                         parasitariamente.
                                         [...]
                                         Na sociedade primitiva a mulher detinha um grande
                                         poder advindo de sua atuação como sacerdotisa ou
                                         feiticeira. A mulher exercia esse fascínio por ser ligada à
                                         terra-mãe. Mas o homem dominou a terra e subordinou a
                                         mulher, criou as leis e as instituições inaugurando a
                                         sociedade patriarcal. A mulher foi confinada no interior
                                         do lar para procriar e alienou-se. Tornou-se o “Outro”.
                                         [...]
                                         A mulher evoluiu lentamente em todo o mundo. A
                                         situação política, econômica e religiosa refletiu-se na
                                         trajetória feminina. Na Idade Média a mulher achava-se
                                         na total dependência do pai ou da proteção de um marido
                                         que lhe era imposto. Não possuía nenhum direito como
                                         pessoa (Eliana Gabriel Aires).


        As gerações literárias sempre buscaram a narrativa da nação enquanto espaço
imaginário, entretanto respeitado e merecido por todos. A literatura brasileira, desde o
Romantismo, providenciou uma nação com seus respectivos representantes de cor local. O
índio fora o primeiro foco do olhar, mas a dialética identitária trouxe discussões polêmicas em
busca de uma característica genuinamente brasileira. Este texto, no entanto, centra-se no olhar
da narrativa sob o foco da mulher para a construção de nação.
        É notável o novo papel que as mulheres assumem na atual nação brasileira, contudo
volta e meia percebemos que elas ainda sofrem estereótipos herdados da ficção do país. Para
compreender a sociedade de hoje é necessário revisitar os movimentos literários do país e
vislumbrar as mulheres que foram desenhadas pelos nossos autores.
        A literatura brasileira firmou-se a partir da Independência do Brasil e buscava
mostrar sua soberania através de uma escrita nacional com elementos também nacionais. Com
o intuito de mostrar a grandeza do país, vários autores elegeram a mulher como figura
representativa do Brasil ao longo da história literária, porém, é recorrente nas narrativas
representações estereotipadas de mulher: anjo, perigosa, imoral, sedutora e tantas outras
“qualidades” que fizeram delas símbolo do país, ora com traços positivos ora negativos.


                                                                                                 24
Segundo Lucena (2003, p. 207), a explicação é encontrada na civilização ocidental, que
transformou/representou a mulher como um ser secundário inferior e deve manter-se submissa
ao homem:



                        Desde a cultura greco-romana a condição feminina é representada como
                        passiva e inferior, tomando como parâmetro o padrão anatômico, fisiológico
                        e psicológico masculino. Toda a carga discriminatória entre homens e
                        mulheres.


         A figura feminina começa a se destacar no Romantismo quando os autores retratam
através de uma visão ideológica, representada como um ser puro, angelical, frágil e, ao
mesmo tempo, capaz de encantar e seduzir todos, próprio da corrente romântica. Partindo
desse pressuposto, compreende-se porque José de Alencar retratou em suas narrativas vários
perfis de mulher, todas com certo ar pueril. Na narrativa alencariana, um dos destaques
femininos é Iracema apresenta como uma mulher pura, passiva que se deixa levar pelo amor
que tem por Martim, abrindo mão de tudo.
         Candido (1993) ressalta que José de Alencar foi um dos escritores românticos que
mais idealizou a imagem feminina como ser puro, angelical, pronta a servir, abrindo mão de
sua individualidade para satisfazer o outro. Essa imagem é uma consequência da visão
patriarcal daquela época em que a mulher deveria mostrar-se inferior ao homem.
         Após    o   Romantismo,     os   escritores   continuaram    a   tematizar   narrativas,
fundamentando suas idéias na razão e na ciência. As narrativas escritas nesse período são
denominadas realistas, por conter características próprias ao momento de transformação pelo
qual o país passava; a figura feminina aparece em oposição à mulher romântica. É na escrita
de Aluísio de Azevedo, O cortiço, que se constata essa questão. Nessa narrativa, ganha
destaque a figura de Rita Baiana, descrita como uma mulher independente, rebelde, impura e
pervertida e que seduz e encanta os homens para alcançar seus caprichos, isto é, conseguir
realizar seus desejos. Aqui a voz feminina fazia-se ouvir a partir de jogos deterministas.
         Em relação à concepção ideológica, percebe-se uma ruptura entre a mulher
romântica (frágil/pura) e a naturalista (traiçoeira e sedutora), que simboliza a quebra de
paradigmas. Representa uma criatura mais autônoma, bem decidida, sem levar em
consideração a visão patriarcalista. Coutinho (2004) assinala que Aluísio de Azevedo, ao
escrever O cortiço, consegue mostrar sob a ótica do aglomerado do cortiço os novos tipos



                                                                                               25
humanos que a sociedade brasileira passou a ter, inclusive o novo olhar sobre a figura
feminina.
         A temática feminina à luz da literatura aparece também na corrente modernista,
especialmente, nesse caso, na narrativa de Jorge Amado, transmitindo uma visão realista da
cultura popular, na qual a mulher representa papel principal. Candido (1993) destaca que o
modernismo não fugiu à regra, seguindo a incorporação do material local, que é próprio do
país, na representação da cultura brasileira, espalhada nos distantes recantos do nosso país.
         Na narrativa Dona flor e Seus Dois Maridos percebe-se que Jorge Amado descreve a
figura de Flor como uma mulher que assume atitudes, trabalhava como professora de culinária
e guiava-se pela própria vontade, apesar de apresentar-se virtuosa na sociedade, esconde seus
vícios secretos. Flor representou a figura da mulher liberta dos padrões então vigentes na
sociedade, ao “assumir” seu triângulo amoroso e encaixou-se na ruptura por sua condição de
mulher em uma sociedade preconceituosa. Deduz-se que a personagem Flor foi criada com o
propósito de quebrar paradigmas até então possíveis ao homem ou então com o intuito de
reafirmar a figura feminina como um ser em liberdade.
         Sem dúvida hoje a mulher assume outros papéis na sociedade, mas os resquícios das
mulheres pintadas na literatura contribuíram para a visão estereotipada que se tem frente à
mulher brasileira. Do ser sublime ao mais libertário, as mulheres desfilam nas linhas literárias
para descortinar o grande elenco de diversidade identitária feminina a mostrar-se para os
meios sociais e a encarar seus desafios frente à nação da qual faz parte e pode referenciá-la
pelos mesmos descaminhos vividos pela mulher. O difícil acesso à sua narrativa de nação.



2.1 O sublime ser mulher alencariano: da nativa à europeizada



         Louvado, exaltado e ou desqualificado, o sujeito feminino é figura recorrente em
nossa literatura, marcada por traços positivos e/ou negativos, que o classificam como mulher
bela, solitária, alegre, astuciosa e dotada de irresistível sensualidade. Assim, a mulher aparece
na nossa literatura e fora marcada por traços puramente negativos, de mulher libertina que
deixa emergir sua imoralidade, que seduz e encanta os ditos virtuosos. Diante desse
argumento, vale salientar a visão de Lucena (2003, p. 19) que explica o conceito de mulher,
oriundo da formação da civilização ocidental, que perdurou nas narrativas literárias:




                                                                                                26
[...] subproduto humano (durante certo tempo, admitiu-se que a mulher era
                        destituída de alma), e sua ‘’debilidade’’ justificava os muitos defeitos que
                        lhe eram atribuídos. As mulheres eram, assim, consideradas vis,
                        inconstantes, covardes, frágeis, imprudentes, incorrigíveis, astutas, frívolas,
                        preguiçosas, avaras, ambiciosas, orgulhosas, invejosas, voltadas a
                        divulgações inúteis e dotadas de reduzida capacidade intelectual. A aceitação
                        inconteste dessas características “naturais” fizeram delas, de um lado seres
                        minusválidos e dependentes e, de outros, perigosos sobre os quais se
                        deveriam exercer controle e vigilância constantes, o que implicava exigir e
                        cobrar da mulher humildade, submissão, piedade e obediência [...].


         Partindo dessas colocações, voltarmos ao passado para revisitar os movimentos
literários – Romantismo, Realismo e Modernismo – para entendermos como a figura da
mulher foi construída/representada em nossa literatura. Na segunda metade do século XIX, já
consolidada a Independência do Brasil, percebe-se o orgulho nacional, ligado aos projetos de
construção do país, próprio de uma consciência, ainda ingênua, encontrada no Romantismo. O
Romantismo no Brasil marca o início do século XIX e foi palco de várias transformações que
contribuíram decisivamente para a formação de uma verdadeira identidade nacional e, por
conseguinte, uma literatura com características genuinamente brasileiras.
         Bosi (1994) esclarece que esse movimento surgiu quando Gonçalves de Magalhães
publicou, na França, “Niterói - Revista Brasiliense” e lança um livro de poesias românticas,
fator que serviu de norte para outros autores aderirem essa escola literária. Os escritores
românticos se impuseram à tarefa de escolher um ponto de partida para buscar o progresso do
país, e necessitava inventar uma genealogia, uma tradição, que nos imprimisse um perfil de
nação. Dessa forma, o Romantismo se solidifica, tematiza o jovem passado e cria um terreno
fértil para o florescimento das mitologias nacionais; ganha destaque, nesta tarefa, José de
Alencar, que privilegia as simbioses (terra natural) e apresenta/representa através do índio
(Perí / Ubírajara / Iracema) as mitologias nacionais.
         Neste caminho, destaca-se o fato que fora marcado no Romantismo de Alencar, amor
à terra e orgulho da nacionalidade que, sem dúvida foi o fundamento da ideologia indianista.
Constrói-se a prosa indianista de Alencar focalizada na figura do índio (mulher) selvagem,
porém cheio de virtude, como símbolo da pureza e da inocência. Nesta narrativa, o autor
utiliza uma linguagem simples, porém com forte traço da língua tupy. A linguagem usada por
Alencar para escrever o romance Iracema é uma tentativa de representar a língua e o caráter
indígenas para o leitor entender a lenda do Ceará como se tivesse saído da boca de um índio
brasileiro.



                                                                                                    27
Segundo Pereira (2000), Iracema é uma das grandes narrativas românticas e
representa uma figura suprema da literatura alencariana. O romancista apresentou Iracema
(mulher), como um ser superior; ela é sempre um pouco mais nas qualidades e virtudes. Essas
características de Iracema são marcadamente encontradas em toda a narrativa, como símbolo
do índio (mulher romântica) e do lugar, uma vez que o nome da personagem é o anagrama de
América, novo continente, representante de um novo povo e um novo lugar.



                       Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu
                       Iracema.
                       Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a
                       asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira.
                       O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no
                       bosque como seu hálito perfumado.
                       Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e a mata
                       do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé
                       grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra
                       com as primeiras águas. [...] (ALENCAR, 1991, p. 20).


        Natureza e mulher. Espaço e feminino. Dualidades unilaterais que consumam o
gênero de uma nação recém-organizada e tão adolescente que mal se reconhecia na sua
estrutura e essência. Iracema simboliza uma das muitas mulheres que Alencar caracterizou na
nossa literatura romântica, porém todas as outras trazem traços bem distintos, mas com
marcas do romantismo do autor. Diante desse discurso, Miranda (2010, p. 25-27) destaca as
mulheres criadas por esse autor.



                       [...] “Incompreensível mulher!” –, que diz muito dos vários perfis de mulher
                       que José de Alencar tratou em distintos romances ao longo de sua vasta
                       narrativa. Há aí um ponto de partida para se entender a atração do escritor
                       cearense pelo desenho das mulheres que criou, de Iracema a Ceci, de Diva a
                       Aurélia, para citar apenas algumas.
                       [...]
                       [...] figuras tão distintas como a Lúcia de Lucíola, e Iracema, do romance
                       homônimo de 1865, irão conformá-lo de maneira excepcional. Uma, ao
                       incorporar a subjetividade burguesa em ascensão e reagir violenta e
                       ironicamente contra ela; ao absorver os valores cristãos do conquistador e
                       sacrificar-se a eles, sem perder os traços de sua cultura de origem [...].




        Brait (1985) destaca que a narrativa de Alencar possui uma visão romântica através
da personagem Iracema, ser sagrado, puro e doce. Iracema é vista como mulher perfeita,


                                                                                                28
condição da figura feminina no Romantismo, visão ideológica que se tem da mulher. Iracema
representa a mitologia de Alencar: “Iracema é filha do Pajé, e guarda o segredo da Jurema. O
guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria” (ALENCAR, 2009, p. 33). Iracema é
filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e deve manter-se virgem porque guarda o segredo da
jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida do Tupã. Um dia, Iracema
encontra na floresta, Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro pitiguara com quem
havia saído para caçar e agora andava errante pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema
leva Martim à cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro.



                       [...] Diante dela e toda a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é
                       guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das
                       areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas.
                       Ignotas armas e tecidos cobrem-lhe o corpo.
                       […]
                       O estrangeiro seguiu a virgem através da floresta.
                       […]
                       A virgem aponta para o estrangeiro e diz:
                       – Ele veio, pai.
                       – Veio bem. É Tupã que traz o hospede à cabana de Araquém. (ALENCAR,
                       1991, p. 21-23).


        Alencar caracteriza a proibição de se tocar o corpo de Iracema, porém ela ao
conhecer Martim por ele apaixona-se. Apesar de ser retratada como pura Iracema apresenta-se
como uma figura desobediente ao dá o licor da jurema a Martim, que a procura sob os efeitos
da droga. Essa atitude de Iracema pode também ser vista como uma marca do amor
romântico, que se revela mais forte, capaz de quebrar regras.



                       Iracema recosta-se langue ao punho da rede; [...] Já o estrangeiro a preme ao
                       seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera, para celebrar nesse adito
                       d’alma, o himeneu do amor.
                       [...]
                       O cristão repeliu do seio a virgem indiana. [...].
                       Volta a serenidade ao seio do guerreiro branco [...].
                       – Virgem formosa do sertão, esta é a última noite que teu hóspede dorme na
                       cabana de Araquém, onde nunca viera, para teu bem e seu. Faze com que o
                       sono seja alegre e feliz.
                       [...]
                       – A virgem de Tupã guarda os sonhos da jurema que são doces e saborosos!
                       [...]
                       – Vai, e torna com o vinho de Tupã.
                       Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem
                       do seio o vaso que ali trazia ocultando sob a carioba de algodão entretecida


                                                                                                 29
de penas. Martim lhe arrebatou das mãos, e libou as gotas do verde e amargo
                       licor. o.
                       Agora podia viver com Iracema [...].
                       [...].
                       Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada, qual borboleta
                       que dormiu no seio do formoso cacto.[...].
                       Vendo Martim a virgem unida ao seu coração, cuidou que o sono continuava
                       [...].
                       A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura (ALENCAR, 1991,
                       p. 49-51).


