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     UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA
              Aline de Oliveira Araújo




CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E
 LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM




                Conceição do Coité – BA
                         2010
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              Aline de Oliveira Araújo




CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E
 LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM




                          Trabalho de conclusão apresentado ao
                          curso    de    Comunicação      Social  -
                          Habilitação     em      Radialismo,    da
                          Universidade do Estado da Bahia, como
                          requisito parcial de obtenção do grau de
                          bacharel em Comunicação, sob a
                          orientação da Prof.ª Esp. Vilbégina
                          Monteiro.




                  Conceição do Coité
                        2010
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              Aline de Oliveira Araújo




CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E
 LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM




                             Trabalho de conclusão apresentado ao
                             curso    de   Comunicação     Social   -
                             Radialismo, da Universidade do Estado
                             da Bahia, sob a orientação da Prof. Esp.
                             Vilbégina Monteiro.




            Data:____________________________

           Resultado:________________________

                  BANCA EXAMINADORA

           Prof. (orientador)___________________

           Assinatura________________________

            Prof.____________________________

            Assinatura_______________________

            Prof.____________________________

            Assinatura_______________________
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                                       RESUMO
     CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E LOCAL NA
               PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM


A cultura de um local está frequentemente passando por transformações e isso se dá
porque as relações culturais estão em constante contato com outros “universos” que as
influenciam e modificam. Entender de que modo essa relação – entre o que é considerado
cultura local e o que é cultura global – transforma as relações sociais e culturais de uma
comunidade é o desafio deste trabalho que tenta discutir os processos de des-re-
territoriazação presentes na comunidade de Valente, município do interior da Bahia, situado
na região sisaleira, através da programação musical da rádio comunitária Valente FM. Para
alcançar esse fim, analisou-se a programação musical do programa Ligação Direta, da
Rádio Comunitária Valente FM, além de ter-se realizado entrevistas com o locutor do
programa e diretoria da emissora. A análise das músicas pedidas pelos ouvintes e tocadas
no programa, somadas aos estudos sobre os processos de reterritorialização comprovam
que a programação musical da Rádio Comunitária Valente FM é um elo entre a cultura local
e a global influenciando no modo como o indivíduo re-significa o seu meio. Essa articulação,
proporcionada pela Rádio, acontece de maneira naturalizada, ou seja, as pessoas
reterritorializam o seu espaço cultural sem se darem conta dessa presença e influência do
que é global no seu dia-a-dia. Isso se reflete no comportamento da comunidade, na
valorização e incorporação da linguagem urbana dentro de um contexto rural, e da própria
expressão da cultura local que é, cada vez mais, penetrada pelo global.


Palavras-chave: cultura – reterritorialização – programação musical – local – global –
rádio
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                                                             Sumário



INTRODUÇÃO..................................................................................................................   6

1. CULTURA E O RÁDIO: RETERRITORIALIZAÇÃO DO SUJEITO NO SEU

TERRITÓRIO SIMBÓLICO...................................................................................                        11

1.1. Cultura e desterritorialização: onde o local e o global se encontram............                                          11

1.2 . Cultura e música nas ondas do rádio...........................................................                           22

2. O LOCAL E O RÁDIO: A VALENTE FM E SEU TERRITÓRIO DE

ATUAÇÃO............................................................................................................            33

3. A MÚSICA QUE VAI AO AR..........................................................................                            44

CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................                           54

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................                           58

ANEXOS...............................................................................................................          61




INTRODUÇÃO
6




      A cultura de um local está frequentemente passando por transformações e

isso se dá porque as relações culturais estão em constante contato com outros

“universos” que as influenciam e modificam. Entender de que modo essa relação –

entre o que é considerado cultura local e o que é cultura global – transforma as

relações sociais e culturais de uma comunidade é um desafio proposto nesse

estudo. Para isso, é preciso observar não só aspectos da cultura popular que podem

melhor demonstrar essa relação híbrida entre local e global, como os instrumentos

que, de algum modo, promovem os contatos entre diferentes universos. Assim, a

escolha foi estudar a música e o rádio, dois elementos tão intimamente relacionados

que ilustram perfeitamente os fluxos entre a cultura popular e a re-significação do

sujeito ao compartilhar territórios simbólicos. Desse modo, determinou-se analisar as

músicas tocadas no programa matinal Ligação Direta da rádio comunitária Valente

FM, situada no interior da Bahia, região sisaleira.


      O processo de globalização é o principal responsável pelas alterações na

identidade cultural de uma sociedade. O tradicional/local recebe forte influência dos

métodos mecanicistas e o ser humano, agente ativo, deseja cada vez mais usufruir

desses recursos para facilitar sua vida, modernizando automaticamente seu meio

cultural de forma despercebida, criando assim “identidades partilhadas” entre

pessoas que estão bastante distantes umas das outras. Essa modernidade oriunda

da globalização diluiu fronteiras e aproximou culturas distantes no espaço e no

tempo. No entanto, isso não poderia ter-se realizado com tamanha fluidez se não

fosse a atuação dos veículos de comunicação, em especial o rádio, que com suas

ondas sonoras alcança os territórios mais isolados geográfica e socialmente.       A

relação dominante da população brasileira com o rádio é de intimidade, que passou
7



a ser companhia para o ouvinte, tornando-se um vínculo de ligação entre o indivíduo

e sua comunidade.


      Esta monografia discute as transformações da cultura popular que ocorrem

em determinado local a partir da influência do global, através dos processos de

desreterritorialização. Para isso, foi necessário situar os conceitos dentro do

referencial teórico que abordou inicialmente a cultura popular. Os estudos de Jesus

Martin Barbero (2003) muito contribuem para a idéia de cultura abordada neste

trabalho, quando define a cultura popular como um processo vivo formado por

“saberes que carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de

uma criação muda e coletiva.” E que carrega em si ainda um estilo, ou seja, um

“esquema de operações” que se refere ao modo de agir, pensar e se comportar, um

“estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e de resistência moral.” Nestor

Canclini (1999) colabora com essa discussão ao analisar modalidades de

organização da cultura e de hibridação das tradições de classes. Além disso, o autor

discute a idéia das transformações na cultura tradicional e homogênea a partir da

influência da tecnologia e do contato com os meios de comunicação e demais

culturas. Renato Ortiz (2005) aprofunda a discussão sobre esse tema quando reflete

sobre os limites em que essa cultura floresce e, como esses mesmos limites, vão se

diluindo e se transformando a partir da modernidade.


      O segundo conceito estudado nessa pesquisa é o de local e global apoiado-

se nas idéias de Elenaldo Teixeira (2001) que analisa como a participação do

cidadão na sociedade civil global (ações locais, realizadas por seus cidadãos, mas

que   apresentam     interesse    global)   pode    contribuir   nesse   processo   de

reterritorialização de um território cultural e social.   O autor discute sobre como

sociedade civil, espaço público, esfera pública, poder local, participação política e
8



participação cidadã convergem para a qualificação desta última como condição de

aperfeiçoamento do processo democrático. Além disso, Teixeira traz exemplos do

estudo de caso realizado em Valente, município do interior da Bahia e mesmo local

que se passou o estudo do projeto em questão, no qual analisou as potencialidades

e limitações de experiências locais.


      Territorialização é a terceira temática debatida e, na verdade, permeia todos

os outros assuntos abordados aqui e Ortiz (2007) é a principal fonte utilizada sobre

esse tema. A idéia de desterritorializar-se leva-nos a observar a diluição dos antigos

limites impostos por uma sociedade, que era cheia de formalidades e cerimônias, e

que agora se abre para esse constante fluxo de resignificação do espaço, da cultura

e do meio de vida que surge com a modernidade. Nessa antiga sociedade a cultura

popular crescia no interior de determinados limites, longe dos centros urbanos,

mantendo sua pureza e complexidade. Segundo o autor, cada sítio, cada cultura

constituía um território particular. Isso mudou. A modernidade trouxe consigo uma

nova dinâmica para as sociedades, que passam a interagir, transformar e

reterritorializar suas vivências a partir do contato com o outro, num processo

chamado de mundialização, que acontece através da “desterritorialização das

coisas, gentes e idéias, a proliferação de colagens, pastiches e simulacros, a

transfiguração da realidade em virtualidade ou vice-versa.” André Lemos (2005)

também colabora com o debate sobre territorialização. Segundo ele “o próprio do

homem é viver e construir na natureza, o seu mundo. A cultura humana é uma des-

re-territorialização da natureza”, defendo a idéia de que o homem se vale tanto de

meios técnicos quanto simbólicos para reterritorializar-se.


      Como se trata de um projeto sobre os processos de reterritorialização da

cultura local através da programação musical de uma rádio comunitária se faz
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necessário conhecer em que contexto essa rádio foi criada e está inserida até hoje,

bem como saber sobre sua política e valores sociais. Antonio Dias Nascimento

(2005) traça o histórico das rádios comunitárias na região sisaleira, entre elas a

Valente FM, objeto de estudo da pesquisa, bem como analisa a relação entre rádio e

comunidade, destacando o papel da sociedade civil organizada na democratização

da comunicação através desse meio. Sobre rádio comunitária, além de trabalhar os

conceitos definidos por Cicilia Peruzzo (1998), a pesquisa dialoga com o

pesquisador José Ignácio Lopez Vigil (2003) que percorre toda a problemática da

especificidade de emissoras desse tipo, desde suas origens, analisando a linguagem

que lhe é própria e as exigências que as presidem, tanto do lado dos locutores como

dos gêneros (dramático, jornalístico, musical) e formatos (radiorevista, vinheta).

Além dessa definição sobre qual deve ser o papel das rádios comunitárias, ao autor

também se refere à programação musical dessas rádios, o que é o assunto mais

relevante para esse trabalho. Seguindo nessa mesma linha, Dioclécio Luz (2001)

também fornece informações pertinentes sobre o universo desses veículos de

comunicação, principalmente no que se refere a sua programação.


      No Brasil são muitos os estudos sobre a programação musical do rádio, mas

a maioria se refere ao seu formato ideal, aos gêneros musicais tocados. As rádios

comunitárias também despertam o interesse dos estudiosos, principalmente por

causa de sua efervescência nos últimos anos, no entanto, a maioria dos livros e

trabalhos sobre o assunto se refere às problemáticas de legislação, as origens, a

linguagem própria e, no trato da programação musical, a pesquisa também é dirigida

ao formato e sobre a discussão do que se deve tocar numa rádio comunitária, da

importância da qualidade das músicas etc. Assim, o trabalho presente procura

constatar, através de entrevistas com funcionários e análise das músicas tocadas na
10



programação matutina da emissora, de que maneira a Rádio Comunitária Valente

FM contribui para resignificação do território cultural local a partir da presença do

global inserido no cotidiano dessas pessoas através de sua programação musical.


      Esta pesquisa, além de refletir sobre os processos de reterritorialização

cultural, também auxiliou na compreensão da influência da articulação entre o global

e o local na construção da cultura do valentense, além de ter permitido saber qual o

papel exercido pelo rádio local nessa relação. Estudando essa articulação e

descobrindo a função desse meio de comunicação nesse processo, é possível

compreender quais transformações culturais essa comunidade passou ao longo

desses anos e como isso se reflete no cotidiano desse lugar.


      Por fim, nota-se que a cultura popular não é algo que morre, porém está

sempre em mudança, fluindo, e isso se dá, sem dúvida, pela capacidade que o ser

humano tem de interagir com seu território, reconhecê-lo e a partir do contato e

experiência com o outro, significá-lo. Os processos de desterritorialização,

territorialização e reterritorialização são constantes na vida do homem, afinal é

desse intenso movimento de ir e vir que o ser humano constrói seu próprio mundo.




1.     Cultura e rádio: reterritorialização do sujeito em seu território simbólico
11




      A idéia de desterritorializar-se leva-nos a observar a diluição dos antigos

limites impostos por uma sociedade, que era cheia de formalidades e cerimônias, e

que agora se abre para esse constante fluxo de re-significação do espaço, da cultura

e do meio de vida que surge com a modernidade. Nessa antiga sociedade, a cultura

popular crescia no interior de determinados limites, longe dos centros urbanos,

conseguindo manter sua complexidade bem como uma idéia de pureza, já que os

contatos com outras culturas aconteciam de maneira mais lenta e demorada. Cada

cultura, cada lugar constituía um território particular. Isso mudou. A modernidade

trouxe consigo uma nova dinâmica para as sociedades, que passam a interagir,

transformar e reterritorializar sua vivências a partir do contato com o outro, num

processo chamado de mundialização. Esse capítulo aborda justamente essas

relações entre local e global e os processos de reterritorialização através da música

tocada no rádio.




1.1   Cultura e desterritorialização: onde o local e o global se encontram.




      Os estudos antropológicos costumam conceituar cultura como o conjunto

complexo dos códigos e padrões que orientam e coordenam a ação humana

individual e coletiva. Assim, é certo afirmar que todo indivíduo possui cultura, pois,

de algum modo, se relaciona com a sociedade na qual se originou e convive. Os

componentes de cada grupo social aprendem e aplicam no seu cotidiano esses

códigos comportamentais que conduzem, de forma relativamente harmoniosa, as

ações nesse meio social.
12



      Quando se trata de cultura popular, a maioria dos estudos a define como uma

cultura inferior, pertencente à massa, ao povo que é subalterno e dominado pelos

interesses da classe dominante que deteria a chamada alta cultura. Outros ainda

confundem cultura popular com as manifestações culturais de uma determinada

sociedade, acreditando que só na dança, na tradição, no folclore, no artesanato, na

música etc, ela se manifesta e se faz presente. Nesses estudos valorizam-se mais

os produtos culturais que seus agentes sociais que os criam e consomem. Sendo

assim, esses conceitos e visões a cerca do popular não interessam aqui. Deseja-se

mostrar nesse estudo que cultura popular é um processo vivo, de constantes

transformações, as quais envolvem muito mais que os costumes e tradições de um

povo, é algo que faz parte da identidade, da história e do desenvolvimento de cada

grupo social. Os estudos de Jesus Martin Barbero (2003) trazem uma definição

interessante de cultura popular. Para ele, cultura popular são “saberes que carregam

simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda e

coletiva” (BARBERO, 2003, p.122). O popular carrega em si ainda um estilo, ou seja,

um “esquema de operações” que se refere ao modo de agir, pensar e se comportar,

um “estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e de resistência moral.”

(IDEM, p.122) Esse esquema de operações citado por Barbero revela-nos que essa

cultura, além de ter autenticidade e beleza, também é um forte elemento de

representação sociocultural que expressa não só o estilo de vida da classe popular,

mas também seu modo de pensar, de sobreviver, de interagir numa sociedade que a

engloba - mas nem sempre a considera -, além das estratégias utilizadas para se

firmar, organizar e integrar na memória histórica do meio que a cerca.


      Como todo processo social, a cultura popular também se desenvolve e se

transforma. Essas transformações se dão por diversos fatores: primeiro porque é
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próprio do homem evoluir, adquirir novos saberes e hábitos; segundo porque a

cultura faz parte de um sistema que envolve fatores como economia, política,

tecnologias diversas e a modernidade de modo geral. Não estando isolada a cultura

popular desenvolve-se, transformando-se a partir do contato com todos os outros

elementos que compõem uma sociedade. O contato com o mundo externo retira do

popular a idéia de círculo impenetrável, imutável e as diversas relações que se

estabelecem criam um sistema de hibridação entre culturas que se comunicam e se

influenciam mutuamente. “É possível pensar que o popular é constituído por

processos híbridos e complexos, usando como signos de identificação elementos

procedentes de diversas classes e nações”.(CANCLINI, 2000, p.220-221)


      As palavras de Canclini nos propõem observar os cruzamentos culturais que

acontecem numa sociedade local, principalmente nas novas gerações, que

permitem um re-ordenamento no seu modo de agir e pensar, alterando os vínculos

entre o tradicional e o moderno, o popular e o culto etc. As relações são

modificadas, mas nem por isso pode-se dizer que houve uma perda total da

tradição, ou “morte” da cultura local. Pelo contrário, como já foi dito, a cultura é um

processo vivo e pulsante, está em constante transformação, os indivíduos que a

compõe conseguem absorver as influências externas, incorporando-as a seu meio

de vida com uma fluência própria daqueles que se relacionam sem conflitos com o

novo e conseguem manter firme sua identidade. Sendo assim, deixam de existir

limites que segregam e isolam os diversos grupos sociais e suas culturas, criando o

que alguns estudiosos chamam de cultura mundializada. No entanto, a ruptura

desses limites e a existência de uma cultura mundializada “não implica o

aniquilamento das outras manifestações culturais, ela cohabita e se alimenta delas”.

(ORTIZ, 2007, p.22).
14



         Essa diluição de limites proporcionada pela mundialização das culturas

permite que sejamos penetrados pela „modernidade-mundo‟, um processo que

provoca certa semelhança de costumes, que, de certo modo, dá sentido à

determinados comportamentos e conduta dos indivíduos. Isso poderia ser explicado

quando imaginamos o quanto nossa sociedade moderna partilha determinados

elementos de uma coletividade comum, como signos comercias (ex: Coca-cola,

Nike, Disney), o cinema, a música pop etc. Todos esses símbolos da modernidade-

mundo estão ao redor dos indivíduos em qualquer parte do planeta e, como afirma

Ortiz (2005), isso os torna cidadãos mundiais, pois o mundo penetrou no seu

cotidiano. Apesar de a modernidade-mundo trazer a idéia de que as relações sociais

e culturais entre os diversos grupos sociais não têm mais limites firmemente

definidos de interpenetração, é preciso lembrar que “a quebra das fronteiras, não

significa o seu fim, mas o desenho de novos territórios e limites” (ORTIZ, 2005,

p.47).     Isso significa dizer que à medida que determinadas fronteiras são

transportadas, o indivíduo traz consigo uma nova visão de mundo proporcionada

pela experiência do „desenraizamento‟ de seu território devido o contato com os

elementos da mundialização, e essa nova visão de mundo o faz estabelecer limites

outros e redesenhar seu espaço.


         Historicamente, o território tem sido definido a partir das relações de poder,

visto como fator regulador das relações entre seus membros, ou seja, ele é

composto por ação e poder que se manifestam por pessoas ou grupos. Existem

vários teóricos que hoje se debruçam sobre a discussão a cerca de territorialização

e costumam se dividir em dois grupos de pesquisa: os materialistas que partem da

visão de que o território é constituído predominantemente por características físico-

materiais e os idealistas que definem o território, principalmente, pelo “valor
15



territorial”, no sentido simbólico. Rogério Haesbaert (2004) propõe uma perspectiva

integradora dessas duas visões tentando superar a dicotomia material/ideal,

“considerando que o território envolve, ao mesmo tempo, a dimensão espacial

material das relações sociais e o conjunto das representações sobre o espaço”

(CARVALHO, 2007). Essa perspectiva integradora, que enfatiza aspectos políticos,

econômicos e simbólicos é interessante e torna possível compreender o que na

atualidade vem a ser a complexidade do território.


      Segundo João Pacheco de Oliveira (1999), “a noção de territorialização é

definida como um processo de reorganização social”, no qual os diversos membros

de determinada comunidade, conectados com outros territórios, não só vivenciam

experiências, como novas categorias são criadas ou transformadas no seu interior,

reorganizando a partir daí seu espaço social, cultural e político. Esse novo modelo

de organização social faz com que os lugares sejam mesclados de experiências

locais e mundiais, e é a partir disso que novas territorialidades podem ser

construídas, como síntese das novas experiências. Desse modo, o território se

constitui pela interação de           territórios-rede, onde se cruzam as diversas

manifestações       territoriais.   Esse   cruzamento,   no   entanto,   não   elimina   a

particularidade de cada território, ele apenas vai se fundamentar sob novos

patamares, e a sua abordagem se torna cada vez mais variada pela multiplicidade

de significações.


