Este documento discute a mediação cultural como forma de promover o acesso aos museus e o direito à memória e educação. Argumenta que todos têm direito à cultura e que educadores, como professores e mediadores de museus, devem usar a arte e cultura para ensinar de forma a promover o diálogo e a expressão livre. Também defende que as escolas devem levar alunos a experiências culturais fora da sala de aula para uma educação mais ampla.
1. Mediação Cultural e Direito à Memória: a mediação cultural como promotora
do acesso aos museus1
Andréia Menezes De Bernardi2
Resumo: O presente texto trata do direito à Educação e à Memória. Refletindo sobre a
legislação brasileira face ao cenário atual em instituições museais, parte de experiências
significativas no âmbito de museus de Arte, enfatizando a atuação de educadores e
profissionais de museus como sujeitos do acesso aos espaços de memória. O percurso
teórico-metodológico, ancorado nas premissas da pesquisa participante, estabelece
interlocução com as áreas da Educação, Sociologia e Arte entre outras, buscando na
articulação dos campos a condução de ações educativas voltadas ao público cativo e
potencial de museus, a entrada para a consecução da ideia de Democracia Cultural.
Apresenta o locus da pesquisa, o Programa Vamos ao Museu?, que visa à promoção do
acesso aos espaços de produção e difusão da memória e da cultura por meio de abordagens
educativas em comunidades escolares.
Para falar de Museus hoje, começaremos falando de direitos. Do direito à Educação e do
direito à Cultura. Incomoda-nos falar de dois conceitos que nunca estão dissociados,
educação e cultura, de maneira fragmentada. Mas, ao consultarmos as leis brasileiras e as
declarações das quais o Brasil é signatário, encontraremos os conceitos ainda desarticulados,
vejamos:
Declaração Universal dos Direitos Humanos, 1948, Artigo XXVII.
§1. Todo ser humano tem o direito de participar livremente da vida cultural da
comunidade, de fruir das artes e de participar do progresso científico e de seus
benefícios.
§2. Todo ser humano tem direito à proteção dos interesses morais e materiais
decorrentes de qualquer produção científica literária ou artística da qual seja autor.
Constituição Federal Brasileira de 1988, Artigo 215: “O Estado garantirá a todos o pleno
exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará
a valorização e a difusão das manifestações culturais.”
Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, 1966, Artigo 15:
1
Comunicação Oral realizada no II Seminário Internacional de Ciência e Museologia: Universo Imaginário:
Escola das Ciências da Informação/UFMG, 2011.
2
Arte/Educadora, mestre em Educação pela Faculdade de Educação da Universidade Federal de Minas Gerais,
FaE/UFMG.
2. §1. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem a cada indivíduo o direito de:
Participar da vida cultural; Desfrutar o progresso científico e suas aplicações;
Beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais decorrentes de toda a
produção científica, literária ou artística de que seja autor.
§2. As medidas que os Estados-partes no presente Pacto deverão adotar com a
finalidade de assegurar o pleno exercício desse direito incluirão aquelas necessárias
à conservação, ao desenvolvimento e à difusão da ciência e da cultura.
§3. Os Estados-partes no presente Pacto comprometem-se a respeitar a liberdade
indispensável à pesquisa científica e à atividade criadora.
§4. Os Estados-partes no presente Pacto reconhecem os benefícios que derivam do
fomento e do desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais no
domínio da ciência e da cultura.
Protocolo adicional à convenção americana sobre direitos humanos em matéria de direitos
econômicos, sociais e culturais, “Protocolo de San Salvador”, 1988, Artigo 14, quanto ao
direito aos benefícios da cultura:
1. Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem o direito de toda pessoa a:
a. Participar na vida cultural e artística da comunidade;
b. Gozar dos benefícios do progresso científico e tecnológico;
c. Beneficiar-se da proteção dos interesses morais e materiais que lhe caibam
em virtude das produções científicas, literárias ou artísticas de que for autora.