        Assoberbada pelo amor romântico e pueril, a nação construída na índia Iracema
consente a invasão consciente de uma quebra hegemônica de existência primitiva. Nasce um
novo referencial de lugar numa estratégia “inocente”, porém, natural do ser humano. Unir-se
ao outro que o atrai pelas diferenças. Identidade e diferença comungam de um mesmo cálice
inseparáveis no existir do eu e do outro de que complementam e constroem a narrativa de uma
nação, nesse caso, tímida, inocente, primitiva, invadida, mas amorosa de um amor platonizado
pelas inconveniências de formações civis incompatíveis quando não se reconhecem.



2.2 Mulher e transgressão: o determinismo naturalista no perfil de mulher em Aluísio de
Azevedo


        No final do Romantismo brasileiro a partir de 1860, as transformações econômicas,
políticas e sociais levaram nossos autores a produzirem uma literatura muito próxima da
realidade (e quando não o foi?), fundamentando suas histórias na razão e na ciência. As
narrativas produzidas nesse período, conhecidas como realistas, possuem características
próprias ao enfatizar a influência do meio na formação do caráter humano. Essa visão decorre
do grande valor que a ciência passou a ter para explicar a realidade, seguida das idéias de
várias correntes de pensamento que buscavam a compreensão do homem e da sociedade,
especialmente, o darwinismo que entendia o homem como resultado do meio.
        Candido (2004, p. 8), observa que os escritores passaram a usar o fundamento dessas
correntes para explicar o comportamento e as transformações em que o individuo pode sofrer.



                      [...] outro resultado dessa convergência da biologia e das ciências sociais foi
                      o relevo dado a estoutra idéia essencial do darwinismo, a de que “as
                      circunstâncias externas determinam rigidamente a natureza dos seres vivos,
                      inclusive o homem, e de que nem a vontade, nem a razão podem agir
                      independentemente do seu condicionamento passado” (Hayes). É a noção de

                                                                                                  30
onipotência do ambiente, ou milieu de Conte e Taine. O homem é parte
                       integrante da ordem natural, seu corpo quanto seu espírito se desenvolve e
                       atuam debaixo de seu condicionamento total e inevitável. O ambientalismo,
                       contribuição da antropogeografia aos estudos sociais no século XIX,
                       contaminou a mente dos historiadores da civilização e da cultura, em seguida
                       aos trabalhos de Lamarck, Buffon, Cuvier, e à narrativa de geógrafos como
                       Ritter, Kohl, Peschel, Reclus, Ratzel. Foi por meio de Buckle e de Taine que
                       a noção se popularizou e se tornou um lugar-comum da crítica histórica e da
                       crítica de artes e letras. Nesse ponto a influência de Taine, inclusive ou,
                       sobretudo no Brasil, é avassaladora.


        Bosi (1994) ressalva que, ao contrário do Romantismo que procurava idealizar o
homem/natureza, o escritor realista, analisa o indivíduo a partir dos componentes hereditários
e das circunstâncias que determinam seu comportamento. Foi neste contexto que surgiu
Aluízio de Azevedo com a narrativa O cortiço, registrando bem as mudanças da sociedade
daquela época. O autor procura mostra por meio das personagens a nacionalidade que vai se
formando em meio ao aglomerado de estrangeiros e brasileiros. Aqui não se fala uma só
língua, temos o falar do italiano, do português, do francês, do baiano, do ex-escravo, do
carioca, todos partilhando uma mesma língua que não é puramente a portuguesa, mas sim
uma língua mestiça, assim como a população do país. Contudo, o que nos interessa nessa
narrativa é a figura feminina e sua transformação dentro daquela sociedade.
        A narrativa tem várias figuras femininas (Bertoleza, Pombinha, Piedade, Rita Baiana
e tantas outras) que circulam numa luta constante com seu meio, o comportamento dessas
mulheres é fundamentado pelo determinismo que age friamente na conduta do indivíduo.
Observa-se a figura de Bertozela, descrita como uma ex-escrava que passara a viver em
“liberdade” na cidade e agora trabalhava para João Romão, em uma situação de total
escravidão além de ser sua criada (sem remuneração), ela também exercia o papel da
“amante” sonhando em sair da condição de inferioridade, porém ela permanecia igual,
capacho de João Romão, que só queria explorá-la.
        Outra figura que se destaca na narrativa é Pombinha, mulher muito fraca, nervosa,
doente, que é “forçada” a se casar, contudo, separa-se do marido, contaminada pela influência
de sua madrinha Léonie, torna-se uma criatura impura, (prostituta/lésbica), porém entende-se
que essa visão segue os padrões da norma social vigente, regrada de preconceitos.
        Piedade é outra figura que sofreu influência do meio, quando chegou ao país trazia
no semblante a serenidade, criatura boa, simpática que consegue se manter longe das
perdições brasileiras (vícios, farra, traições etc.), no entanto, também sofre transformações,



                                                                                                31
quando se vê abandonada por Jerônimo, se entrega ao deszelo, não cuida mais do corpo e vai
buscar refúgio na bebida.
        Apesar de essas mulheres representarem as transformações ocorridas no
comportamento humano, a figura que merece destaque é Rita Baiana. Ela se destaca na
narrativa, por apresentar características exóticas da mulher brasileira (mulata). Rita é uma
mulher inquieta, bela e sedutora, que se diverte todas as noites, distribui abundante
sexualidade, uma excelente dançarina de carnaval. Azevedo não poupou nada para acentuar a
libertinagem de Rita Baiana.



                       [...] E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de
                       ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento,
                       envolvendo-a na sua como de prata, a cujo refulgir os maneios da mestiça
                       melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva,
                       feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de
                       mulher.
                       Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas
                       e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita [...]. Depois,
                       como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos
                       no ar e vergando as pernas, descendo e subindo sem nunca parar com os
                       quadris [...] (AZEVEDO, 1998, p. 72).


        Azevedo mostra as marcas de Rita Baiana como uma mulher que distribuía graça,
sexualidade a todos do cortiço, e deixa claro que a mulher naturalista nada tinha de
comportada, ao invés disso, tinha “fogo impregnado na pele”, fator que a deixava toda feita de
pecado. Ele ainda mostra o poder que a mulher naturalista tem na transformação da vida de
um “homem honesto”. Rita Baiana consegue transformar Jerônimo em um sujeito pervertido,
que abandona a esposa e a filha para juntar-se a ela que, com sua sedução, influencia-o a
matar o seu amante Firmo.



                       [...] Donde vens tu?... segredou ela.
                       De cuidar da nossa vida [...]. Aí tens a navalha com que fui ferido!...
                       – Quem o matou?
                       – Eu.
                       – Sim, sim, meu cativeiro! Respondeu a baiana, falando-lhe na boca; eu
                       quero ir contigo; quero ser tua mulata, o bem de seu coração! Tu és os meus
                       feitiços! – E apalpando-lhe o corpo: – Mas como estás ensopado! Espere!
                       Espere! O que não falta aqui é roupa de homem pra mudar!...[...]
                       (AZEVEDO, 1998, p. 152-153).




                                                                                                  32
A partir do olhar de Lucena (2003) e Coutinho (2004), compreende-se que toda a
descrição feita por Azevedo sobre Rita Baiana, segue a teoria naturalista, ao mostrar o
domínio/transformação da figura feminina, frente à sua vida. Azevedo valeu-se de Rita para
apresentar a animalidade sexual que a mulher passou a se submeter. Dessa forma, observa-se
a mulher nos textos realistas, um ser independente, rebelde, que encanta e seduz o universo
masculino, em busca de interesses físicos e materiais. Assim, foi a visão que o autor deixou
sobre a mulher, sujeito que rompe, corrompe as virtudes para render-se ao pevertimento,
indicando que todos os que se aproximarem dela serão contaminados pela sua conduta.



2.3 Amadas e Amado: o Modernismo de Jorge Amado e o ser feminino


         Para compreender a figura feminina, representada por Jorge Amado, é oportuno
assinalar, o discurso da corrente modernista no qual ele está inserido. O Modernismo no
Brasil começou com a Semana de Arte Moderna de 1922, e teve como fonte inspiradora as
vanguardas européias e se propõe a atualizar o Brasil ao seu tempo.
         A geração modernista é marcada por uma liberdade de estilo e aproximação da
linguagem com a linguagem falada. Naturalmente, observa-se que, desde o Romantismo, a
busca de traços particulares da realidade brasileira já estava presente em algumas narrativas,
entretanto, foi na segunda fase modernista que surgia Jorge Amado para desnudar a hipocrisia
dos valores até então vigentes.
         Para entender essa corrente, é interessante mencionar as reflexões de Pesavento
(1998, p. 31). Segundo ela, os modernistas indicam o caminho para uma redescoberta do
Brasil, inspiram-se na diversidade, na multiplicidade e nos contrastes do país para
descrever/escrever o Brasil urbano presente.



                        [...] modernista do Brasil urbano e popular, entretanto, se converteria numa
                        brecha na qual se insinuou a “redescoberta do Brasil”, que teria sequência
                        nos anos 30. A palavra de ordem era ir em busca de um outro país que se
                        ocultava por trás das aparências [...]. A releitura do Brasil inspirava-se na
                        diversidade, na multiplicidade, nos contrastes entre o moderno e o arcaico e
                        o rural e o urbano, pondo em xeque as próprias relações com a Europa. O
                        olhar renovador do modernismo aprofundava-se, e a idéia central da corrente
                        de 30, que se prolongaria nos anos 40, seria a da diversidade cultural.




                                                                                                  33
Desse ponto de vista, Jorge Amado anuncia a opção pelo popular e pelo o urbano ao
compor uma literatura que apresenta o Brasil de hoje com resquícios do passado rural.
Segundo Bosi (1994), os romancistas modernistas dão maior ênfase à realidade brasileira,
denunciando problemas sociais ou as mazelas políticas da região. Goldstein (s/d) ressalta que,
Jorge Amado sempre resvalou em temas que retratava e idealizava a realidade, ora tratava das
relações sociais das quais viveu, ora inventava/distorcia aspectos da sociedade brasileira.
         Entendendo essas idéias, e refletindo os depoimentos do autor, compreende-se que
foi observando as mulheres (mulatas, prostitutas, lavadeiras e jovens ricas) que ele criou uma
literatura com os tipos femininos memoráveis, servindo-se delas para acentuar a força, a
sensualidade, a coragem, a sabedoria e a irresistível beleza da mulher brasileira. A partir daí,
ele criou os tipos femininos que marcaram a literatura modernista: Gabriela (Gabriela cravo e
canela), Tieta ( Tieta do agreste), Dona flor (Dona Flor e Seus Dois Maridos), entre tantas
outras para escrever uma ficção de mulheres fogosas, ardentes e sensuais e que despertam o
desejo masculino.
         Para compreender um pouco mais essa visão da mulher criada por Jorge Amado, vou
buscar em Dona Flor e seus Dois Maridos, um entendimento da figura feminina que ela
representou na ficção modernista. Dona Flor é professora de culinária da escola Sabor & Arte.
Observa-se aqui que o nome da escola Sabor & Arte se transforma malandramente no
trocadilho saborear-te, já antecedendo o que narrador cria para a figura de Dona Flor.
Logicamente, primeiro a arte da cozinha para posteriormente degustar o sabor proporcionado
pela arte. Essa sequência lógica, no entanto, quebraria o jogo semântico para a aproximação
entre os personagens: a mulher cativa e seu esposo vadio.
         Viúva de Vadinho (um malandro), decide fechar-se para o amor, porém precisa de
sexo, e, ainda jovem e bonita, desperta a atenção do Teodoro (corretíssimo farmacêutico),
com quem se casa. Contudo, Flor logo percebe uma enorme distância entre Vadinho
(subtraindo-lhe o dígrafo no nome, obtém sua maior característica) e Teodoro (teo é o radical
indicativo de Deus, portanto, teríamos nesse personagem, o homem na essência desejada da
mulher, ao menos, em comportamento público). Com Vadinho tudo era loucura (prazer/
insegurança), porém com Teodoro ela tinha o inverso, um sexo comportado e comedido, as
quartas e aos sábados (melancolia/solidez).
         Flor vivia em meio a esse impasse: tinha a segurança, faltava-lhe, pois, a emoção.
Subtende-se que a canalhice de Vadinho, sempre pronto a infernizar a vida dos outros
viventes, criava uma certa magia no seu existir que exalava vida, vida vivida em essência sem
subtrações, ao contrário, multiplicada por todos perigos oferecidos pelos prazeres, impactou a

                                                                                              34
vida de muitos e favoreceu a poucos. Então aparece num passe alegórico (em forma
fantasmagórica) para confundir/satisfazer Flor:



                       – Você? – disse numa voz cálida mas sem surpresa, como se o estivesse
                       esperando.
                       No leito de ferro, nu como dona Flor o vira na tarde de domingo de carnaval
                       quando os homens do necrotério trouxeram o corpo e o entregaram, estava
                       Vadinho deitado, a la godaça, e sorrindo lhe acenou com a mão. Sorriu-lhe
                       em resposta dona Flor, quem pode resistir à graça do perdido, àquela face de
                       inocência e de cinismo, aos olhos de frete? Nem uma santa de igreja, quanto
                       mais dona Flor, simples criatura.
                       – Meu bem... – aquela voz querida, de preguiça e lenta.
                       – Por que veio logo hoje? – perguntou dona Flor.
                       – Porque você me chamou. E hoje me chamou tanto e tanto que eu vim... –
                       como se dissesse ter sido o seu apelo tão insistente e intenso aponto de fundir
                       os limites do possível e do impossível. – Pois aqui estou, meu bem, cheguei
                       indagorinha... – e, semilevantando-se, lhe tomou da mão.
                       Puxando-a para se, ele a beijou. Na face, porque ela fugiu com a boca:
                       – Na boca, não. Não pode, seu maluco.
                       – E por que não?
                       Sentara-se dona Flor na borda do leito, Vadinho novamente se estendeu a La
                       vontê, abrindo um pouco as pernas e exibindo tudo, aquelas proibidas (e
                       formosas) indecências (AMADO, 2001, p. 310).


        O escritor de Dona Flor e Seus Dois Maridos expressa uma faceta da mulher baiana,
que, apesar de ter moral, expressa a vontade de viver e de amar com liberdade o prazer da
carne. Assim, ao colocar Vadinho morto/fantasma diante de Flor que aceita se encontrar com
ele às “escondidas”, Amado acentua a ideia de que a mulher traz nas veias o dom da
infidelidade (insatisfação sexual). Flor passa a viver uma vida conjugal com dois amores, um
triângulo amoroso que revela o desmedido desejo de Flor (mulher brasileira). Aqui não se
revela a questão do adultério, comum na literatura realista. Fixa no episódio a liberdade de
viver da mulher que, assim como os homens, podem fazer escolhas. Embora o leitor possa
captar certa submissão de Flor às vontades das aparições de Vadinho, estaria ela seguindo as
ordens do falecido ou as suas próprias?



