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RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1




                                                 JOVENS NA CIDADE

                                                                     PAULO CESAR RODRIGUES CARRANO*

                         1. Introdução
                         O problema central da pesquisa que desenvolvi em minha tese de doutorado1
                         relaciona-se com a investigação de processos educativos que se dão no curso
                         das práticas de lazer dos jovens na cidade. A pesquisa de campo foi desenvolvi-
                         da durante os anos de 1998 e 1999 na cidade de Angra dos Reis. Na pesquisa
                         entrevistei, conversei e estabeleci relações de amizade com jovens que consti-
                         tuem grupos de lazer em torno de signos culturais, interesses comuns e atitudes
                         compartilhadas. Em minhas andanças pela cidade estive com jovens inseridos
                         em diferentes práticas culturais de lazer e tempo tais como as relacionadas com
                         o funk, o skate, o rock, a capoeira, o futebol, a cultura clubber, as religiões católi-
                         ca e evangélica, dentre outras que contribuem para configurar múltiplas identi-
                         dades juvenis na cidade.
                         Trago neste artigo algumas das discussões que emergiram dos estudos que rea-
                         lizei e da análise do material empírico que produzi no desenvolvimento da pes-
                         quisa. Não pretendo assim, fazer um relato minucioso do processo de pesqui-
                         sa, mas levantar questões que considero importantes para o entendimento da
                         realidade dos grupos das juventudes em nossas cidades.

                         2. Sociabilidade e Práticas Educativas na Cidade
                         Ao trabalhar com uma ampliada noção de processo educativo procurei ultra-
                         passar fronteiras disciplinares que separam as usuais noções de educação e cul-
                         tura. A recusa em compreender a educação apenas enquanto o âmbito das
                         aprendizagens institucionais trouxe o desafio de compreendê-la também
                         como processo social de compartilhamento de significados para além dos es-
                         paços instituídos de formação educacional, tais como a escola.
                         As práticas sociais ocorrem em circuitos culturais hegemônicos com sujeitos
                         que, em diferentes ocasiões e das mais variadas maneiras, os confirmam ou a
                         eles se opõem. O mundo do trabalho, as relações familiares, a participação em
*
Faculdade de Edu-        atividades educativas orientadas, o consumo de mercadorias culturais, os pro-
cação da Universi-
dade Federal
                         gramas de televisão, os grupos e espaços de lazer, as práticas religiosas, dentre
Fluminense.              outras atividades e contextos sociais, compõem uma complexa rede de possi-
1                        bilidades educacionais mais ou menos sistematizadas e experiências informais
Tese de doutorado
defendida no Pro-        que estruturam o processo humano de formação.
grama de
Pós-Graduação em
Educação da UFF,         A perspectiva central da análise voltou-se para a recuperação das redes de socia-
no ano de 1999,
intitulada Angra de
                         bilidade vividas por jovens em diferentes contextos formativos. Nas redes de
tantos reis: práticas    amizades, nos conflitos com outros grupos, na utilização de espaços públicos e
educativas e jovens
tra(n)çados da cidade.



AGOSTO DE 2001                                                   IETS                                          15
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

 privados e no relacionamento com a indústria cultural entram em jogo práticas
 educativas formadoras de identidades múltiplas. Os grupos que privilegiei (ca-
 poeira e rock) para o acompanhamento de campo se apresentaram como ati-
 vos produtores de cultura. A relação com os jovens em seus grupos me levou a
 considerar que algumas categorias simplificam a complexidade das práticas
 culturais dos jovens na cidade. Ao apontar para a homogeneidade das relações
 sociais dos grupos da juventude, a categoria tribos urbanas (Maffesoli, 1998 e
 1997) expõe seus limites conceituais para explicar as identidades múltiplas que
 circulam nas diversas redes sociais. Até mesmo nos grupos com forte identifi-
 cação gregária, onde as trajetórias dos sujeitos se cruzam intensamente, exis-
 tem processos que fazem com que os seus membros se distanciem por outras
 redes de significados, configurando variadas possibilidades de vínculos sociais
 que podem ser tramados nas cidades.

 3. A Autoridade Educadora das Mercadorias Culturais
 Uma das fortes evidências do trabalho de campo se relaciona com o magnético
 poder das mercadorias culturais nos espaços e tempos de lazer. A indústria cul-
 tural fez do lazer o seu território privilegiado, não apenas se comunicando nas
 linguagens adotadas pelos jovens mas também procurando redefini-las cons-
 tantemente, em suas dimensões estéticas, éticas, ideológicas, corpóreas.
 As mercadorias culturais são, simultaneamente, processo de alienação e per-
 tencimento social. Elas estabelecem vínculos sócio-afetivos que funcionam
 como resposta à fragmentação social dos territórios da cidade. O processo de
 realização de conexões e significados sociais ocorre sem imposição explícita de
 significados, uma vez que a comunicação oferecida pelas mercadorias culturais
 não traz a marca explícita da autoridade, tal como aquela encontrada na família
 e na escola. Assim, a oferta de significados culturais se apresenta sem o sentido
 explícito da responsabilidade educativa. As mercadorias culturais exercem sua
 influência individual e coletiva inundando o ambiente cultural através dos meios
 eletrônicos e de produtos, produzindo um quadro hegemônico de sedução e
 saturação semiótica.
 O agravamento das condições econômicas das classes trabalhadoras coincide
 com um quadro social de apelo ao consumo intensivo de mercadorias culturais,
 num ambiente de comunicação aparentemente mais democrático. A denomi-
 nada condição pós-moderna apresenta novas ordens de significação para a ex-
 periência cotidiana dos indivíduos e dos grupos sociais nas cidades. Por um
 lado, processos culturais tradicionais e instituições dominantes perdem legiti-
 midade e muitas vezes assumem a dimensão de irrelevância social. Por outro,
 mercadorias culturais assumem o papel de verdadeiras autoridades educacionais,
 ao lado de outras esferas de socialização: família, relações de trabalho, escola,
 redes de amizade etc.
 O consumo de mercadorias não deixa de ser cultural, uma vez que é realizado
 num contexto de significação social. As mercadorias encontram sua principal