2. Entre as medidas que os Estados Partes neste Protocolo deverão adotar para
assegurar o pleno exercício deste direito, figurarão as necessárias para a
conservação, desenvolvimento e divulgação da ciência, da cultura e da arte.
3. Os Estados Partes neste Protocolo comprometem-se a respeitar a liberdade
indispensável para a pesquisa científica e a atividade criadora.
4. Os Estados Partes neste Protocolo reconhecem os benefícios que decorrem da
promoção e desenvolvimento da cooperação e das relações internacionais em
assuntos científicos, artísticos e culturais e, nesse sentido, comprometem-se a
propiciar maior cooperação internacional nesse campo.
Estatuto da Criança e do Adolescente, 1990, Capítulo IV, Art. 58:
“No processo educacional respeitar-se-ão os valores culturais, artísticos e históricos
próprios do contexto social da criança e do adolescente, garantindo-se a estes a
liberdade da criação e o acesso às fontes de cultura.”
Notemos que estes artigos estão desvinculados dos artigos que regem o direito à educação.
É até mesmo interessante que estejamos falando de leis que garantem o direito à cultura.
Como se a cultura fosse algo que está “distante” de nós. Como se “ser culto” fosse algo que
implicasse em experiências privilegiadas de contato com livros, com museus, com
universidades. Não é esta a noção mais comum? Confunde-se cultura com erudição.
3. Todos somos cultos. Cada um com sua bagagem cultural, suas experiências estéticas, suas
práticas culturais. É o que chamamos diversidade cultural, que também configura-se como
um direito. Segundo Boaventura de Souza Santos (2003; 56) “Temos o direito de ser iguais
quando a diferença não inferioriza, e direito de ser diferentes quando a igualdade nos
descaracteriza.”
Assim, se nesta igualdade que não inferioriza, considerarmos que está implícita a igualdade
perante aos direitos culturais, concordaríamos que todos, sem distinção, têm o direito de
conhecer diferentes áreas de expressão artísticas, usufruir dos espaços culturais, da cidade,
participar dos processos de construção de identidades em âmbito local e global. Falaríamos
de sujeitos ativos culturalmente, autônomos, livres e seguros para dizer o que sentem, o que
pensam e o que querem.
Mas, quem serão os responsáveis pela promoção destes direitos? Os educadores, certo?
Pais, familiares, professores, mediadores, agentes culturais, educadores sociais, artistas,
todos os cidadãos podem ser educadores. Porém, se promovemos a educação através da
cultura, precisamos ter, nós mesmos, um repertório, uma gama de experiências culturais. E,
na maioria das vezes, nós não temos.
Não temos porque não fomos educados para conhecer e exigir nossos direitos. Não temos
por que a filosofia não está presente na nossa casa e no currículo para além da história da
filosofia. Não temos por que segundo pesquisas do Ministério da Cultura (BRASIL, 2009; 75)
apenas de 21,9% dos municípios brasileiros possuem espaços de memória.
E quais são os lugares privilegiados da memória social? Onde podemos ensinar e aprender a
Cultura através de registros da História, da Arte, da Ciência? Lugares onde objetos, obras de
Arte, documentos, objetos técnicos, saberes tradicionais, poesias, pessoas, o tudo e o nada,
a dúvida e o questionamento podem co-existir?
Museus, arquivos, centros culturais, casas e pontos de cultura, centros comunitários, ateliês,
cinemas, lugares de produção de cultura imaterial, terreiros e quintais, cidades inteiras,
rodoviárias.
4. Porém, para identificar um espaço de memória é preciso educar o olhar. É, antes, preciso
educar os sentidos: o olfato, o paladar, o tato, a audição e a visão. É necessário que haja
perspectiva de Educação Integral. Que não se preocupe apenas com as áreas do
conhecimento reconhecidas como as mais importantes: a Matemática, o Português, a Física
e a Química, entre outras também importantíssimas, mas que incluam a Filosofia como
prática da reflexão e do diálogo e a Arte como experiência estética, fruição e expressão.