                       –Você hoje vai dormir cedo, minha querida, ontem estava febril –
                       recomendou o bom marido.
                       Dona Flor tão satisfeita, de repente inteira e uniforme, não mais
                       contraditória, dividida ao meio, em luta apenas o espírito e a matéria. Apenas
                       um temor: se ele não voltasse, o seu primeiro? Se não voltasse?
                       Mas ele veio, e apenas o doutor se foi para a farmácia (de capa e guarda-
                       chuva, pois de novo aumentara o aguaceiro), eis dona Flor e Vadinho no leito
                       de ferro, sobre o colchão de molas, a vadiar (AMADO, 2001, p. 386).

                                                                                                   35
Em decorrência dessas ideias, é pertinente destacar o pensamento de Da Matta (1997,
p. 99), sobre o papel da dualidade vista como uma marca carnavalesca e que certamente o
escritor modernista apoderou-se para representar seus personagens ficcionais.



                         [...] o “triângulo ritual” aparece como algo inesperado justamente porque a
                         seu lado corre um conjunto de interpretações “oficiais” do Brasil, todas
                         marcadas       pela     fascinação   com     um     dualismo,    do    tipo:
                         exploradores/explorados; norte/sul; litoral/interior; preto/branco; Brasil
                         moderno/ Brasil/arcaico; feudalismo/capitalismo; escravos/senhores;
                         império/república; quando – na verdade – as vertentes interpretativas mais
                         duradouras do cenário social brasileiro falavam (e ainda falam) em três
                         elementos, tal e qual aprendemos na escola primária e na “vida”. Assim
                         temos: céu/inferno/purgatório; preto/branco/mulato; preto/branco/índio;
                         sim/não/mais ou menos; como se ao lado da visão dualística, uma
                         perspectiva triangular ou triádica corresse oculta, inconscientemente,
                         constituindo um discurso dos brasileiros sobre o Brasil que também é
                         importante [...].


        Ville (1996) chama a atenção para o fato de Jorge Amado servir-se da figura
feminina baiana / brasileira para vender uma imagem erótica da mulher brasileira, com o
discurso da ficção popular da Bahia. “[...] A prioridade em ressaltar os méritos culinários de
Dona Flor permite fazer surgir imagens/representações da mulher brasileira/ baiana,
associadas aos liames cama/cozinha, ou melhor, mulher/ comida [...]”.
        Seguindo essa linha de raciocínio, salienta-se que, apesar de Jorge Amado apresentar
a imagem da mulher como mulher-comestível, seus defensores atribuem sua literatura como
uma narrativa que representa o povão, e o que o povão espera é justamente este tipo de
descrição de mulheres sensuais e dispostas a servir seu homem. Jorge Amado ao escrever
Dona Flor e Seus Dois Maridos deu ao seu leitor a oportunidade de saborear a boa cama e a
mesa da mulher baiana.
        A literatura jorgeamadiana não se restringe a esse olhar pejorativo. Os estudos
multiculturais permitiram ampliação das discussões temáticas, aspecto que possibilitou ler
narrativa como Dona Flor e seus Dois Maridos pelo lado também cultural. E a cultura
particularizada no espaço baiano de Jorge Amado consegue universalizar a visão construída
sobre o ser mulher tão mediocramente descrita sem perfis valorativos. A escrita literária desse
autor baiano transgrediu universos tradicionalistas e reverteu o símbolo de nação perfeita e
desenhada por linhas muito bem aparelhadas que divergem da realidade minuciosa narradas
pela mulher amada de Jorge.



                                                                                                  36
3 MULHER SOB O OLHAR LITERÁRIO E SÍMBOLO DE NAÇÃO


                                             [...] determinada concepção e modelo de sociedade são
                                             colocados em discussão, com a finalidade de estabelecer
                                             o vínculo obrigatório entre a criação literária e a nação
                                             (Giselle Laguardia Valente).


            A escrita literária ao representar a realidade por meios de narrativas apoderou-se de
conceitos patriarcalistas para apresentar/representar personagens femininos. A Mulher,
expressão do sujeito encoberto, explorado, exposto do mundo pós-colonial, simboliza a
nação, objeto tão abstrato quanto o ser mulher – sujeito de essência mascarada socialmente.
As ações idealizar, cobrir, explorar e expor manifestam-se sobre a mulher nesse mundo pós-
colonial.
            A partir dessas colocações, salienta-se que mesmo que a literatura brasileira não
tenha sido largamente explanada à luz do pós-colonialismo, não há como negar que toda a
nossa literatura seja marcada pelo colonialismo. Examinando as narrativas literárias percebe-
se que boa parte do discurso literário pós-colonial focalizou o papel feminino como ser
submisso à figura masculina, resquício herdado da cultura ocidental aos países colonizados e
que perdurou por vários textos literários. O homem, neste contexto, foi convencido de uma
superioridade sobre as mulheres, passando a ter o direito e o controle sobre a vida feminina.
Ele passa a assumir o papel da ordem e a mulher, da desordem.
            Neste caminho, observa-se que a ficção literária de autoria masculina dos séculos
XIX e metade do século XX revela que essa produção fora baseada em comportamentos pré-
estabelecidos pela sociedade, frente à figura feminina. Lucena (2003, p. 101) afirma que o
discurso literário representa/apresenta uma visão conservadora e discriminatória que engendra
formas de silenciamento e exclusão frente à figura feminina.



                          Desse ponto de vista dos temas revelam-se três grandes grupos: o da
                          transgressão de comportamentos estabelecidos, que ocasiona a punição da
                          mulher; o dos estereótipos e convenções de feminilidade, que vão desde a
                          educação até o trabalho da mulher na sociedade, sempre enfatizando a
                          passividade; e o terceiro, decorrente da estereotipia, calcado nos binômios do
                          tipo cultura x natureza, atividade x passividade, inteligência x sensibilidade,
                          em que o primeiro elemento, de valor positivo, considerado a norma, é
                          atribuído ao homem, enquanto o segundo, o desvio negativo, caracteriza a
                          mulher.




                                                                                                      37
O texto literário se constrói dentro do mundo ficcional, contudo, isso não impede que
seus autores busquem inspiração na realidade vivida ou imaginária, haja vista a produção
literária do nosso país, que buscou como fonte inspiradora a figura feminina para representar /
simbolizar o país no mundo literário. A mulher, como protagonista das narrativas foi descrita
a partir de normas impostas por uma sociedade tradicional patriarcalista na qual o conceito de
mulher restringia-se à submissão ao homem.
         Na história do Brasil, a mulher sempre foi relegada a serviço do homem, ao silêncio,
e/ou a objeto sexual, talvez isso se deva ao fato de o país ter herdado a cultura colonial. Neste
caminho, a literatura persistiu e muitas são as narrativas que representam através de
personagens femininos esta situação de mulher objeto.
         Com essas reflexões, é que procuro entender os romances Iracema (José de Alencar),
O cortiço (Aluísio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado) que, por
meio delas, procuram construir/mostrar uma nação em formação. Essas narrativas podem ser
consideradas essenciais para explicar a sociedade de cada época e como essa nação foi
representada. Iracema, Rita Baiana e Flor são personagens femininos que desenham a nação
através de seus perfis. As narrativas analisadas de ângulos divergentes, da maneira em que
utiliza a figura da mulher, porém são igualmente válidas na representação da sociedade
brasileira.
         Segundo Candido (2000), por meio da literatura, divergências nacionais foram
expostas, na medida em que os escritores pesquisaram o passado na busca de um símbolo
nacional, de um brasileiro nato. Possivelmente, foi em busca dessa raça “pura” que os autores
se nortearam e utilizaram o feminino como símbolo nacional.
         Em decorrência dessas questões, Brandão (2006, p. 33) salienta que a mulher
representada na literatura corre o risco de servir de fetiche masculino, presa a representações
viris, isso se deve ao efeito de leitura, que muitas vezes acaba por se tornar um estereótipo que
circula como verdade feminina. Porém, a literatura pode romper com essa ideologia/utopia,
revelando-se como artifício do discurso histórico.



3.1 Iracema: projeto de invenção nacional romântica


         Na tarefa de escolher um ponto de partida em direção ao progresso, os escritores
românticos tinham que criar uma genealogia que lhe transmitisse um perfil de nação coesa,
para firmar-se como soberana. Para consolidar-se como nacional, a literatura brasileira da

                                                                                              38
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Diálogos entre Iracema, Rita e Flor