      Cada sociedade, cada cultura está inserida num território próprio, particular

que pode ser chamado como seu local de atuação e desenvolvimento. Esse local

seria a origem de determinada sociedade, seu espaço geográfico e simbólico, um

lugar particular e único, embora não seja isolado nem impenetrável. Para Elenaldo

Teixeira (2001 p.54-55), “a sociedade civil situa-se num determinado território, no
16



qual desenvolve suas relações e constrói seus espaços públicos para expressão e

participação de seus atores.” No entanto, essa sociedade não se desenvolve

sozinha, sem interferências de outros territórios, pelo contrário, seus atores

socioculturais estão em constate movimento dentro de um sistema amplo e

complexo, que reorienta, modifica e estimula seu comportamento social e cultural. O

local deixa de ser um espaço “puro”, “intacto” a partir da existência desse fluxo que

lhe permite assimilar e re-significar suas ações. Ele não deixa de existir, mas passa

a se relacionar com o mundo em meio ao processo de globalização, no qual há uma

enorme mistura de povos, raças, culturas, filosofias, modos de governabilidade etc.

“A globalização reforça identidades, internacional e extraterritorialmente e, de forma

contraditória, também na esfera local. O local não desaparece, mas a noção de

espaço passa a ser compreendida mais social que territorialmente.” (WATERMAN

apud TEIXEIRA, 2001)


      O local e o global articulam-se entre si, no entanto, não se confundem. O local

permanece local, com suas particularidades, interesses, mecanismos e autonomia.

O que acontece é uma interpenetração de elementos que fazem parte da esfera do

global, uma hibridação de símbolos, códigos e fluxos. Isso se dá em todos os

setores da sociedade, ou seja, no campo político, no econômico, no social e,

especialmente, no cultural. Um aspecto que não pode deixar de ser mensurado

nessa relação entre local/ global é a importância dos meios de comunicação e

informação que permitem e proporcionam esse intercâmbio de forma instantânea e

constante, eles aproximam e misturam o que antes se encontrava separado. Os

meios de comunicação se tornam, cada vez mais, reguladores das mais diversas

atividades humanas. Criam a chamada sociedade da informação, na qual o indivíduo

é bombardeado diariamente por informações que são utilizadas intensivamente
17



como elemento da vida econômica, social, cultural e política, baseada, sobretudo, no

suporte tecnológico. E tudo isso acarreta mudanças na maneira de uma sociedade

agir, pensar, produzir etc. E, obviamente, na valorização e manifestação de sua

cultura.


       A articulação entre o global e o local permite que o local sofra modificações,

como se fosse um processo de mutação, que resultam na constante re-significação

de seu espaço material e imaterial. Global/local “se realizariam no espaço de suas

fronteiras, possuindo capacidade de definir sua própria centralidade e contracenar

com o que lhe é externo”. (ORTIZ, 2007, p.60). Os indivíduos que constituem essa

sociedade cultural-local, relacionando-se com o global, passam pelo processo de

desterritorialização de seu território local-cultural. Dessa maneira um novo território é

redesenhado, no entanto, a identidade dessa sociedade mantém-se conservada.


       O   conceito   de   desterritorialização   nos   permite   entender   o   espaço

independentemente do meio físico, pois espaço aqui não se refere apenas a um

território geográfico, material, mas refere-se também ao espaço imaterial, que

alcança dimensões muito mais amplas e complexas. Desterritorializar-se, então,

seria o indivíduo movimentar-se entre fronteiras, criando linhas de fuga que o

permite re-significar seu meio e para isso ele não necessita, necessariamente, sair

de seu território local, já que diversos símbolos e signos de outros espaços sociais e

culturais infiltram-se no seu cotidiano. Esse contato com o outro, mesmo em seu

próprio meio, o faz tomar conhecimento daquilo que é diferente de si, havendo o que

poderíamos chamar de „desenraizamento‟ do sujeito.           Assim, os processos de

desterritorialização levam-nos a crer numa unificação de espaços (tangíveis e

intangíveis), nos quais lugares e culturas se globalizam, onde cada local revela o

mundo devido à presença de diversos pontos de intercomunicação entre si.
18




                     é preciso pensar a desterritorialização como uma potência perfeitamente
                     positiva, que possui seus graus e seus limiares (epistratos), e sempre
                     relativa, tendo um avesso, tendo uma complementaridade na
                     reterritorialização(...) (DELEUZE e GUATTARI apud LEMOS, 2005.)




      Segundo Ortiz, são vários os sinais de desterritorialização da cultura e este

movimento “não se consubstancia apenas na realização de produtos compostos, ele

está na base de formação de uma cultura internacional-popular cujo fulcro é o

mercado consumidor” (ORTIZ, 2007, p.110). A desterritorialização da música é um

exemplo de como determinados produtos culturais transbordam fronteiras saindo do

universo local para o global. Nesse caso, segundo Canclini (2000, p.217) os meios

de comunicação, a exemplo do rádio e da televisão, contribuíram para que isso

ocorresse, ampliando em escala nacional e até mesmo internacional músicas de

repercussão local. A música „flutua‟ pelos espaços, ultrapassando fronteiras, não só

físicas, mas também imateriais proporcionando uma relação de trocas e diferentes

verbalizações entre os indivíduos. A música que nos chega aos ouvidos, às vezes

em outra língua, num outro ritmo de algum modo chama a atenção e penetra no

cotidiano das pessoas através desse processo de desterritorialização, que pode ser

mais ou menos intenso de acordo com o contanto, com conhecimento que se tem

desse tipo de som. Esse processo provoca o „nascimento‟ de uma nova natureza,

que se apodera desses novos elementos e re-significa seu território cultural,

trazendo para seu “quintal” uma diversidade de símbolos e sons que passam a fazer

parte de seu conhecimento de mundo.


      Para entendermos ainda melhor essa interação da música com a

desterritorialização basta tomarmos como exemplo como se dá a relação entre as

novas gerações e os diversos sons. Hoje, com a ajuda dos meios de comunicação,

principalmente do rádio e da televisão, e da internet, um jovem que vive no interior
19



do Nordeste, numa cidadezinha afastada da capital, „curte‟ o mesmo tipo de som

que os jovens dos grandes centros urbanos. A globalização da cultura permite que

ele escute no seu rádio, deitado no seu quarto ou numa roda de amigos, a canção

que é sucesso nas paradas americanas, com seus astros do pop ou o som do hip

hop, do reggae jamaicano que agita grupos de jovens de cidades grandes. Aliás,

realizando uma rápida pesquisa das músicas mais tocadas nas rádios comerciais

brasileiras, percebe-se um forte grau de influência e a constante presença das

músicas internacionais em suas programações. A programação das rádios é feita

pelos sucessos do momento, as músicas que ganham o carisma do público e se

alastram por todo país invadindo até mesmo os territórios mais afastados dos

centros urbanos.


       O contato com esse som “estrangeiro,” “forasteiro” é só um primeiro passo, é

a desterritorialização, que inicialmente causa estranheza, mas também desperta

interesse. O segundo passo acontece quando há uma aceitação dessa canção e

uma significação dela no cotidiano desse jovem, ou seja, ele a absorve e, ao mesmo

tempo, a integra ao seu meio, ao seu mundo particular. Fica claro que, por possuir

fluidez e diluir limites extraterritoriais, a música é um elemento constante e

importante na desterritorialização e reterritorialização do sujeito.


                      A modernidade-mundo não significa apenas desterritorialização. Este é um
                      primeiro passo que ela deve percorrer, mas, para existir enquanto tal, seus
                      objetos devem se reterritorializar. Uma cultura mundializada só faz sentido
                      quando enraizada em nossos hábitos mais prosaicos. Ela necessita
                      localizar-se neste ou naquele lugar, realizar-se desta ou daquela forma.
                      (ORTIZ, 2005, p. 42)




       Toda desterritorialização é acompanhada por uma reterritorialização,

processo no qual o homem se utiliza tanto de meios técnicos quanto simbólicos para
20



realizá-lo. Reterritorializar-se significa criar outro espaço significativo, ou seja, uma

nova construção do nosso território, o que também poderia ser entendido como

novos encaixes culturais. Tomemos mais uma vez o mundo da música como

exemplo para explicar esse processo. O universo musical é tão amplo e complexo

que, na maioria das vezes, é difícil classificar as músicas em categorias distintas.

Isso ocorre porque a música é híbrida, permite uma mistura de elementos tão

variados que nem sempre é possível afirmar que ela pertença, exclusivamente, a

esta ou aquela cultura. A música brasileira é uma prova disso, pois carrega em seu

“DNA” influências européias, africana e indígena e é justamente essa variedade de

componentes que a torna tão característica, tão particular. Levando a discussão

para o âmbito local/regional essa tentativa de classificação se torna ainda mais

complicada de se realizar. No senso comum, e também entre alguns estudiosos, a

música regional é aquela que caracteriza um povo de determinada região, seja

através dos instrumentos utilizados nos arranjos, na composição da letra que fala

sobre os costumes do lugar ou o ritmo que se disseminou naquele território. Seria

parte da cultura que carrega traços da identidade de cada região, de cada local.

Assim, entende-se que a música regional possui uma identidade própria que a

identifica e diferencia. Carrega em sua composição elementos próprios de sua

tradição e as memórias de um território particular. As músicas das diversas regiões

do país comprovam isso. As canções gaúchas conservam a tradição de seu povo,

seja no ritmo ou na linguagem, assim como a música nordestina, que com o baião e

o forró pé-de-serra traduzem a vida, os costumes e anseios de quem vive nessa

região do Brasil.


      No entanto, na modernidade-mundo na qual nos encontramos, as culturas se

relacionam e se desterritorializam constantemente e isso acontece também com as
21



produções culturais, inclusive com a música regional/local. Esta também se

reterritorializa partindo da hibridação com outros estilos. Essa música típica de

determinado lugar convive ao lado das inovações tecnológicas da música pop, numa

troca de ritmos e técnicas musicais e instrumentais e, de algum modo, incorpora

elementos dessa música de fora, seja na forma de um novo instrumento utilizado,

num ritmo diferente adaptado ao tradicional, mas que também traz harmonia e

diversidade à produção. Nesse processo, há uma re-elaboração de sua identidade

cultural, numa superação de fronteiras entre a música regional e a música pop, entre

o folclórico e o tecnológico. Essa incorporação harmoniosa de elementos conhecidos

através dessa troca é o que podemos chamar de reterritorialização.


      Na reterritorialização o sujeito se desloca (fisicamente ou não) entre os

mundos (tangíveis ou intangíveis) e retorna ao seu território com uma nova visão,

com uma nova bagagem que passa a fazer parte de seu modo de viver e influencia

na sua produção e interação na sociedade em que atua. A reterritorialização

acontece de várias formas e em todas as áreas de atuação humana. É um processo

fluido e contínuo e é influenciado também por muitos elementos, entre eles os meios

de comunicação de massa. O rádio, o meio que se insere mais rapidamente entre as

diversas classes populares, tem um papel fundamental nesses processos de

desterritorialização-reterritorialização das culturas populares. Ao mesmo tempo em

que traz o global para dentro do local (e vice-versa), numa dinâmica

desterritorializante, ele também influencia o indivíduo na reterritorialização de seu

território, ou seja, altera, através do fluxo constante de informações que irradia, o

comportamento e a visão do sujeito sobre o seu meio, que influenciado pelo que

vem de fora, re-significa suas ações sociais e culturais.
22



      O constante ir e vir do ser humano é o que lhe permite ser o que é: um ser

distinto e único capaz de transformar seu meio da maneira que melhor lhe convir.

Para isso, o homem desenvolveu mecanismos para se mover entre os mundos e

descobrir novas formas de habitar e desenvolver-se, de evoluir e criar, afinal como

diz Lemos (2005) “próprio do homem é viver e construir na natureza, o seu mundo. A

cultura humana é uma des-re-territorialização da natureza.”




1.2   Cultura e música nas ondas do rádio




      Quando falamos de processos de desreterritorialização um aspecto que não

pode deixar de ser mensurado é a importância dos meios de comunicação e

informação. Esses meios permitem e proporcionam o intercâmbio entre o local e o

global de forma instantânea e constante, aproxima mundos antes separados. O

rádio, a mídia que interessa a esse estudo, é um grande difusor cultural,

possibilitando que as pessoas tenham contato e possam se identificar com

características das diversas culturas promovendo assim uma constante hibridização

destas. É um veículo de comunicação que pode ser caracterizado como

essencialmente auditivo, formado pela combinação do binômio: voz (locução) e

música. Nascido, tal qual o conhecemos hoje, em 1907, esse veículo de

comunicação logo se popularizou e alcançou os territórios mais isolados geográfica

e socialmente.


                     O rádio passa a ser companhia para os solitários, seja na moradia, no
                     trabalho urbano ou rural, na caminhada, ou na viagem. Tornou-se um
                     veículo de ligação entre o ouvinte e as dimensões ausentes do mundo no
                     qual ele vive, incluindo-se aí as ligações entre os indivíduos e a sua
                     comunidade, (DIAS, 2005, p.16)
23




      Na América Latina, os argentinos foram os pioneiros em descobrir e

experimentar o fascínio do rádio. Realizaram em 27 de agosto de 1920, o primeiro

programa radiofônico dirigido a um público aberto. No Brasil, a primeira experiência

radiofônica foi em 1922, mas foi no ano seguinte com Roquette Pinto, que o

movimento do rádio começou a crescer e se destacar. A idéia de Pinto era que o

rádio tivesse caráter educativo, característica essa que nunca foi alcançada de fato

pelo veículo. No princípio, o rádio brasileiro era dominado por programas eruditos e

com o tempo a programação das emissoras foi se adaptando até chegar à

transmissão de programas populares, ou seja, o espaço inicial ocupado pela

transmissão de óperas, conferências e músicas clássicas, foi cedendo lugar para a

apresentação de cantores e compositores de sucesso na época, além de incluir

programas para públicos distintos como, por exemplo, o infantil.


      Atento ao crescimento e ao enorme potencial do rádio, tanto em alcance

quanto em influência da opinião pública, Getúlio Vargas lançou nos primeiros anos

de seu governo dois decretos de lei (nº 20.047 em 1931 e nº 21.111 em 1932) que

estruturaram os serviços de radiocomunicações brasileiros.



                     Foi a partir do Decreto nº 20.047 que o leque dos serviços normatizados foi
                     ampliado, incluindo-se também, além das convencionais radiotelegrafia e
                     radiotelefonia, a radiofotografia e a radiodifusão, pela primeira vez assim
                     denominada. (...) Outros princípios oriundos de 1924, como a finalidade
                     educativa e a obrigatoriedade de nacionalidade brasileira aos
                     concessionários de radiodifusão também foram mantidos. (...) Um ponto
                     central (no decreto nº 21.111) foi regulamentar o processo de outorga para
                     os serviços de radiodifusão: as concessões deveriam ser objeto de decreto
                     presidencial, com prazo de 10 anos, „renovável a juízo do governo‟.
                     (RAMOS E SANTOS, 2007, p.310)
24



      Não se pode deixar de mencionar que essa finalidade educacional do serviço

de   radiodifusão   estava   baseada   por interesses de difusão       da   ideologia

governamental, inclusive era o veículo proclamado como de interesse nacional e de

finalidade educativa. Com a influência do governo e da elite empresarial, os formatos

dos programas foram se tornando cada vez mais populares, com o objetivo de

alcançar maior número possível de brasileiros e, com isso, transformar o rádio num

veículo de manipulação de opinião. A radiodifusão foi um importante instrumento da

disseminação da ideologia do governo em épocas como a Era Vargas e a ditadura

militar, tanto Vargas quanto os militares percebiam o poder de alcance e também de

manipulação que o rádio tinha sobre as massas e utilizavam-se dele para disseminar

seu poder, sua ideologia e manter o controle sobre a sociedade. O rádio é uma arma

poderosa, de ampla penetração e sedução, por isso os governos, não só brasileiro,

mas do mundo inteiro, sempre se utilizaram dele e procuraram manter a dominação

sobre a sua atuação. As telecomunicações no Brasil passaram por diversos

processos e as leis que regem esses segmentos foram se aprimorando, no entanto,

com relação à radiodifusão, o Código Brasileiro de Telecomunicações, promulgado

em 1962, “não alterou de forma significativa o status quo da prestação dos serviços,

garantindo aos radiodifusores maior estabilidade empresarial, com a imposição de

prazos dilatados e renováveis das outorgas.” (RAMOS e SANTOS, 2007, p.327)


      O movimento da radiodifusão extrapolou barreiras e as rádios se espalharam

por todo país, em cada canto nascia uma emissora levando para os brasileiros

informação, entretenimento e, principalmente, muita música. As diversas maneiras

de se fazer rádio foram surgindo, cada uma baseada no interesse de quem

comandava as diretrizes da emissora. São muitas as classificações para as

atuações das rádios e, em alguns casos, várias até se confundem. As rádios
25



comerciais são as mais comuns e existem milhões espalhadas em todo mundo,

seguem os princípios do mercado capitalista, visando o lucro e a audiência da

massa, a maior parte de sua programação é composta por programas musicais e de

entretenimento. No Brasil, as emissoras comerciais, geralmente, pertencem às

grandes redes e/ou a grupos empresariais que monopolizam o setor de

comunicação no país, e atendem aos interesses econômicos e políticos de seus

donos. A concentração dos meios de comunicação de massa nas mãos desses

grupos acirrou a discussão sobre a democratização da comunicação e novos

modelos de se fazer rádio começaram a se desenhar na América Latina no fim dos

anos 60 e início de 1970, nesse contexto, surgiram as primeiras experiências de

rádios livres, mais tarde chamadas de comunitárias.


      Nas últimas três décadas as emissoras radiofônicas com estilos diferenciados

de programação começaram a crescer e ganhar destaque na América Latina, onde

se começou a observar uma intensificação das experiências participativas do uso do

rádio. Os movimentos políticos sociais latino-americanos contribuíram, e muito, para

que se pensasse numa reformulação dos meios de comunicação para que estes

ouvissem e dessem voz aos setores marginalizados da sociedade. Inicialmente, as

rádios, muitas vezes apoiadas pela Igreja Católica e por sindicatos, levavam para o

ar assuntos relacionados à educação e a prática religiosa; no entanto, percebeu-se

que o rádio era um instrumento valioso e que poderia ser utilizado para levar

reivindicações e transformar realidades. Na América Latina surgiu uma variedade de

modelos de fazer rádio, por exemplo, as rádios revolucionárias, guerrilheiras e livres,

porém todas com o propósito inicial de promover transformações sociais (cada uma

buscando esse ideal segundo os seus princípios). Uma experiência foi a da rádio “A
26



voz do mineiro” na Bolívia, que levava ao ar as lutas e interesses dos mineiros da

Siglo XX.


        É a partir da década de 70 que o uso comunitário do rádio começa a se

intensificar, impulsionando o surgimento de novas experiências e projetos de rádio

por parte de segmentos populares na América Latina. O Brasil acompanhou esses

experimentos vividos por seus “vizinhos” e também tem exemplos de rádios livres

(mais tarde chamadas de comunitárias), que eram mescladas aos movimentos

sociais e comunitários. A origem das emissoras comunitárias no Brasil relaciona-se

as experiências de rádios livres nos anos 70 e de alto-falantes na década de 80.

Nesse período, várias emissoras comunitárias surgiram no país, que passou a

contar com uma série de modelos de comunicação comunitária, nos quais o maior

interesse era levar informação, consciência, cultura, lazer e voz àqueles excluídos

socialmente. A Favela FM 104,51 é um destaque de rádio comunitária no Brasil.

Criada em 1981 por favelados, a rádio de Belo Horizonte, situada na favela Nossa

Senhora de Fátima, é reconhecida pelo seu caráter social e comunitário, além de

prestar serviços de utilidade pública à população da favela, a emissora tem um

trabalho social contra drogas, debate temas de interesse social como eleições, voto

consciente, segurança, saúde etc. A Favela FM também se destaca por fazer um

jornalismo sério, realista e com denúncias, por incentivar a educação, a cultura e o

lazer de sua comunidade. A rádio é sem fins lucrativos e recebe apoio de sindicatos,

empresas, ONG´s entre outros.

