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O consumo de bebidas alcoólicas - 04/08/2013 - Página 1 de 3 - © ANSB 
- Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros 
ANSB 
SAPADORES-­‐BOMBEIROS 
DO 
BRASIL 
O consumo de bebidas alcoólicas... 
O consumo de bebidas alcoólicas é tolerado nos quartéis de Sapadores-Bombeiros. Isso pode ser surpreendente 
para quem conhece os prejuízos causados pelo álcool, mas é fácil de explicar, como veremos. 
Há alguns dias, Endrigo, Sapador-Bombeiro e formador, contatou a DNF (Direção Nacional de Formação da 
ANSB) sobre o conteúdo do curso que ele tinha acabado de dar aos novos recrutas do seu serviço. Neste curso, na 
sequência de referência E5 indica-se o que pode e não pode-se fazer durante o serviço. Aí encontramos a frase 
seguinte, sobre o que é proibido: "Jogo a dinheiro, sexo, álcool em quantidade, atividades políticas e religiosas". 
Endrigo concluiu, muito corretamente, que se o álcool "em quantidade" é proibido, então é permitido beber. E por 
isso ele sugeriu que o texto fosse mudado para dizer que o álcool é totalmente proibido. Na verdade, Endrigo leu 
perfeitamente o curso, o que é prova da qualidade de seu trabalho de formador. Mas o curso não vai ser mudado. 
Mas por que não? 
Fora do Brasil 
Alguns membros da sede da ANSB viajam com certa frequência à Europa, atuando como sêniores no grupo de 
formadores flashover Tantad, e assim puderam encontrar Sapadores-Bombeiros Franceses, Belgas, Italianos, 
Portugueses, etc. A Bélgica é um país muito pequeno, com apenas 11 milhões de habitantes. 17.000 Sapadores- 
Bombeiros atuam em 251 quartéis. Na Bélgica, a produção de cerveja é uma tradição (contam-se mais de 8.000 
cervejas diferentes) e em geral elas são muito mais fortes do que as encontradas no Brasil. Cada quartel de 
Sapadores-Bombeiros tem seu bar. Nele serve-se prioritariamente a cerveja local, mas também cervejas de outras 
regiões. Assim, o corpo de Sapadores-Bombeiros de Virton, na parte Leste do país, tem um bar onde se serve 
Orval, a cerveja de Virton, bem como outros tipos de cervejas que o responsável do bar trata de renovar 
regularmente. Como as cervejas são compradas a preços baixos e o bar do quartel não tem fins de lucro, ocorre que 
as cervejas são mais baratas no quartel do que fora dele. E não há "problemas com bebida". 
Na Itália, durante o encontro de formadores flashover Tantad, esses membros da 
ANSB visitaram quartéis dos "Vigile del Fuoco". Em cada um deles há um bar 
com vinho e cerveja, e não há "problemas com bebida". 
Em Portugal, conversando com membros de uma corporação de Sapadores- 
Bombeiros, tiveram uma outra informação interessante: antigamente, o álcool 
era totalmente proibido. E havia "problemas com bebida". Agora que o álcool é 
tolerado, não há mais "problemas com bebida". 
E no exército? 
Visto que os Sapadores-Bombeiros são pessoas que trabalham de uniforme, a partir de um quartel, seu 
funcionamento tem um lado "militar". Por isso, é interessante observar o que acontece na caserna. 
No exército Americano, o álcool é totalmente proibido. E não é proibido no exército Francês. Em julho de 2013, o 
site Americano http://www.breachbangclear.com publicou uma série de três artigos escritos por Chris Hernandez 
intitulado "Trabalhando com o exército Francês". Soldado Americano, Chris teve a oportunidade de trabalhar ao 
lado dos Franceses no Afeganistão e ter uma ideia diferente do seu funcionamento. 
Chris Hernandez escreve: 
"Nós, no exército Americano, somos frequentemente tratados como crianças mentalmente lentas no jardim de 
infância. Acho que todo soldado do exército Americano fica revoltado por ter de usar um cinto refletivo na zona de 
combate. Eu costumava balançar a cabeça de impaciência diante dos novos comandantes em Bagram (nossa base
aérea no Afeganistão) que mandavam seus soldados andar dentro da base acompanhados de um colega até mesmo 
para ir ao banheiro do lado da tenda. Muitos de nós, especialmente sub-oficiais experientes, ficávamos irritados 
por essa mentalidade de "você é burro demais para que eu confie em você" que impregnou o exército. 