  • 1. UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA – UNEB DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO – CAMPUS XIV COLEGIADO DO CURSO DE LETRAS COM HABILITAÇÃO EM LÍNGUA PORTUGUESA E LITERATURAS – LICENCIATURA FABÍULA DA SILVA BORGES IRACEMA, RITA BAIANA E FLOR: diálogos e metáforas de nação em Iracema, de José de Alencar, O cortiço, de Aluísio de Azevedo e Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado Conceição do Coité 2012 1
  • 2. FABÍULA DA SILVA BORGES IRACEMA, RITA BAIANA E FLOR: diálogos e metáforas de nação em Iracema, de José de Alencar, O cortiço, de Aluísio de Azevedo e Dona Flor e seus dois maridos, de Jorge Amado Monografia apresentada ao Departamento de Educação, da Universidade do Estado da Bahia (UNEB), Curso de Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Literaturas – Licenciatura, como parte do processo avaliativo para obtenção do grau de Licenciado em Letras. Orientadora: Profª. Ms Eugênia Mateus de Souza Conceição do Coité 2012 2
  • 3. A todos da minha família, pelo carinho e compreensão que sempre deram na minha trajetória. Pelo incentivo e força que cada um me ofereceu nos momentos de aflição. Por cada sorriso que partilharam comigo nos momentos de glória. 3
  • 4. AGRADECIMENTOS Primeiramente agradeço a Deus, ser supremo, meu conselheiro e amigo, que sempre me deu energia e coragem em todos os momentos de árdua batalha para vencer mais uma etapa na trajetória de minha vida. Ao meu pai, Augusto Pereira Borges, que, mesmo tendo partido na minha infância, entregou-me, como legado, a coragem de lutar pelos meus sonhos. De modo especial, à minha mãe, Maria José Barbosa Borges, que apesar de passar por momentos difíceis, assumindo o papel de pai e mãe, soube me ensinar o valor da vida e perseverar nos meus sonhos, também já se foi, mas seus ensinamentos foram o meu norte nessa trajetória. À minha irmã, Lindinalva, pelo o incentivo e carinho que sempre me deu, assumindo, às vezes, o papel de minha mãe. À minha cunhada, Maria Claudia, pelas caronas, conselhos e conforto nos momentos de aflição. Ao meu irmão, Augustinho, por cada palavra de incentivo que me valeu para persistir neste trabalho. Ao meu sobrinho, Augusto Cesár, pelos muitos favores prestados, torcida e apoio. A todos os meus professores, que me mostraram a beleza da Literatura. De modo muito especial, à minha professora orientadora Eugênia Mateus, pelas carinhosas e indispensáveis orientações, pelo estímulo, por cada texto/livro que me indicou/emprestou, por ter me mostrado a beleza da literatura. Agradeço ainda, pela paciência e compreensão, que colaborou para que este trabalho se tornasse real, apesar de sabermos que, “dorme quem pode”, “dormi”, sua orientação permitiu que conciliasse trabalho e faculdade. Ao professor Deijair, pela paciência hercúlea, pelo tom baixo e decidido com que se dirige ao alunado e pelos sorrisos de canto e olhares amigos, nos mais difíceis momentos quando a vontade é de desistir. Finalmente, agradeço a todos que colaboraram para o cumprimento dessa tarefa. Nomear a cada um seria inviável depois de tantos neurônios queimados e uma mente tão calejada por tantas letras que ousavam desfilar em meio às palavras seus sábios ensinamentos nas páginas e mais páginas e mais páginas... desenhadas pela escrita a ser decifrada por uma leitura atenta e dividida entre o prazer de ler e a obrigação de fechar mais um ciclo. 4
  • 5. Ser homem é ser responsável. É sentir que colabora na construção do mundo. Antoine de Saint-Exupéry É curioso como não sei dizer quem sou. Quer dizer, sei-o bem, mas não posso dizer. Sobretudo tenho medo de dizer porque no momento em que tento falar não só não exprimo o que sinto como o que sinto se transforma lentamente no que eu digo. Clarice Lispector O que reúne e atrai as pessoas não é a semelhança ou identidade de opiniões, senão a identidade de espírito, a mesma espiritualidade ou maneira de ser e entender a vida. Marcel Proust 5
  • 6. RESUMO A nação se concretiza sob a pena dos escritores cujas narrativas estabelecem a dialética identitária e entra num campo imaginário de representações. A brasilidade imaginada, objeto de tantas especulações, incentiva estudos no sentido de se buscar a metáfora de nação, representada pela figura feminina nos romances, como é o caso desse trabalho – Iracema (José de Alencar), O cortiço (Aluízio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado). Iracema, Rita Baiana e Flor são pontes entre lados opostos de uma nação; elas determinam a influência dos colonizadores/estrangeiros na formação do povo brasileiro; a feminilidade da nação se abrindo aos espaços de transgressão dos modelos esperados para a representatividade dos desequilíbrios comuns nos espaços e assinalados, ironicamente, na mulher, objeto de descarte nos espaços públicos, mas trazidas por Jorge Amado à revelia dos modelos estereotipados fincados pelos modelos convencionalizados. PALAVRAS-CHAVE: Romantismo versus Naturalismo versus Modernismo. Literatura. Nação versus Identidade. Figura Feminina. 6
  • 7. ABSTRACT The nation is materialized from the pen of writers whose narratives establish the dialectic of identity, and get in a field of imaginary representations. The imagined Brazilianness, object of so much speculation, encourages studies in order to find the nation’s metaphor, represented by the female figure in the novels, as in this works - Iracema (José de Alencar) O Cortiço (Aluízio de Azevedo) and Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado). Iracema, Rita Baiana and Flor are bridges between opposite sides of a nation, they determine the influence of colonizer/foreigners in the formation of Brazilian people, the nation’s femininity opening through spaces of transgression of the expected models for the representation of common imbalances in the marked spaces, ironically, the woman, object of discard in the public environments, but brought by Jorge Amado in absentia of stereotyped models stuck conventionalized by the models. KEY - WORDS: Romanticism versus Naturalism versus Modernism. Literature. Nation versus Identity. Female Figure. 7
  • 8. SUMÁRIO INTRODUÇÃO 09 1 NARRANDO A NAÇÃO, A COR LOCAL E A IDENTIDADE: a dialética da conceituação ............................................................................................................ 13 1.1 Nação: construção imaginária narrada .................................................................... 15 1.2 A escolha da cor local: uma busca de perfil de brasilidade ................................... 18 1.3 Identidade nacional /cultural: duas versões, uma realidade ................................. 20 2 ROMANTISMO, REALISMO E MODERNISMO: a mulher sob três focos .... 24 2.1 O sublime ser mulher alencariano: da nativa à europeizada ................................ 26 2.2 Mulher e transgressão: o determinismo naturalista no perfil de mulher em Aluísio de Azevedo .................................................................................................. 30 2.3 Amadas e Amado: o modernismo de Jorge Amado e o ser feminino .................... 33 3 MULHER SOB O OLHAR LITERÁRIO E SÍMBOLO DE NAÇÃO ............. 38 3.1 Iracema: projeto de invenção nacional romântica .................................................. 39 3.2 Rita Baiana: o caso e o descaso de uma nação ....................................................... 43 3.3 Flor: a nacionalidade jorgeamadeana projetada em ícone identitário ..................... 47 CONCLUSÃO ................................................................................................................. 52 REFERÊNCIAS .............................................................................................................. 54 8
  • 9. INTRODUÇÃO É do conhecimento de muitos, que os países colonizados buscam firmar-se como nação soberana. Para isso acontecer um tortuoso caminho tem que ser trilhado. Esse processo implica formar uma identidade nacional, tarefa nada fácil, porque nessa busca dá-se a junção de culturas diversas ou o (des)encontro das diferenças, o que favorece à negação de determinada cultura ou em conflitos sangrentos que escorrem por quase toda a escrita de toda uma história do país. Para entender, portanto, o processo de formação do povo brasileiro é pertinente uma volta ao passado, para reflexões que nos auxilie a compreender o processo construtor de nação; apesar de a modernidade sugerir a mistura entre as etnias, a temática das identidades está sempre em discussão. E, diante dessas inquietações a literatura pode oferecer as respostas para se compreender como a nação brasileira se formara na busca da identidade nacional. A mistura do colonizador português, do índio e do negro formou o povo brasileiro; este processo de formação, porém, não agradou a todos. Logo trataram de buscar uma identidade nacional para o país. Neste caminho longo e de percursos confundíveis, muitos autores brasileiros retrataram, nas suas narrativas, os tipos humanos mais representativos do país (o negro, o índio e a mulher). A inclusão da mulher na literatura brasileira foi um marco importante para a busca da identidade nacional. O papel desempenhado por essas figuras na Literatura serão objeto de estudo neste trabalho. Nota-se que desde a criação do mundo, a mulher tem sido ícone de uma nação, vista como símbolo sedutor, capaz de manipular a mente masculina, a fim de conseguir seus objetivos, ou ainda, delinear, através de seu perfil, a imagem de nação. Diante dessa afirmação, ressalta-se a história bíblica de Adão e Eva (Gn 3, 6-14). Adão foi convencido por Eva a comer o fruto proibido, onde perdeu sua pureza. Nessa perspectiva é inegável que, desde os tempos antigos, se retratava a figura feminina como estereótipo de submissão, embora desviasse os sentidos masculinos. Obviamente esse estereótipo perdurou por toda a história e favoreceu autores que buscavam uma figura para representar a nação, com traço exuberante e nacional, capaz de representar a Identidade nacional/cultural. Assim, este trabalho trilha pela temática Literatura e Nação/Identidade nos romances: Iracema (José de Alencar), O cortiço (Aluísio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado), que sabiamente protagonizou por meio de personagens femininos a metáfora de nação. A leitura desses romances é de suma importância para a sociedade compreender a 9
  • 10. formação da identidade nacional/cultural do nosso país, onde a figura feminina recebeu relevância, além de ser um trabalho que propõe (des)construir o projeto de nacionalidade pela imagem metafórica das personagens femininas, que proporcionará a reflexão sobre a atual nação brasileira e sua formação. O trabalho foi projetado a partir dos seguintes questionamentos: Quais indícios linguísticos e literários levaram os autores à escritura dessas narrativas, trazendo a mulher como símbolo de nação? Mediante o conceito de identidade nacional/cultural como se encaixam os projetos literários desses autores? Brasilidade/nacionalidade como dois projetos fotográficos de Brasil ou a representatividade para uma rejeição aos moldes portugueses? Quais indícios ou atitudes femininos simbolizam a imagem de nação em Iracema, Rita Baiana e Flor nos projetos literários de autores de épocas distantes? O primitivismo em Alencar, a mestiçagem em Aluisio de Azevedo e os princípios da modernidade em Jorge Amado definem uma literatura-espelho de projetos de invenção, afirmação ou amadurecimento de Brasil? Diante dos questionamentos, acreditou-se haver uma explicação aceitável, uma vez que se tem vasto acervo da história do nosso país. Possivelmente os autores tentaram mostrar nessas narrativas novas palavras e entonações que figurassem a nacionalidade, mediante interação entre recursos linguísticos (local/colonizador), visto como aversão ao estrangeiro colonizador. Cogita-se, ainda que, ao utilizar a figura feminina, como símbolo nacional, os autores denotem a negação ao herói europeu, como insinuação à perda do espaço nessa nação, pelo colonizador. Partindo do pressuposto de que a arte da escrita nacional expressara-se em vários movimentos literários, entende-se que esses autores tentassem se adequar ao contexto da época, quando a figura feminina refletia as mudanças ocorridas em estilo literário para solidificar a nação e a busca da identidade nacional/cultural. Portanto, seria a brasilidade/nacionalidade uma espécie de registro fotográfico de Brasil representado como espaço e cultura soberanos à revelia dos moldes portugueses, haja vista a necessidade de autoafirmação e reconhecimento. Provavelmente os autores buscassem a revelação de uma literatura expressiva do sentimento de nação, ora menosprezando o europeu ora exaltando o nacional, a sua história. Por tais colocações, acredita-se serem as figuras femininas (Iracema, Rita Baiana e Flor, objeto do estudo), a imagem de cultura, comportamento, expressão, primitivismo, mestiçagem, ordem, desordem, além de algumas outras dicotomias presentes nos projetos de invenção de identidades e nação. Enfim, a literatura como espelho da reflexão da história verossímil da construção de um país e de seus representantes sob a perspectiva da metáfora. 10
  • 11. Em busca pela confirmação dessas respostas, foi necessário fazer a releitura e análise das narrativas com base em críticos que discutem a escrita literária do país e dos autores, José de Alencar, Aluísio de Azevedo e Jorge Amado, assim como, teorias que trazem abordagem da nação (Anderson, Renan, Perrone-Moíses, Figueiredo), Identidade (Hall, Bernd, Debrun) e Mulher (Ville, Hellena, Lucena, Miranda) sob o olhar literário. Para a realização desse trabalho, utilizou-se a pesquisa bibliográfica a fim de atingir o objetivo proposto – (Des)construir o projeto de nacionalidade pela imagem metafórica feminina, representada nas personagens Iracema, Rita Baiana e Flor de Iracema (José de Alencar), O cortiço (Aluísio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado). Contudo, enveredar pelas leituras e escritas aptas a cumprir as etapas da pesquisa, outros objetivos se tornaram guia: a. Conceituar nação e cor local/identidade nos séculos XIX e XX. b. Identificar traços nacionais nas narrativas, sob a perspectiva da cor local/identidade. c. Reconhecer o papel desenvolvido pela figura feminina para a formação de nação. d. Relacionar a sensualidade como um traço marcado de identidade e de nação. e. Comparar os projetos de nação e identidade (nacional/cultural) ao longo da construção da brasilidade. f. Analisar a metáfora de nação/identidade nos perfis femininos da literatura alencariana, azevediana e jorgeamadiana. Seguindo estas veredas, o estudo se organizou em três capítulos por onde tanto a revisão bibliográfica como a fundamentação teórica dialogam junto à análise das narrativas. No primeiro capítulo – Narrando a nação, a cor local e a identidade: a dialética da conceituação –, são apresentados conceitos sobre narrativa da nação, Cor Local e Identidade. Neste capítulo, é discutida e conceituada, a nação como imaginário ficcional, papel que a literatura desempenha, a representação da cor local vem atrelada a negação ao colonizador e a formação da identidade nacional como um meio de buscar sua origem, pura. Porém todas essas discussões giram em torno da figura feminina. No segundo capítulo intitulado Romantismo, Realismo e Modernismo: a mulher sob três focos, são abordados alguns aspectos dos movimentos literários em foco na discussão. A mulher é analisada dentro de cada narrativa, destacando o modelo da figura feminina representada em cada movimento, assim como sua representação e mudança dentro da sociedade brasileira. Mulher sob o olhar literário e símbolo de nação, terceiro capítulo, expõe-se uma discussão a respeito de cada uma dessas personagens (Iracema, Rita Baiana e Flor), como 11
  • 12. figuras femininas, que representaram a nação na literatura brasileira, para a formação da identidade, ora com traços negativos ora com traços positivos. Ao observar a trajetória dessas personagens, os papéis desempenhados por elas percebe-se a contribuição que os textos literários deram para a formação da identidade do país, trazendo a mulher para o centro das discussões. A partir dessas considerações, observo que esse estudo será significativo para a compreensão sobre formação da identidade nacional/cultural do nosso país, onde a figura feminina recebe relevância, além de ser um trabalho que proporcionará a reflexão sobre a atual nação brasileira e sua formação. Diante dessa realidade, ressalto a relevância do estudo para a universidade, visto que a temática identidade direciona no interior das academias alguns estudos. Creio, portanto, que a pesquisa sobre nação/identidade centrada em personagens femininas de épocas distintas provoque reflexão sobre “nossas verdades” e construa mais uma parte do mosaico de estudos sobre nacionalidade focalizada à luz da metáfora mulher/nação. 12