                        A proliferação atual de emissoras comunitárias é o resultado de um
                        processo de mobilização social pela regulamentação da radiodifusão de

 1
     A Favela FM é denominada como rádio comunitária, segundo informações que constam no
     histórico apresentado no site da emissora, www.radiofavelafm.com.br, acessado em 20 de
     dezembro de 2009.
27



                     baixa potência, cujo marco histórico é o dia 10 de abril de 1995, data em
                     que o Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, recebeu, em audiência, um
                     grupo de representantes de rádios livres e comunitárias. Nessa ocasião ele
                     reconheceu, publicamente, a existência de milhares de emissoras de baixa
                     potência em todo país e assumiu o compromisso de regulamentar seu
                     funcionamento. (PERUZZO, 1998, p.5)




      Assim, em 1998, o governo brasileiro criou a lei 9.612 para regulamentar o

segmento dessas rádios no país. Essa lei estabelece que as comunitárias “tem por

finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, com vista á criação de

oportunidades de idéias, difusão cultural (...)”, devem ter “programação com

finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” Muitos estudiosos e,

principalmente, radioamadores, consideram essa lei contraditória e excessivamente

burocrática. Essas opiniões se baseiam no fato de que a 9.612/98 limita as

possibilidades dessas emissoras se manterem, já que veta a busca por comerciais,

há imposições a respeito da faixa, da potência, do alcance etc. Afirma-se que a lei é

rigorosa demais com as emissoras de baixa potência, não só porque incentivam e

promovem a disseminação da informação e da cidadania, mas porque contrariam os

interesses das grandes emissoras comerciais que não aceitam perder audiência,

espaço político, muito menos dinheiro da publicidade. As rádios comunitárias são

comumente batizadas de piratas por aqueles que são contra o movimento (entende-

se aqui por governo, redes e empresas que controlam os meios de comunicação),

pois, segundo Peruzzo (1998, p. 7), “são portadoras de um conteúdo político que

amedronta os três poderes constituídos”.


      Enfim, é evidente que a disseminação das rádios comunitárias no país não se

pauta apenas no fato de o rádio ser um instrumento de longo alcance, mas,

principalmente, porque a emissora comunitária tem papel de mobilizar, promover e

incentivar o desenvolvimento e a transformação na comunidade na qual está
28



inserida. A emissora comunitária tem um caráter diferenciado, pois não objetiva

apenas entreter o ouvinte, mas contribuir para o desenvolvimento da comunidade,

incentivando a cultura, a democracia, a transparência na administração pública,

além de ser uma porta-voz da população. Para cumprir todas essas metas, a rádio

comunitária deve ter uma associação comunitária para geri-la, uma programação

diferenciada e atender a diversas exigências legais. “A rádio comunitária é a porta-

voz da gente, do ser humano, do povo. O que ela fizer, o que for dito, é a voz da

comunidade lá - com seus erros e seus acertos.” (LUZ, 2001, p. 27)


      No entanto, nem toda rádio que se denomina comunitária o é de fato. Cecília

Peruzzo (1994, p. 9) diz que existem pelo menos quatro tipos de emissoras que se

intitulam comunitárias; as que são eminentemente comunitárias, que seguem um

modelo de gestão e participação popular, sem fins lucrativos; aquelas que são

controladas por poucas pessoas, têm um dono, mas prestam algum tipo de serviço a

comunidade; há ainda aquelas que mantém uma programação bem semelhante as

emissoras comerciais, sem vínculos com a comunidade local e também existem as

rádios que se dizem comunitárias, mas que são ligadas à políticos ou candidatos à

cargos eletivos, que se utilizam do rádio para fazer campanha eleitoral. Essa

variedade de comportamentos pode confundir e até mesmo incentivar o uso de

termos pejorativos para com as emissoras realmente comunitárias, ou seja, aquelas

rádios que são um produto da comunidade, que não tem fins lucrativos, que tem

uma programação interativa com a participação direta da população, valoriza e

incentiva a cultura local etc. Diversos autores concordam com essa classificação

feita por Peruzzo, entre eles Denise Cogo e Augusto Coelho. No entanto, há

pesquisadores mais flexíveis e com uma visão menos carregada de ideologia, que
29



se pautam na observação de cada realidade. É o caso de José Ignácio Vigil que

considera rádio comunitária aquela que



                     Quando uma emissora promove a participação dos cidadãos e defende
                     seus interesses; quando responde aos gostos da maioria e faz do bom
                     humor e da esperança a sua primeira resposta; quando informa com
                     verdade; quando ajuda a resolver os mil e um problemas da vida cotidiana;
                     quando em seus programas são debatidas todas as idéias e todas as
                     opiniões são respeitadas; quando se estimula a diversidade cultural e não a
                     homogeneização mercantil; [...] quando não se tolera nenhuma ditadura
                     imposta pelas gravadoras; quando a palavra de todos voa sem
                     discriminações ou censuras – essa é uma rádio comunitária. (VIGIL, 2003,
                     p. 506)




      Essa visão realista sobre a atuação das emissoras comunitárias percebe a

impossibilidade de se enxergar a comunicação popular apenas sob uma perspectiva

positiva, levando em consideração que não se trata de uma receita única de fazer

rádio, é preciso perceber diferentes níveis de atuação, de acordo com a realidade de

cada território. A própria Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC)

concorda que a classificação dessas rádios é variada.



                     rádio comunitária, rural, rádio, rádio participativa, rádio livre, alternativa,
                     popular, educativa... se as estações de rádio, as redes e os grupos de
                     produção que constituem a AMARC se referem a elas mesmos por meio de
                     uma variedade de nomes, suas práticas e perfis são ainda mais varia dos.
                     (BAHIA, 2006)




      Assim, para qualificar uma emissora como comunitária ou não é preciso se

considerar os diferentes níveis de atuação desta, levando-se em conta as

dificuldades financeiras, técnicas e humanas, a cultura local, a realidade de cada

comunidade. Podemos dizer então que se uma rádio pode não ser gerida pela

comunidade local, mas apresenta uma programação interessante e presta serviço

comunitário ou outra que é gerida por um conselho comunitário, mas ainda não
30



conseguiu fazer uma programação que valorize a cultura local, elas não deixam de

ser comunitárias, apenas atuam em diferentes níveis de atuação comunitária.


         A programação da rádio comunitária é outro assunto que gera debates e

diversos autores estudam e opinam sobre qual seria a programação ideal para esse

tipo de emissora. Segundo Luz (2001), a grade de programas de uma emissora

desse tipo deve ser diversificada, plural, prestar sempre serviço comunitário a

população e transmitir cultura. Mas a realidade é um pouco diferente, pelo menos na

maioria das rádios comunitárias da região sisaleira, já que os programas musicais

são os mais presentes e ocupam quase todo espaço na programação, pois o custo

de produção é mais baixo e essas emissoras costumam operar com muito pouco

dinheiro.



                                 Reconhece-se que algumas emissoras comunitárias reproduzem o
                                 modelo de emissoras comerciais no que se relaciona com conteúdo
                                 musical, que se estende por horas seguidas, intercalado com rápidas
                                 inserções para recados e diálogos comunitários. Em muitos casos, os
                                 próprios coordenadores das rádios admitem esta prática para não
                                 perderem a audiência para as emissoras comerciais, sendo
                                 obrigados, portanto, a mesclar a programação que, de acordo com o
                                 projeto, deveria focalizar questões voltadas para o desenvolvimento
                                                                                       2
                                 sócio-econômico e cultural da sociedade. (BAHIA, 2010 ).




         A discussão então gira em torno de que música se deve tocar numa rádio

comunitária. Sabe-se que as rádios comerciais seguem a lógica do mercado e da

indústria cultural, tocam o que vira sucesso, as músicas que são mais massificadas

nas grandes emissoras e que logo caem no gosto popular. “Em geral, os sucessos

se identificam com as listas que as gravadoras promovem.” (VIGIL, 2003, p. 343)

Essa é a lógica das comerciais, pois estão numa busca constante e desenfreada

 2
     Não foi possível encontrar a data de publicação do texto.
31



pela audiência. O que interessa no meio comercial é ter muitos ouvintes e

consumidores em potencial, para que através da publicidade essas rádios possam

se sustentar.     As rádios comerciais são, principalmente, emissoras para

entretenimento, por isso sua programação é quase toda musical.


      Dioclécio Luz afirma que as rádios comunitárias devem tocar músicas que

fogem dessa linha da indústria cultural, da fábrica de sucessos. “Devemos ouvir

músicos independentes, aqueles que estão mais preocupados em fazer arte do que

repetir o que se toca por aí.” (LUZ, 2001, p.76). Para ele, a rádio comunitária deve

incentivar a divulgação dos trabalhos dos artistas local e o locutor deve ter um papel

de educador do gosto popular. Essa é uma linha um tanto perigosa de se seguir,

pois trabalhamos aqui com o valor e poder da diversidade cultural. O rádio invade as

casas e leva em todas as direções uma quantidade infinita de produção cultural e

julgar a qualidade, o valor ou o que quer seja dessa produção é um trabalho

complexo e minucioso que varia de olhar para olhar, de pessoa pra pessoa, de

cultura pra cultura. Não cabe aqui uma análise desse tipo, pretende-se apenas saber

como a música tocada numa rádio comunitária interfere na desterritorialização do

sujeito dessa comunidade.


      Numa visão um pouco mais ampla, Vigil (2003) traz uma reflexão interessante

quando afirma que o desafio das emissoras consiste em atender as preferências

musicais do público, ao mesmo tempo em que oferece alternativas que permitam

ampliá-los. O autor chama a atenção para o fato de que o radialista e os produtores

de programas radiofônicos não devem se prender a moralismos exagerados, pois há

de se levar em conta que os gostos variam e as sensibilidades também. As rádios

comunitárias devem tocar de tudo um pouco, privilegiando as canções de bom gosto

e qualidade. E a música internacional deve ser tocada na programação musical de
32



uma emissora comunitária? Segundo o autor todo estilo pode ser tocado. “Não há

lugar para racismo musical. Não é preciso negar o que é de fora para afirmar o que

é nosso. (...) Cabe ao bom senso do radialista manter esse sábio balanço entre as

nacionalidades dos discos.” (Vigil, 2003, p.345)


      Todas essas definições são pertinentes e devem ser praticadas, contudo, o

que acontece na prática é que muitas rádios comunitárias, quando se trata de

música, acabam repetindo os formatos dos programas das emissoras comerciais,

tocando as canções de sucesso no momento, atendendo as demandas do mercado

fonográfico sem se esforçar para cumprir um de seus deveres que é valorizar e

promover também a cultura local. A rádio comunitária deve tocar de tudo, sabendo

dosar as proporções e lutando para fugir da guerra da audiência e do comodismo do

servilismo musical. Além disso, não é só colocar uma música no ar e pronto. É

preciso criar estratégias para que a programação se mantenha interessante, manter

o equilíbrio entre os gêneros tocados, misturando os ritmos, combinando-os para

manter um programa vivo e atraente como o é o próprio rádio. É necessário atender

aos pedidos da população, mas não ser escrava desses pedidos. A programação da

emissora comunitária deve deixar claro o perfil da rádio, ou seja, definir seu papel

específico diante de seu ouvinte para que este seja atraído pelo que a emissora tem

de melhor.
33



2 . O local e o rádio: a Valente FM e seu território de atuação




      O rádio cria laços com a comunidade na qual está inserido e, se tem caráter

comunitário, é também o porta-voz do cidadão. No interior, em regiões mais

afastadas dos grandes centros urbanos, o rádio é mais que companhia, é também

um representante das lutas e anseios da população local. A região sisaleira da

Bahia, localizada no semi-árido nordeste do estado (a pouco mais de 200 km de

Salvador), com quase 800 mil habitantes distribuídos em 25 municípios, é uma prova

da importância do rádio no desenvolvimento de um território. Com um clima seco e

uma vegetação caracterizada pela caatinga, cerrado e vegetação arbórea aberta, a

região tem como principal atividade econômica o cultivo e comercialização do sisal.

É um território culturalmente diversificado, que carrega ainda fortes traços das

manifestações tradicionais do sertanejo nordestino como o reisado, a literatura de

cordel, a festa da Quixabeira etc. É também uma região conhecida por ter um

movimento social atuante e diversas entidades de associativismo e cooperativismo

espalhadas por seus municípios. Por ter um caráter tão mobilizador, o movimento

das rádios comunitárias floresceu por aqui no início dos anos noventa e muitos

municípios passaram a ter uma emissora comunitária atuando na comunidade. Isso

trouxe para o território um novo olhar sobre a importância da comunicação no

desenvolvimento de uma sociedade.


      Incentivado pelo sucesso dessas rádios na região, o movimento social passou

a experimentar e investir em iniciativas que favorecessem a comunicação social no

território. O Movimento de Organização Comunitária (MOC) , organização não-

governamental que atua na região há mais de quarenta anos e apóia as rádios
34



comunitárias, foi um dos primeiros a desenvolver um projeto voltado para a área. No

final de 2001 e início de 2002 lançou, em parceria com outras entidades da região e

o Instituto Credicard, o projeto Jovens Comunicadores, no qual vinte e sete jovens

de nove municípios da região foram capacitados para trabalhar e assessorar a

sociedade civil organizada na área de comunicação. Com oficinas teóricas e

práticas, os jovens aprenderam a fazer e pensar programas de rádio e boletins

informativos que debatessem assuntos importantes para o desenvolvimento da

região, como por exemplo, cultura, políticas públicas, participação e cidadania etc. O

projeto durou três anos e como resultado trouxe para a região sisaleira a Agência

Mandacaru de Comunicação e Cultura (AMAC). Criada em julho de 2005, por quinze

jovens oriundos do projeto Jovens Comunicadores, a AMAC, sediada no município

de Retirolândia, produz diversas peças que são veiculadas nos meios impressos,

radiofônicos, virtual, em vídeo e fotos. Os produtos da Agência procuram dar

visibilidade às iniciativas do movimento social, aos assuntos ligados ao bem-estar da

criança e do adolescente, aos direitos humanos etc, seu maior parceiro é o MOC.

Praticamente nesse mesmo período de planejamento e criação da AMAC, outra

entidade “nasceu” na região. Em 2004, foi criada a Associação de Rádios

Comunitárias do Sisal (ABRAÇO-SISAL) com o objetivo político de contribuir para a

efetivação de oportunidades locais de democratização da comunicação na região

sisaleira da Bahia, passando a existir juridicamente em 2005, com a realização de

uma Assembléia Geral para aprovação de seu marco legal, eleição e posse da

diretoria e construção do seu planejamento estratégico. Na prática, a ABRAÇO-

SISAL presta uma espécie de assessoria às rádios comunitárias afiliadas,

fornecendo capacitação para locutores, diretoria e gestores, além de discutir,

defender e orientar as emissoras nas questões ligadas à legalização. Atualmente a
35



ABRAÇO-SISAL atua diretamente em quinze municípios do território sisaleiro. Sem

fins lucrativos, a associação conta a parceria de diversas entidades do movimento

social.


          Outra entidade da sociedade civil organizada que também vem tentando

desenvolver algum trabalho relacionado à comunicação é o Conselho Regional de

Desenvolvimento Rural Sustentável da Região Sisaleira da Bahia (CODES-SISAL).

Em fevereiro de 2008, o CODES-SISAL elaborou um plano territorial de

desenvolvimento determinando seis eixos prioritários de desenvolvimento, entre eles

o da comunicação. Este eixo tem por finalidade buscar o fortalecimento das

entidades do movimento social do território do sisal em relação às ações ligadas à

comunicação a nível interno e externo. Como se pode notar, o movimento social da

região sisaleira, incentivado pela atuação das rádios comunitárias, vem, ao longo

dos últimos anos, ampliando suas ações no que se refere à comunicação. É possível

destacar em meio aos municípios da região, as ações ocorridas na cidade de

Valente, que sediou até o ano 2009 a ABRAÇO-SISAL, é sede do CODES-SISAL e

possui uma das mais antigas emissoras comunitárias no ar.


          Valente está localizada a 240 km da capital, e é uma típica cidade do interior.

Segundo o IBGE possui aproximadamente vinte e dois mil habitantes, tendo sua

economia baseada no cultivo do sisal e na agricultura familiar. Além dessas

atividades o município é ainda impulsionado economicamente por duas grandes

empresas: a Via Uno (empresa de calçados) e a Associação de Desenvolvimento

Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (APAEB-Valente), empresa que

comercializa sisal e seus artefatos. O município é reconhecido pela força do

movimento social e organização popular mantendo até hoje diversas entidades
36



atuantes na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Segundo Elenaldo

Teixeira (2001),



                           A base do processo organizativo da sociedade de Valente concentra-
                           se no meio rural, entre os pequenos produtores e trabalhadores sem
                           terra, em torno de cerca de 50 associações comunitárias, situadas
                           nos povoados. (...) Merece destaque o Movimento de Mulheres
                           Trabalhadoras Rurais, que além de atuação especificamente sindical,
                           com forte liderança (...) realiza capacitação, educação e discussão
                           política sobre a problemática da mulher. (TEIXEIRA, 2001, p 175).




      Foi a partir dessa articulação da sociedade civil organizada de Valente e do

território, e da necessidade de se comunicar de forma mais aberta e democrática

que o movimento social e a organização popular passaram a contar com o rádio

como instrumento de mobilização e transformação social na região. Segundo a

pesquisa realizada pelo professor Antonio Dias (2005), as rádios comunitárias

„nasceram‟ no território do sisal a partir de dois contextos: pela mobilização dos

movimentos sociais que precisavam se comunicar melhor com suas bases e pela

iniciativa privada. “O principal objetivo nesta investida era o de “dar voz ao povo”, ou

seja, de construir um espaço onde a comunidade pudesse ouvir a si mesma e onde

as entidades pudessem conversar e discutir com ela, além de informá-la.” (DIAS,

2005, p.24)


      A Rádio Comunitária Valente FM foi fundada em fevereiro de 1998, época em

que o país estava com um forte movimento pela legalização desse segmento.

Algumas entidades da sociedade civil local (APAEB-Valente, Sindicato dos

Trabalhadores Rurais, Fórum da Cidadania etc) discutiam esse projeto há mais de

dois anos. Os preparativos para implantação da rádio comunitária foram

coordenados por representantes da APAEB, que cuidaram do envolvimento de

outras entidades para cuidar da Associação. A entidade também financiou os
37



treinamentos iniciais. A programação musical consistia (e ainda hoje é assim) em

tocar de todos os estilos um pouco; o sucesso da mídia, forró, internacional, música

de artistas da cidade e da região etc. Para o jornalismo foram planejados boletins de

hora em hora, um jornal pela manhã e um rádio revista de uma hora, ao meio dia.

Além dessa programação, sempre que o locutor “abria o microfone” deveria ler

avisos da comunidade. O programa jornalístico começou um mês após a rádio ter

entrado no ar, em abril de 98, e foi planejado para ter notícias locais, regionais,

estaduais e nacionais. Eram mais notícias policiais, sobre realizações da sociedade

civil e acompanhamento de reuniões, ainda sem muitas críticas e cobranças ao

poder público. Com o tempo isso mudou um pouco e as denúncias e investigações

sobre as ações do poder público local se tornaram pauta constante no programa

jornalístico.


       Em muitos anos de atuação a emissora, assim como muitas outras da região

e do país, passou por muitas perseguições políticas e também pela ANATEL

(Agência Nacional de Telecomunicações), que diversas vezes lacrou a rádio,

carregou seus equipamentos e, algumas vezes, em ação conjunta com a Polícia

Federal, agrediu seus locutores. A pesquisa realizada pelo professor Antonio Dias

(2005), relata essa fatos através de entrevistas



                           Depois vieram com a presença da polícia, não se identificaram que
                           era a polícia, o prédio não funcionava aqui na época, mas tinha
                           inclusive uma testemunha, coincidentemente tinha um ouvinte no
                           momento que eles arrombaram, presenciou o fato... E eram vários
                           policiais acompanhados de fiscais da Anatel que, como falei, não se
                           identificaram, foram muito ousados,mandava abrir: „abra logo, que é
                           que você quer ainda aqui perguntando nada, abra logo, largue de
                           conversa, viemos buscar isso aqui‟... Foi o que eu entendi, perguntei,
                           explorei, mas quem é e quem são, não se identificaram. E aí, fechei,
                           depois eles pularam o portão do muro, depois quebraram a porta que
                           dá acesso ao interior da rádio e aí já chegaram mesmo me batendo
                           mesmo, me agredindo, entendeu, no meu pescoço, me empurraram
                           sobre paredes, me algemaram... E enfim, queriam que eu desse
38



                         depoimentos, entregasse pessoas lá mesmo, na maior pressão
                         (ENTREVISTADO VALENTE FM, 2004).