16                                     IETS                                          AGOSTO DE 2001
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

                       significação relacionada com o sensual, com o tátil, com a estetização, os esti-
                       los, a projeção do corpo e seus estímulos íntimos de ser e se relacionar. Para a
                       juventude, os espaços de lazer se constituem como verdadeiros espaços de so-
                       ciabilidade e formação subjetiva. As cidades são constituídas por uma grande
                       variedade de espaços de celebração (Maffesoli, 1994) fortemente articuladas por
                       mercadorias culturais. Culto ao corpo, sexo, relações amorosas, esportes, dro-
                       gas e amizades são variações temáticas que permitem que o lugar de encontro
                       se transforme em laço e mercado de trocas materiais e simbólicas.
                       O reconhecimento do poder das mercadorias culturais na produção da subjeti-
                       vidade e das identidades coletivas não deve significar, contudo, a entrega a ne-
                       nhum tipo de fatalismo frente ao mercado. Muitos movimentos culturais da ju-
                       ventude vêm demonstrando que é possível elaborar espaços de autonomia
                       relativa para a produção cultural, mesmo num contexto de ostensiva presença
                       do mercado na mediação dos relacionamentos sociais.
                       Encontrei situações que podem ser consideradas como expressão da criativi-
                       dade cultural de sujeitos locais que não apenas reproduzem o forte domínio das
                       mercadorias produzidas pelas indústrias culturais globalizadas. O caso das
                       bandas de rock da cidade é exemplar, por ocorrer no contexto de uma das mais
                       expressivas manifestações da internacionalização cultural dos sentidos e estilos
                       juvenis de pensar, sentir e agir. A sociabilidade praticada no lugar é contudo
                       única, sendo vivida pessoal e coletivamente no contexto das muitas configura-
                       ções que se estabelecem na movimentação dos diferentes grupos da juventude.
                       A recomendação “conquiste primeiro sua cidade” do músico Herbert Vianna,
                       para os jovens das bandas de rock em busca do sucesso, não significa uma sim-
                       ples estratégia de marketing, mas expressa o sentimento de quem percebe o
                       quanto a energia do lugar é vital para a conquista de novos relacionamentos com o
                       mundo.
                       Jovens músicos da cidade perseguem a chance de gravar suas músicas em compact
                       disc (CD). Este é um interessante movimento da massificação das tecnologias
                       digitais de produção musical que fez surgir as produções independentes e tor-
                       nou mais complexo o mercado fonográfico, até há a alguns anos polarizado
                       pela relação entre os denominados majors e indies.2 Apesar da busca de sintonia
2
Os majors são os       com as grandes tendências do mercado, presente em muitas das produções in-
grandes selos —
todos parte dos        dependentes, é possível perceber a produção de alternativas à essas grandes
conglomerados
transnacionais —       tendências de mercado, expressando a grande multiplicidade de referenciais de
que baseiam suas
vendas na promo-
                       identidades existentes nos grupos da juventude.
ção de alguns pou-
cos artistas
(blockbusters). Os
                       O vocalista de uma das bandas da cidade deu um depoimento revelador da rela-
indies são os selos    ção entre o mercado e a identidade pessoal. A sua banda gravou o primeiro CD
independentes que
atuam no mercado       numa tentativa de conquistar o mercado através de um estilo de música que faz
de forma segmen-
tada, descobrindo      sucesso entre o público jovem da cidade, um rock balada aproximado ao que foi
e promovendo no-
vos artistas, em ge-   produzido pela banda Legião Urbana, durante os anos 80. Entretanto, revelou
ral, para
repassá-los à em-      que, simultaneamente, organiza uma outra banda de rock pesado sem fins
presas majors.



AGOSTO DE 2001                                              IETS                                       17
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

 comerciais, apenas para manter a liberdade de consciência e poder expressar o
 que realmente sente com o rock.

