Os que desejam a destruição são os outros, nós apenas destruímos para não ser destruídos, pelo que, em boa fé, devemos considerar que estamos a alimentar o poder de destruição, dos outros, e de nós mesmos.
1. Civilização e culpa
Bom mau, certo e errado, eis a discussão que prevalece sem levar em conta as consequências
biológicas psíquicas daí resultantes, em que parece existir uma razão que não sabemos de
onde vem, mas que insistimos nela, mesmo que não possa faltar ao respeito e consideração ao
seu semelhante.
É por isso, que as pessoas que se dedicam a lutar pelo Bem contra o Mal são os responsáveis
pelas guerras e desgraça humana, convencidos, embora de forma inconsciente, que estão a
lutar por uma boa causa, porque seus instintos assim mandam.
Os que desejam a destruição são os outros, nós apenas destruímos para não ser destruídos,
pelo que, em boa fé, devemos considerar que estamos a alimentar o poder de destruição, dos
outros, e de nós mesmos.
O mundo revela-se através das consequências e não em função da razão.
Podemos afirmar com toda a propriedade, que o processo civilizacional foi conseguida com
base na incorporação da culpa, do pecado, do divino e demoníaco, tendo em vista um poder
superior que seria suposto comandar os homens, mas tal não significa, que só desse modo o
homem possa ser civilizado.
Seria admitir que para conseguir um objetivo só existe um caminho único, e qualquer outra via
estaria vedada ao trânsito de uma forma diferenciada de formação da criança, o que de todo,
cada vez mais não parece ser verdadeiro.
Por outro lado, o que nos revela a maioria dos transtornos psíquicos é que eles estão assentes
sob uma base de culpa, tentando nos mostrar que o modo de organização da civilização, ou
seja, suas regras, desde há muito carecem de revisão.
Ou seja, a civilização, tal como está organizada, produz doentes em vez de homens sadios.
Se para ser civilizado devemos sentir a culpa, e isso nos causa mal estar, o desejo irá no
sentido de a abolir, o que nos coloca perante o dilema de encontrar uma solução para não cair
num mundo onde tudo seja permitido sem culpa.
Como não enxergamos a solução, nos é dado a perceber que entre essas duas formas de estar
na vida, com culpa ou sem ela, será preferível a primeira, em virtude de reprimir os instintos
de destruição do ser humano.
Ou seja, nos posicionamos na ambivalência produzida na idade média, como uma criança que
nasceu e se fez sociedade, ficando vinculada para sempre a esse modo de formação civilizada,
assente na base do pecado, da culpa e do medo pela punição.
Pelo que, continuamos a insistir numa falsa liberdade, no medo e castração da vida, como
referiu Nietzsche, que por medo da punição não conseguimos ultrapassar a barreira da
impossibilidade.
Quando alguém nos interroga indignado, qual a outra forma de criar um homem civilizado,
percebemos logo, que o questionador se tornou nessa impossibilidade, sendo ela própria, que
não admite outra solução, em que o abismo será a finalidade a atingir desta geração.
João António Fernandes
Psicanalista Freudiano