  • 13. 1 NARRANDO A NAÇÃO, A COR LOCAL E A IDENTIDADE: a dialética da conceituação O que é ser brasileiro? Será mesmo que faz sentido falar desse ser? É fácil afirmar a existência da Nação brasileira, se atentarmos apenas para os aspectos geográficos, jurídicos ou diplomáticos. E definir a identidade brasileira como o atributo, a etiqueta do conjunto populacional, ou dos indivíduos, que vivem dentro desse quadro formal. Mas parece que Nação e identidade nacional exigem algo mais. Como, por exemplo, um consenso em torno de certos valores, e uma diferença entre ele e outros tipos de consenso, ou entre eles e outros consensos nacionais. Ora, desde os fins do século XIX, muitos têm duvidado seja da coesão brasileira seja da diferença específica do Brasil (Michel Debrun). Certamente a discussão em torno da construção de nação faz-se cada vez mais pertinente em países que passaram por um processo colonizador e tiveram a sua emancipação política tardia. É inegável, pois, que o Brasil passara por este processo e buscou construir-se enquanto nação. A ideia de nação trouxe uma série de infortúnios1 ao povo, de modo geral, devido à sua formação. Ora, a população brasileira resultou do fruto da mistura do colonizador português, do índio e do negro africano, peças essenciais para a construção do mosaico (povo) brasileiro, entretanto, o questionamento étnico polemizou os conceitos e, portanto, os ajustes discursivos tornavam-se dissonantes da realidade. Essa ideia de nação/nacionalismo surgiu entre os séculos XIX e XX, período que remete à independência política do país e aparecem os prenúncios de cor local e/ou identidade nacional/cultural. Neste período, Machado de Assis já chamava a atenção para a produção literária que seria publicada, com um instinto de nacionalidade e certa presença da cor local. De fato suas palavras previram a literatura brasileira. Assim a independência alterou a face do país que logo busca afirmação nacional, e a literatura teve um papel preponderante neste novo rumo. Pensar uma cor local surge, pois, com o Romantismo e, mais tarde, reconfigura-se como identidade nacional. A literatura assume papel difusor dessas ideias, uma vez que busca despertar, no povo, sentimentos nacionais. Neste sentido, a busca por uma escrita que traduzisse a nação/identidade faz parte da trajetória literária brasileira, que se compromete 1 O infortúnio se deu em dois blocos. O primeiro no grupo da elite que discutia a cor local/ identidade nacional e gerenciava/decidia nas discussões sem, no entanto, conseguir uma definição suficiente, uma unidade. O segundo bloco trazia negros e índios silenciados e, portanto, à margem, objeto de avaliação. 13
  • 14. com o nacional em detrimento ao opressor/colonizador. Mas há de se pensar no nacional por subtração. Um trâmite traiçoeiro, marcador de dependências até então camufladas. Esse era um objetivo almejado de diversos autores, porém, era preciso encontrar um representante para a construção da nação. Nessa perspectiva, Pesavento (1998) assinala que, a nação pode ser vista como uma comunidade imaginária ou um universo simbólico de referência e, a referência nacional se configura como um projeto que qualifica o real, transfigurando-o e atribuindo-lhe sentidos precisos. A questão identitária desencadeou a busca romântica mediante conflito de já não se poder/querer ser português, contudo para que essa discussão se efetivasse exigia-se a escolha de um representante nacional, capaz de incorporar e concretizar o universo natural, genuinamente nacional. Neste enfoque, os autores brasileiros elegem, inicialmente, os índios como maior ícone de nação. Os autóctones seriam os verdadeiros donos dessa terra e, a partir dessa escolha, eles seriam a representatividade da exuberância natural/nacional. Dentro dessa perspectiva, o índio apareceu nos romances (fábulas) de fundação de nacionalidade. Porém, apesar de as narrativas sobre o índio não serem protagonizadas apenas por imagem feminina (Peri/Ubirajara), ela se destaca como marca de nacionalidade, pelo atributo à sensualidade, à exuberância tropical e pela fragilidade/força dentro do espaço social e familiar. As imagens mostradas pela literatura passam a dar sentido à identidade, buscando nas origens e na cor local criar sua própria história. Torna-se, pois, evidente que, para se firmar como nacional, a literatura brasileira busca nessas origens e cor local criar a nação, e com narrativas alencarianas se dissemina a construção da identidade nacional. Alencar criou uma imagem heroicizada do índio com o intuito de construir a nacionalidade brasileira. No entanto, é sempre bom lembrar que, nessa busca da nacionalidade, o índio aparece na formação identitária como figura sacralizadora2, haja vista o olhar sobre ele como ser sagrado, puro, habitante do paraíso Brasil. Contribuindo para essa reflexão, Zilbermann (apud FIGUEIREDO, 2005) diz que a exaltação do índio se fez por necessidade de uma genealogia, de um mito cosmogônico, inspiração no autóctone e dono original da terra. A busca do representante nacional não se fez apenas nesse período, pois a arte literária tem em sua história vários momentos, de acordo com as características e contextos de cada época, com o objetivo de buscar a nacionalidade, a representação de sua gente. 2 “Essa função sacralizante ou celebrativa (DUBOIS, 1978, p. 74) ‘lembra as origens sagradas da poesia e parece consolidar a base ideológica da prática literária’. No âmbito dessa função de sacralização épica ou trágica, a literatura ‘deve significar [...] a relação de um povo a um outro no DIVERSO’ (GLISSANT, 1981, p. 193), sob pena de permanecer folclorizante ou caduca” (BERND, 2003, p. 33). 14
  • 15. Assim é importante lembrar que as narrativas literárias Iracema (José de Alencar), O cortiço (Aluísio de Azevedo), e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado) mostram através da imagem feminina3 o processo de construção da identidade nacional. Essas narrativas traduzem a mulher como símbolo sedutor e capaz de centralizar pontos extremos de uma nação, isto é, o lado positivo e/ou negativo do universo nacional. Nas narrativas, os autores construíram a identidade nacional/cultural, não como um processo simples, pois ela não é única, nem definitiva; pode ser vista como um processo sócio-metamórfico, isto é, procura se adequar ao contexto histórico. Diante de tais colocações, Figueiredo (2005) assinala que as identidades nacionais são negociadas em função do momento com o apoio do Estado-Nação. Por fim a construção da nação e a busca por uma identidade nacional fez-se pertinente ao momento, pois buscavam livrar-se do estigma de colônia de Portugal, para tornar, de fato, o país livre e soberano como sua própria nação, embora esta uma comunidade politicamente imaginada como é definida por Benedict Anderson, seja a nação. 1.1 Nação: construção imaginada narrada Nacionalismo, embora, reconhecidamente como projeto político, enquanto projeto literário, ganha modalidades diversificadas cujo panorama se apresenta em dois eixos: o primeiro limita-se a dimensões localistas (concepção ontológica, fixa e permanente de nacionalidade); o segundo, mas universal e reconhecedor das diferenças, baseia-se, pois, nas proporções múltiplas, na liquidez e na alteridade4. O sentido de identidade nacional, pois, se configura na ficcionalidade. A literatura, nesse caso, oportuniza a expressão dos nacionalismos pelo imaginário ficcional. 3 Tal afirmação não nega a identidade na figura masculina. O corpus do trabalho está centrado na imagem feminina de nação, a partir de mulheres na literatura. 4 Segundo Ceia (2010), “Não menos complexa é a tentativa de reduzir a alteridade a um princípio de identidade. Os poetas modernistas são hábeis neste tipo de jogo de destruição da barreira psicológica entre o eu e o Outro e muitos fizeram dessa relação o cerne da sua poesia. Está neste caso Mário de Sá-Carneiro, cujo entendimento da alteridade é investigado em ‘Eu-Próprio o Outro’ [...] A presença do Outro é sempre uma presença invisível. A única aspiração consiste na possibilidade de encontrar a unidade entre ambos, uma unidade parmenidiana capaz de desvelar o Ser uno e imutável. O problema da intersubjectividade parece pronto a resolver-se com a revelação do significado íntimo do sentimento do eu para com o Outro, que é um sentimento de ódio. [...] O Outro existe apenas para eu saber aquilo que não devo ser. Servir-me-á para corrigir o erro de ser-eu-deste-modo-errado. Como afirma Sartre, na sua teoria sobre a alteridade: ‘[...] o ódio é ódio a todos os outros num só. O que eu quero alcançar simbolicamente ao perseguir a morte de um tal outro, é o princípio geral da existência de outrem. O outro que odeio representa afinal os outros. E o meu projecto de o suprimir é projecto de suprimir outrem em geral, ou seja, de reconquistar a minha liberdade não-substancial de para-si [...]” (O Ser e o Nada, trad. de G. Cascais Franco, Círculo de Leitores, Lisboa, 1993, p. 412). 15
  • 16. O termo nação liga-se a uma vasta produção intelectual de onde surge um campo minado de conceitos ora convergentes ora divergentes. O termo aparece no país logo após a sua independência política. Se o Estado (entidade política e territorial), fora criado, restava inventar a nação e o sentimento de pertencimento à nova comunidade. Ela, portanto, pode ser compreendida como resultado de um esforço interno para a construção de sentimentos de pertencialismo grupal e que sejam capazes de dar legitimidade ao aparato político e administrativo do estado nacional. Esse termo “criar” o país caberia agora à literatura que, de certa forma representa o resultado de seu contexto. Perrone-Moisés (2007) ressalta que a literatura teve um papel efetivo na constituição de uma consciência nacional e na construção das nações latino-americanas. Ela assinala ainda que a literatura do Brasil marca seu compromisso com a vida nacional e objetiva repudiar o opressor/colonizador. As reivindicações nacionalistas nascem e vivem da rejeição de um outro opressivo, que impõe seus princípios e seus valores, apagando ao mesmo tempo, os de uma cultura determinada. Esse outro é um invasor, um colonizador, um explorador [...] (PERRONE-MOÍSES, 2007, p. 36). Esse procedimento torna-se comum, mediante o reconhecimento (ou não) das diferenças, as quais reivindicam o estranhamento capaz de instaurar a negação do outro. Entra nesse prospecto um jogo de poder cujo domínio desenha os caminhos de uma nação, e, por conseguinte, todo um conjunto (des)construído de significações a serem compreendidas pelos participantes do processo. Mas, o que referencia uma nação? Limita-se, nesse momento, a discutir nação como construção imaginada, conceito definido por Benedict Anderson, (2005), para quem a nação é uma comunidade politicamente imaginada, autônoma e limitada. Neste sentido, entende-se que a existência da nação depende de um aparato simbólico por meio do qual são construídos os sentimentos de comunhão, companheirismo e horizontalidade social entre seus membros. Ela é imaginada porque nem mesmo os membros das menores nações jamais conhecerão a maioria de seus compatriotas [...] é imaginada como limitada, porque até mesmo a maior delas, que abarca talvez um bilhão de seres humanos, possui fronteiras finitas, ainda que elásticas, para além das quais se encontram outras nações. É imaginada como soberana porque [...] as nações sonham em ser livres [...] O penhor e símbolo dessa liberdade é o Estado soberano [...] (ANDERSON, 2005, p.14). 16
  • 17. Construir a nação. É preciso uma volta ao passado e uma busca pela imagem à qual possa orgulhar/representar e projetar sua trajetória. Sobre esse conceito, Sommer (2004) alerta que a intenção dos autores era de incorporar e concretizar tudo o que se almejava, especialmente, o universo natural (nacional). Renan (apud MIRANDA, 2010) salienta que a narrativa da nação é um jogo sutil de lembrar e esquecer, mas uma nação não existe sem passado. A construção de uma nação exige o esquecimento e até o erro histórico. Segundo Renan, é fundamental que todos os indivíduos tenham muito em comum, e que todos tenham esquecido muitas coisas; eis aí a essência da nação. […] sem o esquecimento da violência existente na origem de todas as formações nacionais é impossível conseguir-se a unidade que as constitui. A comunhão de interesses comuns pelos indivíduos é também partilha de coisas que devem ser esquecidas em conjunto ou lembradas, quando destrutivas, para que não se repitam, para que sejam constantemente “esquecidas” […] (MIRANDA, 2010, p. 35). Para os críticos literários, fica evidente que, para se construir a nação é necessário que a literatura busque na história elementos positivos ou “manipuláveis” capazes de atender aos interesses das instituições políticas ou ideológicas dessa nova nação. Segundo Zilbermann (1999), o nacionalismo literário é profundamente relacionado à questão política. A burguesia, solidamente instalada no poder, busca na literatura a representação do Estado que a dirige e administra. Os autores, portanto, procuram mostrar através da literatura a feição própria, singular a cada nação através de elementos nacionais que a representem. Os autores de literatura brasileira buscaram, desse modo, construir a nação a partir de figuras representativas do país, desde o índio à figura metaforizada da mulher. A produção de uma escrita que, pela imagem de mulher, a nova nação é narrada como construção simbólica. A imagem feminina metaforizada como expressão de nacionalidade cria um jogo dialético que ora interioriza ora exterioriza a cultura paternalista adolescente de um país que procurava autonomia sociopoliticocultural. A colonização deixara heranças que a pós-colonialidade revisa em busca da formação cultural brasileira. José de Alencar, com seu projeto de invenção de Brasil, procura a interiorização da essência das terras brasileiras e vê na figura indígena o princípio de sua história e formação nacional. Aluísio de Azevedo, décadas mais tarde, revisita a formação do país e registra a exploração além de sintetizar a própria visão realista do comportamento humano. E, Jorge Amado, já no século XX, interioriza o exterior, exterioriza o interior, isto é, reconhece 17
  • 18. elementos estrangeiros na construção do país sem, no entanto, negar a origem e dispensa a cultura paternalista, adolescente do país. 1.2 A escolha da cor local: uma busca de brasilidade A construção de uma nação não se limita à defesa de uma identidade definida, mas elenca uma complexa estrutura, senão problemática, porque há uma intensa procura de uma resolução ideal, derradeira ou definitiva. O excesso de determinação trouxe um desequilíbrio no avanço desse percurso. A busca identitária firma-se sempre numa história passada autorrepelente ao presente, porque se vive a diferença, e o futuro apresenta reflexos de um passado, mas não é exatamente o passado. Certamente, compreende-se o instinto de nacionalidade de que fala Machado de Assis como a mola propulsora desse projeto identitário problemático. Um país recém-descoberto precisa construir-se como nação e, para sua concretização, faz-se necessário que a literatura desempenhe esse papel, visto que um povo sem literatura não é uma nação. A literatura brasileira (apesar de descreditar os europeus) nasce do tronco português inspirada na tendência romântica. Bosi (1994) salienta que a história da literatura brasileira nasce sob o signo do nacionalismo. O ensaio sobre a história da literatura do Brasil, de Gonçalves de Magalhães (1836), considerado o fundador da nossa literatura, postula que a literatura brasileira deveria apresentar caráter nacional, pois a literatura de um povo revela seu caráter. Neste caminho, Gonçalves de Magalhães, lança as bases para a construção da literatura verdadeiramente nacional, papel desempenhado por brasileiros (escritores) que buscam construir a literatura norteada pela valorização do natural (cor local). Os textos inaugurais no século XVII, marcam o barroco, que demarca a literatura pelo gosto da exaltação da realidade e pela apologia ao gigantismo do país. A cor local foi celebrada por várias gerações de literários que dominaram o discurso e valeram-se de emblemas naturais para representar a literatura brasileira. […] Quem examina a atual literatura brasileira reconhece-lhe logo, como primeiro traço, certo instinto de nacionalidade. Poesia, romance, todas as formas literárias do pensamento buscam vestir-se com as cores do país, e não há negar que semelhante preocupação é sintoma de vitalidade e abono de futuro […] (MACHADO DE ASSIS, 1959, p. 28). 18