 4. Aprendizagens Significativas
 Os jovens músicos com os quais conversei reconhecem a necessidade de, em
 determinados momentos, desenvolver aprendizagens contínuas e regulares, de
 preferência sob a orientação de um professor reconhecidamente experiente.
 Entretanto, ao comentarem os seus diferentes processos de aprendizagem mu-
 sical, ficou evidenciada a força do interesse de cada um em aprender, socializar
 e ampliar os conhecimentos no grupo. O conhecimento da língua inglesa por
 um número significativo de jovens ligados às culturas do skate-rock é exemplar
 da aprendizagem potencializada em contextos de grupos de estilos e atitudes
 compartilhadas. Torna-se quase impossível decifrar as linguagens desses jo-
 vens sem um mínimo domínio do inglês, idioma que, em grande medida, é
 acessado sem a intermediação de instâncias formais de aprendizagem.
 A perspectiva da aquisição e produção de conhecimentos é uma tônica dos
 muitos grupos de lazer, não apenas em seus aspectos formais, mas como co-
 nhecimentos vivos e testados como sentidos culturais válidos para a sociabili-
 dade dos grupos. Na discussão sobre o conhecimento, é importante recuperar
 os sentidos que os jovens colocam em suas atividades, uma vez que existe uma
 estreita relação entre a produção de conhecimento e o investimento de sentido
 feito pelos sujeitos. Em todos os grupos foi possível perceber um grande inte-
 resse em conhecer coisas que pudessem aprimorar o sistema de relações em
 torno da atividade chave do grupo. Cito alguns poucos exemplos, diretamente
 relacionados com conhecimentos desenvolvidos nas disciplinas escolares: dos
 roqueiros, que se interessam pelo conhecimento da trajetória de seus ídolos e
 buscam o conhecimento do inglês como ferramenta de acesso ao saber; dos
 rpgistas,3 que se tornam peritos em elaboração e narração de histórias, dedican-
 do grande atenção à leitura e ao conhecimento das tramas do jogo, em muitas
 ocasiões, acessando as informações diretamente da língua inglesa; dos funkeiros,
 que procuram conhecer a Língua Portuguesa para melhor compor suas músicas
 e dos capoeiristas, que procuram na história do Brasil elementos para a compre-
 ensão da trajetória da cultura negra e os fundamentos históricos da capoeira.
 Os processos culturais dos grupos da juventude indicam a possibilidade de se as-
 sumir o potencial educativo das formas descontínuas de aprendizagem, abrindo                             3
                                                                                         Praticantes Roler
 possibilidades para a incorporação do inesperado e da flexibilização educacional,         Play Game, um
                                                                                        jogo de aventuras
 segundo os sentidos e interesses das diferentes subjetividades em curso.                        através da
                                                                                         representação de
 Existe uma dramática contradição entre os jovens e a escola. A escola se enfra-             papéis que se
                                                                                               estabelecem
 quece num momento em que a vida social cobra a sua contribuição para a forma-            através de livros
                                                                                       guia e a proposição
 ção da cidadania responsável. As causas desse processo podem ser encontradas            de aventuras por
                                                                                           um participante
 no sucateamento da instituição e na falta de perspectivas de trabalho e vida fu-         mais experiente,
                                                                                              denominado
 tura, mas também pela interdição do diálogo entre os sentidos institucionais e           mestre de jogos.




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RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

                  as culturas da juventude. Em algumas ocasiões, em entrevistas ou em conver-
                  sas informais, jovens fizeram da pesquisa uma tribuna contra o que consideram
                  expressões da intolerância de educadores no trato com os valores e comporta-
                  mentos da juventude. A evasão escolar, antes de se confirmar como evasão físi-
                  ca, é também precedida por uma invisível e simbólica evasão de sentidos cultu-
                  rais e desejos de presença de professores e alunos.

                  5. A Educação no Olho da Rua
                  A minha aproximação inicial com o cotidiano dos jovens de Angra dos Reis se
                  deu em minhas andanças pela cidade. Nelas, as ruas se tornavam familiares, e
                  os sujeitos, com os seus variados códigos de decifração, iam traduzindo o urba-
                  no que, inicialmente, pouco conhecia.
                  A experiência ou não da vivência pública da rua orienta drasticamente o valor
                  educativo das relações na cidade. As cidades não são educativas em abstrato. O
                  potencial educativo de uma cidade corresponde tanto ao que se refere à oferta e
                  à organização das estruturas sociais e culturais urbanas, como quanto à quanti-
                  dade e à qualidade dos relacionamentos que os sujeitos estabelecem. A rua já
                  foi mais amplamente representativa do encontro e da comunicação viva entre
                  os sujeitos, expressão local de cultura e sociabilidade pública. Entretanto, em
                  seu sentido dominante, a rua transformou-se em espaço de circulação progra-
                  mada e também fonte de insegurança coletiva.
                  Os jovens que fazem da rua um lugar de encontro e sociabilidade expressam a
                  possibilidade de recuperação do sentido público e educativo da rua, numa implí-
                  cita condenação ao recolhimento à sociabilidade exclusiva dos espaços privados.
                  A noção de que nas ruas das cidades se desenrolam práticas educadoras não ex-
                  clui a constatação de que, junto com situações educativas cidadãs, existe a pos-
                  sibilidade de experiências desagradáveis, senão trágicas, durante a movimenta-
                  ção dos indivíduos nos territórios das cidades. As preocupações das famílias e
                  educadores acerca dos perigos das ruas são perfeitamente compreensíveis. Entre-
                  tanto, as ações indiscriminadas desenvolvidas no sentido de proteger as crian-
                  ças e os jovens, afastando-os das ruas e outros espaços também representam
                  uma forma de violência simbólica. A questão não parece estar na consideração
                  de que a rua é naturalmente perversa, o que justificaria a proteção em relação a
                  elas. As ruas, transformadas em espaços de sociabilidade cidadã podem ser, ao
                  mesmo tempo, educativas e culturalmente públicas. O recolhimento exclusivo
                  ao privado pode ser tão prejudicial quanto a exposição aos perigos das ruas. A
                  perda da cultura pública, no quadro de privatização das práticas sociais, leva ao
                  desconhecimento do próprio sentido de cidade.
                  A cidade tornou-se tão violenta que as pessoas preferem perder a liberdade, em
                  troca da pretensa garantia de segurança. A escolha perversa é a de que preferimos
                  não ser cidadãos livres, mas estarmos protegidos. Os territórios-fortaleza nas
                  cidades transformam espaços públicos e privados em lugares de aprisionamen-