Juntando-se a Arte e a Filosofia e assegurando-se-lhes um espaço verdadeiro no currículo
escolar e nos espaços de produção e difusão cultural, chegaremos ao conceito de Mediação
Cultural. Por que não é possível mediar sem filosofar, sem escutar, sem falar, sem rever suas
posições, sem enxergar o outro, sem correr riscos, sem preferir a dúvida à certeza definitiva.
Um exercício de busca da verdade que aceita que haja verdades e culturas, assim mesmo, no
plural.
Caso contrário estaremos reproduzindo a desigualdade, sem permitir que outro seja, num
sistema de transmissão de conhecimentos, sem deixar espaço para a construção do
conhecimento.
Muitos autores, de Platão e os filósofos clássicos, passando por Vigotski, (1993) até Canclini
(1994) nos falam sobre mediação cultural. A mediação cultural está, definitivamente, na
moda. Mas talvez isso não queira dizer que seja um modismo, a Mediação Cultural e Social
veio para ficar. Se alimentando da realidade, dos problemas, e das soluções, do passado, do
presente e do futuro. Um dos autores que mais nos falou sobre mediação cultural foi, sem
dúvida, o grande educador Paulo Freire. Freire (1987; 68), afirma: “Ninguém educa ninguém,
ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si, mediatizados pelo mundo.” Ao
incentivar a ação cultural para a liberdade, a educação como único caminho para a
transformação, a revisão do papel do professor e do ensinar como um ato político, baseado
na dialogia, Paulo Freire abre todos os caminhos para pensarmos a educação em espaços de
cultura, sobretudo nesses espaços privilegiados que são os museus.
5. O museu é um media. Um meio. Ao expor, não importando se a exposição é de Arte
contemporânea ou de objetos técnicos, de fósseis ou de imagens virtuais, cria um sistema de
comunicação: organiza e dá a ver, e a sentir, uma série de informações. Essas informações
podem ser fruídas, experienciadas, vividas por qualquer pessoa. Podem ser utilizadas para
estabelecer diálogos em qualquer campo do conhecimento. Servir de ponto de partida para
a produção de conhecimento e de novas imagens, de novas paisagens.
Um objeto pode mediatizar. Uma árvore pode mediatizar. Um tênis, uma rachadura na
parede, um caminhão. Depende apenas de quem olha e de como olha. É o olhar que realiza
a mediatização. Em um museu, estamos em relação com diversos estímulos: a região da
cidade, a arquitetura, os sons ou o silêncio, as pessoas que estão visitando, os objetos, as
obras de Arte, aos textos, os materiais impressos, as etiquetas e, em outras camadas, com o
tema, os significados, os sentidos que atribuímos a cada objeto, o que o nosso dia, nosso
estado de espírito nos fez pensar, lembrar ou sentir diante de determinada informação ou
conjunto de informações. São diversas camadas que nos envolvem que nos tocam, ou não.
Tem-se a liberdade de ser ou não tocado pelos objetos/obras. Temos a liberdade e o direito
de chorar de emoção diante de uma obra, de nos indignarmos, de ficarmos chocamos,
impressionados, incomodados. Mas temos também o direito de criar conexões com a nossa
história, com a experiência cotidiana, de lembrar de algo peculiar, de um dia de chuva ou de
uma carta de amor diante de uma obra-prima do modernismo brasileiro.
É esse o trabalho de um mediador cultural que se propõe a educar com a cultura, em
exposições de qualquer natureza. Em museus de qualquer tipologia. Olhar para o público,
receber o público sem fórmulas prontas. Quebrar paradigmas, olhar para o mundo de
maneiras diferentes, todos os dias.