      Foram muitos anos de luta pela liberação da autorização para que a Valente

FM pudesse atuar de maneira legal, ou seja, com a permissão emitida pelo

Ministério das Comunicações. Na verdade, a luta pela outorga é um dos maiores

desafios das emissoras comunitárias, que encontram em seu caminho excesso de

burocracia e disputa política. A Rádio Comunitária Valente FM somente conseguiu a

outorga depois de quase cinco anos de luta, apesar de a Lei 9.612, que institui o

serviço de radiodifusão, ter sido criada em 20 de fevereiro de 98. Em outubro de

2002, a emissora recebeu a outorga do Ministério das Comunicações. Era uma

autorização provisória, enquanto a matéria não era votada pelos deputados no

Congresso Nacional. Nesse período, a ABRAÇO-SISAL participou de manifestações

e reuniões com representantes do governo na tentativa de conseguir outorga para

algumas emissoras da região, entre elas a da Valente FM. Finalmente, em 15 de

outubro de 2003, o Congresso Nacional aprovou a outorga da Rádio Comunitária

Valente FM.


      Em mais de onze anos de atuação a Valente FM ganhou credibilidade na

comunidade principalmente devido ao seu programa jornalístico, o Rádio

Comunidade, que já foi um dos mais ouvidos da região. Hoje a equipe da Rádio é

composta de acordo com cada núcleo de trabalho (Jornalismo, Locução dos DJs e

Direção). Existe um coordenador de Jornalismo, que define as pautas, encaminha os

repórteres e supervisiona a produção das matérias. Diferente de outras redações de

radiojornalismo, a reunião de pauta não é uma prática comum na emissora,

geralmente os próprios repórteres definem suas matérias ou o coordenador

determina qual será a matéria. Os repórteres realizam as matérias nas ruas,
39



enquanto um editor de textos realiza a clipagem de notícias dos jornais, definindo o

que deve ir ao ar, editando os textos, e transpondo a linguagem para a radiofônica.

Há ainda os apresentadores que fazem o papel de âncora no programa jornalístico.

Os próprios repórteres editam suas matérias. O programa já possui o roteiro base

onde serão inseridas, pelo editor de texto, as manchetes dos principais jornais de

país, os textos obtidos com a clipagem, além de notas de interesse da comunidade.

Esse trabalho é realizado pelo editor durante toda manhã, e só se encerra ao final

do programa jornalístico, no início da tarde. Os fatos e notícias que serão objeto de

matérias são definidos conforme critérios pré-estabelecidos pela equipe jornalística

da rádio, e que tem a ver com a “missão da Rádio”, as notícias se referem

normalmente a atividades do movimento social, do poder público, a fatos e assuntos

de interesse da região, com destaque ao local, além de temáticas como saúde,

educação, cultura e economia. Geralmente nas chamadas do roteiro destacam-se as

locais, três regionais, três nacionais e uma internacional.


      As fontes de informações para equipe de jornalismo da rádio são mais

diversas, desde os jornais escritos do estado e do país (principalmente os sites dos

jornais exemplo do A Tarde, Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, Folha de São

Paulo, I Bahia, MOC, Agecom, etc) para matérias de contexto nacional e/ou

estadual. Quanto ao que acontece na região, o “rádio escuta”, e a parceria (não

formalizada) com diversas rádios comunitárias da região são as principais fontes de

informação (Sabiá FM, Agência Kalila, Baianinha, Contorno FM, dentre outras). Em

suas pautas a rádio conta ainda com a colaboração de líderes comunitários e da

população em geral.



                           [...] o programa rádio comunidade, que é um dos mais ouvidos,
                           badalados aqui na comunidade. Porque é essa forma que Toni
40



                          coloca, é de denúncia, é de chegar e apertar o prefeito mesmo, o
                          vereador, o porquê não foi feita as ações, de chegar e apertar o
                          sindicato, a Apaeb, enfim, ou até mesmo as associações. Então a
                          rádio tem o seu caráter lá, comunitário, que não tá atrelado a político,
                          nem à associação, nem a sindicato e nem a nada, tá fazendo o seu
                          papel que é de botar as informações com transparência, com
                          responsabilidade, mostrando as duas visões: a que tá errada e a que
                          deveria está sendo feita certa (ENTREVISTADO VALENTE FM,
                          2004).




      Em termos financeiros a Valente FM vende espaços para propagandas,

chamadas de apoio cultural, e para programas terceirizados. Além disso, recebe

apoio financeiro de algumas entidades sociais do município. O maior apoio vem da

APAEB- Valente. A influência do público - que abrange a Zona Rural e sede do

município de Valente - na programação é inevitável, toca-se o que as pessoas

querem ouvir. Quando se trata das notícias, não há participação direta no jornalismo,

ainda que a população, principalmente a sociedade civil, paute a rádio em boa parte

das matérias locais. A influência dos patrocinadores é pequena, com exceção da

entidade que mais contribui com a rádio (APAEB-Valente), que tem direito a um

programa, a anúncios sem custo algum, além de exercer maior influência nas

decisões da diretoria em relação às demais entidades que a compõe. A relação da

Rádio Valente FM com o poder público local é um tanto tumultuada, pois,

freqüentemente, a emissora faz denúncias e investigações que nem sempre

agradam ao executivo e legislativo. Além disso, há um entrave muito forte nessa

relação por a Valente FM ser vista por parte da população e pelo poder público

como uma emissora da APAEB - Valente, uma instituição que é oposição do

governo municipal.



                          Nenhum diretor da Apaeb nunca chegou pra pressionar qualquer um
                          da gente. A gente já fez matérias – inclusive, Cléber que é o chefe de
                          Jornalismo do programa “rádio comunidade” pode reforçar isso – a
                          gente já botou matérias contra a própria Apaeb, pessoas reclamando
41



                                 de alguma coisa que não tá legal na indústria, de alguma matéria
                                 contra um diretor, a gente já colocou isso no ar (ENTREVISTADO
                                 VALENTE FM, 2004).




          Embora seja afiliada a ABRAÇO-SISAl, a Valente FM não participa das

atividades e discussões promovidas pela entidade e se mantém afastada das ações

do CODES-SISAL. Segundo Cléber Silva, coordenador de jornalismo da emissora,

“esse afastamento das atividades tanto da ABRAÇO-SISAL quanto do CODES-

SISAL não provocam atritos na relação da rádio com essas entidades”3. A rádio é

ainda sócia da AMARC Brasil e geralmente participa das discussões através de

Cléber Silva, que também é sócio da entidade. Ao longo dos anos, a rádio Valente

FM passou por muitas transformações, com períodos de muita popularidade e

jornalismo de ótima qualidade, do mesmo modo que passou por períodos difíceis

como diminuição de funcionários e falta de recursos financeiros, o que acarretou

numa perda de qualidade na programação e produção dos programas. Por um

período, a emissora ficou sem uma diretoria atuante, ficando a cargo de seus

funcionários. Em 2006, com a entrada do presidente José Melquiades de Oliveira, foi

feita uma mudança no estatuto da rádio, dando maiores poderes ao presidente e

gerente. A partir daí a rádio teria um presidente mais presente, um tanto

centralizador e arbitrário, mas que conseguia colocar um mínimo de organização nos

trabalhos, ajudando a Valente FM a seguir adiante. Outra mudança no estatuto

aconteceu em janeiro de 2009, quando a associação que gere a rádio passou a ser

uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), permitindo

assim que pessoas físicas e jurídicas se associem à emissora; que a associação




3
    Informação concedida por Cléber Silva através de entrevista realizada em dezembro de 2009.
42



possa pleitear projetos; receber doações de recursos físicos, humanos e financeiros

etc.


       A programação da Valente FM é basicamente formada por programas

musicais, um de jornalismo e um esportivo, como podem ser verificados no quadro

abaixo:



          HORÁRIOS        PROGRAMAS                            CARACTERISTICAS

       5:00 ás 8:00     Vozes da Terra        Toca músicas regionais, forró pé-de-serra, artistas

                                              locais, sertanejo raiz. Com o locutor Gel Santos.



       8:00 ás 11:30    Ligação Direta        Toca de todos os estilos, sucessos do modo, conta
                                              com a participação dos ouvintes através dos pedidos
                                              por telefone. Locução de Gel Santos.

       11:30 às 12:00   Conversa da Gente     Programa terceirizado em estilo revistas que traz
                                              notícias da instituição (APAEB- Valente) e assuntos
                                              variados.   Toca     muita    música,    principalmente
                                              internacionais, sucessos e artistas locais.

       12:00 às 13:00   Rádio Comunidade      Jornalístico com notícias locais, regionais e nacionais

       13:00 as 14:00   FMPB                  Programa que toca apenas música popular brasileira.
                                              As vezes tem locutor apresentando e as vezes é
                                              apenas uma programação do playlist.

       14:00 às 18:00   Show da Tarde         Programa comandado por Tony Sampaio, toca de
                                              todos os estilos, sucessos do modo, conta com a
                                              participação dos ouvintes através dos pedidos por
                                              telefone.

       18:20 às 19:00   Bola na Rede          Programa com notícias do esporte local, regional e
                                              nacional.

       19:00 às 20:00   Retransmissão    da
                        Hora do Brasil

       21:00 as 23:00   Noite de Sucessos     Os sucessos do momento e as músicas românticas.
43



                                      Atende pedidos por telefone. Locutor Lecildo Silva.

      23:00 às 6:00                   Músicas programadas no playlist, prioriza-se as
                                      românticas e internacionais.




      Aos domingos pela manhã tem o programa do Sindicato dos Trabalhadores e

Agricultores Familiares de Valente, com notícias da instituição e de interesse dos

associados.


      Observando a programação da emissora, percebe-se que não é muito variada

seguindo a linha de muitas outras rádios comunitárias da região que carecem de

maiores investimentos financeiros e humanos para levarem ao ar uma grade mais

diversificada, pois fazer programas diferentes e com qualidade exige recursos e

estrutura, o que nem sempre esse tipo de emissora dispõe. Na verdade, a

programação da emissora, principalmente o espaço disponibilizado para a música,

se assemelha as rádios comerciais, embora existam espaços dedicados a produção

local e de artistas da região, além da emissora não receber das grandes gravadores

nenhum incentivo financeiro para isso. Sob aspectos acadêmicos, a Valente FM

poderia ter sua nomenclatura de comunitária questionada e reavaliada, pois não se

encaixa perfeitamente em todas as categorias elencadas por estudiosos na

classificação dessas rádios. No entanto, já se discutiu aqui nesse trabalho que

existem níveis de atuação comunitária e isso é determinado por variados fatores.

Embora seja relevante discutir um pouco sobre o tema, não é interesse desse

estudo aprofundar a análise sobre o caráter comunitário ou não dessa emissora,

mas analisar as músicas tocadas na programação. Esse assunto será abordado no

próximo capítulo.
44



3. A música que vai ao ar




         A intenção desse capítulo é analisar a programação musical da Rádio

Comunitária Valente FM, tentando perceber e refletir a presença e influência que

essa programação exerce sobre aspectos como cultura e desterritorialização, bem

como a relação entre local e global. Para melhor encaminhamento do trabalho foi

feito um recorte na programação analisada selecionando para estudo o programa

Ligação Direta, que vai ao ar de segunda a sábado das 8:00 ás 11:30 da manhã, e

foi ouvido por uma semana, dos dias 16/11 a 20/11/2009. O Ligação Direta foi

escolhido por ter um público ouvinte bem variado; por publicizar todos os estilos

musicais e por ser, segundo a própria equipe da rádio, o programa musical de maior

audiência da emissora. Além de tudo isso, pesquisas realizadas pelo IBOPE 4

(Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) em diversos estados do país,

inclusive na Bahia, comprovam que o horário matutino possui uma grande audiência.


         Pensado para veicular todos os estilos musicais, o programa Ligação Direta

segue exatamente essa linha, toca o que o ouvinte pede e o que é sucesso no

momento. É assim desde o surgimento da rádio, quando o nome do programa

matutino era Show da Manhã. A mudança dos nomes do programa aconteceu em

abril de 2008, quando numa reunião entre funcionários decidiu-se mudar um pouco a

imagem emissora, fazendo novas vinhetas e rebatizando os programas. A maior

transformação aconteceu mesmo no horário da manhã, os programas Bom Dia

Sertão e Clube do Forró fundiram-se, transformando-se em Vozes da Terra,



 4
     Informação retirada do site www.ibope.com.br, acessado dia 22 de janeiro de 2010.
45



dedicado aos artistas locais, regionais, a música sertaneja e ao forró pé de serra,

que vai ao ar das 6:00 ás 8:00. Em seguida vem o Ligação Direta, que foi ao ar pela

primeira vez em maio de 2008 e é uma remodelagem do antigo programa (Show da

Manhã). Segundo o locutor Gel Santos, a mudança mais significativa entre os dois

programas foram as vinhetas novas, que deram uma renovada na programação,

com mais qualidade, atraiu ainda mais o público e deu um novo ritmo ao programa.

A emissora é gerida por um diretor- presidente e mais três diretores. O diretor-

presidente José Melquiades está à frente da rádio há três anos e foi um dos

mobilizadores pela mudança na imagem da emissora, por reforçar essa

preocupação com as músicas tocadas na emissora. Com uma visão um tanto

conservadora, Melquiades diz que tenta conscientizar os locutores sobre a música

de qualidade e por isso, admite que já interferiu na programação mandando

suspender determinadas músicas. Segundo a equipe, hoje não é mais necessária

essa intervenção direta, cada um já tem noção do que deve ir ao ar ou não.


      Embora os aspectos relacionados à gestão e planejamento da programação

musical não tenham sido aprofundados aqui, vale ressaltar que eles são importantes

para a análise do que é veiculado no programa, além de servirem como norteadores

desse trabalho que busca refletir e perceber aspectos da cultura popular, dos

processos de desreterritorialização, as relações estabelecidas entre o local e o

global na programação da emissora. É com base nesses elementos que é possível

observar as tentativas de territorialização ocorridas nesse processo, na medida em

que as pessoas tentam atender aos seus desejos, reterritorializando-se.


      O Ligação Direta é comandado por Gel Santos, 26 anos, que está há sete

anos na emissora, a frente da programação musical matutina. Adepto da locução

coloquial, aquela em que o locutor fala de igual pra igual com o ouvinte,
46



considerando-o um amigo especial, Santos é um locutor jovem, que tem um ritmo

dinâmico dando ao programa um ar mais descontraído e alegre. Faz uma locução

típica das emissoras FM, comunitárias ou não, sem utilizar palavras rebuscadas ou

formais, lendo sempre os recados mandados pela população e as notas de

prestação de serviço comunitário. Para Gel Santos, “o trabalho do locutor não é só

está aqui tocando músicas, mandando alô, é também ser amigo do ouvinte e fazer

com que ele entenda que a gente segue uma linha e tem música que não é legal,

por isso não é tocada.”5


         O programa Ligação Direta foi idealizado para apresentar uma maior

variedade de canções, já que tem um público mais diverso e jovial, que acompanha,

principalmente, os sucessos do momento. A questão é que a rádio executa todos os

estilos, mas não qualquer música dentro desse estilo. Os locutores seguem uma

linha proposta pela direção para não tocar músicas com sentido ambíguo, que façam

apologia as drogas, sexo, violência etc, eles devem observar as letras e filtrar aquilo

que vai ao ar, mesmo que o ouvinte peça, os funcionários explicam que a emissora

não tem a canção pedida e sugerem outras opções no mesmo ritmo, às vezes até

do mesmo artista, mas que não vá contra os princípios determinados pela rádio

comunitária.



                          “Toca tudo, toca o que o público pede. A única coisa que a gente pede é
                          que não toque determinadas músicas, que façam apologia a raça, cor,
                          religião ou qualquer outra coisa por ser uma rádio comunitária (...) tem muita
                          criança ouvindo a rádio, principalmente na programação de Gel, então a
                          gente pede pra que os locutores não toquem.” (JOSÉ MELQUIADES,
                          presidente da Valente FM, entrevistado dezembro de 2009)




5
    Informação concedida por Gel Santos, através de entrevista realizada em dezembro de 2009.
47



      A maior parte da programação musical é composta pelos sucessos de artistas

explorados no momento pelas mídias, canções que são trilha sonora das novelas e

que são muito tocadas nas emissoras comerciais. As produções dos artistas locais e

regionais não aparecem muito na programação desse horário, costumam ser

tocadas no programa Vozes da Terra, que vai ao ar das 6:00 as 8:00 diariamente.

Além disso, a rádio tem uma programação no piloto automático que distribui os mais

variados tipos de música, e os locutores tentam garantir que essas produções

locais/regionais façam parte do playlist. Essa programação pré-selecionada vai ao ar

diariamente a partir das 22:00 horas, nos fins de semana e feriados. Segundo

Santos, o gosto pessoal do locutor não interfere tanto na escolha das músicas, a

programação é definida pelo ouvinte que liga e escolhe o que quer ouvir. No entanto,

nem sempre é possível atender aos pedidos e, pode acontecer de não se ter tantas

solicitações, assim é evidente que o locutor também coloca outras músicas na grade

do programa. No caso da programação em estudo, é possível perceber a influência

do gosto pessoal do locutor no número de canções executadas no estilo pop rock, o

seu preferido.


      Para alcançar o objetivo desse estudo, definiu-se analisar a programação

observando quais as músicas e os estilos mais tocados, a presença ou ausência da

música popular e das produções local e regional e quais as possíveis interferências

da própria emissora na seleção das músicas. Considerando esses fatores foi

possível identificar, através das músicas veiculadas na rádio, o quanto o global está

inserido no cotidiano da comunidade local, influenciando nos processos de

reterritorialização e perceber como se dá a valorização e incentivo da produção

cultural local. Assim, para saber quais músicas são as mais pedidas na emissora,

durante o Ligação Direta, esse estudo analisou as canções tocadas durante a
48



semana de 16 a 20 de novembro de 2009. Nesses cinco dias, foram tocadas em

média trinta e nove músicas por programa, totalizando cento e noventa e seis

durante a semana. Os ritmos predominantes foram o sertanejo universitário

(26,53%), forró eletrônico (15,82%), axé (13,78%), pagode romântico (13,275) e pop

rock (10,20%). Também estiveram presentes na programação os estilos: pagode

baiano (5,10%), MPB (4,08%), a música pop internacional (3,06%). Outros rimos

musicais somaram 8,16%. Percebe-se que, de fato, veicula-se músicas para

variados gostos, de diversos ritmos. Um aspecto notado nesse estudo foi que,

durante o período de análise, a programação foi feita basicamente com os mesmos

artistas. O estilo musical que mais trouxe nomes diversificados foi o sertanejo

universitário, já que nesse momento muitos artistas desse estilo estão sendo

explorados pela mídia. Outro fator interessante de se perceber foi que a música mais

pedida pelos ouvintes (Vem pra cá – Papas na Língua) faz parte da trilha sonora da

“novela das oito” Viver a vida, da Rede Globo. O quadro abaixo traz os artistas e

músicas mais executadas durante a semana analisada.




                     ARTISTA                                   MÚSICA

                  Papas na Língua                            Vem pra cá

                       Belo                                   Reinventar

                  Edson e Hudson                        Foi você quem trouxe

                  Natália Siqueira                     Você vai voltar pra mim

                   Banda Imortal                           Mentes tão bem

                       Perlla                              Beijo de cinema

                   Mariah Carey                       I wanna know what love is

                    Michel Telo                         Ei, psiu! Beijo, me liga

                     Anjo Azul                          Não sou de ninguém
49



                Guilherme e Santiago                      Quando você vem me abraçar

                  Bruno e Marrone                               Amor não vai faltar

                   Cláudia Leite                                    Horizonte

                      Molejo                                          Voltei

                  Cheiro de Amor                                  Pense em mim

                     Jota Quest                                 Vem andar comigo




      A lista acima ilustra os artistas e músicas que foram tocadas praticamente a

semana inteira. Além desses artistas outros como Harmonia do Samba, Menina

Faceira, Jorge e Matheus, Aviões do Forró e Skank também se repetiram ao longo

da programação, no entanto, as músicas desses artistas variavam.