AGOSTO DE 2001                                         IETS                                       19
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

 to. Muitas iniciativas vigilantes criam o quadro geral de aprisionamento coleti-
 vo no qual os habitantes das cidade não só se acostumaram, como passaram a
 julgar racionalmente desejável, face ao sentimento de segurança proporciona-
 do. Nas cidades violentamente protegidas e vigiadas, o próprio corpo tende a
 tornar-se também hermético e impermeável a outros corpos. Considerando
 que as cidades são feitas das relações que as constituem, torna-se coerente pensar
 na metáfora da cidade como um corpo que se esquarteja, buscando tornar-se
 imune a si mesmo.
 Na pesquisa foi possível perceber que muitos jovens não negam a importância
 da participação no debate público sobre a cidade. Afirmam, entretanto, não se
 sentirem contemplados com as formas tradicionais de se fazer política expres-
 sa pelos partidos, sindicatos, associações ou mesmo as modalidades de discus-
 são pública representadas pelos conselhos municipais, considerados demasia-
 damente formais e burocráticos. Um desafio para a formulação de políticas
 públicas orientadas para o aumento da participação da juventude nos debates
 públicos sobre a cidade talvez seja a de se pensar em formas mais ágeis e flexí-
 veis de debate e participação que retomem o princípio da arena de debates
 como câmara de circulação e confronto de idéias e interesses.
 A reunião dos jovens em grupos, em muitos momentos, é vista na cidade como
 uma fonte de preocupação. Os grupos de jovens são freqüentemente associa-
 dos à comportamentos desviantes. Identifiquei na cidade representações sociais
 estereotipadas sobre os grupos da juventude, tais como aquelas que se referem
 aos roqueiros “doidões” da pracinha do porto e os “bandidinhos” do baile
 funk. É possível afirmar que o isolamento identitário dos grupos é duplamente
 determinado, por um lado, pelas referências culturais compartilhadas pelos
 próprios participantes, e, por outro, pela representação ou mesmo estigma ins-
 tituído pelos demais habitantes da cidade. Neste sentido, o estímulo à existên-
 cia de espaços comuns de encontro entre os diferentes grupos da juventude é
 de fundamental importância para a quebra do distanciamento simbólico e o es-
 tabelecimento do confronto, política e culturalmente mediado, entre os distin-
 tos rituais que confirmam as identidades dos grupos. O investimento em espa-
 ços públicos, constituídos sobre a base do estímulo à convivência e ao
 pluralismo cultural entre os grupos da juventude, pode representar um cami-
 nho para formulação de políticas públicas de educação cidadã no tempo livre.
 É possível afirmar que o maior fator de preocupação não deveria ser o encon-
 tro e a organização dos jovens em grupos, mas a ausência de envolvimento co-
 letivo de alguns jovens e a interdição da comunicação entre os diferentes ritos
 dos grupos constituídos. Adotar um estilo e participar de contextos de atitudes
 compartilhadas num grupo pode significar alegria, proteção e aprendizagem
 cotidiana da alteridade como um contraponto ao individualismo e ao aparta-
 mento social.




20                                     IETS                                           AGOSTO DE 2001
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

                  Partindo dos dados da pesquisa de campo, torna-se possível apontar a necessi-
                  dade de se criticar categorias que tentam atribuir ao contexto dos grupos da ju-
                  ventude um aspecto de fragmentação e isolamento social extremado. Até mes-
                  mo nos grupos de jovens com maior coesão interna, dada pela adesão à
                  determinado estilo musical, esportivo ou atitude política, encontramos a hete-
                  rogeneidade de biografias que se constituem por distintos caminhos e se enre-
                  dam por memórias e trajetórias diferenciadas, fazendo com que o mapa pessoal
                  da cidade seja único para cada um dos sujeitos da relação. Reconhecer apenas
                  homogeneidade nos grupos pode significar a decretação do fim do conflito em
                  suas configurações e a proclamação da vitória da ditadura do estilo sobre a li-
                  berdade de expressão e da autonomia pessoal e coletiva, abrindo janelas ao pre-
                  conceito. É possível afirmar que o eu é múltiplo — ainda que existam variações
                  de qualidades entre os sujeitos —, mesmo em contextos de forte identidade co-
                  letiva.
                  Na pesquisa se evidenciou a forma como a limitação das perspectivas culturais
                  restringem drasticamente as redes relacionais dos jovens, particularmente da-
                  queles oriundos das classes populares que especializam os seus percursos na ci-
                  dade por delimitados espaços de trabalho e lazer. Os limites impostos à esfera
                  pública são também responsáveis pelas limitações das opções de trabalho, edu-
                  cação escolar e lazer, criando um verdadeiro vazio sociocultural para jovens
                  que experimentam uma dramática abundância de tempo livre resultante da de-
                  socupação.
                  Pude perceber a real importância dos grupos da juventude como câmara de so-
                  ciabilidade, canal de expressão cultural e recomposição de vínculos sociais na
                  cidade. As movimentações da juventude nos espaços da cidade podem ser ex-
                  tremamente educativas para o processo de reforma moral da práxis política,
                  petrificada na imobilidade dos movimentos políticos e culturais de recorte tra-
                  dicional, e também para a necessária transformação de forma e conteúdo, exi-
                  gida para os sistemas educativos. A possibilidade de que os adultos aprendam
                  com os jovens é real. Os jovens não são recipientes vazios no qual se deposita o
                  patrimônio cultural das gerações adultas, terreno baldio no qual agem a indús-
                  tria cultural e massa a ser formada pelos conhecimentos oficiais. Eles são artífi-
                  ces do processo educativo e cultural, assim como também são produtos da
                  complexidade social contemporânea.
                  Para compreender os sentidos culturais dos grupos juvenis na cidade devería-
                  mos utilizar o “método” que nos ensina o poeta Antonio Machado:
                  “Para o diálogo: primeiro pergunte. Depois escute”.