E não me fale da diretiva número 1, a proibição do álcool. Eu não bebo, mas quase todo mundo bebe. Não seria 
nada absurdo autorizar adultos, homens e mulheres, a escapar do estresse do combate tomando uma ou duas 
cervejas. Aparentemente, nosso comando pensa que se nos autorizasse a beber, nós nos tornaríamos psicopatas ao 
estilo de Robert Bales. A ideia de um consumo de álcool racional e controlado parece criar um bloqueio no 
cérebro dos nossos dirigentes. Os Franceses, no entanto, não têm este problema." 
Em operação 
Vejamos agora a ligação entre as operações e o fato de proibir ou autorizar o consumo de álcool. O primeiro modo 
de ver as coisas é dizer que se alguém consumir álcool ficará menos eficaz. É uma visão primária, parcialmente 
correta. Mas vamos mais longe. Se nós proibimos, é porque consideramos que o indivíduo não está apto a se 
autogerenciar. De fato, como diz Chris Hernandez, nós o consideramos uma criança retardada. 
Várias obras militares Europeias destacam que, se consideramos as pessoas como retardados mentais, isso vai 
facilitar as coisas... enquanto a situação não estiver complicada demais! Mas logo que as coisas começarem a virar, 
o chefe vai estar rodeado de retardados mentais e tudo vai piorar. 
De um ponto de vista operacional, precisamos analisar a maneira de fazer e determinar o tipo de indivíduo que nós 
queremos. 
Existem dois modos de operação principais: o centro de gravidade e o efeito maior. No princípio do centro de 
gravidade, o estado maior superior determina o ponto sensível do inimigo e engaja seu pessoal contra aquele ponto. 
Se o resultado não é bom, o estado maior acrescenta mais uma camada de material, mais uma, mais outra, e assim 
por diante... É o caso da guerra do Vietnam com suas várias camadas de equipamento, associadas a uma 
incompreensão da mentalidade local. 
Por este princípio de decisão, o indivíduo é apenas um operário a serviço das ferramentas. Ele não tem nada a dizer. 
Não decide coisa alguma, não deve tomar iniciativa. É exatamente o "você é burro demais para que eu confie em 
você." Então, você pode considerá-lo uma criança que não tem o direito de decidir se toma bebida alcoólica ou não. 
Este princípio é perigoso pois o estado maior superior deve decidir tudo, ao mesmo tempo em que a distância 
desses elementos não lhe dá jamais o conhecimento suficiente para decisões finas e precisas. Também é o 
princípio de comando "por ordens". Você impõe, dita o que fazer. 
Os Sapadores-Bombeiros trabalham num outro sistema, o do Efeito Maior, em vigor no exército Francês. Neste 
sistema, o estado maior superior admite que ele vê todo o conjunto, mas de uma maneira pouco precisa. Esta visão 
lhe permite apenas determinar uma "missão". O estado maior superior estabelece, dentro desta visão global, zonas 
que são mais importantes e transmite aos subordinados. Cada subordinado recebe então uma zona, menor, 
associada a uma missão. Como a zona é menor, o subordinado começa a distinguir detalhes que seu superior não 
percebe. Ele determina as partes mais importantes, determina as missões e as transmite por sua vez a seus 
subordinados e assim por diante. 
Enquanto que no princípio do centro de gravidade o comando total vem do estado maior, e quanto mais a 
informação desce na cadeia hierárquica mais ela se deforma, aqui acontece o inverso: quanto mais a informação 
desce dentro do sistema, mais ela é precisa. Mas 3 pontos se destacam: 
1. A transmissão não é feita por ordens. O comando por ordens é substituído pelo comando por objetivos 
O consumo de bebidas alcoólicas - 04/08/2013 - Página 2 de 3 - © ANSB 
- Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros 
(missões). 
2. Cada elemento da cadeia hierárquica respeita o elemento seguinte (tanto num sentido quanto no outro) e 
confia no outro. 
3. Cada elemento, dentro da sua missão, tem iniciativa 
Não é mais "você é burro demais para que eu confie" e sim o contrário: "você é inteligente então eu confio em 
você".
E nós encontramos bem aqui o nosso problema com o álcool: se você considera o indivíduo como um imbecil, 
incapaz de tomar a decisão, ou seja, a iniciativa de beber ou não, no socorro ele vai continuar esperando ordem e 
não tomará decisão. Ao inverso, se você o deixa assumir suas responsabilidades, você aumenta as chances de 
iniciativa, o que é benéfico na missão. 