  • 19. Machado de Assis em Instinto de nacionalidade afirma que a produção da segunda metade do século XVI aparecia com uma certa cor local, vale salientar que, de fato essa cor local foi escolhida como meio de demonstrar a afirmação do nosso país. Cor local se define por uma caracterização de pormenores peculiares a certas comunidades. As narrativas do Brasil ainda adolescente revelam um envolvimento na cor local ironizada pelos modernistas enquanto técnica assolada por uma maldição: acreditava-se que o nacionalismo deveria centrar-se no que seria melhor e mais peculiar para o país: natureza exuberante e índio (bom selvagem). Uma passagem para a consolidação de um país independente. No Brasil, a independência política despertou nos intelectuais a necessidade de construir uma literatura “nacional” diferente de Portugal, na qual já se compartilhava a língua (afirmação de um povo), restava agora aos autores buscar afirmação no elemento natural, e a cor local serviu de norte para a produção literária. A literatura vestiu-se de cores para descrever o país através da natureza, plantas, aves e tribos que foram intensamente narradas para construir uma brasilidade. Bosi (1994) destaca que, apesar de o país declarar-se independente de Portugal, desde 1888, com o sete de setembro, continuava econômico e culturalmente vinculado a Portugal, o que serviu de estímulo para os autores incorporarem a cor local como afirmação do “nacional”. Incentivados pela independência, eles insistiam em destacar essa cor local como recurso nacional. A literatura necessitava de um elemento original e nada mais pertinente para essa afirmação que a valorização do natural. O amor à terra e a valorização à natureza foram, sem dúvida, a base para iniciar a produção literária no Brasil. A consolidação cultural se manifestava literariamente haja vista os românticos terem assumido a missão de criar, difundir e elogiar um lugar, um imaginário, uma utopia: personagens, valores, gente. Uma nova visão, contrária a dos europeus – resquícios coloniais. A nação e a(s) identidade(s) brasileira(s), com base na proposta de Silviano Santiago, apresentada no texto de Roberto Corrêa, sobre o mecanismo da espacialização interior/exterior como movimentos que vêm caracterizando os modos de compreensão e uso do valor de nacionalidade e de identidade nacional; periféricas. O termo macumba vem para lembrar nacional e gringo, estrangeiro. Do ponto de partida, nacionalidade e identidade nacional foi o projeto precursor de Alencar, mas reconstruído, por outros viéses, em épocas distintas, por muitos outros artistas [...] proporcionou ao homem um repensar sobre a formação do(s) sujeito(s). A partir de então, procurou-se a inclusão, um bloco de identidades que pudesse englobar uma brasilidade tão diversa. Alencar se valera da exteriorização da cultura do país, representada pelo nativismo, palas origens indígenas, numa visão romântica, externando a cor local, isto é, o movimento deu-se numa só direção, de dentro para fora. 19
  • 20. Nessa exteriorização do interior, veio à tona a essência primitiva do país – uma farsa ridícula do paraíso tropical para turistas, um mau simulacro, falsa essência, doxa, fingida raiz, baixa democracia (SOUZA; SOUZA; SILVA, 2005, p. 9-10). Uma macumba para gringo ver seria a representação literária dessa cor local. A produção literária restringiu-se a essa busca e não amadureceu de mediato, esse processo se inicia já finalizando a segunda metade do século XIX. Essa cor local ganha novas tonalidades ao longo do século seguinte com novas definições e reconhecimento às diferenças. Apesar de na segunda metade do século XVIII se perceber certo instinto de nacionalidade e a presença de uma cor local, há de se reconhecer que em o Uruguai e o Caramuru de Basílio da Gama e Santa Rita Durão, respectivamente, já era possível sentir uma certa brasilidade, pois seriam narrativas precursoras desse entendimento de uma cor local, de certa brasilidade. O escritor precisa ser homem de seu tempo e deu seu país e possuir sentimento íntimo que nem é peculiar a todos. Nesta linha, o projeto “arquitetônico” do Brasil lançado por José de Alencar, valeu- se da exuberância natural para apresentar / representar o país que se destacaria na literatura nacional. Ele apresentou o país com um matizado de cores locais, inventou a diversidade e o pitoresco. O estímulo em amar a terra e orgulhar-se da nacionalidade marcou a literatura brasileira de uma época. Outros autores também utilizaram a cor local para marcar a nacionalidade, porém, como destacou Machado de Assis, descrever a natureza, obrigatoriamente, não significa que há nacionalidade, uma vez que o escritor pode pecar nas descrições das figuras e dos lugares. Alencar diferente de muitos autores não economizou exaltação da natureza (cor local) em suas narrativas. 1.3 Identidade nacional/cultural: duas versões, uma realidade O dramático cenário de uma identidade nacional é praticamente comum a todos os países latino-americanos, onde as marcas da colonização muitas vezes têm determinado um complexo jogo retórico e expressivo da ''memória'' e o ''esquecimento'' na construção da história [...] priorizam-se determinados componentes do processo histórico e esquecem-se aspectos mais traumáticos quando se pretende construir, sob o manto da homogeneização, uma identidade nacional [...] (PEREIRA, 2000, p. 7). 20
  • 21. A questão de identidade para Pereira alerta para se uma cultura for hegemônica, tanto pior será o processo de construção de uma identidade nacional, pois uma tentará esmagar a outra. A construção de uma identidade nacional não se constitui em processo simples, haja vista que, ao se inventar um “nós”, que se opõe ao outro, corre-se o risco de esmagar a cultura do outro. Figueiredo (2005) alerta que o processo de criação de uma identidade nacional não deixa de ter suas contradições, pois ao se criar uma identidade, cada nação age em nome de uma originalidade singular, o que pode desencadear conflitos sangrentos em nome de uma identidade. Ela alerta que, no Brasil, a questão da identidade foi colocada, sobretudo, a partir da busca romântica que nasce do conflito de já não se poder/querer ser português, contudo, para que a discussão se efetivasse era preciso resgatar a memória do país e encontrar um representante nacional. Sobre esse conceito, Sommer (2004) ressalta que a intenção dos autores era de incorporar e concretizar tudo o que se almejava, especialmente, o universo natural (nacional). Na narrativa alencariana, propaga-se a construção da identidade nacional. Em Iracema, a natureza, exageradamente, descrita permite a visão do lugar como um paraíso. Nesta perspectiva, subtende-se que a natureza é representada pela figura feminina de Iracema, virgem e exótica, como símbolo da terra brasileira. Alencar concilia duas culturas e dois povos (índio/português) para alcançar a nacionalidade. Pesavento (1998) alerta que formular uma identidade nacional, desenhar o perfil do cidadão, estereotipar o caráter de um povo corresponde a práticas que envolvem relações de poder e objetivam construir mecanismos de coesão social. Nessa busca da nacionalidade, Aluízio de Azevedo invade a prosa brasileira com a narrativa naturalista, O Cortiço, e retrata a vida dos imigrantes na sociedade carioca em um processo de trânsito de culturas concomitantemente à construção nacional. Nesta narrativa, vale destacar a mudança ocorrida na vida de Jerônimo (imigrante) após conhecer Rita Baiana, uma mulata sensual. Rita Baiana pode ser vista como a figura feminina (nacional) que seduz e encanta o estrangeiro e torna-se responsável por sua transformação, além de circular por alguns espaços e se relacionar com personagens que destoam opiniões sobre o comportamento. Porquanto, Rita Baiana representa a ponte para um trânsito de culturas. Hall (2003) revela que as identidades nacionais não são características com as quais se nasce, mas que são formadas e transformadas no interior de representação. 21
  • 22. A identidade plenamente unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia. Ao invés disso, à medida que os sistemas de significação e representação cultural se multiplicam, somos confrontados por uma multiplicidade desconcertante e cambiante de identidades possíveis, com cada uma das quais poderíamos nos identificar ao mesmo tempo (HALL, 2003, p. 13). A animação em torno da definição de identidade nacional não se perde entre intelectuais e brasileiros no final do século XIX, Aluízio de Azevedo, através do amor entre Rita Baiana e Jerônimo, reencena o deslumbramento do europeu em relação à América. Dessa vez a terra é posta de lado, e a sexualidade entra no jogo discursivo e a literatura passa a explorar a condição natural da vida humana. A identidade brasileira para a ser vista pelo foco da sexualidade pelo contraste entre as civilizações européia e brasileira. O Brasil é um corpo que goza, e como tal envia ao português estupefato uma mensagem que é uma promessa de gozo. O imigrante português já havia experimentado o clima, as frutas e os aromas brasileiros. Tudo isso era dotado de um aura de novidade e mistério que ele não via como articular em palavras. A entrada de Rita Baiana introduz um apelo extra - o apelo da sexualidade - que era o que faltava para disparar o processo de absorção de Jerônimo a uma nova identidade e a um novo estilo de vida. [...] Quando tudo se dilui em incertezas ao redor da brasileira e do português, só as verdades da sexualidade garantem a permanência da união entre os amantes; trata-se possivelmente do único caráter dominante, mas não necessariamente garantidor de permanência, que, em O cortiço, se tipifica o “ser” nacional (MENDES, s/d). Quebra-se a conciliação romântica e aponta-se para uma menos superficial. As modificações são constantes... e, paralelamente a esse processo metamórfico, surgiu o Modernismo com uma nova forma de representar a identidade. Segundo Pesavento (1998), os modernistas indicam o caminho para uma redescoberta do Brasil, a diversidade brasileira, expressa em natureza, raça e cultura, realiza a integração para formar a unidade nação. Jorge Amado apresenta essa corrente na narrativa Dona Flor e Seus Dois Maridos. A personagem Flor representa o Brasil de duas faces ao conciliar seus dois amores, Vadinho/desordem e Teodoro/ordem. Jorge Amado, portanto, serve-se de Flor para representar a sociedade brasileira. Insinua que a figura feminina (nação) apresenta-se completa quando possui as duas faces ordem/desordem. O canto ao povo miscigenado, às suas festas e aos seus sabores musicalizou a escrita jorgeamadiana que resvalou em identidade e nação. Realidades sociais e históricas cruzaram- 22
  • 23. se ao retrato de baianidade brasilidade distorcida e/ou inventada por um discurso literário e extraliterário. Goldstein (s/d) destaca, sobre Jorge Amado: Seu Brasil mestiço, alegre, festeiro e sensual é um conjunto de elementos pinçados dentro de um repertório histórico e cultural, recortes que revelam e escondem ao mesmo tempo. Escondem conflitos, heterogeneidade e transformações, mas revelam mitos, tabus e desejos de parte significativa dos brasileiros. A contextualização das narrativas abre o panorama para a percepção de identidade como processo de constante metamorfose, uma vez que o homem transforma-se à proporção que revisa seu conhecimento, sua cultura, seus costumes e hábitos na construção de sua imagem. O índio aparece na formação identitária com imagem sacralizadora, haja vista o olhar sobre ele como ser sagrado, puro, habitante do paraíso de nome Brasil. No entanto, associado à referência de identidade esta o conceito de alteridade – a identidade do outro. Com o mestiço, começa o processo de desconstrução e a literatura descortina-a através da função dessacralizadora, isto é, a visão realista e crítica reabilita o conceito identitário pelo viés cultural. Os críticos literários, pois, numa revisitação à produção literária brasileira acertam que desde a sua origem o povo brasileiro testemunha a miscigenação em torno da busca da identidade nacional e a figura feminina representou uma imagem estereotipada da mulher nacional. Assim é pertinente salientar que se deve repensar a diferença, para o reconhecimento das identidades múltiplas e híbridas. 23
  • 24. 2 ROMANTISMO, REALISMO E MODERNISMO: a mulher sob três focos A mulher não possuía identidade, não era dona de si mesma, não possuía a palavra, que leva o ser a um plano de reflexão e autoconscientização. [...] A mulher hoje pode aspirar a ser e não apenas a viver parasitariamente. [...] Na sociedade primitiva a mulher detinha um grande poder advindo de sua atuação como sacerdotisa ou feiticeira. A mulher exercia esse fascínio por ser ligada à terra-mãe. Mas o homem dominou a terra e subordinou a mulher, criou as leis e as instituições inaugurando a sociedade patriarcal. A mulher foi confinada no interior do lar para procriar e alienou-se. Tornou-se o “Outro”. [...] A mulher evoluiu lentamente em todo o mundo. A situação política, econômica e religiosa refletiu-se na trajetória feminina. Na Idade Média a mulher achava-se na total dependência do pai ou da proteção de um marido que lhe era imposto. Não possuía nenhum direito como pessoa (Eliana Gabriel Aires). As gerações literárias sempre buscaram a narrativa da nação enquanto espaço imaginário, entretanto respeitado e merecido por todos. A literatura brasileira, desde o Romantismo, providenciou uma nação com seus respectivos representantes de cor local. O índio fora o primeiro foco do olhar, mas a dialética identitária trouxe discussões polêmicas em busca de uma característica genuinamente brasileira. Este texto, no entanto, centra-se no olhar da narrativa sob o foco da mulher para a construção de nação. É notável o novo papel que as mulheres assumem na atual nação brasileira, contudo volta e meia percebemos que elas ainda sofrem estereótipos herdados da ficção do país. Para compreender a sociedade de hoje é necessário revisitar os movimentos literários do país e vislumbrar as mulheres que foram desenhadas pelos nossos autores. A literatura brasileira firmou-se a partir da Independência do Brasil e buscava mostrar sua soberania através de uma escrita nacional com elementos também nacionais. Com o intuito de mostrar a grandeza do país, vários autores elegeram a mulher como figura representativa do Brasil ao longo da história literária, porém, é recorrente nas narrativas representações estereotipadas de mulher: anjo, perigosa, imoral, sedutora e tantas outras “qualidades” que fizeram delas símbolo do país, ora com traços positivos ora negativos. 24
  • 25. Segundo Lucena (2003, p. 207), a explicação é encontrada na civilização ocidental, que transformou/representou a mulher como um ser secundário inferior e deve manter-se submissa ao homem: Desde a cultura greco-romana a condição feminina é representada como passiva e inferior, tomando como parâmetro o padrão anatômico, fisiológico e psicológico masculino. Toda a carga discriminatória entre homens e mulheres. A figura feminina começa a se destacar no Romantismo quando os autores retratam através de uma visão ideológica, representada como um ser puro, angelical, frágil e, ao mesmo tempo, capaz de encantar e seduzir todos, próprio da corrente romântica. Partindo desse pressuposto, compreende-se porque José de Alencar retratou em suas narrativas vários perfis de mulher, todas com certo ar pueril. Na narrativa alencariana, um dos destaques femininos é Iracema apresenta como uma mulher pura, passiva que se deixa levar pelo amor que tem por Martim, abrindo mão de tudo. Candido (1993) ressalta que José de Alencar foi um dos escritores românticos que mais idealizou a imagem feminina como ser puro, angelical, pronta a servir, abrindo mão de sua individualidade para satisfazer o outro. Essa imagem é uma consequência da visão patriarcal daquela época em que a mulher deveria mostrar-se inferior ao homem. Após o Romantismo, os escritores continuaram a tematizar narrativas, fundamentando suas idéias na razão e na ciência. As narrativas escritas nesse período são denominadas realistas, por conter características próprias ao momento de transformação pelo qual o país passava; a figura feminina aparece em oposição à mulher romântica. É na escrita de Aluísio de Azevedo, O cortiço, que se constata essa questão. Nessa narrativa, ganha destaque a figura de Rita Baiana, descrita como uma mulher independente, rebelde, impura e pervertida e que seduz e encanta os homens para alcançar seus caprichos, isto é, conseguir realizar seus desejos. Aqui a voz feminina fazia-se ouvir a partir de jogos deterministas. Em relação à concepção ideológica, percebe-se uma ruptura entre a mulher romântica (frágil/pura) e a naturalista (traiçoeira e sedutora), que simboliza a quebra de paradigmas. Representa uma criatura mais autônoma, bem decidida, sem levar em consideração a visão patriarcalista. Coutinho (2004) assinala que Aluísio de Azevedo, ao escrever O cortiço, consegue mostrar sob a ótica do aglomerado do cortiço os novos tipos 25