AGOSTO DE 2001                                          IETS                                       21
RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1

 Bibliografia
 ADORNO, THEODOR & HORKHEIMER, MAX. Dialética do esclarecimento: frag-
    mentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar Ed. 1985.
 CARRANO, PAULO CESAR RODRIGUES. Angra de tantos reis: práticas educativas e
     jovens tra(n)çados da cidade. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Educação da
     UFF, tese de doutorado, 1999, 459 p.
 —————. Ronaldinho ídolo esportivo ou mercadoria globall. In: Futebol: paixão e
   política. Paulo Cesar Rodrigues Carrano (org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2000
 MAFFESOLI, MICHEL. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de
    massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998.
 —————. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina,
   1997.
 MELUCCI, ALBERTO. Il gioco dell’io: il cambiamento de sé in una societá globale. Milano:
    Editore Feltrinelli, 1991.
 SANTOS, BOAVENTURA SOUZA. Pela mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1995.
 WILLIS, PAUL. La metamorfosis de mercancias culturales. Barcelona: Editorial Paidós. In:
     Nuevas perspectivas críticas en educación, 166-201, 1994.




22                                        IETS                                              AGOSTO DE 2001

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Jovens na cidade: sociabilidade e práticas educativas

  • 1. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 JOVENS NA CIDADE PAULO CESAR RODRIGUES CARRANO* 1. Introdução O problema central da pesquisa que desenvolvi em minha tese de doutorado1 relaciona-se com a investigação de processos educativos que se dão no curso das práticas de lazer dos jovens na cidade. A pesquisa de campo foi desenvolvi- da durante os anos de 1998 e 1999 na cidade de Angra dos Reis. Na pesquisa entrevistei, conversei e estabeleci relações de amizade com jovens que consti- tuem grupos de lazer em torno de signos culturais, interesses comuns e atitudes compartilhadas. Em minhas andanças pela cidade estive com jovens inseridos em diferentes práticas culturais de lazer e tempo tais como as relacionadas com o funk, o skate, o rock, a capoeira, o futebol, a cultura clubber, as religiões católi- ca e evangélica, dentre outras que contribuem para configurar múltiplas identi- dades juvenis na cidade. Trago neste artigo algumas das discussões que emergiram dos estudos que rea- lizei e da análise do material empírico que produzi no desenvolvimento da pes- quisa. Não pretendo assim, fazer um relato minucioso do processo de pesqui- sa, mas levantar questões que considero importantes para o entendimento da realidade dos grupos das juventudes em nossas cidades. 2. Sociabilidade e Práticas Educativas na Cidade Ao trabalhar com uma ampliada noção de processo educativo procurei ultra- passar fronteiras disciplinares que separam as usuais noções de educação e cul- tura. A recusa em compreender a educação apenas enquanto o âmbito das aprendizagens institucionais trouxe o desafio de compreendê-la também como processo social de compartilhamento de significados para além dos es- paços instituídos de formação educacional, tais como a escola. As práticas sociais ocorrem em circuitos culturais hegemônicos com sujeitos que, em diferentes ocasiões e das mais variadas maneiras, os confirmam ou a eles se opõem. O mundo do trabalho, as relações familiares, a participação em * Faculdade de Edu- atividades educativas orientadas, o consumo de mercadorias culturais, os pro- cação da Universi- dade Federal gramas de televisão, os grupos e espaços de lazer, as práticas religiosas, dentre Fluminense. outras atividades e contextos sociais, compõem uma complexa rede de possi- 1 bilidades educacionais mais ou menos sistematizadas e experiências informais Tese de doutorado defendida no Pro- que estruturam o processo humano de formação. grama de Pós-Graduação em Educação da UFF, A perspectiva central da análise voltou-se para a recuperação das redes de socia- no ano de 1999, intitulada Angra de bilidade vividas por jovens em diferentes contextos formativos. Nas redes de tantos reis: práticas amizades, nos conflitos com outros grupos, na utilização de espaços públicos e educativas e jovens tra(n)çados da cidade. AGOSTO DE 2001 IETS 15
  • 2. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 privados e no relacionamento com a indústria cultural entram em jogo práticas educativas formadoras de identidades múltiplas. Os grupos que privilegiei (ca- poeira e rock) para o acompanhamento de campo se apresentaram como ati- vos produtores de cultura. A relação com os jovens em seus grupos me levou a considerar que algumas categorias simplificam a complexidade das práticas culturais dos jovens na cidade. Ao apontar para a homogeneidade das relações sociais dos grupos da juventude, a categoria tribos urbanas (Maffesoli, 1998 e 1997) expõe seus limites conceituais para explicar as identidades múltiplas que circulam nas diversas redes sociais. Até mesmo nos grupos com forte identifi- cação gregária, onde as trajetórias dos sujeitos se cruzam intensamente, exis- tem processos que fazem com que os seus membros se distanciem por outras redes de significados, configurando variadas possibilidades de vínculos sociais que podem ser tramados nas cidades. 