                     “em relação a gente tocar as mesmas músicas, eu tô no ar há quase 8 anos
                     e tem gente que liga pra mim e pede a mesma música todos os dias, então
                     a gente acaba se influenciando, de repente o cara nem ligou e a gente já tá
                     tocando. A Valente FM tem essa meta de tocar todos os ritmos, tocar para
                     todos os gostos, mas meu programa não tem jeito... meu programa pela
                     manhã o telefone toca o tempo inteiro e o cara vai pedir a música do
                     momento, ele não vai pedir...sei lá...Djavan, vai pedir Dejavú, Calcinha
                     Preta, infelizmente ou felizmente a gente acaba influenciado pelo ouvinte.”
                     (Gel Santos, entrevistado dezembro 2009)




      O que fica claro é que o programa Ligação Direta é um espaço de divulgação

das músicas que são sucessos do momento, dos artistas que estão nas grandes

mídias. É perceptível também a influência que a televisão exerce no momento da

escolha do ouvinte. Além da canção do grupo Papas na Língua, aparece também na

lista das mais publicizadas a música da cantora internacional Mariah Carey, também

presente na trilha sonora da novela global citada anteriormente. Esse aspecto

reforça a discussão de como a indústria fonográfica, juntamente com a televisão,
Cultura local e global na programação musical da Valente FM
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Cultura local e global na programação musical da Valente FM