  • 26. humanos que a sociedade brasileira passou a ter, inclusive o novo olhar sobre a figura feminina. A temática feminina à luz da literatura aparece também na corrente modernista, especialmente, nesse caso, na narrativa de Jorge Amado, transmitindo uma visão realista da cultura popular, na qual a mulher representa papel principal. Candido (1993) destaca que o modernismo não fugiu à regra, seguindo a incorporação do material local, que é próprio do país, na representação da cultura brasileira, espalhada nos distantes recantos do nosso país. Na narrativa Dona flor e Seus Dois Maridos percebe-se que Jorge Amado descreve a figura de Flor como uma mulher que assume atitudes, trabalhava como professora de culinária e guiava-se pela própria vontade, apesar de apresentar-se virtuosa na sociedade, esconde seus vícios secretos. Flor representou a figura da mulher liberta dos padrões então vigentes na sociedade, ao “assumir” seu triângulo amoroso e encaixou-se na ruptura por sua condição de mulher em uma sociedade preconceituosa. Deduz-se que a personagem Flor foi criada com o propósito de quebrar paradigmas até então possíveis ao homem ou então com o intuito de reafirmar a figura feminina como um ser em liberdade. Sem dúvida hoje a mulher assume outros papéis na sociedade, mas os resquícios das mulheres pintadas na literatura contribuíram para a visão estereotipada que se tem frente à mulher brasileira. Do ser sublime ao mais libertário, as mulheres desfilam nas linhas literárias para descortinar o grande elenco de diversidade identitária feminina a mostrar-se para os meios sociais e a encarar seus desafios frente à nação da qual faz parte e pode referenciá-la pelos mesmos descaminhos vividos pela mulher. O difícil acesso à sua narrativa de nação. 2.1 O sublime ser mulher alencariano: da nativa à europeizada Louvado, exaltado e ou desqualificado, o sujeito feminino é figura recorrente em nossa literatura, marcada por traços positivos e/ou negativos, que o classificam como mulher bela, solitária, alegre, astuciosa e dotada de irresistível sensualidade. Assim, a mulher aparece na nossa literatura e fora marcada por traços puramente negativos, de mulher libertina que deixa emergir sua imoralidade, que seduz e encanta os ditos virtuosos. Diante desse argumento, vale salientar a visão de Lucena (2003, p. 19) que explica o conceito de mulher, oriundo da formação da civilização ocidental, que perdurou nas narrativas literárias: 26
  • 27. [...] subproduto humano (durante certo tempo, admitiu-se que a mulher era destituída de alma), e sua ‘’debilidade’’ justificava os muitos defeitos que lhe eram atribuídos. As mulheres eram, assim, consideradas vis, inconstantes, covardes, frágeis, imprudentes, incorrigíveis, astutas, frívolas, preguiçosas, avaras, ambiciosas, orgulhosas, invejosas, voltadas a divulgações inúteis e dotadas de reduzida capacidade intelectual. A aceitação inconteste dessas características “naturais” fizeram delas, de um lado seres minusválidos e dependentes e, de outros, perigosos sobre os quais se deveriam exercer controle e vigilância constantes, o que implicava exigir e cobrar da mulher humildade, submissão, piedade e obediência [...]. Partindo dessas colocações, voltarmos ao passado para revisitar os movimentos literários – Romantismo, Realismo e Modernismo – para entendermos como a figura da mulher foi construída/representada em nossa literatura. Na segunda metade do século XIX, já consolidada a Independência do Brasil, percebe-se o orgulho nacional, ligado aos projetos de construção do país, próprio de uma consciência, ainda ingênua, encontrada no Romantismo. O Romantismo no Brasil marca o início do século XIX e foi palco de várias transformações que contribuíram decisivamente para a formação de uma verdadeira identidade nacional e, por conseguinte, uma literatura com características genuinamente brasileiras. Bosi (1994) esclarece que esse movimento surgiu quando Gonçalves de Magalhães publicou, na França, “Niterói - Revista Brasiliense” e lança um livro de poesias românticas, fator que serviu de norte para outros autores aderirem essa escola literária. Os escritores românticos se impuseram à tarefa de escolher um ponto de partida para buscar o progresso do país, e necessitava inventar uma genealogia, uma tradição, que nos imprimisse um perfil de nação. Dessa forma, o Romantismo se solidifica, tematiza o jovem passado e cria um terreno fértil para o florescimento das mitologias nacionais; ganha destaque, nesta tarefa, José de Alencar, que privilegia as simbioses (terra natural) e apresenta/representa através do índio (Perí / Ubírajara / Iracema) as mitologias nacionais. Neste caminho, destaca-se o fato que fora marcado no Romantismo de Alencar, amor à terra e orgulho da nacionalidade que, sem dúvida foi o fundamento da ideologia indianista. Constrói-se a prosa indianista de Alencar focalizada na figura do índio (mulher) selvagem, porém cheio de virtude, como símbolo da pureza e da inocência. Nesta narrativa, o autor utiliza uma linguagem simples, porém com forte traço da língua tupy. A linguagem usada por Alencar para escrever o romance Iracema é uma tentativa de representar a língua e o caráter indígenas para o leitor entender a lenda do Ceará como se tivesse saído da boca de um índio brasileiro. 27
  • 28. Segundo Pereira (2000), Iracema é uma das grandes narrativas românticas e representa uma figura suprema da literatura alencariana. O romancista apresentou Iracema (mulher), como um ser superior; ela é sempre um pouco mais nas qualidades e virtudes. Essas características de Iracema são marcadamente encontradas em toda a narrativa, como símbolo do índio (mulher romântica) e do lugar, uma vez que o nome da personagem é o anagrama de América, novo continente, representante de um novo povo e um novo lugar. Além, muito além daquela serra, que ainda azula no horizonte, nasceu Iracema. Iracema, a virgem dos lábios de mel, que tinha os cabelos mais negros que a asa da graúna e mais longos que seu talhe de palmeira. O favo da jati não era doce como seu sorriso; nem a baunilha recendia no bosque como seu hálito perfumado. Mais rápida que a ema selvagem, a morena virgem corria o sertão e a mata do Ipu, onde campeava sua guerreira tribo, da grande nação tabajara. O pé grácil e nu, mal roçando, alisava apenas a verde pelúcia que vestia a terra com as primeiras águas. [...] (ALENCAR, 1991, p. 20). Natureza e mulher. Espaço e feminino. Dualidades unilaterais que consumam o gênero de uma nação recém-organizada e tão adolescente que mal se reconhecia na sua estrutura e essência. Iracema simboliza uma das muitas mulheres que Alencar caracterizou na nossa literatura romântica, porém todas as outras trazem traços bem distintos, mas com marcas do romantismo do autor. Diante desse discurso, Miranda (2010, p. 25-27) destaca as mulheres criadas por esse autor. [...] “Incompreensível mulher!” –, que diz muito dos vários perfis de mulher que José de Alencar tratou em distintos romances ao longo de sua vasta narrativa. Há aí um ponto de partida para se entender a atração do escritor cearense pelo desenho das mulheres que criou, de Iracema a Ceci, de Diva a Aurélia, para citar apenas algumas. [...] [...] figuras tão distintas como a Lúcia de Lucíola, e Iracema, do romance homônimo de 1865, irão conformá-lo de maneira excepcional. Uma, ao incorporar a subjetividade burguesa em ascensão e reagir violenta e ironicamente contra ela; ao absorver os valores cristãos do conquistador e sacrificar-se a eles, sem perder os traços de sua cultura de origem [...]. Brait (1985) destaca que a narrativa de Alencar possui uma visão romântica através da personagem Iracema, ser sagrado, puro e doce. Iracema é vista como mulher perfeita, 28
  • 29. condição da figura feminina no Romantismo, visão ideológica que se tem da mulher. Iracema representa a mitologia de Alencar: “Iracema é filha do Pajé, e guarda o segredo da Jurema. O guerreiro que possuísse a virgem de Tupã morreria” (ALENCAR, 2009, p. 33). Iracema é filha de Araquém, pajé da tribo tabajara, e deve manter-se virgem porque guarda o segredo da jurema e o mistério do sonho. Sua mão fabrica para o Pajé a bebida do Tupã. Um dia, Iracema encontra na floresta, Martim, que se perdera de Poti, amigo e guerreiro pitiguara com quem havia saído para caçar e agora andava errante pelo território dos inimigos tabajaras. Iracema leva Martim à cabana de Araquém, que abriga o estrangeiro. [...] Diante dela e toda a contemplá-la está um guerreiro estranho, se é guerreiro e não algum mau espírito da floresta. Tem nas faces o branco das areias que bordam o mar; nos olhos o azul triste das águas profundas. Ignotas armas e tecidos cobrem-lhe o corpo. […] O estrangeiro seguiu a virgem através da floresta. […] A virgem aponta para o estrangeiro e diz: – Ele veio, pai. – Veio bem. É Tupã que traz o hospede à cabana de Araquém. (ALENCAR, 1991, p. 21-23). Alencar caracteriza a proibição de se tocar o corpo de Iracema, porém ela ao conhecer Martim por ele apaixona-se. Apesar de ser retratada como pura Iracema apresenta-se como uma figura desobediente ao dá o licor da jurema a Martim, que a procura sob os efeitos da droga. Essa atitude de Iracema pode também ser vista como uma marca do amor romântico, que se revela mais forte, capaz de quebrar regras. Iracema recosta-se langue ao punho da rede; [...] Já o estrangeiro a preme ao seio; e o lábio ávido busca o lábio que o espera, para celebrar nesse adito d’alma, o himeneu do amor. [...] O cristão repeliu do seio a virgem indiana. [...]. Volta a serenidade ao seio do guerreiro branco [...]. – Virgem formosa do sertão, esta é a última noite que teu hóspede dorme na cabana de Araquém, onde nunca viera, para teu bem e seu. Faze com que o sono seja alegre e feliz. [...] – A virgem de Tupã guarda os sonhos da jurema que são doces e saborosos! [...] – Vai, e torna com o vinho de Tupã. Quando Iracema foi de volta, já o Pajé não estava na cabana; tirou a virgem do seio o vaso que ali trazia ocultando sob a carioba de algodão entretecida 29
  • 30. de penas. Martim lhe arrebatou das mãos, e libou as gotas do verde e amargo licor. o. Agora podia viver com Iracema [...]. [...]. Quando veio a manhã, ainda achou Iracema ali debruçada, qual borboleta que dormiu no seio do formoso cacto.[...]. Vendo Martim a virgem unida ao seu coração, cuidou que o sono continuava [...]. A filha de Araquém escondeu no coração a sua ventura (ALENCAR, 1991, p. 49-51). Assoberbada pelo amor romântico e pueril, a nação construída na índia Iracema consente a invasão consciente de uma quebra hegemônica de existência primitiva. Nasce um novo referencial de lugar numa estratégia “inocente”, porém, natural do ser humano. Unir-se ao outro que o atrai pelas diferenças. Identidade e diferença comungam de um mesmo cálice inseparáveis no existir do eu e do outro de que complementam e constroem a narrativa de uma nação, nesse caso, tímida, inocente, primitiva, invadida, mas amorosa de um amor platonizado pelas inconveniências de formações civis incompatíveis quando não se reconhecem. 2.2 Mulher e transgressão: o determinismo naturalista no perfil de mulher em Aluísio de Azevedo No final do Romantismo brasileiro a partir de 1860, as transformações econômicas, políticas e sociais levaram nossos autores a produzirem uma literatura muito próxima da realidade (e quando não o foi?), fundamentando suas histórias na razão e na ciência. As narrativas produzidas nesse período, conhecidas como realistas, possuem características próprias ao enfatizar a influência do meio na formação do caráter humano. Essa visão decorre do grande valor que a ciência passou a ter para explicar a realidade, seguida das idéias de várias correntes de pensamento que buscavam a compreensão do homem e da sociedade, especialmente, o darwinismo que entendia o homem como resultado do meio. Candido (2004, p. 8), observa que os escritores passaram a usar o fundamento dessas correntes para explicar o comportamento e as transformações em que o individuo pode sofrer. [...] outro resultado dessa convergência da biologia e das ciências sociais foi o relevo dado a estoutra idéia essencial do darwinismo, a de que “as circunstâncias externas determinam rigidamente a natureza dos seres vivos, inclusive o homem, e de que nem a vontade, nem a razão podem agir independentemente do seu condicionamento passado” (Hayes). É a noção de 30
  • 31. onipotência do ambiente, ou milieu de Conte e Taine. O homem é parte integrante da ordem natural, seu corpo quanto seu espírito se desenvolve e atuam debaixo de seu condicionamento total e inevitável. O ambientalismo, contribuição da antropogeografia aos estudos sociais no século XIX, contaminou a mente dos historiadores da civilização e da cultura, em seguida aos trabalhos de Lamarck, Buffon, Cuvier, e à narrativa de geógrafos como Ritter, Kohl, Peschel, Reclus, Ratzel. Foi por meio de Buckle e de Taine que a noção se popularizou e se tornou um lugar-comum da crítica histórica e da crítica de artes e letras. Nesse ponto a influência de Taine, inclusive ou, sobretudo no Brasil, é avassaladora. Bosi (1994) ressalva que, ao contrário do Romantismo que procurava idealizar o homem/natureza, o escritor realista, analisa o indivíduo a partir dos componentes hereditários e das circunstâncias que determinam seu comportamento. Foi neste contexto que surgiu Aluízio de Azevedo com a narrativa O cortiço, registrando bem as mudanças da sociedade daquela época. O autor procura mostra por meio das personagens a nacionalidade que vai se formando em meio ao aglomerado de estrangeiros e brasileiros. Aqui não se fala uma só língua, temos o falar do italiano, do português, do francês, do baiano, do ex-escravo, do carioca, todos partilhando uma mesma língua que não é puramente a portuguesa, mas sim uma língua mestiça, assim como a população do país. Contudo, o que nos interessa nessa narrativa é a figura feminina e sua transformação dentro daquela sociedade. A narrativa tem várias figuras femininas (Bertoleza, Pombinha, Piedade, Rita Baiana e tantas outras) que circulam numa luta constante com seu meio, o comportamento dessas mulheres é fundamentado pelo determinismo que age friamente na conduta do indivíduo. Observa-se a figura de Bertozela, descrita como uma ex-escrava que passara a viver em “liberdade” na cidade e agora trabalhava para João Romão, em uma situação de total escravidão além de ser sua criada (sem remuneração), ela também exercia o papel da “amante” sonhando em sair da condição de inferioridade, porém ela permanecia igual, capacho de João Romão, que só queria explorá-la. Outra figura que se destaca na narrativa é Pombinha, mulher muito fraca, nervosa, doente, que é “forçada” a se casar, contudo, separa-se do marido, contaminada pela influência de sua madrinha Léonie, torna-se uma criatura impura, (prostituta/lésbica), porém entende-se que essa visão segue os padrões da norma social vigente, regrada de preconceitos. Piedade é outra figura que sofreu influência do meio, quando chegou ao país trazia no semblante a serenidade, criatura boa, simpática que consegue se manter longe das perdições brasileiras (vícios, farra, traições etc.), no entanto, também sofre transformações, 31