O mesmo aplica-se aos professores de Arte. Com a mesma responsabilidade dos educadores
de museus, guiados pelo mesmo objetivo, orientados pelo código de ética da mediação
cultural, professores de Arte têm que ter experiências estéticas, buscar informações, se
reciclar, experimentar Arte, desenhar, ler, escrever, esculpir, dançar, pensar Arte. E permitir
que os estudantes/visitantes façam o mesmo. Livremente. Estimular a fala, a expressão, a
6. pergunta. Mesmo que para isso seja necessário promover o silêncio absoluto. É como o
conto Zen: numa xícara de chá completamente cheia, não se pode colocar mais chá. Ou seja,
um estudante que já chega a uma exposição com referências em demasia, com roteiros, com
estudos dirigidos, preocupado em anotar datas e ainda encontra um profissional que queira
lhe transmitir dados, teorias e conceitos sobre um período artístico ou intenções do artista
estará tentando colocar chá numa xícara cheia.
Ao contrário, se estudantes são instigados pelo professor a imaginar, refletir sobre temas
relacionados, elaborar perguntas e, do outro lado, o mediador criar ambiente propício para
a fruição, estimulando a troca de opiniões, ouvindo e valorizando todas as impressões,
construindo um verdadeiro diálogo com os visitantes, a xícara de cada um, inclusive a do
professor e a do mediador, será balançada e esvaziada. Pelo menos um pouco. E pode
ocorrer que ela seja esvaziada naquele momento mesmo. Mas pode também ocorrer dias,
meses, anos depois. É imprevisível por que depende de cada um.
Esta educação do olhar, este estado de atenção pode ser trabalhado na escola. As escolas
desempenham papel fundamental na criação de oportunidades de encontro com a cultura.
De momentos de sociabilidade, de aprendizado, de fruição, de experiências diretas. Educar
em outros territórios, fora da escola, significa ampliar as experiências de vida dos
estudantes, significa educar para a diversidade e para a cidadania.
Não é, obviamente, função exclusiva de professores de Arte. Ao contrário, a educação do
olhar deveria ser uma disciplina de todos os cursos, independentemente da área de
conhecimento. Somos analfabetos visuais. Imaginamos pouco. Atribui-se esse estado de
coisas ao fato da Arte/Educação no Brasil ter sido, durante tantas décadas, negligenciada,
deturpada, renegada ao último plano, como um “saber menor”. O resultado são gerações e
gerações de sujeitos que não lêem imagens, que não criticam o mundo, por que
simplesmente não conseguem vê-lo. Mário Quintana (2006; 84) nos premiou com “Ser e não
ser”:
“Para algo existir mesmo –
Um Deus, um bicho, um universo, um anjo –,
7. É preciso que alguém tenha consciência dele.
Ou simplesmente que o tenha inventado.”
Ter consciência. Aprender a ter consciência de si, do outro, do bairro, da cidade, dos objetos,
dos espaços. É, segundo Kastrup (2006; s/p.), a aprendizagem da atenção. Uma atenção de
outra qualidade. Kastrup analisa as práticas de leitura enquanto “experiência inventiva e de
produção de subjetividade”. Fazendo uma analogia com a observação direta de bens
culturais, imateriais ou imateriais, seja em museus, teatros, cinemas, parques ou na rua, esse
contato com as manifestações da cultura é uma “possibilidade de experiência atenta e
inventiva.” Possibilita a manifestação e a produção de subjetividades, pluralidades, quebras,
reconhecimento de espaços vazios, conscientização de si, do outro e do mundo. Pode
resultar igualmente em um movimento de reforço de convicções anteriores, uma espécie de
leitura que espera apenas pela aquisição de informação. Mas pode também se arriscar, se
permitir, colocar-se na beira do abismo e resultar na transformação, na quebra de
paradigmas, na invenção. Voltando à ideia da leitura, poderíamos dizer que essa experiência
não se qualifica pela decodificação, pela compreensão ou da existência de uma “mensagem”
do autor/artista, mas invenção de novas palavras, novas imagens e novos sentidos.