Por isso, é preciso que o adulto seja tratado como um adulto e não como uma criança. Mas o que nós constatamos 
nos serviços onde o álcool é proibido? Que isso é apenas um dos elementos dentro do conjunto, e que esses 
serviços consideram os indivíduos como crianças. E eles se comportam... como crianças! Eles levam álcool e 
escondem no refeitório, se escondem para beber, etc... E essas atitudes infantis aparecem também no socorro: eles 
se escondem para não chegar muito perto do fogo, buscam desculpas sobre o equipamento... E quando a 
intervenção fracassa, sempre é culpa dos outros ou do material. 
Doutrina 
A Doutrina dos Sapadores-Bombeiros insiste nos comportamentos. De fato, quando o indivíduo é responsabilizado, 
ele tem uma margem de manobra, uma espécie de zona elástica dentro da qual ele move-se conforme seu 
comportamento, sua liberdade, ou seja, suas iniciativas e responsabilidades resultantes. Ao contrário, querer proibir 
tudo torna esta zona rígida, sem no entanto conseguir manter os indivíduos dentro dela. E quando eles saem dessa 
zona, seus comportamentos são extremos e impossíveis de gerir. 
Sim, você pode perguntar sobre o alcoolismo. Mas você pode responder, simplesmente: se uma pessoa é alcoólica, 
não é proibindo o álcool que ela vai parar: ela vai beber escondido! Então, ou é preciso ajudá-la ou tirá-la do 
serviço (ou os dois). A proibição só serve para dar boa consciência a quem proíbe. 
Conclusão 
O fato de autorizar o álcool é somente uma parte de um sistema visando considerar o Sapador-Bombeiro como um 
adulto, tanto no quartel quanto em operação. Ele é alguém consciente de seus atos, adulto, e gere ele mesmo o 
limite do seu comportamento. Note que este conceito é auxiliado pela existência de um documento tal como a 
Doutrina, que permite ao Sapador-Bombeiro compreender perfeitamente o contexto dentro do qual ele atua. 
"Se eu não tivesse 100% de confiança em vocês, eu não teria ordenado a missão que vocês vão cumprir." 
Mensagem do Coronel Nicolas Le Nen, chefe de corpo do 27o BCA falando aos Comandos Franceses antes do 
início da batalha de Alasay, Afeganistão, 14 de março de 2009. 
O consumo de bebidas alcoólicas - 04/08/2013 - Página 3 de 3 - © ANSB 
- Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros

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  • 1. O consumo de bebidas alcoólicas - 04/08/2013 - Página 1 de 3 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros ANSB SAPADORES-­‐BOMBEIROS DO BRASIL O consumo de bebidas alcoólicas... O consumo de bebidas alcoólicas é tolerado nos quartéis de Sapadores-Bombeiros. Isso pode ser surpreendente para quem conhece os prejuízos causados pelo álcool, mas é fácil de explicar, como veremos. Há alguns dias, Endrigo, Sapador-Bombeiro e formador, contatou a DNF (Direção Nacional de Formação da ANSB) sobre o conteúdo do curso que ele tinha acabado de dar aos novos recrutas do seu serviço. Neste curso, na sequência de referência E5 indica-se o que pode e não pode-se fazer durante o serviço. Aí encontramos a frase seguinte, sobre o que é proibido: "Jogo a dinheiro, sexo, álcool em quantidade, atividades políticas e religiosas". Endrigo concluiu, muito corretamente, que se o álcool "em quantidade" é proibido, então é permitido beber. E por isso ele sugeriu que o texto fosse mudado para dizer que o álcool é totalmente proibido. Na verdade, Endrigo leu perfeitamente o curso, o que é prova da qualidade de seu trabalho de formador. Mas o curso não vai ser mudado. Mas por que não? Fora do Brasil Alguns membros da sede da ANSB viajam com certa frequência à Europa, atuando como sêniores no grupo de formadores flashover Tantad, e assim puderam encontrar Sapadores-Bombeiros Franceses, Belgas, Italianos, Portugueses, etc. A Bélgica é um país muito pequeno, com apenas 11 milhões de habitantes. 