  • 32. quando se vê abandonada por Jerônimo, se entrega ao deszelo, não cuida mais do corpo e vai buscar refúgio na bebida. Apesar de essas mulheres representarem as transformações ocorridas no comportamento humano, a figura que merece destaque é Rita Baiana. Ela se destaca na narrativa, por apresentar características exóticas da mulher brasileira (mulata). Rita é uma mulher inquieta, bela e sedutora, que se diverte todas as noites, distribui abundante sexualidade, uma excelente dançarina de carnaval. Azevedo não poupou nada para acentuar a libertinagem de Rita Baiana. [...] E viu a Rita Baiana, que fora trocar o vestido por uma saia, surgir de ombros e braços nus, para dançar. A lua destoldara-se nesse momento, envolvendo-a na sua como de prata, a cujo refulgir os maneios da mestiça melhor se acentuavam, cheios de uma graça irresistível, simples, primitiva, feita toda de pecado, toda de paraíso, com muito de serpente e muito de mulher. Ela saltou em meio da roda, com os braços na cintura, rebolando as ilhargas e bamboleando a cabeça, ora para a esquerda, ora para a direita [...]. Depois, como se voltasse à vida, soltava um gemido prolongado, estalando os dedos no ar e vergando as pernas, descendo e subindo sem nunca parar com os quadris [...] (AZEVEDO, 1998, p. 72). Azevedo mostra as marcas de Rita Baiana como uma mulher que distribuía graça, sexualidade a todos do cortiço, e deixa claro que a mulher naturalista nada tinha de comportada, ao invés disso, tinha “fogo impregnado na pele”, fator que a deixava toda feita de pecado. Ele ainda mostra o poder que a mulher naturalista tem na transformação da vida de um “homem honesto”. Rita Baiana consegue transformar Jerônimo em um sujeito pervertido, que abandona a esposa e a filha para juntar-se a ela que, com sua sedução, influencia-o a matar o seu amante Firmo. [...] Donde vens tu?... segredou ela. De cuidar da nossa vida [...]. Aí tens a navalha com que fui ferido!... – Quem o matou? – Eu. – Sim, sim, meu cativeiro! Respondeu a baiana, falando-lhe na boca; eu quero ir contigo; quero ser tua mulata, o bem de seu coração! Tu és os meus feitiços! – E apalpando-lhe o corpo: – Mas como estás ensopado! Espere! Espere! O que não falta aqui é roupa de homem pra mudar!...[...] (AZEVEDO, 1998, p. 152-153). 32
  • 33. A partir do olhar de Lucena (2003) e Coutinho (2004), compreende-se que toda a descrição feita por Azevedo sobre Rita Baiana, segue a teoria naturalista, ao mostrar o domínio/transformação da figura feminina, frente à sua vida. Azevedo valeu-se de Rita para apresentar a animalidade sexual que a mulher passou a se submeter. Dessa forma, observa-se a mulher nos textos realistas, um ser independente, rebelde, que encanta e seduz o universo masculino, em busca de interesses físicos e materiais. Assim, foi a visão que o autor deixou sobre a mulher, sujeito que rompe, corrompe as virtudes para render-se ao pevertimento, indicando que todos os que se aproximarem dela serão contaminados pela sua conduta. 2.3 Amadas e Amado: o Modernismo de Jorge Amado e o ser feminino Para compreender a figura feminina, representada por Jorge Amado, é oportuno assinalar, o discurso da corrente modernista no qual ele está inserido. O Modernismo no Brasil começou com a Semana de Arte Moderna de 1922, e teve como fonte inspiradora as vanguardas européias e se propõe a atualizar o Brasil ao seu tempo. A geração modernista é marcada por uma liberdade de estilo e aproximação da linguagem com a linguagem falada. Naturalmente, observa-se que, desde o Romantismo, a busca de traços particulares da realidade brasileira já estava presente em algumas narrativas, entretanto, foi na segunda fase modernista que surgia Jorge Amado para desnudar a hipocrisia dos valores até então vigentes. Para entender essa corrente, é interessante mencionar as reflexões de Pesavento (1998, p. 31). Segundo ela, os modernistas indicam o caminho para uma redescoberta do Brasil, inspiram-se na diversidade, na multiplicidade e nos contrastes do país para descrever/escrever o Brasil urbano presente. [...] modernista do Brasil urbano e popular, entretanto, se converteria numa brecha na qual se insinuou a “redescoberta do Brasil”, que teria sequência nos anos 30. A palavra de ordem era ir em busca de um outro país que se ocultava por trás das aparências [...]. A releitura do Brasil inspirava-se na diversidade, na multiplicidade, nos contrastes entre o moderno e o arcaico e o rural e o urbano, pondo em xeque as próprias relações com a Europa. O olhar renovador do modernismo aprofundava-se, e a idéia central da corrente de 30, que se prolongaria nos anos 40, seria a da diversidade cultural. 33
  • 34. Desse ponto de vista, Jorge Amado anuncia a opção pelo popular e pelo o urbano ao compor uma literatura que apresenta o Brasil de hoje com resquícios do passado rural. Segundo Bosi (1994), os romancistas modernistas dão maior ênfase à realidade brasileira, denunciando problemas sociais ou as mazelas políticas da região. Goldstein (s/d) ressalta que, Jorge Amado sempre resvalou em temas que retratava e idealizava a realidade, ora tratava das relações sociais das quais viveu, ora inventava/distorcia aspectos da sociedade brasileira. Entendendo essas idéias, e refletindo os depoimentos do autor, compreende-se que foi observando as mulheres (mulatas, prostitutas, lavadeiras e jovens ricas) que ele criou uma literatura com os tipos femininos memoráveis, servindo-se delas para acentuar a força, a sensualidade, a coragem, a sabedoria e a irresistível beleza da mulher brasileira. A partir daí, ele criou os tipos femininos que marcaram a literatura modernista: Gabriela (Gabriela cravo e canela), Tieta ( Tieta do agreste), Dona flor (Dona Flor e Seus Dois Maridos), entre tantas outras para escrever uma ficção de mulheres fogosas, ardentes e sensuais e que despertam o desejo masculino. Para compreender um pouco mais essa visão da mulher criada por Jorge Amado, vou buscar em Dona Flor e seus Dois Maridos, um entendimento da figura feminina que ela representou na ficção modernista. Dona Flor é professora de culinária da escola Sabor & Arte. Observa-se aqui que o nome da escola Sabor & Arte se transforma malandramente no trocadilho saborear-te, já antecedendo o que narrador cria para a figura de Dona Flor. Logicamente, primeiro a arte da cozinha para posteriormente degustar o sabor proporcionado pela arte. Essa sequência lógica, no entanto, quebraria o jogo semântico para a aproximação entre os personagens: a mulher cativa e seu esposo vadio. Viúva de Vadinho (um malandro), decide fechar-se para o amor, porém precisa de sexo, e, ainda jovem e bonita, desperta a atenção do Teodoro (corretíssimo farmacêutico), com quem se casa. Contudo, Flor logo percebe uma enorme distância entre Vadinho (subtraindo-lhe o dígrafo no nome, obtém sua maior característica) e Teodoro (teo é o radical indicativo de Deus, portanto, teríamos nesse personagem, o homem na essência desejada da mulher, ao menos, em comportamento público). Com Vadinho tudo era loucura (prazer/ insegurança), porém com Teodoro ela tinha o inverso, um sexo comportado e comedido, as quartas e aos sábados (melancolia/solidez). Flor vivia em meio a esse impasse: tinha a segurança, faltava-lhe, pois, a emoção. Subtende-se que a canalhice de Vadinho, sempre pronto a infernizar a vida dos outros viventes, criava uma certa magia no seu existir que exalava vida, vida vivida em essência sem subtrações, ao contrário, multiplicada por todos perigos oferecidos pelos prazeres, impactou a 34
  • 35. vida de muitos e favoreceu a poucos. Então aparece num passe alegórico (em forma fantasmagórica) para confundir/satisfazer Flor: – Você? – disse numa voz cálida mas sem surpresa, como se o estivesse esperando. No leito de ferro, nu como dona Flor o vira na tarde de domingo de carnaval quando os homens do necrotério trouxeram o corpo e o entregaram, estava Vadinho deitado, a la godaça, e sorrindo lhe acenou com a mão. Sorriu-lhe em resposta dona Flor, quem pode resistir à graça do perdido, àquela face de inocência e de cinismo, aos olhos de frete? Nem uma santa de igreja, quanto mais dona Flor, simples criatura. – Meu bem... – aquela voz querida, de preguiça e lenta. – Por que veio logo hoje? – perguntou dona Flor. – Porque você me chamou. E hoje me chamou tanto e tanto que eu vim... – como se dissesse ter sido o seu apelo tão insistente e intenso aponto de fundir os limites do possível e do impossível. – Pois aqui estou, meu bem, cheguei indagorinha... – e, semilevantando-se, lhe tomou da mão. Puxando-a para se, ele a beijou. Na face, porque ela fugiu com a boca: – Na boca, não. Não pode, seu maluco. – E por que não? Sentara-se dona Flor na borda do leito, Vadinho novamente se estendeu a La vontê, abrindo um pouco as pernas e exibindo tudo, aquelas proibidas (e formosas) indecências (AMADO, 2001, p. 310). O escritor de Dona Flor e Seus Dois Maridos expressa uma faceta da mulher baiana, que, apesar de ter moral, expressa a vontade de viver e de amar com liberdade o prazer da carne. Assim, ao colocar Vadinho morto/fantasma diante de Flor que aceita se encontrar com ele às “escondidas”, Amado acentua a ideia de que a mulher traz nas veias o dom da infidelidade (insatisfação sexual). Flor passa a viver uma vida conjugal com dois amores, um triângulo amoroso que revela o desmedido desejo de Flor (mulher brasileira). Aqui não se revela a questão do adultério, comum na literatura realista. Fixa no episódio a liberdade de viver da mulher que, assim como os homens, podem fazer escolhas. Embora o leitor possa captar certa submissão de Flor às vontades das aparições de Vadinho, estaria ela seguindo as ordens do falecido ou as suas próprias? –Você hoje vai dormir cedo, minha querida, ontem estava febril – recomendou o bom marido. Dona Flor tão satisfeita, de repente inteira e uniforme, não mais contraditória, dividida ao meio, em luta apenas o espírito e a matéria. Apenas um temor: se ele não voltasse, o seu primeiro? Se não voltasse? Mas ele veio, e apenas o doutor se foi para a farmácia (de capa e guarda- chuva, pois de novo aumentara o aguaceiro), eis dona Flor e Vadinho no leito de ferro, sobre o colchão de molas, a vadiar (AMADO, 2001, p. 386). 35
  • 36. Em decorrência dessas ideias, é pertinente destacar o pensamento de Da Matta (1997, p. 99), sobre o papel da dualidade vista como uma marca carnavalesca e que certamente o escritor modernista apoderou-se para representar seus personagens ficcionais. [...] o “triângulo ritual” aparece como algo inesperado justamente porque a seu lado corre um conjunto de interpretações “oficiais” do Brasil, todas marcadas pela fascinação com um dualismo, do tipo: exploradores/explorados; norte/sul; litoral/interior; preto/branco; Brasil moderno/ Brasil/arcaico; feudalismo/capitalismo; escravos/senhores; império/república; quando – na verdade – as vertentes interpretativas mais duradouras do cenário social brasileiro falavam (e ainda falam) em três elementos, tal e qual aprendemos na escola primária e na “vida”. Assim temos: céu/inferno/purgatório; preto/branco/mulato; preto/branco/índio; sim/não/mais ou menos; como se ao lado da visão dualística, uma perspectiva triangular ou triádica corresse oculta, inconscientemente, constituindo um discurso dos brasileiros sobre o Brasil que também é importante [...]. Ville (1996) chama a atenção para o fato de Jorge Amado servir-se da figura feminina baiana / brasileira para vender uma imagem erótica da mulher brasileira, com o discurso da ficção popular da Bahia. “[...] A prioridade em ressaltar os méritos culinários de Dona Flor permite fazer surgir imagens/representações da mulher brasileira/ baiana, associadas aos liames cama/cozinha, ou melhor, mulher/ comida [...]”. Seguindo essa linha de raciocínio, salienta-se que, apesar de Jorge Amado apresentar a imagem da mulher como mulher-comestível, seus defensores atribuem sua literatura como uma narrativa que representa o povão, e o que o povão espera é justamente este tipo de descrição de mulheres sensuais e dispostas a servir seu homem. Jorge Amado ao escrever Dona Flor e Seus Dois Maridos deu ao seu leitor a oportunidade de saborear a boa cama e a mesa da mulher baiana. A literatura jorgeamadiana não se restringe a esse olhar pejorativo. Os estudos multiculturais permitiram ampliação das discussões temáticas, aspecto que possibilitou ler narrativa como Dona Flor e seus Dois Maridos pelo lado também cultural. E a cultura particularizada no espaço baiano de Jorge Amado consegue universalizar a visão construída sobre o ser mulher tão mediocramente descrita sem perfis valorativos. A escrita literária desse autor baiano transgrediu universos tradicionalistas e reverteu o símbolo de nação perfeita e desenhada por linhas muito bem aparelhadas que divergem da realidade minuciosa narradas pela mulher amada de Jorge. 36
  • 37. 3 MULHER SOB O OLHAR LITERÁRIO E SÍMBOLO DE NAÇÃO [...] determinada concepção e modelo de sociedade são colocados em discussão, com a finalidade de estabelecer o vínculo obrigatório entre a criação literária e a nação (Giselle Laguardia Valente). A escrita literária ao representar a realidade por meios de narrativas apoderou-se de conceitos patriarcalistas para apresentar/representar personagens femininos. A Mulher, expressão do sujeito encoberto, explorado, exposto do mundo pós-colonial, simboliza a nação, objeto tão abstrato quanto o ser mulher – sujeito de essência mascarada socialmente. As ações idealizar, cobrir, explorar e expor manifestam-se sobre a mulher nesse mundo pós- colonial. A partir dessas colocações, salienta-se que mesmo que a literatura brasileira não tenha sido largamente explanada à luz do pós-colonialismo, não há como negar que toda a nossa literatura seja marcada pelo colonialismo. Examinando as narrativas literárias percebe- se que boa parte do discurso literário pós-colonial focalizou o papel feminino como ser submisso à figura masculina, resquício herdado da cultura ocidental aos países colonizados e que perdurou por vários textos literários. O homem, neste contexto, foi convencido de uma superioridade sobre as mulheres, passando a ter o direito e o controle sobre a vida feminina. Ele passa a assumir o papel da ordem e a mulher, da desordem. Neste caminho, observa-se que a ficção literária de autoria masculina dos séculos XIX e metade do século XX revela que essa produção fora baseada em comportamentos pré- estabelecidos pela sociedade, frente à figura feminina. Lucena (2003, p. 101) afirma que o discurso literário representa/apresenta uma visão conservadora e discriminatória que engendra formas de silenciamento e exclusão frente à figura feminina. Desse ponto de vista dos temas revelam-se três grandes grupos: o da transgressão de comportamentos estabelecidos, que ocasiona a punição da mulher; o dos estereótipos e convenções de feminilidade, que vão desde a educação até o trabalho da mulher na sociedade, sempre enfatizando a passividade; e o terceiro, decorrente da estereotipia, calcado nos binômios do tipo cultura x natureza, atividade x passividade, inteligência x sensibilidade, em que o primeiro elemento, de valor positivo, considerado a norma, é atribuído ao homem, enquanto o segundo, o desvio negativo, caracteriza a mulher. 37
  • 38. O texto literário se constrói dentro do mundo ficcional, contudo, isso não impede que seus autores busquem inspiração na realidade vivida ou imaginária, haja vista a produção literária do nosso país, que buscou como fonte inspiradora a figura feminina para representar / simbolizar o país no mundo literário. A mulher, como protagonista das narrativas foi descrita a partir de normas impostas por uma sociedade tradicional patriarcalista na qual o conceito de mulher restringia-se à submissão ao homem. Na história do Brasil, a mulher sempre foi relegada a serviço do homem, ao silêncio, e/ou a objeto sexual, talvez isso se deva ao fato de o país ter herdado a cultura colonial. Neste caminho, a literatura persistiu e muitas são as narrativas que representam através de personagens femininos esta situação de mulher objeto. Com essas reflexões, é que procuro entender os romances Iracema (José de Alencar), O cortiço (Aluísio de Azevedo) e Dona Flor e Seus Dois Maridos (Jorge Amado) que, por meio delas, procuram construir/mostrar uma nação em formação. Essas narrativas podem ser consideradas essenciais para explicar a sociedade de cada época e como essa nação foi representada. Iracema, Rita Baiana e Flor são personagens femininos que desenham a nação através de seus perfis. As narrativas analisadas de ângulos divergentes, da maneira em que utiliza a figura da mulher, porém são igualmente válidas na representação da sociedade brasileira. Segundo Candido (2000), por meio da literatura, divergências nacionais foram expostas, na medida em que os escritores pesquisaram o passado na busca de um símbolo nacional, de um brasileiro nato. Possivelmente, foi em busca dessa raça “pura” que os autores se nortearam e utilizaram o feminino como símbolo nacional. Em decorrência dessas questões, Brandão (2006, p. 33) salienta que a mulher representada na literatura corre o risco de servir de fetiche masculino, presa a representações viris, isso se deve ao efeito de leitura, que muitas vezes acaba por se tornar um estereótipo que circula como verdade feminina. Porém, a literatura pode romper com essa ideologia/utopia, revelando-se como artifício do discurso histórico. 3.1 Iracema: projeto de invenção nacional romântica Na tarefa de escolher um ponto de partida em direção ao progresso, os escritores românticos tinham que criar uma genealogia que lhe transmitisse um perfil de nação coesa, para firmar-se como soberana. Para consolidar-se como nacional, a literatura brasileira da 38