Por isso, num museu, a imagem deve ter privilégio sobre a palavra escrita. A palavra falada,
que deriva, que se contradiz, deve ter privilégio sobre a palavra sábia, que baseada em
estudos e conhecimentos prévios, por mais significativos que sejam impedem o devaneio
necessário à ativação da subjetividade. Manoel de Barros, em seu “Livro das ignorãças”
(2001; 25), nos ajuda a entender a questão de forma bastante simples:
Livro das ignorãças
Poema IX
"O rio que fazia uma volta atrás de nossa casa
era a imagem de um vidro mole que fazia uma
volta atrás de casa.
Passou um homem depois e disse: Essa volta
que o rio faz por trás de sua casa se chama
8. enseada.
Não era mais a imagem de uma cobra de vidro
que fazia uma volta atrás de casa.
Era uma enseada.
Acho que o nome empobreceu a imagem."
Assim, se pretendemos realizar ações culturais e aulas de Arte significativas, devemos
aprender a desaprender. E aprender de novo, outras coisas, com as pessoas: estudantes,
crianças, jovens e adultos de qualquer nível sócio-econômico, com quaisquer bagagens
culturais e experiências estéticas. Se tivermos essa abertura, o diálogo terá maiores chances
de ser instaurado.
Essa democracia cultural, onde todos têm espaço e direito a se manifestar e atuar como
produtor de sentidos, modificando a realidade, foi o que moveu a experiência do Programa
Vamos ao Museu? A pergunta que move o Programa Vamos ao Museu? é “afinal, faz-se
cultura para quantos? Por que temos a impressão de encontrar sempre as mesmas pessoas
em espaços culturais?” As ações de Educação através da Cultura que vemos hoje são tímidas
apesar de representarem significativo avanço propiciado recentemente pelas políticas
públicas e pelas organizações do Terceiro Setor.
Vamos ao Museu? foi elaborado justamente a partir da constatação de que diversos grupos
da sociedade não tem acesso a eventos culturais como exposições, mostras, festivais, shows,
concertos, peças de teatro, entre outros, muitas vezes gratuitos ou com ingressos a preços
populares e realizados em locais públicos. Então, de que acepção de “acesso” falamos? O
Novo Dicionário Aurélio apresenta o verbete: “Alcance de coisa elevada ou longínqua: Nem
todos, infelizmente, têm acesso à cultura.” Inclui igualmente outros significados para a
palavra “acesso”: “ingresso, entrada; trânsito, passagem; chegada, aproximação, entre
outros. Quando nós, do Vamos ao Museu?, falamos de democratização cultural, falamos de
ampliação do acesso às expressões da cultura através de ações educativas voltadas à
formação crítica de um público potencial, pessoas que nunca estiveram em instituições
culturais e que nem mesmo consideram como cultura as manifestações tradicionais e
contemporâneas de suas comunidades. O Vamos ao Museu? respeita a identidade dos
9. grupos participantes e promove o encontro com outras manifestações privilegiando a
diálogo e a troca de conhecimentos. Por isso implica o termo acesso enquanto aproximação
de diferentes manifestações culturais, trânsito livre nos locais de produção e difusão da
cultura, chaves de entrada para a fruição estética e conceitual de qualquer evento cultural
porque baseada na bagagem pessoal de cada um e não em conhecimentos legitimados por
uma minoria que teve mais oportunidades de contato com espaços de educação e de
cultura.