17.000 Sapadores- Bombeiros atuam em 251 quartéis. Na Bélgica, a produção de cerveja é uma tradição (contam-se mais de 8.000 cervejas diferentes) e em geral elas são muito mais fortes do que as encontradas no Brasil. Cada quartel de Sapadores-Bombeiros tem seu bar. Nele serve-se prioritariamente a cerveja local, mas também cervejas de outras regiões. Assim, o corpo de Sapadores-Bombeiros de Virton, na parte Leste do país, tem um bar onde se serve Orval, a cerveja de Virton, bem como outros tipos de cervejas que o responsável do bar trata de renovar regularmente. Como as cervejas são compradas a preços baixos e o bar do quartel não tem fins de lucro, ocorre que as cervejas são mais baratas no quartel do que fora dele. E não há "problemas com bebida". Na Itália, durante o encontro de formadores flashover Tantad, esses membros da ANSB visitaram quartéis dos "Vigile del Fuoco". Em cada um deles há um bar com vinho e cerveja, e não há "problemas com bebida". Em Portugal, conversando com membros de uma corporação de Sapadores- Bombeiros, tiveram uma outra informação interessante: antigamente, o álcool era totalmente proibido. E havia "problemas com bebida". Agora que o álcool é tolerado, não há mais "problemas com bebida". E no exército? Visto que os Sapadores-Bombeiros são pessoas que trabalham de uniforme, a partir de um quartel, seu funcionamento tem um lado "militar". Por isso, é interessante observar o que acontece na caserna. No exército Americano, o álcool é totalmente proibido. E não é proibido no exército Francês. Em julho de 2013, o site Americano http://www.breachbangclear.com publicou uma série de três artigos escritos por Chris Hernandez intitulado "Trabalhando com o exército Francês". Soldado Americano, Chris teve a oportunidade de trabalhar ao lado dos Franceses no Afeganistão e ter uma ideia diferente do seu funcionamento. Chris Hernandez escreve: "Nós, no exército Americano, somos frequentemente tratados como crianças mentalmente lentas no jardim de infância. Acho que todo soldado do exército Americano fica revoltado por ter de usar um cinto refletivo na zona de combate. Eu costumava balançar a cabeça de impaciência diante dos novos comandantes em Bagram (nossa base
  • 2. aérea no Afeganistão) que mandavam seus soldados andar dentro da base acompanhados de um colega até mesmo para ir ao banheiro do lado da tenda. Muitos de nós, especialmente sub-oficiais experientes, ficávamos irritados por essa mentalidade de "você é burro demais para que eu confie em você" que impregnou o exército. E não me fale da diretiva número 1, a proibição do álcool. Eu não bebo, mas quase todo mundo bebe. Não seria nada absurdo autorizar adultos, homens e mulheres, a escapar do estresse do combate tomando uma ou duas cervejas. Aparentemente, nosso comando pensa que se nos autorizasse a beber, nós nos tornaríamos psicopatas ao estilo de Robert Bales. A ideia de um consumo de álcool racional e controlado parece criar um bloqueio no cérebro dos nossos dirigentes. Os Franceses, no entanto, não têm este problema." Em operação Vejamos agora a ligação entre as operações e o fato de proibir ou autorizar o consumo de álcool. O primeiro modo de ver as coisas é dizer que se alguém consumir álcool ficará menos eficaz. É uma visão primária, parcialmente correta. Mas vamos mais longe. Se nós proibimos, é porque consideramos que o indivíduo não está apto a se autogerenciar. De fato, como diz Chris Hernandez, nós o consideramos uma criança retardada. Várias obras militares Europeias destacam que, se consideramos as pessoas como retardados mentais, isso vai facilitar as coisas... enquanto a situação não estiver complicada demais! Mas logo que as coisas começarem a virar, o chefe vai estar rodeado de retardados mentais e tudo vai piorar. De um ponto de vista operacional, precisamos analisar a maneira de fazer e determinar o tipo de indivíduo que nós queremos. Existem dois modos de operação principais: o centro de gravidade e o efeito maior. No princípio do centro de gravidade, o estado maior superior determina o ponto sensível do inimigo e engaja seu pessoal contra aquele ponto. Se o resultado não é bom, o estado maior acrescenta mais uma camada de material, mais uma, mais outra, e assim por diante... É o caso da guerra do Vietnam com suas várias camadas de equipamento, associadas a uma incompreensão da mentalidade local. Por este princípio de decisão, o indivíduo é apenas um operário a serviço das ferramentas. Ele não tem nada a dizer. Não decide coisa alguma, não deve tomar iniciativa. É exatamente o "você é burro demais para que eu confie em você." Então, você pode considerá-lo uma criança que não tem o direito de decidir se toma bebida alcoólica ou não. Este princípio é perigoso pois o estado maior superior deve decidir tudo, ao