3. A Autoridade Educadora das Mercadorias Culturais Uma das fortes evidências do trabalho de campo se relaciona com o magnético poder das mercadorias culturais nos espaços e tempos de lazer. A indústria cul- tural fez do lazer o seu território privilegiado, não apenas se comunicando nas linguagens adotadas pelos jovens mas também procurando redefini-las cons- tantemente, em suas dimensões estéticas, éticas, ideológicas, corpóreas. As mercadorias culturais são, simultaneamente, processo de alienação e per- tencimento social. Elas estabelecem vínculos sócio-afetivos que funcionam como resposta à fragmentação social dos territórios da cidade. O processo de realização de conexões e significados sociais ocorre sem imposição explícita de significados, uma vez que a comunicação oferecida pelas mercadorias culturais não traz a marca explícita da autoridade, tal como aquela encontrada na família e na escola. Assim, a oferta de significados culturais se apresenta sem o sentido explícito da responsabilidade educativa. As mercadorias culturais exercem sua influência individual e coletiva inundando o ambiente cultural através dos meios eletrônicos e de produtos, produzindo um quadro hegemônico de sedução e saturação semiótica. O agravamento das condições econômicas das classes trabalhadoras coincide com um quadro social de apelo ao consumo intensivo de mercadorias culturais, num ambiente de comunicação aparentemente mais democrático. A denomi- nada condição pós-moderna apresenta novas ordens de significação para a ex- periência cotidiana dos indivíduos e dos grupos sociais nas cidades. Por um lado, processos culturais tradicionais e instituições dominantes perdem legiti- midade e muitas vezes assumem a dimensão de irrelevância social. Por outro, mercadorias culturais assumem o papel de verdadeiras autoridades educacionais, ao lado de outras esferas de socialização: família, relações de trabalho, escola, redes de amizade etc. O consumo de mercadorias não deixa de ser cultural, uma vez que é realizado num contexto de significação social. As mercadorias encontram sua principal 16 IETS AGOSTO DE 2001
  • 3. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 significação relacionada com o sensual, com o tátil, com a estetização, os esti- los, a projeção do corpo e seus estímulos íntimos de ser e se relacionar. Para a juventude, os espaços de lazer se constituem como verdadeiros espaços de so- ciabilidade e formação subjetiva. As cidades são constituídas por uma grande variedade de espaços de celebração (Maffesoli, 1994) fortemente articuladas por mercadorias culturais. Culto ao corpo, sexo, relações amorosas, esportes, dro- gas e amizades são variações temáticas que permitem que o lugar de encontro se transforme em laço e mercado de trocas materiais e simbólicas. O reconhecimento do poder das mercadorias culturais na produção da subjeti- vidade e das identidades coletivas não deve significar, contudo, a entrega a ne- nhum tipo de fatalismo frente ao mercado. Muitos movimentos culturais da ju- ventude vêm demonstrando que é possível elaborar espaços de autonomia relativa para a produção cultural, mesmo num contexto de ostensiva presença do mercado na mediação dos relacionamentos sociais. Encontrei situações que podem ser consideradas como expressão da criativi- dade cultural de sujeitos locais que não apenas reproduzem o forte domínio das mercadorias produzidas pelas indústrias culturais globalizadas. O caso das bandas de rock da cidade é exemplar, por ocorrer no contexto de uma das mais expressivas manifestações da internacionalização cultural dos sentidos e estilos juvenis de pensar, sentir e agir. A sociabilidade praticada no lugar é contudo única, sendo vivida pessoal e coletivamente no contexto das muitas configura- ções que se estabelecem na movimentação dos diferentes grupos da juventude. A recomendação “conquiste primeiro sua cidade” do músico Herbert Vianna, para os jovens das bandas de rock em busca do sucesso, não significa uma sim- ples estratégia de marketing, mas expressa o sentimento de quem percebe o quanto a energia do lugar é vital para a conquista de novos relacionamentos com o mundo. Jovens músicos da cidade perseguem a chance de gravar suas músicas em compact disc (CD). Este é um interessante movimento da massificação das tecnologias digitais de produção musical que fez surgir as produções independentes e tor- nou mais complexo o mercado fonográfico, até há a alguns anos polarizado pela relação entre os denominados majors e indies.2 Apesar da busca de sintonia 2 Os majors são os com as grandes tendências do mercado, presente em muitas das produções in- grandes selos — todos parte dos dependentes, é possível perceber a produção de alternativas à essas grandes conglomerados transnacionais — tendências de mercado, expressando a grande multiplicidade de referenciais de que baseiam suas vendas na promo- identidades existentes nos grupos da juventude. ção de alguns pou- cos artistas (blockbusters). Os O vocalista de uma das bandas da cidade deu um depoimento revelador da rela- indies são os selos ção entre o mercado e a identidade pessoal. A sua banda gravou o primeiro CD independentes que atuam no mercado numa tentativa de conquistar o mercado através de um estilo de música que faz de forma segmen- tada, descobrindo sucesso entre o público jovem da cidade, um rock balada aproximado ao que foi e promovendo no- vos artistas, em ge- produzido pela banda Legião Urbana, durante os anos 80. Entretanto, revelou ral, para repassá-los à em- que, simultaneamente, organiza uma outra banda de rock pesado sem fins presas majors. AGOSTO DE 2001 IETS 17
  • 4. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 comerciais, apenas para manter a liberdade de consciência e poder expressar o que realmente sente com o rock. 4. Aprendizagens Significativas Os jovens músicos com os quais conversei reconhecem a necessidade de, em determinados momentos, desenvolver aprendizagens contínuas e regulares, de preferência sob a orientação de um professor reconhecidamente experiente. Entretanto, ao comentarem os seus diferentes processos de aprendizagem mu- sical, ficou evidenciada a força do interesse de cada um em aprender, socializar e ampliar os conhecimentos no grupo. O conhecimento da língua inglesa por um número significativo de jovens ligados às culturas do skate-rock é exemplar da aprendizagem potencializada em contextos de grupos de estilos e atitudes compartilhadas. Torna-se quase impossível decifrar as linguagens desses jo- vens sem um mínimo domínio do inglês, idioma que, em grande medida, é acessado sem a intermediação de instâncias formais de aprendizagem. A perspectiva da aquisição e produção de conhecimentos é uma tônica dos muitos grupos de lazer, não apenas em seus aspectos formais, mas como co- nhecimentos vivos