  • 1. 1 UNIVERSIDADE DO ESTADO DA BAHIA Aline de Oliveira Araújo CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM Conceição do Coité – BA 2010
  • 2. 2 Aline de Oliveira Araújo CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Habilitação em Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, como requisito parcial de obtenção do grau de bacharel em Comunicação, sob a orientação da Prof.ª Esp. Vilbégina Monteiro. Conceição do Coité 2010
  • 3. 3 Aline de Oliveira Araújo CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM Trabalho de conclusão apresentado ao curso de Comunicação Social - Radialismo, da Universidade do Estado da Bahia, sob a orientação da Prof. Esp. Vilbégina Monteiro. Data:____________________________ Resultado:________________________ BANCA EXAMINADORA Prof. (orientador)___________________ Assinatura________________________ Prof.____________________________ Assinatura_______________________ Prof.____________________________ Assinatura_______________________
  • 4. 4 RESUMO CULTURA E RÁDIO: DESTERRITORIALIZAÇÃO, GLOBAL E LOCAL NA PROGRAMAÇÃO MUSICAL DA VALENTE FM A cultura de um local está frequentemente passando por transformações e isso se dá porque as relações culturais estão em constante contato com outros “universos” que as influenciam e modificam. Entender de que modo essa relação – entre o que é considerado cultura local e o que é cultura global – transforma as relações sociais e culturais de uma comunidade é o desafio deste trabalho que tenta discutir os processos de des-re- territoriazação presentes na comunidade de Valente, município do interior da Bahia, situado na região sisaleira, através da programação musical da rádio comunitária Valente FM. Para alcançar esse fim, analisou-se a programação musical do programa Ligação Direta, da Rádio Comunitária Valente FM, além de ter-se realizado entrevistas com o locutor do programa e diretoria da emissora. A análise das músicas pedidas pelos ouvintes e tocadas no programa, somadas aos estudos sobre os processos de reterritorialização comprovam que a programação musical da Rádio Comunitária Valente FM é um elo entre a cultura local e a global influenciando no modo como o indivíduo re-significa o seu meio. Essa articulação, proporcionada pela Rádio, acontece de maneira naturalizada, ou seja, as pessoas reterritorializam o seu espaço cultural sem se darem conta dessa presença e influência do que é global no seu dia-a-dia. Isso se reflete no comportamento da comunidade, na valorização e incorporação da linguagem urbana dentro de um contexto rural, e da própria expressão da cultura local que é, cada vez mais, penetrada pelo global. Palavras-chave: cultura – reterritorialização – programação musical – local – global – rádio
  • 5. 5 Sumário INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 6 1. CULTURA E O RÁDIO: RETERRITORIALIZAÇÃO DO SUJEITO NO SEU TERRITÓRIO SIMBÓLICO................................................................................... 11 1.1. Cultura e desterritorialização: onde o local e o global se encontram............ 11 1.2 . Cultura e música nas ondas do rádio........................................................... 22 2. O LOCAL E O RÁDIO: A VALENTE FM E SEU TERRITÓRIO DE ATUAÇÃO............................................................................................................ 33 3. A MÚSICA QUE VAI AO AR.......................................................................... 44 CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................ 54 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.......................................................................... 58 ANEXOS............................................................................................................... 61 INTRODUÇÃO
  • 6. 6 A cultura de um local está frequentemente passando por transformações e isso se dá porque as relações culturais estão em constante contato com outros “universos” que as influenciam e modificam. Entender de que modo essa relação – entre o que é considerado cultura local e o que é cultura global – transforma as relações sociais e culturais de uma comunidade é um desafio proposto nesse estudo. Para isso, é preciso observar não só aspectos da cultura popular que podem melhor demonstrar essa relação híbrida entre local e global, como os instrumentos que, de algum modo, promovem os contatos entre diferentes universos. Assim, a escolha foi estudar a música e o rádio, dois elementos tão intimamente relacionados que ilustram perfeitamente os fluxos entre a cultura popular e a re-significação do sujeito ao compartilhar territórios simbólicos. Desse modo, determinou-se analisar as músicas tocadas no programa matinal Ligação Direta da rádio comunitária Valente FM, situada no interior da Bahia, região sisaleira. O processo de globalização é o principal responsável pelas alterações na identidade cultural de uma sociedade. O tradicional/local recebe forte influência dos métodos mecanicistas e o ser humano, agente ativo, deseja cada vez mais usufruir desses recursos para facilitar sua vida, modernizando automaticamente seu meio cultural de forma despercebida, criando assim “identidades partilhadas” entre pessoas que estão bastante distantes umas das outras. Essa modernidade oriunda da globalização diluiu fronteiras e aproximou culturas distantes no espaço e no tempo. No entanto, isso não poderia ter-se realizado com tamanha fluidez se não fosse a atuação dos veículos de comunicação, em especial o rádio, que com suas ondas sonoras alcança os territórios mais isolados geográfica e socialmente. A relação dominante da população brasileira com o rádio é de intimidade, que passou
  • 7. 7 a ser companhia para o ouvinte, tornando-se um vínculo de ligação entre o indivíduo e sua comunidade. Esta monografia discute as transformações da cultura popular que ocorrem em determinado local a partir da influência do global, através dos processos de desreterritorialização. Para isso, foi necessário situar os conceitos dentro do referencial teórico que abordou inicialmente a cultura popular. Os estudos de Jesus Martin Barbero (2003) muito contribuem para a idéia de cultura abordada neste trabalho, quando define a cultura popular como um processo vivo formado por “saberes que carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda e coletiva.” E que carrega em si ainda um estilo, ou seja, um “esquema de operações” que se refere ao modo de agir, pensar e se comportar, um “estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e de resistência moral.” Nestor Canclini (1999) colabora com essa discussão ao analisar modalidades de organização da cultura e de hibridação das tradições de classes. Além disso, o autor discute a idéia das transformações na cultura tradicional e homogênea a partir da influência da tecnologia e do contato com os meios de comunicação e demais culturas. Renato Ortiz (2005) aprofunda a discussão sobre esse tema quando reflete sobre os limites em que essa cultura floresce e, como esses mesmos limites, vão se diluindo e se transformando a partir da modernidade. O segundo conceito estudado nessa pesquisa é o de local e global apoiado- se nas idéias de Elenaldo Teixeira (2001) que analisa como a participação do cidadão na sociedade civil global (ações locais, realizadas por seus cidadãos, mas que apresentam interesse global) pode contribuir nesse processo de reterritorialização de um território cultural e social. O autor discute sobre como sociedade civil, espaço público, esfera pública, poder local, participação política e
  • 8. 8 participação cidadã convergem para a qualificação desta última como condição de aperfeiçoamento do processo democrático. Além disso, Teixeira traz exemplos do estudo de caso realizado em Valente, município do interior da Bahia e mesmo local que se passou o estudo do projeto em questão, no qual analisou as potencialidades e limitações de experiências locais. Territorialização é a terceira temática debatida e, na verdade, permeia todos os outros assuntos abordados aqui e Ortiz (2007) é a principal fonte utilizada sobre esse tema. A idéia de desterritorializar-se leva-nos a observar a diluição dos antigos limites impostos por uma sociedade, que era cheia de formalidades e cerimônias, e que agora se abre para esse constante fluxo de resignificação do espaço, da cultura e do meio de vida que surge com a modernidade. Nessa antiga sociedade a cultura popular crescia no interior de determinados limites, longe dos centros urbanos, mantendo sua pureza e complexidade. Segundo o autor, cada sítio, cada cultura constituía um território particular. Isso mudou. A modernidade trouxe consigo uma nova dinâmica para as sociedades, que passam a interagir, transformar e reterritorializar suas vivências a partir do contato com o outro, num processo chamado de mundialização, que acontece através da “desterritorialização das coisas, gentes e idéias, a proliferação de colagens, pastiches e simulacros, a transfiguração da realidade em virtualidade ou vice-versa.” André Lemos (2005) também colabora com o debate sobre territorialização. Segundo ele “o próprio do homem é viver e construir na natureza, o seu mundo. A cultura humana é uma des- re-territorialização da natureza”, defendo a idéia de que o homem se vale tanto de meios técnicos quanto simbólicos para reterritorializar-se. Como se trata de um projeto sobre os processos de reterritorialização da cultura local através da programação musical de uma rádio comunitária se faz
  • 9. 9 necessário conhecer em que contexto essa rádio foi criada e está inserida até hoje, bem como saber sobre sua política e valores sociais. Antonio Dias Nascimento (2005) traça o histórico das rádios comunitárias na região sisaleira, entre elas a Valente FM, objeto de estudo da pesquisa, bem como analisa a relação entre rádio e comunidade, destacando o papel da sociedade civil organizada na democratização da comunicação através desse meio. Sobre rádio comunitária, além de trabalhar os conceitos definidos por Cicilia Peruzzo (1998), a pesquisa dialoga com o pesquisador José Ignácio Lopez Vigil (2003) que percorre toda a problemática da especificidade de emissoras desse tipo, desde suas origens, analisando a linguagem que lhe é própria e as exigências que as presidem, tanto do lado dos locutores como dos gêneros (dramático, jornalístico, musical) e formatos (radiorevista, vinheta). Além dessa definição sobre qual deve ser o papel das rádios comunitárias, ao autor também se refere à programação musical dessas rádios, o que é o assunto mais relevante para esse trabalho. Seguindo nessa mesma linha, Dioclécio Luz (2001) também fornece informações pertinentes sobre o universo desses veículos de comunicação, principalmente no que se refere a sua programação. No Brasil são muitos os estudos sobre a programação musical do rádio, mas a maioria se refere ao seu formato ideal, aos gêneros musicais tocados. As rádios comunitárias também despertam o interesse dos estudiosos, principalmente por causa de sua efervescência nos últimos anos, no entanto, a maioria dos livros e trabalhos sobre o assunto se refere às problemáticas de legislação, as origens, a linguagem própria e, no trato da programação musical, a pesquisa também é dirigida ao formato e sobre a discussão do que se deve tocar numa rádio comunitária, da importância da qualidade das músicas etc. Assim, o trabalho presente procura constatar, através de entrevistas com funcionários e análise das músicas tocadas na
  • 10. 10 programação matutina da emissora, de que maneira a Rádio Comunitária Valente FM contribui para resignificação do território cultural local a partir da presença do global inserido no cotidiano dessas pessoas através de sua programação musical. Esta pesquisa, além de refletir sobre os processos de reterritorialização cultural, também auxiliou na compreensão da influência da articulação entre o global e o local na construção da cultura do valentense, além de ter permitido saber qual o papel exercido pelo rádio local nessa relação. Estudando essa articulação e descobrindo a função desse meio de comunicação nesse processo, é possível compreender quais transformações culturais essa comunidade passou ao longo desses anos e como isso se reflete no cotidiano desse lugar. Por fim, nota-se que a cultura popular não é algo que morre, porém está sempre em mudança, fluindo, e isso se dá, sem dúvida, pela capacidade que o ser humano tem de interagir com seu território, reconhecê-lo e a partir do contato e experiência com o outro, significá-lo. Os processos de desterritorialização, territorialização e reterritorialização são constantes na vida do homem, afinal é desse intenso movimento de ir e vir que o ser humano constrói seu próprio mundo. 1. Cultura e rádio: reterritorialização do sujeito em seu território simbólico
  • 11. 11 A idéia de desterritorializar-se leva-nos a observar a diluição dos antigos limites impostos por uma sociedade, que era cheia de formalidades e cerimônias, e que agora se abre para esse constante fluxo de re-significação do espaço, da cultura e do meio de vida que surge com a modernidade. Nessa antiga sociedade, a cultura popular crescia no interior de determinados limites, longe dos centros urbanos, conseguindo manter sua complexidade bem como uma idéia de pureza, já que os contatos com outras culturas aconteciam de maneira mais lenta e demorada. Cada cultura, cada lugar constituía um território particular. Isso mudou. A modernidade trouxe consigo uma nova dinâmica para as sociedades, que passam a interagir, transformar e reterritorializar sua vivências a partir do contato com o outro, num processo chamado de mundialização. Esse capítulo aborda justamente essas relações entre local e global e os processos de reterritorialização através da música tocada no rádio. 1.1 Cultura e desterritorialização: onde o local e o global se encontram. Os estudos antropológicos costumam conceituar cultura como o conjunto complexo dos códigos e padrões que orientam e coordenam a ação humana individual e coletiva. Assim, é certo afirmar que todo indivíduo possui cultura, pois, de algum modo, se relaciona com a sociedade na qual se originou e convive. Os componentes de cada grupo social aprendem e aplicam no seu cotidiano esses códigos comportamentais que conduzem, de forma relativamente harmoniosa, as ações nesse meio social.
  • 12. 12 Quando se trata de cultura popular, a maioria dos estudos a define como uma cultura inferior, pertencente à massa, ao povo que é subalterno e dominado pelos interesses da classe dominante que deteria a chamada alta cultura. Outros ainda confundem cultura popular com as manifestações culturais de uma determinada sociedade, acreditando que só na dança, na tradição, no folclore, no artesanato, na música etc, ela se manifesta e se faz presente. Nesses estudos valorizam-se mais os produtos culturais que seus agentes sociais que os criam e consomem. Sendo assim, esses conceitos e visões a cerca do popular não interessam aqui. Deseja-se mostrar nesse estudo que cultura popular é um processo vivo, de constantes transformações, as quais envolvem muito mais que os costumes e tradições de um povo, é algo que faz parte da identidade, da história e do desenvolvimento de cada grupo social. Os estudos de Jesus Martin Barbero (2003) trazem uma definição interessante de cultura popular. Para ele, cultura popular são “saberes que carregam simbolicamente a cotidianidade e a convertem em espaço de uma criação muda e coletiva” (BARBERO, 2003, p.122). O popular carrega em si ainda um estilo, ou seja, um “esquema de operações” que se refere ao modo de agir, pensar e se comportar, um “estilo de intercâmbio social, de inventividade técnica e de resistência moral.” (IDEM, p.122) Esse esquema de operações citado por Barbero revela-nos que essa cultura, além de ter autenticidade e beleza, também é um forte elemento de representação sociocultural que expressa não só o estilo de vida da classe popular, mas também seu modo de pensar, de sobreviver, de interagir numa sociedade que a engloba - mas nem sempre a considera -, além das estratégias utilizadas para se firmar, organizar e integrar na memória histórica do meio que a cerca. Como todo processo social, a cultura popular também se desenvolve e se transforma. Essas transformações se dão por diversos fatores: primeiro porque é
  • 13. 13 próprio do homem evoluir, adquirir novos saberes e hábitos; segundo porque a cultura faz parte de um sistema que envolve fatores como economia, política, tecnologias diversas e a modernidade de modo geral. Não estando isolada a cultura popular desenvolve-se, transformando-se a partir do contato com todos os outros elementos que compõem uma sociedade. O contato com o mundo externo retira do popular a idéia de círculo impenetrável, imutável e as diversas relações que se estabelecem criam um sistema de hibridação entre culturas que se comunicam e se influenciam mutuamente. “É possível pensar que o popular é constituído por processos híbridos e complexos, usando como signos de identificação elementos procedentes de diversas classes e nações”.(CANCLINI, 2000, p.220-221) As palavras de Canclini nos propõem observar os cruzamentos culturais que acontecem numa sociedade local, principalmente nas novas gerações, que permitem um re-ordenamento no seu modo de agir e pensar, alterando os vínculos entre o tradicional e o moderno, o popular e o culto etc. As relações são modificadas, mas nem por isso pode-se dizer que houve uma perda total da tradição, ou “morte” da cultura local. Pelo contrário, como já foi dito, a cultura é um processo vivo e pulsante, está em constante transformação, os indivíduos que a compõe conseguem absorver as influências externas, incorporando-as a seu meio de vida com uma fluência própria daqueles que se relacionam sem conflitos com o novo e conseguem manter firme sua identidade. Sendo assim, deixam de existir limites que segregam e isolam os diversos grupos sociais e suas culturas, criando o que alguns estudiosos chamam de cultura mundializada. No entanto, a ruptura desses limites e a existência de uma cultura mundializada “não implica o aniquilamento das outras manifestações culturais, ela cohabita e se alimenta delas”. (ORTIZ, 2007, p.22).
  • 14. 14 Essa diluição de limites proporcionada pela mundialização das culturas permite que sejamos penetrados pela „modernidade-mundo‟, um processo que provoca certa semelhança de costumes, que, de certo modo, dá sentido à determinados comportamentos e conduta dos indivíduos. Isso poderia ser explicado quando imaginamos o quanto nossa sociedade moderna partilha determinados elementos de uma coletividade comum, como signos comercias (ex: Coca-cola, Nike, Disney), o cinema, a música pop etc. Todos esses símbolos da modernidade- mundo estão ao redor dos indivíduos em qualquer parte do planeta e, como afirma Ortiz (2005), isso os torna cidadãos mundiais, pois o mundo penetrou no seu cotidiano. Apesar de a modernidade-mundo trazer a idéia de que as relações sociais e culturais entre os diversos grupos sociais não têm mais limites firmemente definidos de interpenetração, é preciso lembrar que “a quebra das fronteiras, não significa o seu fim, mas o desenho de novos territórios e limites” (ORTIZ, 2005, p.47). Isso significa dizer que à medida que determinadas fronteiras são transportadas, o indivíduo traz consigo uma nova visão de mundo proporcionada pela experiência do „desenraizamento‟ de seu território devido o contato com os elementos da mundialização, e essa nova visão de mundo o faz estabelecer limites outros e redesenhar seu espaço. Historicamente, o território tem sido definido a partir das relações de poder, visto como fator regulador das relações entre seus membros, ou seja, ele é composto por ação e poder que se manifestam por pessoas ou grupos. Existem vários teóricos que hoje se debruçam sobre a discussão a cerca de territorialização e costumam se dividir em dois grupos de pesquisa: os materialistas que partem da visão de que o território é constituído predominantemente por características físico- materiais e os idealistas que definem o território, principalmente, pelo “valor
  • 15. 15 territorial”, no sentido simbólico. Rogério Haesbaert (2004) propõe uma perspectiva integradora dessas duas visões tentando superar a dicotomia material/ideal, “considerando que o território envolve, ao mesmo tempo, a dimensão espacial material das relações sociais e o conjunto das representações sobre o espaço” (CARVALHO, 2007). Essa perspectiva integradora, que enfatiza aspectos políticos, econômicos e simbólicos é interessante e torna possível compreender o que na atualidade vem a ser a complexidade do território. Segundo João Pacheco de Oliveira (1999), “a noção de territorialização é definida como um processo de reorganização social”, no qual os diversos membros de determinada comunidade, conectados com outros territórios, não só vivenciam experiências, como novas categorias são criadas ou transformadas no seu interior, reorganizando a partir daí seu espaço social, cultural e político. Esse novo modelo de organização social faz com que os lugares sejam mesclados de experiências locais e mundiais, e é a partir disso que novas territorialidades podem ser construídas, como síntese das novas experiências. Desse modo, o território se constitui pela interação de territórios-rede, onde se cruzam as diversas manifestações territoriais. Esse cruzamento, no entanto, não elimina a particularidade de cada território, ele apenas vai se fundamentar sob novos patamares, e a sua abordagem se torna cada vez mais variada pela multiplicidade de significações. Cada sociedade, cada cultura está inserida num território próprio, particular que pode ser chamado como seu local de atuação e desenvolvimento. Esse local seria a origem de determinada sociedade, seu espaço geográfico e simbólico, um lugar particular e único, embora não seja isolado nem impenetrável. Para Elenaldo Teixeira (2001 p.54-55), “a sociedade civil situa-se num determinado território, no
  • 16. 16 qual desenvolve suas relações e constrói seus espaços públicos para expressão e participação de seus atores.” No entanto, essa sociedade não se desenvolve sozinha, sem interferências de outros territórios, pelo contrário, seus atores socioculturais estão em constate movimento dentro de um sistema amplo e complexo, que reorienta, modifica e estimula seu comportamento social e cultural. O local deixa de ser um espaço “puro”, “intacto” a partir da existência desse fluxo que lhe permite assimilar e re-significar suas ações. Ele não deixa de existir, mas passa a se relacionar com o mundo em meio ao processo de globalização, no qual há uma enorme mistura de povos, raças, culturas, filosofias, modos de governabilidade etc. “A globalização reforça identidades, internacional e extraterritorialmente e, de forma contraditória, também na esfera local. O local não desaparece, mas a noção de espaço passa a ser compreendida mais social que territorialmente.” (WATERMAN apud TEIXEIRA, 2001) O local e o global articulam-se entre si, no entanto, não se confundem. O local permanece local, com suas particularidades, interesses, mecanismos e autonomia. O que acontece é uma interpenetração de elementos que fazem parte da esfera do global, uma hibridação de símbolos, códigos e fluxos. Isso se dá em todos os setores da sociedade, ou seja, no campo político, no econômico, no social e, especialmente, no cultural. Um aspecto que não pode deixar de ser mensurado nessa relação entre local/ global é a importância dos meios de comunicação e informação que permitem e proporcionam esse intercâmbio de forma instantânea e constante, eles aproximam e misturam o que antes se encontrava separado. Os meios de comunicação se tornam, cada vez mais, reguladores das mais diversas atividades humanas. Criam a chamada sociedade da informação, na qual o indivíduo é bombardeado diariamente por informações que são utilizadas intensivamente
  • 17. 17 como elemento da vida econômica, social, cultural e política, baseada, sobretudo, no suporte tecnológico. E tudo isso acarreta mudanças na maneira de uma sociedade agir, pensar, produzir etc. E, obviamente, na valorização e manifestação de sua cultura. A articulação entre o global e o local permite que o local sofra modificações, como se fosse um processo de mutação, que resultam na constante re-significação de seu espaço material e imaterial. Global/local “se realizariam no espaço de suas fronteiras, possuindo capacidade de definir sua própria centralidade e contracenar com o que lhe é externo”. (ORTIZ, 2007, p.60). Os indivíduos que constituem essa sociedade cultural-local, relacionando-se com o global, passam pelo processo de desterritorialização de seu território local-cultural. Dessa maneira um novo território é redesenhado, no entanto, a identidade dessa sociedade mantém-se conservada. O conceito de desterritorialização nos permite entender o espaço independentemente do meio físico, pois espaço aqui não se refere apenas a um território geográfico, material, mas refere-se também ao espaço imaterial, que alcança dimensões muito mais amplas e complexas. Desterritorializar-se, então, seria o indivíduo movimentar-se entre fronteiras, criando linhas de fuga que o permite re-significar seu meio e para isso ele não necessita, necessariamente, sair de seu território local, já que diversos símbolos e signos de outros espaços sociais e culturais infiltram-se no seu cotidiano. Esse contato com o outro, mesmo em seu próprio meio, o faz tomar conhecimento daquilo que é diferente de si, havendo o que poderíamos chamar de „desenraizamento‟ do sujeito. Assim, os processos de desterritorialização levam-nos a crer numa unificação de espaços (tangíveis e intangíveis), nos quais lugares e culturas se globalizam, onde cada local revela o mundo devido à presença de diversos pontos de intercomunicação entre si.
  • 18. 18 é preciso pensar a desterritorialização como uma potência perfeitamente positiva, que possui seus graus e seus limiares (epistratos), e sempre relativa, tendo um avesso, tendo uma complementaridade na reterritorialização(...) (DELEUZE e GUATTARI apud LEMOS, 2005.) Segundo Ortiz, são vários os sinais de desterritorialização da cultura e este movimento “não se consubstancia apenas na realização de produtos compostos, ele está na base de formação de uma cultura internacional-popular cujo fulcro é o mercado consumidor” (ORTIZ, 2007, p.110). A desterritorialização da música é um exemplo de como determinados produtos culturais transbordam fronteiras saindo do universo local para o global. Nesse caso, segundo Canclini (2000, p.217) os meios de comunicação, a exemplo do rádio e da televisão, contribuíram para que isso ocorresse, ampliando em escala nacional e até mesmo internacional músicas de repercussão local. A música „flutua‟ pelos espaços, ultrapassando fronteiras, não só físicas, mas também imateriais proporcionando uma relação de trocas e diferentes verbalizações entre os indivíduos. A música que nos chega aos ouvidos, às vezes em outra língua, num outro ritmo de algum modo chama a atenção e penetra no cotidiano das pessoas através desse processo de desterritorialização, que pode ser mais ou menos intenso de acordo com o contanto, com conhecimento que se tem desse tipo de som. Esse processo provoca o „nascimento‟ de uma nova natureza, que se apodera desses novos elementos e re-significa seu território cultural, trazendo para seu “quintal” uma diversidade de símbolos e sons que passam a fazer parte de seu conhecimento de mundo. Para entendermos ainda melhor essa interação da música com a desterritorialização basta tomarmos como exemplo como se dá a relação entre as novas gerações e os diversos sons. Hoje, com a ajuda dos meios de comunicação, principalmente do rádio e da televisão, e da internet, um jovem que vive no interior