mesmo tempo em que a distância desses elementos não lhe dá jamais o conhecimento suficiente para decisões finas e precisas. Também é o princípio de comando "por ordens". Você impõe, dita o que fazer. Os Sapadores-Bombeiros trabalham num outro sistema, o do Efeito Maior, em vigor no exército Francês. Neste sistema, o estado maior superior admite que ele vê todo o conjunto, mas de uma maneira pouco precisa. Esta visão lhe permite apenas determinar uma "missão". O estado maior superior estabelece, dentro desta visão global, zonas que são mais importantes e transmite aos subordinados. Cada subordinado recebe então uma zona, menor, associada a uma missão. Como a zona é menor, o subordinado começa a distinguir detalhes que seu superior não percebe. Ele determina as partes mais importantes, determina as missões e as transmite por sua vez a seus subordinados e assim por diante. Enquanto que no princípio do centro de gravidade o comando total vem do estado maior, e quanto mais a informação desce na cadeia hierárquica mais ela se deforma, aqui acontece o inverso: quanto mais a informação desce dentro do sistema, mais ela é precisa. Mas 3 pontos se destacam: 1. A transmissão não é feita por ordens. O comando por ordens é substituído pelo comando por objetivos O consumo de bebidas alcoólicas - 04/08/2013 - Página 2 de 3 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros (missões). 2. Cada elemento da cadeia hierárquica respeita o elemento seguinte (tanto num sentido quanto no outro) e confia no outro. 3. Cada elemento, dentro da sua missão, tem iniciativa Não é mais "você é burro demais para que eu confie" e sim o contrário: "você é inteligente então eu confio em você".
  • 3. E nós encontramos bem aqui o nosso problema com o álcool: se você considera o indivíduo como um imbecil, incapaz de tomar a decisão, ou seja, a iniciativa de beber ou não, no socorro ele vai continuar esperando ordem e não tomará decisão. Ao inverso, se você o deixa assumir suas responsabilidades, você aumenta as chances de iniciativa, o que é benéfico na missão. Por isso, é preciso que o adulto seja tratado como um adulto e não como uma criança. Mas o que nós constatamos nos serviços onde o álcool é proibido? Que isso é apenas um dos elementos dentro do conjunto, e que esses serviços consideram os indivíduos como crianças. E eles se comportam... como crianças! Eles levam álcool e escondem no refeitório, se escondem para beber, etc... E essas atitudes infantis aparecem também no socorro: eles se escondem para não chegar muito perto do fogo, buscam desculpas sobre o equipamento... E quando a intervenção fracassa, sempre é culpa dos outros ou do material. Doutrina A Doutrina dos Sapadores-Bombeiros insiste nos comportamentos. De fato, quando o indivíduo é responsabilizado, ele tem uma margem de manobra, uma espécie de zona elástica dentro da qual ele move-se conforme seu comportamento, sua liberdade, ou seja, suas iniciativas e responsabilidades resultantes. Ao contrário, querer proibir tudo torna esta zona rígida, sem no entanto conseguir manter os indivíduos dentro dela. E quando eles saem dessa zona, seus comportamentos são extremos e impossíveis de gerir. Sim, você pode perguntar sobre o alcoolismo. Mas você pode responder, simplesmente: se uma pessoa é alcoólica, não é proibindo o álcool que ela vai parar: ela vai beber escondido! Então, ou é preciso ajudá-la ou tirá-la do serviço (ou os dois). A proibição só serve para dar boa consciência a quem proíbe. Conclusão O fato de autorizar o álcool é somente uma parte de um sistema visando considerar o Sapador-Bombeiro como um adulto, tanto no quartel quanto em operação. Ele é alguém consciente de seus atos, adulto, e gere ele mesmo o limite do seu comportamento. Note que este conceito é auxiliado pela existência de um documento tal como a Doutrina, que permite ao Sapador-Bombeiro compreender perfeitamente o contexto dentro do qual ele atua. "Se eu não tivesse 100% de confiança em vocês, eu não teria ordenado a missão que vocês vão cumprir." Mensagem do Coronel Nicolas Le Nen, chefe de corpo do 27o BCA falando aos Comandos Franceses antes do início da batalha de Alasay, Afeganistão, 14 de março de 2009. O consumo de bebidas alcoólicas - 04/08/2013 - Página 3 de 3 - © ANSB - Associação Nacional dos Sapadores-Bombeiros