e testados como sentidos culturais válidos para a sociabili- dade dos grupos. Na discussão sobre o conhecimento, é importante recuperar os sentidos que os jovens colocam em suas atividades, uma vez que existe uma estreita relação entre a produção de conhecimento e o investimento de sentido feito pelos sujeitos. Em todos os grupos foi possível perceber um grande inte- resse em conhecer coisas que pudessem aprimorar o sistema de relações em torno da atividade chave do grupo. Cito alguns poucos exemplos, diretamente relacionados com conhecimentos desenvolvidos nas disciplinas escolares: dos roqueiros, que se interessam pelo conhecimento da trajetória de seus ídolos e buscam o conhecimento do inglês como ferramenta de acesso ao saber; dos rpgistas,3 que se tornam peritos em elaboração e narração de histórias, dedican- do grande atenção à leitura e ao conhecimento das tramas do jogo, em muitas ocasiões, acessando as informações diretamente da língua inglesa; dos funkeiros, que procuram conhecer a Língua Portuguesa para melhor compor suas músicas e dos capoeiristas, que procuram na história do Brasil elementos para a compre- ensão da trajetória da cultura negra e os fundamentos históricos da capoeira. Os processos culturais dos grupos da juventude indicam a possibilidade de se as- sumir o potencial educativo das formas descontínuas de aprendizagem, abrindo 3 Praticantes Roler possibilidades para a incorporação do inesperado e da flexibilização educacional, Play Game, um jogo de aventuras segundo os sentidos e interesses das diferentes subjetividades em curso. através da representação de Existe uma dramática contradição entre os jovens e a escola. A escola se enfra- papéis que se estabelecem quece num momento em que a vida social cobra a sua contribuição para a forma- através de livros guia e a proposição ção da cidadania responsável. As causas desse processo podem ser encontradas de aventuras por um participante no sucateamento da instituição e na falta de perspectivas de trabalho e vida fu- mais experiente, denominado tura, mas também pela interdição do diálogo entre os sentidos institucionais e mestre de jogos. 18 IETS AGOSTO DE 2001
  • 5. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 as culturas da juventude. Em algumas ocasiões, em entrevistas ou em conver- sas informais, jovens fizeram da pesquisa uma tribuna contra o que consideram expressões da intolerância de educadores no trato com os valores e comporta- mentos da juventude. A evasão escolar, antes de se confirmar como evasão físi- ca, é também precedida por uma invisível e simbólica evasão de sentidos cultu- rais e desejos de presença de professores e alunos. 5. A Educação no Olho da Rua A minha aproximação inicial com o cotidiano dos jovens de Angra dos Reis se deu em minhas andanças pela cidade. Nelas, as ruas se tornavam familiares, e os sujeitos, com os seus variados códigos de decifração, iam traduzindo o urba- no que, inicialmente, pouco conhecia. A experiência ou não da vivência pública da rua orienta drasticamente o valor educativo das relações na cidade. As cidades não são educativas em abstrato. O potencial educativo de uma cidade corresponde tanto ao que se refere à oferta e à organização das estruturas sociais e culturais urbanas, como quanto à quanti- dade e à qualidade dos relacionamentos que os sujeitos estabelecem. A rua já foi mais amplamente representativa do encontro e da comunicação viva entre os sujeitos, expressão local de cultura e sociabilidade pública. Entretanto, em seu sentido dominante, a rua transformou-se em espaço de circulação progra- mada e também fonte de insegurança coletiva. Os jovens que fazem da rua um lugar de encontro e sociabilidade expressam a possibilidade de recuperação do sentido público e educativo da rua, numa implí- cita condenação ao recolhimento à sociabilidade exclusiva dos espaços privados. A noção de que nas ruas das cidades se desenrolam práticas educadoras não ex- clui a constatação de que, junto com situações educativas cidadãs, existe a pos- sibilidade de experiências desagradáveis, senão trágicas, durante a movimenta- ção dos indivíduos nos territórios das cidades. As preocupações das famílias e educadores acerca dos perigos das ruas são perfeitamente compreensíveis. Entre- tanto, as ações indiscriminadas desenvolvidas no sentido de proteger as crian- ças e os jovens, afastando-os das ruas e outros espaços também representam uma forma de violência simbólica. A questão não parece estar na consideração de que a rua é naturalmente perversa, o que justificaria a proteção em relação a elas. As ruas, transformadas em espaços de sociabilidade cidadã podem ser, ao mesmo tempo, educativas e culturalmente públicas. O recolhimento exclusivo ao privado pode ser tão prejudicial quanto a exposição aos perigos das ruas. A perda da cultura pública, no quadro de privatização das práticas sociais, leva ao desconhecimento do próprio sentido de cidade. A cidade tornou-se tão violenta que as pessoas preferem perder a liberdade, em troca da pretensa garantia de segurança. A escolha perversa é a de que preferimos não ser cidadãos livres, mas estarmos protegidos. Os territórios-fortaleza nas cidades transformam espaços públicos e privados em lugares de aprisionamen- AGOSTO DE 2001 IETS 19