  • 19. 19 do Nordeste, numa cidadezinha afastada da capital, „curte‟ o mesmo tipo de som que os jovens dos grandes centros urbanos. A globalização da cultura permite que ele escute no seu rádio, deitado no seu quarto ou numa roda de amigos, a canção que é sucesso nas paradas americanas, com seus astros do pop ou o som do hip hop, do reggae jamaicano que agita grupos de jovens de cidades grandes. Aliás, realizando uma rápida pesquisa das músicas mais tocadas nas rádios comerciais brasileiras, percebe-se um forte grau de influência e a constante presença das músicas internacionais em suas programações. A programação das rádios é feita pelos sucessos do momento, as músicas que ganham o carisma do público e se alastram por todo país invadindo até mesmo os territórios mais afastados dos centros urbanos. O contato com esse som “estrangeiro,” “forasteiro” é só um primeiro passo, é a desterritorialização, que inicialmente causa estranheza, mas também desperta interesse. O segundo passo acontece quando há uma aceitação dessa canção e uma significação dela no cotidiano desse jovem, ou seja, ele a absorve e, ao mesmo tempo, a integra ao seu meio, ao seu mundo particular. Fica claro que, por possuir fluidez e diluir limites extraterritoriais, a música é um elemento constante e importante na desterritorialização e reterritorialização do sujeito. A modernidade-mundo não significa apenas desterritorialização. Este é um primeiro passo que ela deve percorrer, mas, para existir enquanto tal, seus objetos devem se reterritorializar. Uma cultura mundializada só faz sentido quando enraizada em nossos hábitos mais prosaicos. Ela necessita localizar-se neste ou naquele lugar, realizar-se desta ou daquela forma. (ORTIZ, 2005, p. 42) Toda desterritorialização é acompanhada por uma reterritorialização, processo no qual o homem se utiliza tanto de meios técnicos quanto simbólicos para
  • 20. 20 realizá-lo. Reterritorializar-se significa criar outro espaço significativo, ou seja, uma nova construção do nosso território, o que também poderia ser entendido como novos encaixes culturais. Tomemos mais uma vez o mundo da música como exemplo para explicar esse processo. O universo musical é tão amplo e complexo que, na maioria das vezes, é difícil classificar as músicas em categorias distintas. Isso ocorre porque a música é híbrida, permite uma mistura de elementos tão variados que nem sempre é possível afirmar que ela pertença, exclusivamente, a esta ou aquela cultura. A música brasileira é uma prova disso, pois carrega em seu “DNA” influências européias, africana e indígena e é justamente essa variedade de componentes que a torna tão característica, tão particular. Levando a discussão para o âmbito local/regional essa tentativa de classificação se torna ainda mais complicada de se realizar. No senso comum, e também entre alguns estudiosos, a música regional é aquela que caracteriza um povo de determinada região, seja através dos instrumentos utilizados nos arranjos, na composição da letra que fala sobre os costumes do lugar ou o ritmo que se disseminou naquele território. Seria parte da cultura que carrega traços da identidade de cada região, de cada local. Assim, entende-se que a música regional possui uma identidade própria que a identifica e diferencia. Carrega em sua composição elementos próprios de sua tradição e as memórias de um território particular. As músicas das diversas regiões do país comprovam isso. As canções gaúchas conservam a tradição de seu povo, seja no ritmo ou na linguagem, assim como a música nordestina, que com o baião e o forró pé-de-serra traduzem a vida, os costumes e anseios de quem vive nessa região do Brasil. No entanto, na modernidade-mundo na qual nos encontramos, as culturas se relacionam e se desterritorializam constantemente e isso acontece também com as
  • 21. 21 produções culturais, inclusive com a música regional/local. Esta também se reterritorializa partindo da hibridação com outros estilos. Essa música típica de determinado lugar convive ao lado das inovações tecnológicas da música pop, numa troca de ritmos e técnicas musicais e instrumentais e, de algum modo, incorpora elementos dessa música de fora, seja na forma de um novo instrumento utilizado, num ritmo diferente adaptado ao tradicional, mas que também traz harmonia e diversidade à produção. Nesse processo, há uma re-elaboração de sua identidade cultural, numa superação de fronteiras entre a música regional e a música pop, entre o folclórico e o tecnológico. Essa incorporação harmoniosa de elementos conhecidos através dessa troca é o que podemos chamar de reterritorialização. Na reterritorialização o sujeito se desloca (fisicamente ou não) entre os mundos (tangíveis ou intangíveis) e retorna ao seu território com uma nova visão, com uma nova bagagem que passa a fazer parte de seu modo de viver e influencia na sua produção e interação na sociedade em que atua. A reterritorialização acontece de várias formas e em todas as áreas de atuação humana. É um processo fluido e contínuo e é influenciado também por muitos elementos, entre eles os meios de comunicação de massa. O rádio, o meio que se insere mais rapidamente entre as diversas classes populares, tem um papel fundamental nesses processos de desterritorialização-reterritorialização das culturas populares. Ao mesmo tempo em que traz o global para dentro do local (e vice-versa), numa dinâmica desterritorializante, ele também influencia o indivíduo na reterritorialização de seu território, ou seja, altera, através do fluxo constante de informações que irradia, o comportamento e a visão do sujeito sobre o seu meio, que influenciado pelo que vem de fora, re-significa suas ações sociais e culturais.
  • 22. 22 O constante ir e vir do ser humano é o que lhe permite ser o que é: um ser distinto e único capaz de transformar seu meio da maneira que melhor lhe convir. Para isso, o homem desenvolveu mecanismos para se mover entre os mundos e descobrir novas formas de habitar e desenvolver-se, de evoluir e criar, afinal como diz Lemos (2005) “próprio do homem é viver e construir na natureza, o seu mundo. A cultura humana é uma des-re-territorialização da natureza.” 1.2 Cultura e música nas ondas do rádio Quando falamos de processos de desreterritorialização um aspecto que não pode deixar de ser mensurado é a importância dos meios de comunicação e informação. Esses meios permitem e proporcionam o intercâmbio entre o local e o global de forma instantânea e constante, aproxima mundos antes separados. O rádio, a mídia que interessa a esse estudo, é um grande difusor cultural, possibilitando que as pessoas tenham contato e possam se identificar com características das diversas culturas promovendo assim uma constante hibridização destas. É um veículo de comunicação que pode ser caracterizado como essencialmente auditivo, formado pela combinação do binômio: voz (locução) e música. Nascido, tal qual o conhecemos hoje, em 1907, esse veículo de comunicação logo se popularizou e alcançou os territórios mais isolados geográfica e socialmente. O rádio passa a ser companhia para os solitários, seja na moradia, no trabalho urbano ou rural, na caminhada, ou na viagem. Tornou-se um veículo de ligação entre o ouvinte e as dimensões ausentes do mundo no qual ele vive, incluindo-se aí as ligações entre os indivíduos e a sua comunidade, (DIAS, 2005, p.16)
  • 23. 23 Na América Latina, os argentinos foram os pioneiros em descobrir e experimentar o fascínio do rádio. Realizaram em 27 de agosto de 1920, o primeiro programa radiofônico dirigido a um público aberto. No Brasil, a primeira experiência radiofônica foi em 1922, mas foi no ano seguinte com Roquette Pinto, que o movimento do rádio começou a crescer e se destacar. A idéia de Pinto era que o rádio tivesse caráter educativo, característica essa que nunca foi alcançada de fato pelo veículo. No princípio, o rádio brasileiro era dominado por programas eruditos e com o tempo a programação das emissoras foi se adaptando até chegar à transmissão de programas populares, ou seja, o espaço inicial ocupado pela transmissão de óperas, conferências e músicas clássicas, foi cedendo lugar para a apresentação de cantores e compositores de sucesso na época, além de incluir programas para públicos distintos como, por exemplo, o infantil. Atento ao crescimento e ao enorme potencial do rádio, tanto em alcance quanto em influência da opinião pública, Getúlio Vargas lançou nos primeiros anos de seu governo dois decretos de lei (nº 20.047 em 1931 e nº 21.111 em 1932) que estruturaram os serviços de radiocomunicações brasileiros. Foi a partir do Decreto nº 20.047 que o leque dos serviços normatizados foi ampliado, incluindo-se também, além das convencionais radiotelegrafia e radiotelefonia, a radiofotografia e a radiodifusão, pela primeira vez assim denominada. (...) Outros princípios oriundos de 1924, como a finalidade educativa e a obrigatoriedade de nacionalidade brasileira aos concessionários de radiodifusão também foram mantidos. (...) Um ponto central (no decreto nº 21.111) foi regulamentar o processo de outorga para os serviços de radiodifusão: as concessões deveriam ser objeto de decreto presidencial, com prazo de 10 anos, „renovável a juízo do governo‟. (RAMOS E SANTOS, 2007, p.310)
  • 24. 24 Não se pode deixar de mencionar que essa finalidade educacional do serviço de radiodifusão estava baseada por interesses de difusão da ideologia governamental, inclusive era o veículo proclamado como de interesse nacional e de finalidade educativa. Com a influência do governo e da elite empresarial, os formatos dos programas foram se tornando cada vez mais populares, com o objetivo de alcançar maior número possível de brasileiros e, com isso, transformar o rádio num veículo de manipulação de opinião. A radiodifusão foi um importante instrumento da disseminação da ideologia do governo em épocas como a Era Vargas e a ditadura militar, tanto Vargas quanto os militares percebiam o poder de alcance e também de manipulação que o rádio tinha sobre as massas e utilizavam-se dele para disseminar seu poder, sua ideologia e manter o controle sobre a sociedade. O rádio é uma arma poderosa, de ampla penetração e sedução, por isso os governos, não só brasileiro, mas do mundo inteiro, sempre se utilizaram dele e procuraram manter a dominação sobre a sua atuação. As telecomunicações no Brasil passaram por diversos processos e as leis que regem esses segmentos foram se aprimorando, no entanto, com relação à radiodifusão, o Código Brasileiro de Telecomunicações, promulgado em 1962, “não alterou de forma significativa o status quo da prestação dos serviços, garantindo aos radiodifusores maior estabilidade empresarial, com a imposição de prazos dilatados e renováveis das outorgas.” (RAMOS e SANTOS, 2007, p.327) O movimento da radiodifusão extrapolou barreiras e as rádios se espalharam por todo país, em cada canto nascia uma emissora levando para os brasileiros informação, entretenimento e, principalmente, muita música. As diversas maneiras de se fazer rádio foram surgindo, cada uma baseada no interesse de quem comandava as diretrizes da emissora. São muitas as classificações para as atuações das rádios e, em alguns casos, várias até se confundem. As rádios
  • 25. 25 comerciais são as mais comuns e existem milhões espalhadas em todo mundo, seguem os princípios do mercado capitalista, visando o lucro e a audiência da massa, a maior parte de sua programação é composta por programas musicais e de entretenimento. No Brasil, as emissoras comerciais, geralmente, pertencem às grandes redes e/ou a grupos empresariais que monopolizam o setor de comunicação no país, e atendem aos interesses econômicos e políticos de seus donos. A concentração dos meios de comunicação de massa nas mãos desses grupos acirrou a discussão sobre a democratização da comunicação e novos modelos de se fazer rádio começaram a se desenhar na América Latina no fim dos anos 60 e início de 1970, nesse contexto, surgiram as primeiras experiências de rádios livres, mais tarde chamadas de comunitárias. Nas últimas três décadas as emissoras radiofônicas com estilos diferenciados de programação começaram a crescer e ganhar destaque na América Latina, onde se começou a observar uma intensificação das experiências participativas do uso do rádio. Os movimentos políticos sociais latino-americanos contribuíram, e muito, para que se pensasse numa reformulação dos meios de comunicação para que estes ouvissem e dessem voz aos setores marginalizados da sociedade. Inicialmente, as rádios, muitas vezes apoiadas pela Igreja Católica e por sindicatos, levavam para o ar assuntos relacionados à educação e a prática religiosa; no entanto, percebeu-se que o rádio era um instrumento valioso e que poderia ser utilizado para levar reivindicações e transformar realidades. Na América Latina surgiu uma variedade de modelos de fazer rádio, por exemplo, as rádios revolucionárias, guerrilheiras e livres, porém todas com o propósito inicial de promover transformações sociais (cada uma buscando esse ideal segundo os seus princípios). Uma experiência foi a da rádio “A
  • 26. 26 voz do mineiro” na Bolívia, que levava ao ar as lutas e interesses dos mineiros da Siglo XX. É a partir da década de 70 que o uso comunitário do rádio começa a se intensificar, impulsionando o surgimento de novas experiências e projetos de rádio por parte de segmentos populares na América Latina. O Brasil acompanhou esses experimentos vividos por seus “vizinhos” e também tem exemplos de rádios livres (mais tarde chamadas de comunitárias), que eram mescladas aos movimentos sociais e comunitários. A origem das emissoras comunitárias no Brasil relaciona-se as experiências de rádios livres nos anos 70 e de alto-falantes na década de 80. Nesse período, várias emissoras comunitárias surgiram no país, que passou a contar com uma série de modelos de comunicação comunitária, nos quais o maior interesse era levar informação, consciência, cultura, lazer e voz àqueles excluídos socialmente. A Favela FM 104,51 é um destaque de rádio comunitária no Brasil. Criada em 1981 por favelados, a rádio de Belo Horizonte, situada na favela Nossa Senhora de Fátima, é reconhecida pelo seu caráter social e comunitário, além de prestar serviços de utilidade pública à população da favela, a emissora tem um trabalho social contra drogas, debate temas de interesse social como eleições, voto consciente, segurança, saúde etc. A Favela FM também se destaca por fazer um jornalismo sério, realista e com denúncias, por incentivar a educação, a cultura e o lazer de sua comunidade. A rádio é sem fins lucrativos e recebe apoio de sindicatos, empresas, ONG´s entre outros. A proliferação atual de emissoras comunitárias é o resultado de um processo de mobilização social pela regulamentação da radiodifusão de 1 A Favela FM é denominada como rádio comunitária, segundo informações que constam no histórico apresentado no site da emissora, www.radiofavelafm.com.br, acessado em 20 de dezembro de 2009.
  • 27. 27 baixa potência, cujo marco histórico é o dia 10 de abril de 1995, data em que o Ministro das Comunicações, Sérgio Motta, recebeu, em audiência, um grupo de representantes de rádios livres e comunitárias. Nessa ocasião ele reconheceu, publicamente, a existência de milhares de emissoras de baixa potência em todo país e assumiu o compromisso de regulamentar seu funcionamento. (PERUZZO, 1998, p.5) Assim, em 1998, o governo brasileiro criou a lei 9.612 para regulamentar o segmento dessas rádios no país. Essa lei estabelece que as comunitárias “tem por finalidade o atendimento à comunidade beneficiada, com vista á criação de oportunidades de idéias, difusão cultural (...)”, devem ter “programação com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas.” Muitos estudiosos e, principalmente, radioamadores, consideram essa lei contraditória e excessivamente burocrática. Essas opiniões se baseiam no fato de que a 9.612/98 limita as possibilidades dessas emissoras se manterem, já que veta a busca por comerciais, há imposições a respeito da faixa, da potência, do alcance etc. Afirma-se que a lei é rigorosa demais com as emissoras de baixa potência, não só porque incentivam e promovem a disseminação da informação e da cidadania, mas porque contrariam os interesses das grandes emissoras comerciais que não aceitam perder audiência, espaço político, muito menos dinheiro da publicidade. As rádios comunitárias são comumente batizadas de piratas por aqueles que são contra o movimento (entende- se aqui por governo, redes e empresas que controlam os meios de comunicação), pois, segundo Peruzzo (1998, p. 7), “são portadoras de um conteúdo político que amedronta os três poderes constituídos”. Enfim, é evidente que a disseminação das rádios comunitárias no país não se pauta apenas no fato de o rádio ser um instrumento de longo alcance, mas, principalmente, porque a emissora comunitária tem papel de mobilizar, promover e incentivar o desenvolvimento e a transformação na comunidade na qual está
  • 28. 28 inserida. A emissora comunitária tem um caráter diferenciado, pois não objetiva apenas entreter o ouvinte, mas contribuir para o desenvolvimento da comunidade, incentivando a cultura, a democracia, a transparência na administração pública, além de ser uma porta-voz da população. Para cumprir todas essas metas, a rádio comunitária deve ter uma associação comunitária para geri-la, uma programação diferenciada e atender a diversas exigências legais. “A rádio comunitária é a porta- voz da gente, do ser humano, do povo. O que ela fizer, o que for dito, é a voz da comunidade lá - com seus erros e seus acertos.” (LUZ, 2001, p. 27) No entanto, nem toda rádio que se denomina comunitária o é de fato. Cecília Peruzzo (1994, p. 9) diz que existem pelo menos quatro tipos de emissoras que se intitulam comunitárias; as que são eminentemente comunitárias, que seguem um modelo de gestão e participação popular, sem fins lucrativos; aquelas que são controladas por poucas pessoas, têm um dono, mas prestam algum tipo de serviço a comunidade; há ainda aquelas que mantém uma programação bem semelhante as emissoras comerciais, sem vínculos com a comunidade local e também existem as rádios que se dizem comunitárias, mas que são ligadas à políticos ou candidatos à cargos eletivos, que se utilizam do rádio para fazer campanha eleitoral. Essa variedade de comportamentos pode confundir e até mesmo incentivar o uso de termos pejorativos para com as emissoras realmente comunitárias, ou seja, aquelas rádios que são um produto da comunidade, que não tem fins lucrativos, que tem uma programação interativa com a participação direta da população, valoriza e incentiva a cultura local etc. Diversos autores concordam com essa classificação feita por Peruzzo, entre eles Denise Cogo e Augusto Coelho. No entanto, há pesquisadores mais flexíveis e com uma visão menos carregada de ideologia, que
  • 29. 29 se pautam na observação de cada realidade. É o caso de José Ignácio Vigil que considera rádio comunitária aquela que Quando uma emissora promove a participação dos cidadãos e defende seus interesses; quando responde aos gostos da maioria e faz do bom humor e da esperança a sua primeira resposta; quando informa com verdade; quando ajuda a resolver os mil e um problemas da vida cotidiana; quando em seus programas são debatidas todas as idéias e todas as opiniões são respeitadas; quando se estimula a diversidade cultural e não a homogeneização mercantil; [...] quando não se tolera nenhuma ditadura imposta pelas gravadoras; quando a palavra de todos voa sem discriminações ou censuras – essa é uma rádio comunitária. (VIGIL, 2003, p. 506) Essa visão realista sobre a atuação das emissoras comunitárias percebe a impossibilidade de se enxergar a comunicação popular apenas sob uma perspectiva positiva, levando em consideração que não se trata de uma receita única de fazer rádio, é preciso perceber diferentes níveis de atuação, de acordo com a realidade de cada território. A própria Associação Mundial de Rádios Comunitárias (AMARC) concorda que a classificação dessas rádios é variada. rádio comunitária, rural, rádio, rádio participativa, rádio livre, alternativa, popular, educativa... se as estações de rádio, as redes e os grupos de produção que constituem a AMARC se referem a elas mesmos por meio de uma variedade de nomes, suas práticas e perfis são ainda mais varia dos. (BAHIA, 2006) Assim, para qualificar uma emissora como comunitária ou não é preciso se considerar os diferentes níveis de atuação desta, levando-se em conta as dificuldades financeiras, técnicas e humanas, a cultura local, a realidade de cada comunidade. Podemos dizer então que se uma rádio pode não ser gerida pela comunidade local, mas apresenta uma programação interessante e presta serviço comunitário ou outra que é gerida por um conselho comunitário, mas ainda não
  • 30. 30 conseguiu fazer uma programação que valorize a cultura local, elas não deixam de ser comunitárias, apenas atuam em diferentes níveis de atuação comunitária. A programação da rádio comunitária é outro assunto que gera debates e diversos autores estudam e opinam sobre qual seria a programação ideal para esse tipo de emissora. Segundo Luz (2001), a grade de programas de uma emissora desse tipo deve ser diversificada, plural, prestar sempre serviço comunitário a população e transmitir cultura. Mas a realidade é um pouco diferente, pelo menos na maioria das rádios comunitárias da região sisaleira, já que os programas musicais são os mais presentes e ocupam quase todo espaço na programação, pois o custo de produção é mais baixo e essas emissoras costumam operar com muito pouco dinheiro. Reconhece-se que algumas emissoras comunitárias reproduzem o modelo de emissoras comerciais no que se relaciona com conteúdo musical, que se estende por horas seguidas, intercalado com rápidas inserções para recados e diálogos comunitários. Em muitos casos, os próprios coordenadores das rádios admitem esta prática para não perderem a audiência para as emissoras comerciais, sendo obrigados, portanto, a mesclar a programação que, de acordo com o projeto, deveria focalizar questões voltadas para o desenvolvimento 2 sócio-econômico e cultural da sociedade. (BAHIA, 2010 ). A discussão então gira em torno de que música se deve tocar numa rádio comunitária. Sabe-se que as rádios comerciais seguem a lógica do mercado e da indústria cultural, tocam o que vira sucesso, as músicas que são mais massificadas nas grandes emissoras e que logo caem no gosto popular. “Em geral, os sucessos se identificam com as listas que as gravadoras promovem.” (VIGIL, 2003, p. 343) Essa é a lógica das comerciais, pois estão numa busca constante e desenfreada 2 Não foi possível encontrar a data de publicação do texto.
  • 31. 31 pela audiência. O que interessa no meio comercial é ter muitos ouvintes e consumidores em potencial, para que através da publicidade essas rádios possam se sustentar. As rádios comerciais são, principalmente, emissoras para entretenimento, por isso sua programação é quase toda musical. Dioclécio Luz afirma que as rádios comunitárias devem tocar músicas que fogem dessa linha da indústria cultural, da fábrica de sucessos. “Devemos ouvir músicos independentes, aqueles que estão mais preocupados em fazer arte do que repetir o que se toca por aí.” (LUZ, 2001, p.76). Para ele, a rádio comunitária deve incentivar a divulgação dos trabalhos dos artistas local e o locutor deve ter um papel de educador do gosto popular. Essa é uma linha um tanto perigosa de se seguir, pois trabalhamos aqui com o valor e poder da diversidade cultural. O rádio invade as casas e leva em todas as direções uma quantidade infinita de produção cultural e julgar a qualidade, o valor ou o que quer seja dessa produção é um trabalho complexo e minucioso que varia de olhar para olhar, de pessoa pra pessoa, de cultura pra cultura. Não cabe aqui uma análise desse tipo, pretende-se apenas saber como a música tocada numa rádio comunitária interfere na desterritorialização do sujeito dessa comunidade. Numa visão um pouco mais ampla, Vigil (2003) traz uma reflexão interessante quando afirma que o desafio das emissoras consiste em atender as preferências musicais do público, ao mesmo tempo em que oferece alternativas que permitam ampliá-los. O autor chama a atenção para o fato de que o radialista e os produtores de programas radiofônicos não devem se prender a moralismos exagerados, pois há de se levar em conta que os gostos variam e as sensibilidades também. As rádios comunitárias devem tocar de tudo um pouco, privilegiando as canções de bom gosto e qualidade. E a música internacional deve ser tocada na programação musical de
  • 32. 32 uma emissora comunitária? Segundo o autor todo estilo pode ser tocado. “Não há lugar para racismo musical. Não é preciso negar o que é de fora para afirmar o que é nosso. (...) Cabe ao bom senso do radialista manter esse sábio balanço entre as nacionalidades dos discos.” (Vigil, 2003, p.345) Todas essas definições são pertinentes e devem ser praticadas, contudo, o que acontece na prática é que muitas rádios comunitárias, quando se trata de música, acabam repetindo os formatos dos programas das emissoras comerciais, tocando as canções de sucesso no momento, atendendo as demandas do mercado fonográfico sem se esforçar para cumprir um de seus deveres que é valorizar e promover também a cultura local. A rádio comunitária deve tocar de tudo, sabendo dosar as proporções e lutando para fugir da guerra da audiência e do comodismo do servilismo musical. Além disso, não é só colocar uma música no ar e pronto. É preciso criar estratégias para que a programação se mantenha interessante, manter o equilíbrio entre os gêneros tocados, misturando os ritmos, combinando-os para manter um programa vivo e atraente como o é o próprio rádio. É necessário atender aos pedidos da população, mas não ser escrava desses pedidos. A programação da emissora comunitária deve deixar claro o perfil da rádio, ou seja, definir seu papel específico diante de seu ouvinte para que este seja atraído pelo que a emissora tem de melhor.
  • 33. 33 2 . O local e o rádio: a Valente FM e seu território de atuação O rádio cria laços com a comunidade na qual está inserido e, se tem caráter comunitário, é também o porta-voz do cidadão. No interior, em regiões mais afastadas dos grandes centros urbanos, o rádio é mais que companhia, é também um representante das lutas e anseios da população local. A região sisaleira da Bahia, localizada no semi-árido nordeste do estado (a pouco mais de 200 km de Salvador), com quase 800 mil habitantes distribuídos em 25 municípios, é uma prova da importância do rádio no desenvolvimento de um território. Com um clima seco e uma vegetação caracterizada pela caatinga, cerrado e vegetação arbórea aberta, a região tem como principal atividade econômica o cultivo e comercialização do sisal. É um território culturalmente diversificado, que carrega ainda fortes traços das manifestações tradicionais do sertanejo nordestino como o reisado, a literatura de cordel, a festa da Quixabeira etc. É também uma região conhecida por ter um movimento social atuante e diversas entidades de associativismo e cooperativismo espalhadas por seus municípios. Por ter um caráter tão mobilizador, o movimento das rádios comunitárias floresceu por aqui no início dos anos noventa e muitos municípios passaram a ter uma emissora comunitária atuando na comunidade. Isso trouxe para o território um novo olhar sobre a importância da comunicação no desenvolvimento de uma sociedade. Incentivado pelo sucesso dessas rádios na região, o movimento social passou a experimentar e investir em iniciativas que favorecessem a comunicação social no território. O Movimento de Organização Comunitária (MOC) , organização não- governamental que atua na região há mais de quarenta anos e apóia as rádios