Segundo Canclini (1994; 95) “[...] o efetivo resgate do patrimônio inclui sua apropriação
coletiva e democrática, ou seja: criar condições materiais e simbólicas para que todas as
classes possam encontrar nele um significado, e compartilhá-lo.” Propiciar a atribuição de
sentido às manifestações da cultura, inclusive ao Meio Ambiente – entendido como cultura
enquanto produto da ação do homem –, é uma das formas de preservar o Patrimônio. E
talvez uma das mais importantes porque educa. Para falar em democratização da Cultura,
em acesso, em formação de público, precisamos falar em Educação. Incluir no campo da
cultura a palavra tantas vezes disfarçada, usada com medo, com desconfiança, até pelos
próprios profissionais da área: Educação.
É chegado o momento de promover a inclusão social através da cultura investindo em ações
educativas onde houver ações culturais. Vamos ao Museu? é proposto e realizado pela
Associação AKALA, entidade sem fins lucrativos com objetivos nas áreas da Educação,
Cultura, Geração de Trabalho e Renda e meio Ambiente. Realiza suas ações através de
doações de pessoas físicas, empresas, escolas, instituições públicas e das leis de incentivo à
Cultura, federal, estadual e municipal.
Desde 2006 o programa convida escolas e instituições de cultura a investirem numa relação
que dura no mínimo dois meses e que envolve a formação de professores, estudantes e
comunidades do entorno das escolas.
A intenção é promover, gratuitamente, um encontro qualificado, orientado e ao mesmo
tempo aberto, entre instituições e sujeitos com a Cultura. Todas as ações são planejadas em
conjunto com as equipes das escolas e dos espaços de cultura e a escolha das instituições
10. depende de uma série de variáveis. No caso das escolas, adotamos o critério da inclusão
cultural, escolhemos aquelas que têm menos oportunidades devido a sua localização,
recursos financeiros e pedagógicos. No caso das instituições, depende do tema da edição do
programa, da oferta cultural da cidade naquele período e do perfil da escola em vista, da
faixa etária dos estudantes.
A formação com professores dura cerca de 20 horas e inclui a visita prévia à instituição a ser
visitada pelos estudantes. O trabalho com estudantes é realizado em no mínimo seis
encontros sendo um deles a visita ao espaço. Os outros cinco ou mais são realizados na
escola e divididos entre o antes e o depois da visita. O trabalho com a comunidade é
realizado em um único encontro, a visita.
Segundo Koptcke et all.(2007; 3) o museu “define quem é o visitante digno de entrar, ‘pelos
seus conhecimentos e qualidades’, sugerindo ser aquele um espaço para os já educados,
espaço de sociabilidade e desenvolvimento para os portadores da chave do conhecimento.”
(grifo das autoras) Bourdieu e Darbel (2003) mostraram que “a morfologia e a organização
dos museus detêm um currículo oculto com a função de reforçar em alguns visitantes o
sentimento de pertencimento e, em outros, o sentimento de exclusão.”
Há também a impossibilidade de movimentação e a sisudez de muitos museus, onde há
pouca abertura para a ludicidade. Estruturas de relacionamento com o público em museus,
por vezes não levam esse fato em consideração, solicitando crianças e adolescentes que
contemplem silenciosamente objetos ou obras de arte. Não apenas crianças e adolescentes,
mas visitantes de todas as faixas etárias teriam talvez maior interesse por esses espaços se
fossem convidados a uma participação ativa, como nas visitas dialogadas e lúdicas propostas
por alguns museus, que incluem jogos e brincadeiras e agem numa perspectiva de mediação
cultural voltada para a autonomia e para a liberdade do olhar, incentivando a fala, as
perguntas e a percepção múltipla e aberta, negando a dimensão unívoca em prol da
polissemia e da polifonia, transformando o museu-templo em museu-fórum, proposta em
discussão desde a década de 1960 em todo o mundo, mas que ainda hoje não se realizou
plenamente.
11. Dessa forma, o Vamos ao Museu? trabalha no sentido de quebrar esses paradigmas,
trabalhando de forma crítica e reflexiva a apropriação cultural dos espaços de cultura
através de metodologias que propiciem a significação e o cultivo de laços de pertencimento.
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