  • 6. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 to. Muitas iniciativas vigilantes criam o quadro geral de aprisionamento coleti- vo no qual os habitantes das cidade não só se acostumaram, como passaram a julgar racionalmente desejável, face ao sentimento de segurança proporciona- do. Nas cidades violentamente protegidas e vigiadas, o próprio corpo tende a tornar-se também hermético e impermeável a outros corpos. Considerando que as cidades são feitas das relações que as constituem, torna-se coerente pensar na metáfora da cidade como um corpo que se esquarteja, buscando tornar-se imune a si mesmo. Na pesquisa foi possível perceber que muitos jovens não negam a importância da participação no debate público sobre a cidade. Afirmam, entretanto, não se sentirem contemplados com as formas tradicionais de se fazer política expres- sa pelos partidos, sindicatos, associações ou mesmo as modalidades de discus- são pública representadas pelos conselhos municipais, considerados demasia- damente formais e burocráticos. Um desafio para a formulação de políticas públicas orientadas para o aumento da participação da juventude nos debates públicos sobre a cidade talvez seja a de se pensar em formas mais ágeis e flexí- veis de debate e participação que retomem o princípio da arena de debates como câmara de circulação e confronto de idéias e interesses. A reunião dos jovens em grupos, em muitos momentos, é vista na cidade como uma fonte de preocupação. Os grupos de jovens são freqüentemente associa- dos à comportamentos desviantes. Identifiquei na cidade representações sociais estereotipadas sobre os grupos da juventude, tais como aquelas que se referem aos roqueiros “doidões” da pracinha do porto e os “bandidinhos” do baile funk. É possível afirmar que o isolamento identitário dos grupos é duplamente determinado, por um lado, pelas referências culturais compartilhadas pelos próprios participantes, e, por outro, pela representação ou mesmo estigma ins- tituído pelos demais habitantes da cidade. Neste sentido, o estímulo à existên- cia de espaços comuns de encontro entre os diferentes grupos da juventude é de fundamental importância para a quebra do distanciamento simbólico e o es- tabelecimento do confronto, política e culturalmente mediado, entre os distin- tos rituais que confirmam as identidades dos grupos. O investimento em espa- ços públicos, constituídos sobre a base do estímulo à convivência e ao pluralismo cultural entre os grupos da juventude, pode representar um cami- nho para formulação de políticas públicas de educação cidadã no tempo livre. É possível afirmar que o maior fator de preocupação não deveria ser o encon- tro e a organização dos jovens em grupos, mas a ausência de envolvimento co- letivo de alguns jovens e a interdição da comunicação entre os diferentes ritos dos grupos constituídos. Adotar um estilo e participar de contextos de atitudes compartilhadas num grupo pode significar alegria, proteção e aprendizagem cotidiana da alteridade como um contraponto ao individualismo e ao aparta- mento social. 20 IETS AGOSTO DE 2001
  • 7. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 Partindo dos dados da pesquisa de campo, torna-se possível apontar a necessi- dade de se criticar categorias que tentam atribuir ao contexto dos grupos da ju- ventude um aspecto de fragmentação e isolamento social extremado. Até mes- mo nos grupos de jovens com maior coesão interna, dada pela adesão à determinado estilo musical, esportivo ou atitude política, encontramos a hete- rogeneidade de biografias que se constituem por distintos caminhos e se enre- dam por memórias e trajetórias diferenciadas, fazendo com que o mapa pessoal da cidade seja único para cada um dos sujeitos da relação. Reconhecer apenas homogeneidade nos grupos pode significar a decretação do fim do conflito em suas configurações e a proclamação da vitória da ditadura do estilo sobre a li- berdade de expressão e da autonomia pessoal e coletiva, abrindo janelas ao pre- conceito. É possível afirmar que o eu é múltiplo — ainda que existam variações de qualidades entre os sujeitos —, mesmo em contextos de forte identidade co- letiva. Na pesquisa se evidenciou a forma como a limitação das perspectivas culturais restringem drasticamente as redes relacionais dos jovens, particularmente da- queles oriundos das classes populares que especializam os seus percursos na ci- dade por delimitados espaços de trabalho e lazer. Os limites impostos à esfera pública são também responsáveis pelas limitações das opções de trabalho, edu- cação escolar e lazer, criando um verdadeiro vazio sociocultural para jovens que experimentam uma dramática abundância de tempo livre resultante da de- socupação. Pude perceber a real importância dos grupos da juventude como câmara de so- ciabilidade, canal de expressão cultural e recomposição de vínculos sociais na cidade. As movimentações da juventude nos espaços da cidade podem ser ex- tremamente educativas para o processo de reforma moral da práxis política, petrificada na imobilidade dos movimentos políticos e culturais de recorte tra- dicional, e também para a necessária transformação de forma e conteúdo, exi- gida para os sistemas educativos. A possibilidade de que os adultos aprendam com os jovens é real. Os jovens não são recipientes vazios no qual se deposita o patrimônio cultural das gerações adultas, terreno baldio no qual agem a indús- tria cultural e massa a ser formada pelos conhecimentos oficiais. Eles são artífi- ces do processo educativo e cultural, assim como também são produtos da complexidade social contemporânea. Para compreender os sentidos culturais dos grupos juvenis na cidade devería- mos utilizar o “método” que nos ensina o poeta Antonio Machado: “Para o diálogo: primeiro pergunte. Depois escute”. AGOSTO DE 2001 IETS 21
  • 8. RIO DE JANEIRO: TRABALHO E SOCIEDADE - Ano 1 - Nº 1 Bibliografia ADORNO, THEODOR & HORKHEIMER, MAX. Dialética do esclarecimento: frag- mentos filosóficos. Rio de Janeiro: Zahar Ed. 1985. CARRANO, PAULO CESAR RODRIGUES. Angra de tantos reis: práticas educativas e jovens tra(n)çados da cidade. Niterói: Programa de Pós-Graduação em Educação da UFF, tese de doutorado, 1999, 459 p. —————. Ronaldinho ídolo esportivo ou mercadoria globall. In: Futebol: paixão e política. Paulo Cesar Rodrigues Carrano (org.). Rio de Janeiro: DP&A, 2000 MAFFESOLI, MICHEL. O tempo das tribos: o declínio do individualismo nas sociedades de massa. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1998. —————. A transfiguração do político: a tribalização do mundo. Porto Alegre: Sulina, 1997. MELUCCI, ALBERTO. Il gioco dell’io: il cambiamento de sé in una societá globale. Milano: Editore Feltrinelli, 1991. SANTOS, BOAVENTURA SOUZA. Pela mão de Alice. São Paulo: Cortez, 1995. WILLIS, PAUL. La metamorfosis de mercancias culturales. Barcelona: Editorial Paidós. In: Nuevas perspectivas críticas en educación, 166-201, 1994. 22 IETS AGOSTO DE 2001