  • 34. 34 comunitárias, foi um dos primeiros a desenvolver um projeto voltado para a área. No final de 2001 e início de 2002 lançou, em parceria com outras entidades da região e o Instituto Credicard, o projeto Jovens Comunicadores, no qual vinte e sete jovens de nove municípios da região foram capacitados para trabalhar e assessorar a sociedade civil organizada na área de comunicação. Com oficinas teóricas e práticas, os jovens aprenderam a fazer e pensar programas de rádio e boletins informativos que debatessem assuntos importantes para o desenvolvimento da região, como por exemplo, cultura, políticas públicas, participação e cidadania etc. O projeto durou três anos e como resultado trouxe para a região sisaleira a Agência Mandacaru de Comunicação e Cultura (AMAC). Criada em julho de 2005, por quinze jovens oriundos do projeto Jovens Comunicadores, a AMAC, sediada no município de Retirolândia, produz diversas peças que são veiculadas nos meios impressos, radiofônicos, virtual, em vídeo e fotos. Os produtos da Agência procuram dar visibilidade às iniciativas do movimento social, aos assuntos ligados ao bem-estar da criança e do adolescente, aos direitos humanos etc, seu maior parceiro é o MOC. Praticamente nesse mesmo período de planejamento e criação da AMAC, outra entidade “nasceu” na região. Em 2004, foi criada a Associação de Rádios Comunitárias do Sisal (ABRAÇO-SISAL) com o objetivo político de contribuir para a efetivação de oportunidades locais de democratização da comunicação na região sisaleira da Bahia, passando a existir juridicamente em 2005, com a realização de uma Assembléia Geral para aprovação de seu marco legal, eleição e posse da diretoria e construção do seu planejamento estratégico. Na prática, a ABRAÇO- SISAL presta uma espécie de assessoria às rádios comunitárias afiliadas, fornecendo capacitação para locutores, diretoria e gestores, além de discutir, defender e orientar as emissoras nas questões ligadas à legalização. Atualmente a
  • 35. 35 ABRAÇO-SISAL atua diretamente em quinze municípios do território sisaleiro. Sem fins lucrativos, a associação conta a parceria de diversas entidades do movimento social. Outra entidade da sociedade civil organizada que também vem tentando desenvolver algum trabalho relacionado à comunicação é o Conselho Regional de Desenvolvimento Rural Sustentável da Região Sisaleira da Bahia (CODES-SISAL). Em fevereiro de 2008, o CODES-SISAL elaborou um plano territorial de desenvolvimento determinando seis eixos prioritários de desenvolvimento, entre eles o da comunicação. Este eixo tem por finalidade buscar o fortalecimento das entidades do movimento social do território do sisal em relação às ações ligadas à comunicação a nível interno e externo. Como se pode notar, o movimento social da região sisaleira, incentivado pela atuação das rádios comunitárias, vem, ao longo dos últimos anos, ampliando suas ações no que se refere à comunicação. É possível destacar em meio aos municípios da região, as ações ocorridas na cidade de Valente, que sediou até o ano 2009 a ABRAÇO-SISAL, é sede do CODES-SISAL e possui uma das mais antigas emissoras comunitárias no ar. Valente está localizada a 240 km da capital, e é uma típica cidade do interior. Segundo o IBGE possui aproximadamente vinte e dois mil habitantes, tendo sua economia baseada no cultivo do sisal e na agricultura familiar. Além dessas atividades o município é ainda impulsionado economicamente por duas grandes empresas: a Via Uno (empresa de calçados) e a Associação de Desenvolvimento Sustentável e Solidário da Região Sisaleira (APAEB-Valente), empresa que comercializa sisal e seus artefatos. O município é reconhecido pela força do movimento social e organização popular mantendo até hoje diversas entidades
  • 36. 36 atuantes na luta por uma sociedade mais justa e igualitária. Segundo Elenaldo Teixeira (2001), A base do processo organizativo da sociedade de Valente concentra- se no meio rural, entre os pequenos produtores e trabalhadores sem terra, em torno de cerca de 50 associações comunitárias, situadas nos povoados. (...) Merece destaque o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais, que além de atuação especificamente sindical, com forte liderança (...) realiza capacitação, educação e discussão política sobre a problemática da mulher. (TEIXEIRA, 2001, p 175). Foi a partir dessa articulação da sociedade civil organizada de Valente e do território, e da necessidade de se comunicar de forma mais aberta e democrática que o movimento social e a organização popular passaram a contar com o rádio como instrumento de mobilização e transformação social na região. Segundo a pesquisa realizada pelo professor Antonio Dias (2005), as rádios comunitárias „nasceram‟ no território do sisal a partir de dois contextos: pela mobilização dos movimentos sociais que precisavam se comunicar melhor com suas bases e pela iniciativa privada. “O principal objetivo nesta investida era o de “dar voz ao povo”, ou seja, de construir um espaço onde a comunidade pudesse ouvir a si mesma e onde as entidades pudessem conversar e discutir com ela, além de informá-la.” (DIAS, 2005, p.24) A Rádio Comunitária Valente FM foi fundada em fevereiro de 1998, época em que o país estava com um forte movimento pela legalização desse segmento. Algumas entidades da sociedade civil local (APAEB-Valente, Sindicato dos Trabalhadores Rurais, Fórum da Cidadania etc) discutiam esse projeto há mais de dois anos. Os preparativos para implantação da rádio comunitária foram coordenados por representantes da APAEB, que cuidaram do envolvimento de outras entidades para cuidar da Associação. A entidade também financiou os
  • 37. 37 treinamentos iniciais. A programação musical consistia (e ainda hoje é assim) em tocar de todos os estilos um pouco; o sucesso da mídia, forró, internacional, música de artistas da cidade e da região etc. Para o jornalismo foram planejados boletins de hora em hora, um jornal pela manhã e um rádio revista de uma hora, ao meio dia. Além dessa programação, sempre que o locutor “abria o microfone” deveria ler avisos da comunidade. O programa jornalístico começou um mês após a rádio ter entrado no ar, em abril de 98, e foi planejado para ter notícias locais, regionais, estaduais e nacionais. Eram mais notícias policiais, sobre realizações da sociedade civil e acompanhamento de reuniões, ainda sem muitas críticas e cobranças ao poder público. Com o tempo isso mudou um pouco e as denúncias e investigações sobre as ações do poder público local se tornaram pauta constante no programa jornalístico. Em muitos anos de atuação a emissora, assim como muitas outras da região e do país, passou por muitas perseguições políticas e também pela ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações), que diversas vezes lacrou a rádio, carregou seus equipamentos e, algumas vezes, em ação conjunta com a Polícia Federal, agrediu seus locutores. A pesquisa realizada pelo professor Antonio Dias (2005), relata essa fatos através de entrevistas Depois vieram com a presença da polícia, não se identificaram que era a polícia, o prédio não funcionava aqui na época, mas tinha inclusive uma testemunha, coincidentemente tinha um ouvinte no momento que eles arrombaram, presenciou o fato... E eram vários policiais acompanhados de fiscais da Anatel que, como falei, não se identificaram, foram muito ousados,mandava abrir: „abra logo, que é que você quer ainda aqui perguntando nada, abra logo, largue de conversa, viemos buscar isso aqui‟... Foi o que eu entendi, perguntei, explorei, mas quem é e quem são, não se identificaram. E aí, fechei, depois eles pularam o portão do muro, depois quebraram a porta que dá acesso ao interior da rádio e aí já chegaram mesmo me batendo mesmo, me agredindo, entendeu, no meu pescoço, me empurraram sobre paredes, me algemaram... E enfim, queriam que eu desse
  • 38. 38 depoimentos, entregasse pessoas lá mesmo, na maior pressão (ENTREVISTADO VALENTE FM, 2004). Foram muitos anos de luta pela liberação da autorização para que a Valente FM pudesse atuar de maneira legal, ou seja, com a permissão emitida pelo Ministério das Comunicações. Na verdade, a luta pela outorga é um dos maiores desafios das emissoras comunitárias, que encontram em seu caminho excesso de burocracia e disputa política. A Rádio Comunitária Valente FM somente conseguiu a outorga depois de quase cinco anos de luta, apesar de a Lei 9.612, que institui o serviço de radiodifusão, ter sido criada em 20 de fevereiro de 98. Em outubro de 2002, a emissora recebeu a outorga do Ministério das Comunicações. Era uma autorização provisória, enquanto a matéria não era votada pelos deputados no Congresso Nacional. Nesse período, a ABRAÇO-SISAL participou de manifestações e reuniões com representantes do governo na tentativa de conseguir outorga para algumas emissoras da região, entre elas a da Valente FM. Finalmente, em 15 de outubro de 2003, o Congresso Nacional aprovou a outorga da Rádio Comunitária Valente FM. Em mais de onze anos de atuação a Valente FM ganhou credibilidade na comunidade principalmente devido ao seu programa jornalístico, o Rádio Comunidade, que já foi um dos mais ouvidos da região. Hoje a equipe da Rádio é composta de acordo com cada núcleo de trabalho (Jornalismo, Locução dos DJs e Direção). Existe um coordenador de Jornalismo, que define as pautas, encaminha os repórteres e supervisiona a produção das matérias. Diferente de outras redações de radiojornalismo, a reunião de pauta não é uma prática comum na emissora, geralmente os próprios repórteres definem suas matérias ou o coordenador determina qual será a matéria. Os repórteres realizam as matérias nas ruas,
  • 39. 39 enquanto um editor de textos realiza a clipagem de notícias dos jornais, definindo o que deve ir ao ar, editando os textos, e transpondo a linguagem para a radiofônica. Há ainda os apresentadores que fazem o papel de âncora no programa jornalístico. Os próprios repórteres editam suas matérias. O programa já possui o roteiro base onde serão inseridas, pelo editor de texto, as manchetes dos principais jornais de país, os textos obtidos com a clipagem, além de notas de interesse da comunidade. Esse trabalho é realizado pelo editor durante toda manhã, e só se encerra ao final do programa jornalístico, no início da tarde. Os fatos e notícias que serão objeto de matérias são definidos conforme critérios pré-estabelecidos pela equipe jornalística da rádio, e que tem a ver com a “missão da Rádio”, as notícias se referem normalmente a atividades do movimento social, do poder público, a fatos e assuntos de interesse da região, com destaque ao local, além de temáticas como saúde, educação, cultura e economia. Geralmente nas chamadas do roteiro destacam-se as locais, três regionais, três nacionais e uma internacional. As fontes de informações para equipe de jornalismo da rádio são mais diversas, desde os jornais escritos do estado e do país (principalmente os sites dos jornais exemplo do A Tarde, Tribuna da Bahia, Correio da Bahia, Folha de São Paulo, I Bahia, MOC, Agecom, etc) para matérias de contexto nacional e/ou estadual. Quanto ao que acontece na região, o “rádio escuta”, e a parceria (não formalizada) com diversas rádios comunitárias da região são as principais fontes de informação (Sabiá FM, Agência Kalila, Baianinha, Contorno FM, dentre outras). Em suas pautas a rádio conta ainda com a colaboração de líderes comunitários e da população em geral. [...] o programa rádio comunidade, que é um dos mais ouvidos, badalados aqui na comunidade. Porque é essa forma que Toni
  • 40. 40 coloca, é de denúncia, é de chegar e apertar o prefeito mesmo, o vereador, o porquê não foi feita as ações, de chegar e apertar o sindicato, a Apaeb, enfim, ou até mesmo as associações. Então a rádio tem o seu caráter lá, comunitário, que não tá atrelado a político, nem à associação, nem a sindicato e nem a nada, tá fazendo o seu papel que é de botar as informações com transparência, com responsabilidade, mostrando as duas visões: a que tá errada e a que deveria está sendo feita certa (ENTREVISTADO VALENTE FM, 2004). Em termos financeiros a Valente FM vende espaços para propagandas, chamadas de apoio cultural, e para programas terceirizados. Além disso, recebe apoio financeiro de algumas entidades sociais do município. O maior apoio vem da APAEB- Valente. A influência do público - que abrange a Zona Rural e sede do município de Valente - na programação é inevitável, toca-se o que as pessoas querem ouvir. Quando se trata das notícias, não há participação direta no jornalismo, ainda que a população, principalmente a sociedade civil, paute a rádio em boa parte das matérias locais. A influência dos patrocinadores é pequena, com exceção da entidade que mais contribui com a rádio (APAEB-Valente), que tem direito a um programa, a anúncios sem custo algum, além de exercer maior influência nas decisões da diretoria em relação às demais entidades que a compõe. A relação da Rádio Valente FM com o poder público local é um tanto tumultuada, pois, freqüentemente, a emissora faz denúncias e investigações que nem sempre agradam ao executivo e legislativo. Além disso, há um entrave muito forte nessa relação por a Valente FM ser vista por parte da população e pelo poder público como uma emissora da APAEB - Valente, uma instituição que é oposição do governo municipal. Nenhum diretor da Apaeb nunca chegou pra pressionar qualquer um da gente. A gente já fez matérias – inclusive, Cléber que é o chefe de Jornalismo do programa “rádio comunidade” pode reforçar isso – a gente já botou matérias contra a própria Apaeb, pessoas reclamando
  • 41. 41 de alguma coisa que não tá legal na indústria, de alguma matéria contra um diretor, a gente já colocou isso no ar (ENTREVISTADO VALENTE FM, 2004). Embora seja afiliada a ABRAÇO-SISAl, a Valente FM não participa das atividades e discussões promovidas pela entidade e se mantém afastada das ações do CODES-SISAL. Segundo Cléber Silva, coordenador de jornalismo da emissora, “esse afastamento das atividades tanto da ABRAÇO-SISAL quanto do CODES- SISAL não provocam atritos na relação da rádio com essas entidades”3. A rádio é ainda sócia da AMARC Brasil e geralmente participa das discussões através de Cléber Silva, que também é sócio da entidade. Ao longo dos anos, a rádio Valente FM passou por muitas transformações, com períodos de muita popularidade e jornalismo de ótima qualidade, do mesmo modo que passou por períodos difíceis como diminuição de funcionários e falta de recursos financeiros, o que acarretou numa perda de qualidade na programação e produção dos programas. Por um período, a emissora ficou sem uma diretoria atuante, ficando a cargo de seus funcionários. Em 2006, com a entrada do presidente José Melquiades de Oliveira, foi feita uma mudança no estatuto da rádio, dando maiores poderes ao presidente e gerente. A partir daí a rádio teria um presidente mais presente, um tanto centralizador e arbitrário, mas que conseguia colocar um mínimo de organização nos trabalhos, ajudando a Valente FM a seguir adiante. Outra mudança no estatuto aconteceu em janeiro de 2009, quando a associação que gere a rádio passou a ser uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP), permitindo assim que pessoas físicas e jurídicas se associem à emissora; que a associação 3 Informação concedida por Cléber Silva através de entrevista realizada em dezembro de 2009.
  • 42. 42 possa pleitear projetos; receber doações de recursos físicos, humanos e financeiros etc. A programação da Valente FM é basicamente formada por programas musicais, um de jornalismo e um esportivo, como podem ser verificados no quadro abaixo: HORÁRIOS PROGRAMAS CARACTERISTICAS 5:00 ás 8:00 Vozes da Terra Toca músicas regionais, forró pé-de-serra, artistas locais, sertanejo raiz. Com o locutor Gel Santos. 8:00 ás 11:30 Ligação Direta Toca de todos os estilos, sucessos do modo, conta com a participação dos ouvintes através dos pedidos por telefone. Locução de Gel Santos. 11:30 às 12:00 Conversa da Gente Programa terceirizado em estilo revistas que traz notícias da instituição (APAEB- Valente) e assuntos variados. Toca muita música, principalmente internacionais, sucessos e artistas locais. 12:00 às 13:00 Rádio Comunidade Jornalístico com notícias locais, regionais e nacionais 13:00 as 14:00 FMPB Programa que toca apenas música popular brasileira. As vezes tem locutor apresentando e as vezes é apenas uma programação do playlist. 14:00 às 18:00 Show da Tarde Programa comandado por Tony Sampaio, toca de todos os estilos, sucessos do modo, conta com a participação dos ouvintes através dos pedidos por telefone. 18:20 às 19:00 Bola na Rede Programa com notícias do esporte local, regional e nacional. 19:00 às 20:00 Retransmissão da Hora do Brasil 21:00 as 23:00 Noite de Sucessos Os sucessos do momento e as músicas românticas.
  • 43. 43 Atende pedidos por telefone. Locutor Lecildo Silva. 23:00 às 6:00 Músicas programadas no playlist, prioriza-se as românticas e internacionais. Aos domingos pela manhã tem o programa do Sindicato dos Trabalhadores e Agricultores Familiares de Valente, com notícias da instituição e de interesse dos associados. Observando a programação da emissora, percebe-se que não é muito variada seguindo a linha de muitas outras rádios comunitárias da região que carecem de maiores investimentos financeiros e humanos para levarem ao ar uma grade mais diversificada, pois fazer programas diferentes e com qualidade exige recursos e estrutura, o que nem sempre esse tipo de emissora dispõe. Na verdade, a programação da emissora, principalmente o espaço disponibilizado para a música, se assemelha as rádios comerciais, embora existam espaços dedicados a produção local e de artistas da região, além da emissora não receber das grandes gravadores nenhum incentivo financeiro para isso. Sob aspectos acadêmicos, a Valente FM poderia ter sua nomenclatura de comunitária questionada e reavaliada, pois não se encaixa perfeitamente em todas as categorias elencadas por estudiosos na classificação dessas rádios. No entanto, já se discutiu aqui nesse trabalho que existem níveis de atuação comunitária e isso é determinado por variados fatores. Embora seja relevante discutir um pouco sobre o tema, não é interesse desse estudo aprofundar a análise sobre o caráter comunitário ou não dessa emissora, mas analisar as músicas tocadas na programação. Esse assunto será abordado no próximo capítulo.
  • 44. 44 3. A música que vai ao ar A intenção desse capítulo é analisar a programação musical da Rádio Comunitária Valente FM, tentando perceber e refletir a presença e influência que essa programação exerce sobre aspectos como cultura e desterritorialização, bem como a relação entre local e global. Para melhor encaminhamento do trabalho foi feito um recorte na programação analisada selecionando para estudo o programa Ligação Direta, que vai ao ar de segunda a sábado das 8:00 ás 11:30 da manhã, e foi ouvido por uma semana, dos dias 16/11 a 20/11/2009. O Ligação Direta foi escolhido por ter um público ouvinte bem variado; por publicizar todos os estilos musicais e por ser, segundo a própria equipe da rádio, o programa musical de maior audiência da emissora. Além de tudo isso, pesquisas realizadas pelo IBOPE 4 (Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística) em diversos estados do país, inclusive na Bahia, comprovam que o horário matutino possui uma grande audiência. Pensado para veicular todos os estilos musicais, o programa Ligação Direta segue exatamente essa linha, toca o que o ouvinte pede e o que é sucesso no momento. É assim desde o surgimento da rádio, quando o nome do programa matutino era Show da Manhã. A mudança dos nomes do programa aconteceu em abril de 2008, quando numa reunião entre funcionários decidiu-se mudar um pouco a imagem emissora, fazendo novas vinhetas e rebatizando os programas. A maior transformação aconteceu mesmo no horário da manhã, os programas Bom Dia Sertão e Clube do Forró fundiram-se, transformando-se em Vozes da Terra, 4 Informação retirada do site www.ibope.com.br, acessado dia 22 de janeiro de 2010.
  • 45. 45 dedicado aos artistas locais, regionais, a música sertaneja e ao forró pé de serra, que vai ao ar das 6:00 ás 8:00. Em seguida vem o Ligação Direta, que foi ao ar pela primeira vez em maio de 2008 e é uma remodelagem do antigo programa (Show da Manhã). Segundo o locutor Gel Santos, a mudança mais significativa entre os dois programas foram as vinhetas novas, que deram uma renovada na programação, com mais qualidade, atraiu ainda mais o público e deu um novo ritmo ao programa. A emissora é gerida por um diretor- presidente e mais três diretores. O diretor- presidente José Melquiades está à frente da rádio há três anos e foi um dos mobilizadores pela mudança na imagem da emissora, por reforçar essa preocupação com as músicas tocadas na emissora. Com uma visão um tanto conservadora, Melquiades diz que tenta conscientizar os locutores sobre a música de qualidade e por isso, admite que já interferiu na programação mandando suspender determinadas músicas. Segundo a equipe, hoje não é mais necessária essa intervenção direta, cada um já tem noção do que deve ir ao ar ou não. Embora os aspectos relacionados à gestão e planejamento da programação musical não tenham sido aprofundados aqui, vale ressaltar que eles são importantes para a análise do que é veiculado no programa, além de servirem como norteadores desse trabalho que busca refletir e perceber aspectos da cultura popular, dos processos de desreterritorialização, as relações estabelecidas entre o local e o global na programação da emissora. É com base nesses elementos que é possível observar as tentativas de territorialização ocorridas nesse processo, na medida em que as pessoas tentam atender aos seus desejos, reterritorializando-se. O Ligação Direta é comandado por Gel Santos, 26 anos, que está há sete anos na emissora, a frente da programação musical matutina. Adepto da locução coloquial, aquela em que o locutor fala de igual pra igual com o ouvinte,
  • 46. 46 considerando-o um amigo especial, Santos é um locutor jovem, que tem um ritmo dinâmico dando ao programa um ar mais descontraído e alegre. Faz uma locução típica das emissoras FM, comunitárias ou não, sem utilizar palavras rebuscadas ou formais, lendo sempre os recados mandados pela população e as notas de prestação de serviço comunitário. Para Gel Santos, “o trabalho do locutor não é só está aqui tocando músicas, mandando alô, é também ser amigo do ouvinte e fazer com que ele entenda que a gente segue uma linha e tem música que não é legal, por isso não é tocada.”5 O programa Ligação Direta foi idealizado para apresentar uma maior variedade de canções, já que tem um público mais diverso e jovial, que acompanha, principalmente, os sucessos do momento. A questão é que a rádio executa todos os estilos, mas não qualquer música dentro desse estilo. Os locutores seguem uma linha proposta pela direção para não tocar músicas com sentido ambíguo, que façam apologia as drogas, sexo, violência etc, eles devem observar as letras e filtrar aquilo que vai ao ar, mesmo que o ouvinte peça, os funcionários explicam que a emissora não tem a canção pedida e sugerem outras opções no mesmo ritmo, às vezes até do mesmo artista, mas que não vá contra os princípios determinados pela rádio comunitária. “Toca tudo, toca o que o público pede. A única coisa que a gente pede é que não toque determinadas músicas, que façam apologia a raça, cor, religião ou qualquer outra coisa por ser uma rádio comunitária (...) tem muita criança ouvindo a rádio, principalmente na programação de Gel, então a gente pede pra que os locutores não toquem.” (JOSÉ MELQUIADES, presidente da Valente FM, entrevistado dezembro de 2009) 5 Informação concedida por Gel Santos, através de entrevista realizada em dezembro de 2009.
  • 47. 47 A maior parte da programação musical é composta pelos sucessos de artistas explorados no momento pelas mídias, canções que são trilha sonora das novelas e que são muito tocadas nas emissoras comerciais. As produções dos artistas locais e regionais não aparecem muito na programação desse horário, costumam ser tocadas no programa Vozes da Terra, que vai ao ar das 6:00 as 8:00 diariamente. Além disso, a rádio tem uma programação no piloto automático que distribui os mais variados tipos de música, e os locutores tentam garantir que essas produções locais/regionais façam parte do playlist. Essa programação pré-selecionada vai ao ar diariamente a partir das 22:00 horas, nos fins de semana e feriados. Segundo Santos, o gosto pessoal do locutor não interfere tanto na escolha das músicas, a programação é definida pelo ouvinte que liga e escolhe o que quer ouvir. No entanto, nem sempre é possível atender aos pedidos e, pode acontecer de não se ter tantas solicitações, assim é evidente que o locutor também coloca outras músicas na grade do programa. No caso da programação em estudo, é possível perceber a influência do gosto pessoal do locutor no número de canções executadas no estilo pop rock, o seu preferido. Para alcançar o objetivo desse estudo, definiu-se analisar a programação observando quais as músicas e os estilos mais tocados, a presença ou ausência da música popular e das produções local e regional e quais as possíveis interferências da própria emissora na seleção das músicas. Considerando esses fatores foi possível identificar, através das músicas veiculadas na rádio, o quanto o global está inserido no cotidiano da comunidade local, influenciando nos processos de reterritorialização e perceber como se dá a valorização e incentivo da produção cultural local. Assim, para saber quais músicas são as mais pedidas na emissora, durante o Ligação Direta, esse estudo analisou as canções tocadas durante a
  • 48. 48 semana de 16 a 20 de novembro de 2009. Nesses cinco dias, foram tocadas em média trinta e nove músicas por programa, totalizando cento e noventa e seis durante a semana. Os ritmos predominantes foram o sertanejo universitário (26,53%), forró eletrônico (15,82%), axé (13,78%), pagode romântico (13,275) e pop rock (10,20%). Também estiveram presentes na programação os estilos: pagode baiano (5,10%), MPB (4,08%), a música pop internacional (3,06%). Outros rimos musicais somaram 8,16%. Percebe-se que, de fato, veicula-se músicas para variados gostos, de diversos ritmos. Um aspecto notado nesse estudo foi que, durante o período de análise, a programação foi feita basicamente com os mesmos artistas. O estilo musical que mais trouxe nomes diversificados foi o sertanejo universitário, já que nesse momento muitos artistas desse estilo estão sendo explorados pela mídia. Outro fator interessante de se perceber foi que a música mais pedida pelos ouvintes (Vem pra cá – Papas na Língua) faz parte da trilha sonora da “novela das oito” Viver a vida, da Rede Globo. O quadro abaixo traz os artistas e músicas mais executadas durante a semana analisada. ARTISTA MÚSICA Papas na Língua Vem pra cá Belo Reinventar Edson e Hudson Foi você quem trouxe Natália Siqueira Você vai voltar pra mim Banda Imortal Mentes tão bem Perlla Beijo de cinema Mariah Carey I wanna know what love is Michel Telo Ei, psiu! Beijo, me liga Anjo Azul Não sou de ninguém
  • 49. 49 Guilherme e Santiago Quando você vem me abraçar Bruno e Marrone Amor não vai faltar Cláudia Leite Horizonte Molejo Voltei Cheiro de Amor Pense em mim Jota Quest Vem andar comigo A lista acima ilustra os artistas e músicas que foram tocadas praticamente a semana inteira. Além desses artistas outros como Harmonia do Samba, Menina Faceira, Jorge e Matheus, Aviões do Forró e Skank também se repetiram ao longo da programação, no entanto, as músicas desses artistas variavam. “em relação a gente tocar as mesmas músicas, eu tô no ar há quase 8 anos e tem gente que liga pra mim e pede a mesma música todos os dias, então a gente acaba se influenciando, de repente o cara nem ligou e a gente já tá tocando. A Valente FM tem essa meta de tocar todos os ritmos, tocar para todos os gostos, mas meu programa não tem jeito... meu programa pela manhã o telefone toca o tempo inteiro e o cara vai pedir a música do momento, ele não vai pedir...sei lá...Djavan, vai pedir Dejavú, Calcinha Preta, infelizmente ou felizmente a gente acaba influenciado pelo ouvinte.” (Gel Santos, entrevistado dezembro 2009) O que fica claro é que o programa Ligação Direta é um espaço de divulgação das músicas que são sucessos do momento, dos artistas que estão nas grandes mídias. É perceptível também a influência que a televisão exerce no momento da escolha do ouvinte. Além da canção do grupo Papas na Língua, aparece também na lista das mais publicizadas a música da cantora internacional Mariah Carey, também presente na trilha sonora da novela global citada anteriormente. Esse aspecto reforça a discussão de como a indústria fonográfica, juntamente com a televisão,